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José Casado: O zagueiro do dinheiro vivo

Suas operações suspeitas ultrapassam R$ 1 bilhão

Ocupação: auxiliar de escritório. Remuneração: R$ 278.500 por mês. Isso significa R$ 3,3 milhões por ano de trabalho, e com direito a décimo terceiro salário.

Esse emprego existe mesmo. Está em Nova Iguaçu (RJ), lugar onde quatro em cada dez habitantes sobrevivem com até meio salário mínimo mensal (R$ 522).

Quem ganhou a posição foi Zé Carlos, zagueiro aposentado do Itaperuna F. C. Ele fez o gol dos sonhos de muitos na Associação de Ensino Superior (Sesni), mantenedora da Universidade Iguaçu (Unig). Cargo e remuneração do ex-jogador constam em documentos trabalhistas da associação, que se diz “filantrópica” e dedicada aos pobres.

O milionário auxiliar de escritório Zé Carlos na vida real é José Carlos de Melo, empresário que trafega entre os submundos da política carioca e das máfias da Baixada Fluminense, e até o mês passado controlava o caixa da Universidade Iguaçu.

Para o Ministério Público, ele foi o intermediário de estranhos negócios no governo Wilson Witzel. Suas operações suspeitas ultrapassam o “patamar de R$ 1 bilhão, grande parte em espécie”. Sua movimentação financeira supera a soma (R$ 950 milhões) das realizadas por 27 deputados e 545 assessores investigados por corrupção, rachadinhas e lavagem de dinheiro na Assembleia do Rio.

Ficou conhecido como o homem do dinheiro vivo. Patrocinou um mensalão carioca, pagando mesadas mensais a uma dezena de deputados estaduais —contou à polícia um ex-secretário do governo Witzel, que confessou ter recebido dele R$ 600 mil em dois pacotes. Até julho, Receita e Coaf haviam mapeado mais de 160 transações de Zé Carlos acima de R$ 100 mil. Todas em espécie, em agências bancárias de Nova Iguaçu e Itaperuna.

Facções se digladiam na luta pela hegemonia na Assembleia Legislativa. O prêmio é o lucro em facilidades contratuais no governo, estatais e prefeituras. No ex-zagueiro Zé Carlos, tem-se um retrato atualizado desses jogos de poder no submundo da “nova” política fluminense.


José Casado: A resiliência das mulheres

Bolsonaro tem um problema com elas, que o rejeitam

Jair Bolsonaro tem um problema com as mulheres. Elas o rejeitam, e reafirmam a aversão combinada à desconfiança nas pesquisas do Datafolha nos últimos 24 meses.

Em agosto de dois anos atrás, quatro de cada dez eleitoras se mostravam enfáticas na recusa ao candidato: 43% declaravam que nele não votariam “de jeito nenhum”.

Bolsonaro começava a despontar como favorito na disputa presidencial apoiado no voto masculino, na proporção de três homens para cada mulher. A repulsa feminina aumentou, para 50%, entre o primeiro e o segundo turno.

O repúdio atravessou o ciclo inaugural no Planalto. Em dezembro do ano passado, 41% das eleitoras qualificavam seu governo entre “ruim” e “péssimo”. Afirmavam (46%) “nunca confiar” no que dizia o presidente. A maioria (56%) o criticava por não se comportar no cargo como deveria.

A resistência feminina prossegue, estável na margem de erro de dois pontos percentuais. Semana passada 39% das mulheres classificavam o governo entre “ruim” e “péssimo”, e 44% declaravam jamais confiar naquilo que ele diz.

Com um discurso arcaico e governando de maneira rudimentar, entre vítimas e escombros econômicos da “gripezinha”, Bolsonaro se sustenta sob o repúdio permanente de cerca de 39 milhões de mulheres num país onde o voto feminino é maioria (52,5%). Merece um lugar na antologia dos anacronismos políticos.

Está sendo processado, de novo, por hostilidade às mulheres. Semana passada foi acusado em 71 páginas de coletânea de discursos, mensagens e registros de atos oficiais que “estigmatizam as mulheres” e “reforçam abusivamente a discriminação e o preconceito (de gênero)”.

Uma das decisões relatadas foi o veto presidencial, em junho, à manutenção dos serviços do SUS durante a pandemia para assistência às vítimas de violência sexual e nos casos de aborto estabelecidos na legislação. Os técnicos autores da recomendação foram sumariamente demitidos da Saúde.

Bolsonaro agora corre o risco de se tornar um político com atestado de misoginia passado em juízo.


José Casado: No palanque, o bolsolulismo

Família Bolsonaro selou união com o PT para reeleger prefeito de Belford Roxo

Jair Bolsonaro avança em alianças com grupos hegemônicos na área metropolitana do Rio, onde se concentram 8,6 milhões de eleitores, dois terços do eleitorado fluminense.

Liberou verbas, filhos parlamentares e ministros para apoiar candidatos patrocinados pela oligarquia regional, que em 2018 o ajudou a obter mais de 60% dos votos em 40 das 49 zonas eleitorais do Rio e, acima disso, na Baixada Fluminense.

Bolsonaro viaja no vácuo de Wilson Witzel e antecessores do MDB, hoje encarcerados. Semana passada mobilizou o filho senador e o ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho, em visitas a Duque de Caxias (658 mil eleitores), Belford Roxo (325 mil) e Mesquita (133 mil).

Apoia candidatos da Assembleia de Deus, majoritária no eleitorado autodeclarado evangélico, e da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem como líder político o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), em batalha pela reeleição.

Também se aproxima de outros, cujas biografias confirmam o Rio como a metrópole onde o crime organizado mais avançou na política. Milícias, narcotráfico e empresas de jogos ilegais detêm controle real sobre fatia do eleitorado. Na capital, a Justiça Eleitoral já mapeou 468 seções, com mais de 618 mil inscritos (12% do total), onde há histórica concentração de votos em candidatos ligados ao crime no Chapadão, Maré, Jacarepaguá e Alemão.

Em novembro, o Rio teria o primeiro candidato a prefeito com origem miliciana atestada em tribunal. Mas Jerônimo Guimarães Filho, 71 anos, pioneiro de bandos na Zona Oeste, desistiu depois de dez meses de campanha. Jerominho foi vereador carioca por oito anos, até ser condenado por crimes como a chacina de nove pessoas.

A tradição clientelista do poder local magnetiza o presidente. Semana passada mandou seu filho senador a um comício em Belford Roxo, cidade onde teve 68,8% dos votos em 2018. Ali, a família Bolsonaro selou união com o PT de Lula para reeleger o prefeito Wagner Carneiro (MDB). Vice-presidente do PT, Washington Quaquá justificou a aliança: “Só é contra quem adora teorizar a Baixada tomando chope em Ipanema”. O bolsolulismo subiu no palanque.


José Casado: O pandemônio é de Bolsonaro

Presidente finge que não é com ele

Na terça-feira 18 de junho do ano passado, Jair Bolsonaro pediu ao ministro Luiz Henrique Mandetta “a cabeça” de “esquerdistas” do Ministério da Saúde. À tarde, o deputado Helio Lopes (PSL-RJ) entregou a Mandetta a lista de “suspeitos”. Foi a primeira intervenção presidencial direta na gestão da Saúde.

Nove meses depois, quando o Brasil contava duas centenas de mortos, o ministério havia estabelecido com estados e municípios uma coordenação sobre a pandemia. Mas Bolsonaro decidiu intervir na Saúde.

Na segunda-feira 16 de março, decretou todo o poder à Casa Civil da Presidência na definição das “prioridades” contra o vírus. Nomeou 27 pessoas — ministros (20), presidentes de bancos públicos (4), especialistas da Saúde (2) e advogado (1).

O “Comitê de Crise” do Planalto completará cinco meses na próxima semana, com o país ultrapassando 100 mil mortos num quadro de descontrole da doença. É impossível saber quantas mortes seriam evitáveis. É certo, no entanto, que dois ministros e 80 dias depois de um general no papel de interino, a intervenção de Bolsonaro na Saúde resultou na perda de comando da crise. É evidente a calamidade gerencial no governo.

Não falta dinheiro. Ministério Público e Tribunal de Contas tentam desvendar mistérios em torno de despesas (R$ 912 milhões) em aventais, toucas e álcool em gel, ou em “atendimento pré-clínico remoto” (R$ 144 milhões).

Há meses pedem explicações sobre a lentidão nos repasses federais (R$ 13,8 bilhões) aos estados e municípios. Também não conseguem entender por que o Rio, com alta taxa de mortalidade, tem recebido menos recursos per capita (R$ 30) do que Roraima (R$ 108,39).

Bolsonaro finge que não é com ele, repassa a culpa a governadores e prefeitos e segue na campanha pela reeleição. Mas o funesto pandemônio governamental na pandemia tem suas digitais na autoria, além da assinatura estampada no Diário Oficial.


José Casado: Um lobby de alto risco

Bolsonaro interferiu em disputa da Universal em Angola

Jair Bolsonaro deu impulso a um lobby assumindo o risco de criar uma crise nas relações com Angola.

Ele pediu a interferência do presidente João Lourenço na disputa local da Igreja Universal do Reino de Deus, uma sociedade angolana de direito privado. Lourenço respondeu-lhe na semana passada: “(O caso) terá o tratamento cabível na Justiça”.

A Universal enfrenta um cisma em Angola. Mês passado 85 templos foram assumidos por pastores angolanos em rebelião contra a liderança brasileira. Há sete meses 320 deles justificaram a separação com denúncias de delitos da hierarquia brasileira. As investigações seguem.

Rupturas fazem parte da paisagem da Universal nos EUA, Reino Unido, Bélgica e Zâmbia. Ela emergiu no Rio no vigor do movimento evangélico, que cresceu 540% em três décadas, para 42,2 milhões (Censo de 2010). Floresceu no televangelismo da teologia da prosperidade, num amálgama de interesses entre igreja, partido, banco e rede de rádio e televisão.

Aportou em Angola há 28 anos, na expansão africana iniciada por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, coordenador do partido Republicanos e visto como herdeiro do tio, Edir Macedo, líder nos negócios da igreja. Candidato à reeleição, trouxe ao partido da Universal um par de filhos de Bolsonaro. O pai, sem partido, hesita na adesão por incerteza sobre a reação de outras alas evangélicas como a Assembleia de Deus.

Bolsonaro usou o cargo e o Itamaraty para intervir no cisma da Universal. Justificou a Lourenço sua “preocupação” — legítima —com 65 brasileiros. Mas foi além. Tomou parte na briga da sociedade privada angolana. Classificou a disputa nos templos como “invasões” e qualificou dissidentes como “ex-membros” da igreja.

Inflou um lobby em Brasília, que já prepara uma comitiva do Senado a Luanda em defesa dos interesses da Universal. Desta vez, ao usar organismos de Estado para defender negócios de aliados, Bolsonaro pôs em risco um legado diplomático de 45 anos na África, consolidado pelo Itamaraty no regime militar, quando o Brasil foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola.


José Casado: Hora do toque de retirada

Forças Armadas se meteram numa confusão institucional

Pode-se criticar o tom do comentário, mas o juiz Gilmar Mendes tem razão na essência da crítica ao envolvimento das Forças Armadas, sobretudo o Exército, na anarquia governamental de Jair Bolsonaro.

O erro original foi cometido na campanha de 2018, quando o então deputado, ex-capitão paraquedista, informou ao Forte Apache — o QG do Exército em Brasília— sobre o plano de saltar da planície política para o topo do poder no Planalto.

Um dia, talvez, seja resgatada a memória das conversas e a extensão do respaldo do comando do Exército ao candidato. Sabe-se que nem tudo obedeceu ao protocolo, mas há reconhecimento da eterna gratidão do beneficiário em discurso: “Obrigado, comandante (Eduardo) Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por (eu) estar aqui.”

O generalato sabe o que fez nas quatro estações eleitorais de 2018 ao abstrair o passado do ex-capitão, preso e processado por anarquia pelo Exército 33 anos antes, por um plano de bombas na Vila Militar, no Rio.

O projeto era reescrever o passado, a história do regime militar de 1964, numa nova hegemonia fardada, com aumento do orçamento total (de 1,5% para 2% do PIB). Permitiu-se a Bolsonaro enquadrar o governo numa moldura militarista e transformar as Forças Armadas em peças do seu jogo predileto, a confusão institucional. É eloquente a imagem do comício no portão do Forte Apache, com o presidente incitando aliados que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.

O resultado está na ocupação da Saúde, com laboratórios militares (R$ 520 milhões para produzir 1,2 milhão de doses de cloroquina) engajados na politização de um vírus, moldada para a campanha de reeleição.

Pode-se ver exagero do juiz Gilmar Mendes ao dizer que “o Exército está se associando a esse genocídio” (o desgoverno na pandemia). Se há crime — no caso, gravíssimo — será revelado em breve. Nada oculta o óbvio: as Forças Armadas se meteram numa confusão institucional com Bolsonaro. É hora do toque de retirada.


José Casado: Empresas vulneráveis

Associação de interesses com os do regime floresceu no golpe de 1964

Volkswagen e procuradorias federal e paulista confirmam a retomada das negociações para acordo de reconhecimento e reparação às vítimas da sua parceria com órgãos de repressão no regime militar. Até agora, a Volks tem sido a única grande indústria a demonstrar preocupação com a imagem na histórica colaboração com a ditadura.

A associação de interesses empresariais com os do regime floresceu no golpe de 1964, na poeira de uma industrialização tardia. Consolidou-se sobre a lápide política do AI-5.

A compressão dos salários, com inflação manipulada e proibição de greves, derivou em década e meia de extraordinária lucratividade.

Na Volks Brasil possibilitou “o financiamento próprio de investimentos, bem como altas remessas de lucros à matriz”, constatou o historiador Christopher Kopper, contratado pela VW AG, que confirmou a “cooperação voluntária”.

Existe fartura de registros sobre o colaboracionismo empresarial em prisões, torturas, demissões e espionagem no movimento sindical. São empresas como Volks, Ford, GM, Mercedes, Scania, Toyota, Rolls-Royce, Caterpillar, Rhodia, Dunlop, Esso, Light, SKF, Philips, Johnson & Johnson, GE, Brown-Boveri, Ultra, Fundição Tupy, Krupp, Arno, Brastemp, Villares, Inox, Votorantim, Alpargatas, Klabin, Taurus, Cobrasma, Usiminas, Itaipu, Petrobras e Embraer, entre outras. Sempre com o respaldo de entidades como a Fiesp e a CNI.

Foi o maior negócio do século passado. O governo ajustava o câmbio, arrochava salários, reprimia protestos, e empresas lucravam. Os ganhos enlevaram acionistas, que não se preocuparam com o que seus executivos faziam. Wolfgang Sauer, da Volks Brasil, só chamou a atenção na sede quando se meteu numa disputa pelo poder, nos anos 90.

Como não é possível apagar o passado, permanecem vulneráveis aos tribunais por imprescritíveis violações de direitos humanos. Meses atrás, antigos executivos da Ford na Argentina foram condenados por cumplicidade. A Volks sinaliza o fim da cultura de omissão. É um bom recomeço.


José Casado: Prioridade aos ruminantes

Bolsonaro e o ministro do Turismo perceberam no vírus uma oportunidade para ajudar aliados nas eleições municipais

O pandemônio na pandemia avançou: o governo Jair Bolsonaro decidiu dar prioridade aos ruminantes.

Na última quinta-feira, enquanto o país contava 55 mil humanos mortos pela da doença e por deficiências na rede hospitalar, o ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), do Turismo, resolveu investir na “revitalização” do Bodódromo de Petrolina (PE), onde ruminantes de chifres ocos podem ser degustados a céu aberto, em geral assados.

Pernambuco é dos estados mais afetados pelo vírus, com mais de 4,5 mil mortos. O governo, porém, achou mais urgente investir R$ 32 milhões em obras turísticas no reduto eleitoral dos herdeiros de Clementino de Souza Coelho (1885-1952), o “coronel” Quelê, construtor de um império político regional no início do século passado.

O prefeito beneficiário, Miguel de Souza Leão Coelho, é candidato à reeleição pelo MDB. Seu pai, Fernando Bezerra Coelho, é o atual chefe do clã. Foi prefeito três vezes, ministro de Dilma (Integração) e está sob investigação no Supremo por suspeita de corrupção (R$ 41 milhões) em contratos da Refinaria Abreu e Lima. Bolsonaro o escolheu como líder da sua “nova política” no Senado.

Em plena pandemia, o governo separou R$ 5 bilhões para o Ministério do Turismo. No início de maio, Bolsonaro editou uma Medida Provisória (nº 963) atribuindo urgência e relevância a esse crédito extraordinário, com a justificativa de emergência por causa da Covid-19.

É caso único de governo que confere às obras turísticas importância e urgência para enfrentar o novo coronavírus. O problema é que não há turismo. As pessoas não saem de casa porque temem a morte nas filas de hospitais públicos onde falta quase tudo, de respiradores a analgésicos. E 76% das empresas do setor estão fechando as portas, segundo o Sebrae, porque não têm acesso ao crédito prometido pelo governo.

Bolsonaro e o ministro do Turismo perceberam no vírus uma oportunidade para ajutório aos aliados nas eleições municipais. Prioridade aos ruminantes é o novo símbolo do pandemônio governamental na pandemia.


José Casado: Entre parentes e milicianos

Vínculos a Queiroz e ao falecido capitão do Bope Adriano da Nóbrega levaram o clã Bolsonaro a introduzir o submundo das milícias na rotina do Planalto e do Congresso

Resumir o atual governo talvez não venha a ser difícil para historiadores. Há 20 meses a prioridade de Jair Bolsonaro tem sido a mesma de três décadas na política, proteger a parentela, nutrida no orçamento público. “Defendemos a família”, escreveu no domingo 7 de outubro de 2018, no epílogo da primeira etapa da campanha. “Tratamos criminosos como tais e não nos envolvemos em esquemas de corrupção.”

Lá se foram 80 semanas, e o presidente continua refém da agenda que aprisionava o candidato.

Ela começa no uso do erário para acolher parentes e amigos. Vício antigo. Nos últimos 28 anos, ele e seus filhos parlamentares abrigaram mais de uma centena de pessoas com parentesco ou relação familiar.

Somaram a afinidade com lobbies de armas e de cassinos, neste caso refletindo a disputa entre grupos americanos, como o de Sheldon Adelson, e asiáticos, como o Shun Tak. Na campanha Bolsonaro se reuniu com Adelson, financiador do Partido Republicano. Entrou no hotel pela cozinha.

Até agora, o governo só conseguiu acenar ao país sob pandemia com um futuro baseado na abertura de cassinos e no comércio de armas, com isenção de rastreamento.

A retrospectiva mostra o presidente concentrado na guarida ao filho senador e ao antigo companheiro paraquedista Fabrício Queiroz, hoje em Bangu 8. Vínculos a Queiroz e ao falecido capitão do Bope Adriano da Nóbrega levaram o clã Bolsonaro a introduzir o submundo das milícias na rotina do Planalto e do Congresso.

As iniciativas presidenciais desses 20 meses foram balizadas pela proteção à parentela e amigos. Daí o repentino silêncio sobre o fim da prisão para condenados em segunda instância, a remoção do Coaf da Justiça, os acordos para bloqueio da CPI da Lava-Toga, o rompimento com o governador Wilson Witzel e a crise da demissão do ex-ministro Sergio Moro.

Na raiz está uma peculiar visão de Estado, sintetizada pelo filho Flávio numa homenagem a milicianos: “Não podemos generalizar, dizendo que esses policiais, que estão tomando conta de algumas comunidades, estão vindo para o lado do mal. Não estão.”


José Casado: O espetáculo da pobreza

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos

O Brasil avança rápido para completar uma nova “década perdida”. Vai ser o quarto período consecutivo de crescimento econômico obsceno (média anual de 2,1%).

Desta vez, o ciclo será encerrado na tragédia de uma pandemia. Já são mais de 44 mil mortos sob o desgoverno de Jair Bolsonaro na Saúde.

A lupa do IBGE ajuda a entender o que aconteceu com o país na última década, quando a população passou de 196 milhões para 210 milhões, com um crescimento de 7,1%

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos. Eram 6.329 em todo o país, em 2010. Agora são 13.151.

É crescente a favelização das cidades. Em 2010 o muro social era visível em 323 municípios. Foi estendido para 734 cidades — ficou 127,2% maior.

Já são 5,1 milhões de habitações nesses aglomerados subnormais na classificação do IBGE. Eram 3,2 milhões. Aumentou 59% na década.

Uma de cada quatro dessas casas está no Rio e em São Paulo. Mas há cidades como Belém com mais da metade (55,5%) dos lares situados em comunidades. Em Vitória do Jari, no Amapá, nove mil dos 12 mil habitantes (74% da população) sobrevivem em favelas, grotas, palafitas, mocambos ou similares.

O Brasil produziu um espetáculo de pobreza nas últimas quatro décadas. Houve políticas sociais para mitigação dos efeitos, em geral descontinuadas a cada governo. Por isso, nove de cada dez favelas estão a menos de cinco quilômetros de hospitais do Sistema Único de Saúde, mas essas unidades não têm infraestrutura necessária para atendimento.

O quadro de desigualdades tende a ser agravado na surpresa pandêmica com a queda de até 10% no PIB. Sem programas efetivos de renda mínima, democracia tende a se tornar luxo para a maioria.

Há uma ironia histórica nesse ciclo de pauperização. Começou na ditadura e se amplia sob uma coalizão de civis e fardados aposentados que cultuam o obscurantismo militarista.

Negando a Ciência na pandemia e ingressando sem bússola na recessão, o governo Bolsonaro até agora só conseguiu oferecer ao país um futuro baseado na abertura de cassinos e na multiplicação do comércio de armas, com garantia de isenção de rastreamento. Isso, talvez, seja um estágio superior da inépcia.


José Casado: Bolsonaro dá caixão e enterro

Governos em realidade paralela são casos clássicos na política

Jair Bolsonaro resolveu torturar estatísticas sobre as mortes de brasileiros pela Covid-19 até que confessem só uma “gripezinha”. Liquida a própria credibilidade, pois se não é possível confiar nos dados oficiais sobre a vida e a morte, por que se deveria acreditar nos números da economia?

Governos em realidade paralela são casos clássicos na política.

George III, rei da Inglaterra, derrotou Napoleão e impôs a hegemonia britânica. No 4 de julho de 1776, registrou em diário: “Nada de importante aconteceu”. Nada, só a declaração de independência dos EUA. Morreu cego, surdo e louco, depois de falar horas sem parar aos cortesãos — a reunião ministerial da época.

Luis XVI, marido de Maria Antonieta, era obcecado pela morte. Também anotou um “nada aconteceu” no 11 de julho de 1789, ao demitir o ministro da Fazenda, Jacques Necker, fiador da estabilidade do reino. Três dias depois deu-se a Revolução Francesa. Ele perdeu a cabeça, literalmente.

A psicopatia de Bolsonaro com mortes merece estudo, mas obedece a uma lógica peculiar de luta pelo poder. Ele nega porque não admite seu desgoverno na pandemia.

A ruína é visível na Saúde. E é notável a inépcia no socorro a micros, pequenas e médias empresas, donas de 52% dos empregos no país onde 54 milhões estão sem renda.

O presidente-candidato teme a conta política dos mortos. Os 37 mil já superam a população somada das quatro cidades paulistas onde viveu (Glicério, Ribeira, Sete Barras e Eldorado) antes de ser premiado com a inscrição na Aman, em Resende (RJ). Terá de lidar com esse mundo real se chegar ao fim do mandato e tentar a reeleição.

Bolsonaro renega a pandemia, mas Onyx Lorenzoni, operador da sua campanha em 2018, acaba de abrir um guichê para ajudar prefeitos a “cobrir despesas” dos funerais da Covid-19. Está no Diário Oficial. O governo não reconhece a mortandade, mas, numa cortesia pré-eleitoral, topa pagar caixões e enterros.


Foto: Beto Barata\PR

José Casado: Investigação no Planalto

O inquérito do Supremo sobre a difusão de informações falsas chegou à antessala de Jair Bolsonaro. Na investigação constam três integrantes da Assessoria Especial da Presidência: Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. O trio opera com um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, vereador carioca.

Tomaz e Gomes foram pagos pela Câmara do Rio na campanha de 2018. No Planalto, suas agendas oscilam entre o lacônico “Despacho interno” e o sucinto “Sem compromisso”. Diniz ganhou um cargo de 27 palavras: “Assessor no Departamento de Relações com a Imprensa Internacional da Secretaria de Imprensa da Secretaria Especial de Comunicação Social da Secretaria de Governo da Presidência da República”.

A rede de fraudes se estende por Rio, São Paulo, Minas, Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia. É composta por sites financiados com anúncios públicos e privados. Tem contribuintes como Luciano Hang, da Havan (141 lojas e vendas de R$ 10,7 bilhões), e Edgard Gomes Corona, da SmartFit (850 salas de ginástica e receita de R$ 2,4 bilhões).

Preocupado, Jair Bolsonaro amplia sua malha de coleta de informações, à margem dos 42 serviços regulares de Inteligência militar, policial e financeira. Decidiu “aprimorar” a cooperação dos núcleos (P-2) da Polícia Militar, fragmentados com a politização dessas forças.

Na quinta-feira, em edição extra do Diário Oficial, expandiu a seção de Inteligência do Ministério da Justiça. Fez isso 48 horas após a ação do Supremo contra 25 suspeitos — entre eles, empresários, parlamentares e o ex-deputado Roberto Jefferson.

O processo de agregação da espionagem das PMs foi formatado por André Mendonça, que se qualifica como “servo” de Bolsonaro na Justiça. Ele explora brechas da lei numa área sem fiscalização do Congresso.

Até existe uma comissão de controle. Ela é comandada pelo senador Nelson Trad (PSD-MS) e por outro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Houve uma única reunião em 480 dias. Durou 9 minutos e 54 segundos.