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José Casado: O isolamento de Bolsonaro

Qual é o plano de Jair Bolsonaro para a Amazônia ou o meio ambiente? Se existe, ninguém sabe, ninguém viu nessas 37 semanas de governo. Até agora, se limitou ao vitimismo, muito conveniente a quem atola mas não quer se responsabilizar pela própria inépcia.

Hoje, na ONU, ele vai constatar a dimensão do seu isolamento, inédito para um chefe de Estado brasileiro. Pode tentar revertê-lo, mas isso, exige competência — mercadoria rarefeita na atmosfera do Palácio do Planalto, onde só florescem intrigas, perfídias e anacronismo.

O presidente começa a descobrir o custo da opção pelo papel de vilão ambiental. Foi Bolsonaro quem se apresentou como alvo no centro de uma renovada forma de ação política global, o ativismo climático.

A obsessão com uma conspiração internacional contra a soberania brasileira na Amazônia diz mais sobre o deserto de ideias do governo do que a respeito dos objetivos de países, ONGs e empresas na região.

A tática de criação de inimigos com interesses ocultos sobre o território amazônico é datada do período da Guerra Fria. Ocupou alguns na Escola do Comando e Estado-Maior do Exército na formatação dos novos subversivos (ambientalistas, índios e estrangeiros) na Rio-92, a primeira conferência mundial sobre meio ambiente.

O Brasil da época importava alimentos, hoje é o terceiro maior exportador. Bolsonaro revigorou o anacronismo. Extirpou a palavra “clima” do Itamaraty, desmontou políticas ambiental, fundiária, indigenista e acabou com o Fundo Amazônia. Também desdenhou da diplomacia com Europa, China e Rússia, optando por ficar refém da Casa Branca de Donald Trump.

O tempo passou e ele não viu. O novo ativismo climático levou 230 fundos de investimentos a perceber nesse negacionismo riscos de reputação, operacionais e regulatórios. Na sequência, 130 bancos — Bradesco e Itaú incluídos— anunciaram pressão conjunta para ação rápida contra “o catastrófico aquecimento global”. E governadores de nove estados que perderam o Fundo Amazônia iniciaram negociações diretas com quem quiser investir na região. O custo Bolsonaro ficou alto demais. Para todos.


José Casado: As bombas subsidiadas do Brasil na guerra saudita

Brasileiros contribuem do próprio bolso com a matança no Iêmen

Drones bombardearam uma refinaria da Arábia Saudita no sábado. Perderam-se 5% do suprimento mundial de petróleo. Não é pouca coisa. Essa ruptura no abastecimento de 5,7 milhões de barris por dia é mais do que o dobro daquilo que o Brasil consome em óleo a cada 24 horas.

Os brasileiros começarão a sentir no bolso os efeitos desse conflito entre Arábia Saudita, Irã e Iêmen. Preços da gasolina, diesel e gás ainda podem subir muito, se demorar a recuperar a produção e se os sauditas não eliminarem as dúvidas sobre defesa de uma infraestrutura vital ao abastecimento mundial de energia.

O impacto no Brasil tende a crescer no ritmo da imprevidência governamental. Depois de 34 semanas gastando energia em negar a ciência, impor censura, reprimir a sexualidade de alguns e armar todos, o governo Bolsonaro ainda não sabe se cria um fundo para estabilização de preços dos derivados de petróleo. Também, não resolveu o impasse sobre preços do diesel — embora seja recente a memória do caos num país onde 60% das cargas fluem por rodovias.

É ilusão achar que o Brasil está a 11 mil quilômetros dessa guerra. Os brasileiros contribuem do próprio bolso com a matança no Iêmen.

Desde o governo Dilma Rousseff, a sociedade paga, via incentivos fiscais, para uma empresa, a Avibras, fornecer aos sauditas sistemas de grande alcance (200 km) com munição de fragmentação— projéteis que se abrem no ar e descarregam bombas que, se não explodem, ficam enterradas como minas ativas.

Bombas brasileiras de fragmentação têm sido usadas contra civis no Iêmen, relatam ONGs integrantes da Cluster Munition Coalition.

Elas simbolizam uma proeza do lobby da indústria bélica, que uniu Dilma, Temer e Bolsonaro na concessão de incentivos e na rejeição a acordos para banir esse armamento.

Metade das vendas da Avibras vai para os sauditas. São US$ 60 milhões por ano. Em outubro, Bolsonaro deve visitar em Riad o ditador “MbS” (o nome completo tem 18 palavras), reputado como dos mais sanguinários do Oriente Médio. Na bagagem levará a nova versão do sistema da Avibras, o Astros 2020.


José Casado: Os acordos já estão em xeque

Problema é a forma tóxica como Bolsonaro lida com a política ambiental

Poucos, em Brasília, apostam na ratificação do acordo Mercosul-União Europeia até o final do governo Jair Bolsonaro. Também não se acredita num acordo de livre comércio com os Estados Unidos.

O problema está na forma tóxica como Bolsonaro lida com a política ambiental e a Amazônia. Semeia dúvidas sobre o futuro dos negócios com Europa e EUA, que enfrentam inédita competição com a China.

França e Alemanha, entre outros, já explicitaram relutância ao aval para o acordo com o Mercosul até 2023.

Sexta-feira, 11 senadores pediram o bloqueio das negociações com o Brasil. Compõem 24% da bancada Democrata, partido que controla a Câmara. Querem “compromisso claro e progresso demonstrável na proteção da Amazônia”.

Vincularam o avanço do desmate ao conflito EUA-China: “O volume das exportações americanas de soja para a China caiu 74% em 2018, e o Brasil se apressou em preencher a lacuna. Agora fornece 75% das importações de soja da China, 23% a mais. Na ausência de sérias proteções ambientais, a expansão da indústria de soja no Brasil levou a um aumento na limpeza (de áreas) da Amazônia para mais terras. Os riscos são simplesmente grandes demais.”

Seja na disputa pela Casa Branca ou na avalanche de protestos, começam a ficar expostos os acionistas de negócios lucrativos com as commodities brasileiras num fluxo de US$ 270 bilhões anuais. É o caso de seis grupos (JPMorgan Chase, BNP Paribas, Barclays, Bank of America, Citigroup e Deutsche) que bancam quase todo o crédito das quatro maiores comercializadoras de grãos (ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus). E de outros (Santander e HSBC) que lastreiam metade das vendas dos principais açougues nacionais (Marfrig, Minerva e JBS).

Bolsonaro anunciou que vai “até de maca” ao debate da ONU sobre o clima, dia 20. Ali, talvez, perceba a dimensão do seu isolamento. Na sequência, verá no Sínodo da Amazônia como a Igreja Católica há 2019 anos aprendeu a dar xeque-mate na arrogância de governos e dos seus espiões atrapalhados.


José Casado: Ruim para os negócios

Jair Bolsonaro parece mais inquieto com a próxima reunião da ONU, em Nova York, do que com a sua quarta cirurgia no abdômen no próximo domingo, em São Paulo. “Eu vou, nem que seja de cadeira de rodas, de maca”, disse ontem, “porque eu quero falar sobre a Amazônia”.

Será mais do mesmo, se insistir na retórica radical que manipula em fuga da realidade. Melhor faria se mobilizasse governos e Congresso num projeto consistente para a região.

Exigiria trabalho, o que é diferente da venda de ilusões sobre a refundação da República em tuítes para convertidos. Implicaria num choque com a realidade, por exemplo, das empresas que preferem lucrar sob regras ambientais claras e estáveis ao caos da paisagem calcinada, instável para investimentos de longo prazo, como na mineração.

Bolsonaro, talvez, ficasse surpreso com os anúncios dos últimos dias feitos por transnacionais do comércio, indústria, agricultura e finanças, exorcizando suspeitas de cumplicidade com o desmate amazônico.

Entre outras, se destacaram Bunge, Cargill e Archer Daniels Midland (grãos); o conglomerado Nestlé; indústrias de óleo vegetal vinculadas à Abiove, Mowi (salmão), Yara (fertilizantes), VFC (confecções), Tradelink (madeira), Norsk Hydro (alumínio) e Equinor (petróleo).

A autodefesa avança no mercado financeiro. Fundos como Storebrand e KLP, com US$ 170 bilhões em ativos, revisam negócios de soja, óleo de palma e madeira no Centro-Oeste e na Amazônia. O KLP já vetara investimentos na Vale por causa dos acidentes em Mariana e Brumadinho. Agora, foca nas operações de comercializadoras de grãos como Bunge e Archer Daniels Midland, nas quais investiu US$ 50 milhões.

Já o banco Nordea, com US$ 700 bilhões em ativos, foi além: suspendeu suas aplicações em títulos do governo brasileiro. Viu ameaças ao acordo Mercosul-União Europeia e risco de boicotes a produtos agrícolas do Brasil. O custo Bolsonaro aumenta. E isso é ruim para os negócios.


José Casado || O custo Bolsonaro

Alguns políticos se apaixonam pela própria voz, sem se importar com o que dizem. Jair Bolsonaro foi além: no mimetismo caricato de Donald Trump encontrou a moldura para a retórica e as atitudes de confronto, como se estivesse numa batalha eleitoral permanente.

Como o presidente insiste em manter o inconsciente muito perto dos lábios, cria riscos desnecessários para o país. Isso porque em política palavras e atos têm consequências — geralmente, no bolso dos governados.

Desde a semana passada, empresários vislumbram uma novidade no agronegócio: o custo Bolsonaro. É o preço previsível, para muitos inevitável, do incêndio político amazônico lavrado pelo Capitão Motosserra, com o auxílio dos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores.

A retórica eleitoral inflamada ecoando uma política arcaica, obscurantista, hipnotizou o governo e o deixou exposto no centro de uma inédita crise ambiental. Sob pressão europeia, Bolsonaro ficou ainda mais dependente da Casa Branca.

Para o setor privado, onde o acesso ao mercado global é jogo de poder e dinheiro, Bolsonaro agora é sinônimo de um custo extraordinário e considerado praticamente inevitável.

Responsáveis por US$ 101 bilhões em exportações, empresas do agronegócio agora convivem com o espectro de boicotes e taxações.

Por ironia, esse setor foi o esteio eleitoral de Bolsonaro, indica o mapas da urnas nas cinco regiões de maior PIB agropecuário: obteve 65,6% dos votos em Uberaba (MG); 69,5% em Cascavel (PR); 67% em Rio Verde (GO); 68% em Dourados (GO) e 75,5% em Sorriso (MT).

Foi, também, o predileto de madeireiros e pecuaristas das áreas onde hoje mais se incendeia a Floresta Amazônica. Alcançou 78% dos votos em Novo Progresso (PA); 69% em Porto Velho (RO) e 63% em Altamira (PA).

O custo Bolsonaro fragiliza o agronegócio, no meio de uma guerra comercial global de consequências imprevisíveis para economias como a brasileira.


José Casado: Bolsonaro concentra poder

Jair Bolsonaro avança na concentração de poder. Em julho fez uma escolha pessoal, decidida em família, para o comando da agência de espionagem. “O que o presidente precisa é de informação para não ser surpreendido”, disse ao entregar a Abin ao delegado federal Alexandre Ramagem. Herdeira do antigo SNI, ela mantém 26 unidades nos estados. Agora, opera sob controle direto do presidente.

Em seguida, ele aproveitou a confusão política com o “superministério” da Justiça para retirar-lhe o Coaf, banco de dados financeiros em cuja malha caíra um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Semana passada, avisou à Receita Federal que pretende “limpar” o órgão de “petistas infiltrados”. O governo não refutou o relato do repórter Raphael Di Cunto sobre queixas do presidente quanto a uma suposta “perseguição” fiscal à sua família.

Nesta semana define quem vai comandar a Procuradoria-Geral da República. Ontem, alinhou os compromissos que impôs: “Que (o escolhido) entenda a situação do homem do campo e não fique com essa ojeriza ambiental; que não atrapalhe as obras, dificultando licenças; que preserve a família brasileira; e que entenda que as leis têm que ser feitas para a maioria e não para as minorias.” Por tais critérios, Bolsonaro parece desejar a PGR como um anexo do Palácio do Planalto.

A lei dá à Procuradoria-Geral a competência exclusiva para investigar e denunciar —ou não —o presidente da República, ministros, deputados e senadores. O ungido de Bolsonaro terá influência decisiva no rumo de casos de corrupção, meio ambiente, direitos civis, limites à ação policial, armamento da população e, também, arguições das leis previdenciária e tributária em produção no Congresso — onde o presidente já tem a maior bancada.

Bolsonaro começou enquadrando o governo numa moldura de símbolos militaristas verde-oliva. Agora, avança no controle pessoal e direto sobre a agência de espionagem, os órgãos de controle externo e o Ministério Público. É um excedente de poder, observam políticos, nas mãos de um presidente em campanha pela reeleição.


José Casado: Uma trama no Paraguai

Suspeitas de interferências privadas —indevidas — ea precipitação de Jair Bolsonaro em baratear o custo doméstico da energia comprada de Itaipu arrastaram o Brasil para o centro de uma crise no Paraguai.

Na noite de sexta-feira o advogado José Rodríguez González, assessor do vice-presidente Hugo Velázquez, confessou à Procuradoria Anticorrupção paraguaia ter atuado nas negociações entre os dois países para beneficiara empresa paulista Leros, comercializadora de energia.

Essa manobra ampliou a comoção local com descoberta de que o governo do Paraguai aceitara um aumento de US$ 50 milhões por ano, até 2023, no custo da energia adquirida de Itai pupara o consumo próprio. Revelado pela repórter Mabel Rehnfeldt, o acordo foi cancelado por ser considerado lesivo aos paraguaios e benéfico ao Brasil. O caso ameaça a sobrevivência do governo de Mario Abdo Benítez.

A obscura transação coma Léros ocorreu quando Paraguai e Brasil discutiam as bases dos contratos da energia de Itaipu. O vice-presidente Hugo Velázquez mandou a cúpula da estatal paraguaia Ande, símile da Eletrobras, negociar com a Léros a garantia de monopólio na revenda no Brasil de uma cota de 300 Megawatts de potência de Itaipu. Negócio milionário sobre volume de energia suficiente para abastecer cidades como Volta Redonda, um polo siderúrgico. Entre os brasileiros estava Alexandre Giordano, apresentado como vinculado à “familia del mandatario brasileño”. Ele é suplente do senador Major Olímpio (PSL- SP ), líder de Bolsonaro no Senado.

O assessor do vice Velázquez orientou negociadores de seu país a omitir do acordo com o Brasil — e manter em segredo—o monopólio da Léros.

Velázquez agora está no centro da trama ajudou a abalar as relações do Brasil como Paraguai. A crise do acordo de Itaipu ocorre em plena celebração do“Sesquicentenário da Epopeia Nacional :1864-1870”, a guerra perdida para o Brasil, Argentina e Uruguai. Esse tratado prevaleceu por 46 anos como um símbolo moderno da pacificação na fronteira. Sob Bolsonaro, virou fonte de convulsão na outra margem do Rio Paraná.


José Casado: Segredos e sussurros

Sobra inquietação em Brasília. Confirmam-se 976 linhas telefônicas grampeadas em três estados. É grande o número de vítimas, entre elas o presidente, juízes do Supremo e do STJ, líderes do Congresso, ministros, desembargadores, procuradores e policiais.

Mantém-se segredo sobre o conteúdo das mensagens roubadas. Fraudados de maneira tosca na precária segurança das redes nacionais de comunicações, todos agora estão com a sua correspondência privada sob manejo da Polícia Federal.

Pior: cópias desse acervo íntimo da cúpula da República estão com “fiéis depositários”, advertiram advogados de um dos acusados da rapina.

Curiosamente, até agora só uma preocupação foi exposta: a destruição de conteúdo sobre a Lava-Jato. A polícia exorcizou essa aflição partidária, remetendo a decisão à Justiça.

A investigação é sigilosa, mas já vazou. Nomes de alguns furtados foram sussurrados ao Ministério da Justiça, que nega ter violado segredos. Ninguém falou em investigar.

Silenciou-se, também, sobre as “fragilidades” —definição da perícia — das redes nacionais de comunicações. Elas confirmam o Brasil como área livre à espionagem, sem proteção da infraestrutura e das pessoas.

Contam-se as vítimas aos milhões, diariamente. Há registros de vazamentos recentes da base de clientes de Uber, Banco Inter e Netshoes (nesta, 17 milhões), e sobre uso de dados de crianças no Google/YouTube. Tem-se um livre comércio de cadastros de 150 milhões subtraídos da Receita, do INSS, dos sistemas financeiro, de telefonia e de saúde.

Em 2013, comprovou-se a coleta de dados no Brasil por agências americanas de espionagem. Brasília se queixou, Washington retrucou com irônica oferta de “proteção” do pré-sal e da Petrobras contra bisbilhotagem chinesa, britânica e russa.

Anunciou-se, então, uma ampla revisão da segurança nas comunicações. O plano, se existiu, nunca chegou às 35 chefias de 15 ministérios e aos mais de 300 órgãos envolvidos.

Nada mudou nesse faroeste político-digital brasileiro. Só o número de vítimas —sempre crescente.


José Casado: O passado incomoda Bolsonaro

Presidente tenta reescrever a própria história

Oficiais do Comando de Operações Especiais atravessaram a última semana tentando decifrar o significado de palavras ditas por Jair Bolsonaro durante uma celebração dessa unidade do Exército: “Feliz é o país que tem umas Forças Armadas e forças auxiliares comprometidas com a democracia, mesmo com sacrifício da própria vida ou com a destruição da própria reputação.” Como não explicou, oficiais não entenderam esse suicídio institucional.

A dúvida tem origem na ocasião do discurso, o 17º aniversário do Comando de Operações Especiais, criado em 27 de junho de 2002. Até então, existia um destacamento, cuja ação mais relevante ocorrera no Araguaia nos anos 70: o massacre de um grupo terrorista do PCdoB. Se era a isso que se referia, ele se tornou o primeiro presidente a reconhecer essa carnificina como devastadora para a imagem do Exército na ditadura.

Numa perspectiva benigna, pode-se tomar a retórica pelo que parece ser, a performance ilusionista de um personagem político cevado na banalização da violência e na louvação a ícones dos porões da ditadura — antítese do profissionalismo militar.

Convicto da caricatura política que criou e legitimou nas urnas, Bolsonaro parece ter esquecido quem é na vida real: “Deixei o Exército em 1988”, recordou no discurso, “e estou muito feliz com tudo aquilo que aconteceu, mesmo com algo um tanto quanto esquisito lá atrás.”

Esquisito, anormal, foi o comportamento do capitão Bolsonaro 32 anos atrás, ao se envolver num plano para explodir bombas em quartéis, como registram os arquivos do Exército e do Superior Tribunal Militar. O objetivo seria causar pânico para justificar um aumento de salário da tropa.

O Exército o prendeu e processou e até o impediu de receber o diploma de um curso, entregue em casa. Detalhes estarão disponíveis na próxima semana em livro do repórter Luiz Maklouf. O tribunal o considerou “não culpado” por formalidades.

Um dos juízes do STM, José Luiz Clerot, ponderou: “Nem cem punições a um oficial não chegam aos pés de uma só das violações éticas desse capitão Bolsonaro.”

O presidente tenta reescrever a própria história.


José Casado: Nova política de pai para filho

Bolsonaro reafirmou sua predileção pelo nepotismo

Agitava as mãos e gritava: “É palhaçada! Hipocrisia!”

Era contra qualquer tipo de proibição ao empreguismo de parentes no governo, Legislativo e Judiciário. Já havia inscrito mãe, filho e mulher na folha salarial de seu gabinete de deputado federal pelo Rio:

“Eu não estou preocupado porque meu filho não é um imbecil e minha mulher não é uma jumenta...”

Seguiu com uma provocação ao plenário: “E as amantes? Vão ficar de fora da proposta? Todo mundo sabe que tá cheio de amante do Executivo aqui.”

Ninguém se intimidou. A proposta de emenda à Constituição (nº 334) para proibir o nepotismo foi admitida na Câmara naquela quarta-feira, um 13 de abril de 14 anos atrás. Não foi muito além, porque alguns insistiam na velha política de apropriação de uma fatia do Orçamento público para uso pessoal, privado ou familiar. Nesse grupo se destacavam Bolsonaro e Severino Cavalcanti, presidente da Câmara.

Com oito parentes pendurados na folha do Legislativo, Cavalcanti inspirava humoristas como Millôr Fernandes: “Mateus, primeiro, segundo e terceiro, os teus”. Nepote, por bastardia, do Barão de Pau Barbado, escravocrata sanguinário, Agamenon Mendes Pedreira, do GLOBO, lembrava: “O nepotismo começou cedo, quando Deus nomeou Seu filho para a Santíssima Trindade.”

Cavalcanti, como Bolsonaro, não estava nem aí: “Essa história de nepotismo é coisa para fracassados e derrotados que não souberam criar seus filhos.”

No vácuo do Legislativo, o Supremo estabeleceu regras básicas antinepotismo (Súmula 13), mas deixou brechas. Em seguida, Lula proibiu por decreto (nº 7.203).

Ontem, na Câmara, Bolsonaro reafirmou sua predileção pelo nepotismo: “Por vezes, temos que tomar decisões que não agradam a todos, como a possibilidade de indicar para a Embaixada dos Estados Unidos um filho meu... Se está sendo tão criticado, é sinal de que é a pessoa adequada...”

No plenário, o deputado Eduardo agradeceu. Lembrou que já devia ao pai o mandato: “Sou seu filho, indissociavelmente.”

Deve ser isso que chamam de “nova política”.


João Domingos: A saída é negociar

Quando se trata de economia, o presidente Jair Bolsonaro pode ser tudo, menos ingênuo

Entre vários dos dirigentes partidários e do Congresso existe hoje o entendimento de que as relações com Jair Bolsonaro vão piorar muito no segundo semestre. Acham que o presidente começará a sentir seu poder pessoal aumentar, principalmente depois de demitir um nome respeitado como o do general Santos Cruz, esperar algum ruído da ala militar e perceber que ele não veio. Ou participar de uma reunião do G-20, responder com pedras às pedradas que poderia receber da chanceler alemã Angela Merkel e do presidente francês Emmanuel Macron, e ver que não houve reação.

Pelo contrário. Bolsonaro saiu da reunião com um acordo assinado entre Mercosul e União Europeia, acordo cujas conversações tiveram início em 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas que só veio a ser fechado no atual governo. Então, por que não atribuir a si tão grande feito? Finalmente, dizem líderes partidários, Bolsonaro tenderá a dizer que outros tentaram, mas só ele conseguiu uma reforma da Previdência abrangente como a atual. E sem negociar cargos com os partidos, estabelecendo o presidencialismo sem coalizão, para usar uma expressão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Pode ser que as lideranças estejam certas e as relações entre Congresso e presidente entrem mesmo num campo de choque. Afinal, quem é que pode dizer alguma coisa sobre o futuro? Mas é pouco provável que um choque forte ocorra. Mesmo que seja chamado de “ingênuo” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e admita que é mesmo, quando se trata de economia, Bolsonaro pode ser tudo, menos ingênuo.

Ele sabe, e Rodrigo Maia também sabe, tanto é que já admitiu isso publicamente, que no presidencialismo sem coalizão a tendência é de que lideranças do Parlamento sejam fortalecidas. Ninguém pode dizer que Maia não se fortaleceu muito nestes seis meses de governo de Jair Bolsonaro. Maia tem hoje a seu lado líderes partidários como Baleia Rossi (MDB), Arthur Lira (PP), Elmar Nascimento (DEM), Wellington Roberto (PL), André de Paula (PSD), Paulo Pimenta (PT), Carlos Sampaio (PSDB) e Tadeu Alencar (PSB), para citar alguns. Em resumo, a influência de Maia vai da direita à esquerda, sendo muito forte no centro. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre(DEM-AP), também não faz nada sem conversar antes com Maia. O fato de serem do mesmo partido facilita as coisas. Mas não é só isso. Maia empresta a Alcolumbre a experiência que o presidente do Senado não tem.

Quanto a Bolsonaro, mesmo que ele venha a se sentir o dono do mundo por causa do acordo Mercosul/União Europeia, por ter enfrentado Macron e Merkel, ou pela afinidade ideológica com Donald Trump, é o Brasil que ele preside. Pode demitir um ministro forte como Santos Cruz sem maiores problemas. Ele é o presidente. E num presidencialismo sem coalizão. Mas, quando se trata da relação com o Congresso, não tem outra opção a não ser negociar. Melhor: não tem outra opção a não ser negociar com Maia.

Foi o que ocorreu em relação aos decretos que facilitavam a posse de armas. Se Bolsonaro não tivesse recuado, seriam todos derrubados, assim como foi derrubado o decreto que aumentava o número de pessoas aptas a dizer o que era documento secreto e ultrassecreto.

Em relação à reforma da Previdência, ela só andou tão bem porque o Congresso a adotou como parte de sua agenda positiva. Se tivesse ficado na dependência da articulação do governo, talvez hoje ainda estivesse esperando pelo exame de admissibilidade da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a não já pronta para ir ao plenário.

Bolsonaro, como dito acima, não é ingênuo. Ele depende do Congresso para governar. Mesmo que na cadeira presidencial se sinta muito forte.


José Casado: O balé eleitoral de Bolsonaro

É razoável esperar que presidentes, ao menos, leiam compromissos que juram ou subscrevem

Jair Bolsonaro é um político profissional. Já passou 47% da sua vida no Legislativo, o triplo do tempo em que esteve no Exército, que o prendeu, processou e afastou por indisciplina. Mesmo assim, continua no autoengano da negação da política e esgrimindo uma suposta ignorância sobre o que diz a Constituição.

Na noite de domingo, ele escreveu: “Respeito todas as Instituições, mas acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo lealdade.”

A essência dessa frase de 16 palavras é o exorcismo de outra, com 20 vocábulos: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Está destacada em parágrafo único no primeiro artigo da Carta — à qual Bolsonaro jurou obediência oito vezes seguidas nos últimos 30 anos.

Não se pode exigir que presidentes sejam sábios, mas é razoável esperar que, ao menos, leiam compromissos que juram ou subscrevem.

Apenas 48 horas antes, Bolsonaro havia celebrado a adesão ao acordo Mercosul-União Europeia, cujo fundamento é a cooperação entre instituições, sob princípios da democracia liberal e do desenvolvimento sustentável. É, essencialmente, um grande acordo político, com efeitos práticos no comércio nas duas margens do Atlântico.

Como premissa, estabelece a impossibilidade de retrocessos em tratados em vigor. Obriga a “implementação efetiva” de políticas ambientais e antidesmatamento, como previsto no “Acordo de Paris”; contra a discriminação no trabalho, por gênero, identidade ou orientação sexual; impõe ações contra o trabalho escravo e infantil; garantias aos direitos dos índios, à liberdade sindical e ao direito de negociação coletiva, entre outros aspectos.

Bolsonaro vai precisar se aperfeiçoar no contorcionismo retórico para continuar no balé eleitoral da negação da política, evidência de um certo transtorno bipolar com a democracia. O acordo Mercosul-União Europeia deve aumentar sua taxa de confusão entre aquilo que aparentemente deseja e a vida real sob regras democráticas.