ideologia

Nas entrelinhas: Mudança no cenário econômico favorece Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Recentemente, o jornalista Paulo Markun e a socióloga Ângela Alonso lançaram o documentário Ecos de Junho, em exibição na Netflix, no qual tecem uma linha de continuidade entre as manifestações espontâneas dos jovens brasileiros de 2013 e o desfecho daquele processo antissistema, que levou à eleição de Jair Bolsonaro (PL), cinco anos depois. Havia uma disputa política cujo desfecho foi uma guinada à direita, em 2018, mas que ainda não terminou e, de certa forma, está presente nas eleições deste ano, como uma espécie de ajuste de contas.

Grosso modo, essa disputa ocorreu nos quadrantes da ética, da política propriamente dita, da economia e da ideologia, simultaneamente, mas o peso relativo de cada uma dessas variáveis foi se alterando ao longo do processo. No plano da ética, a Operação Lava-Jato foi um fator determinante; na economia, o fracasso da nova matriz econômica; na política, a sua judicialização; e na ideologia, a reação religiosa à revolução de gênero.

Bolsonaro se elegeu em 2018 porque conseguiu levar a melhor nessas quatro frentes, ainda que tenha sido favorecido pelo impacto do atentado que sofreu em Juiz de Fora, onde levou uma facada que o deixou entre a vida e a morte. Nas eleições deste ano, a conjuntura é outra, o peso relativo de cada um dos quadrantes se alterou, mas eles continuam sendo variáveis que precisam ser examinadas separadamente e, também, em interação.

A Operação Lava-Jato acabou, seus protagonistas estão desgastados e sendo responsabilizados por eventuais abusos de autoridade, a ponto de o ex-juiz Sergio Moro, candidato ao Senado no Paraná, estar em risco de não se eleger. Entretanto, a questão da ética na política não morreu, continua sendo uma variável importante da eleição, que somente não está sendo mais explorada porque não se fala de corda em casa de enforcado.

Líder inconteste nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem muita dificuldade de abordar esse tema, que evoca o mensalão, o escândalo da Petrobras, o tríplex de Guarujá e o sítio de Atibaia; Bolsonaro, por causa das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, dos escândalos da Educação e, mais recentemente, do estranho costume familiar de comprar imóveis com dinheiro vivo, também não fica à vontade para falar de corrupção. A tendência é os demais candidatos se beneficiarem do desgaste de petistas e bolsonaristas, que se digladiam nas redes sociais, e que deve ganhar mais peso no debate eleitoral, principalmente Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

A judicialização da política continua sendo um vetor do processo eleitoral, mas numa chave diferente de 2018. Àquela ocasião, o Supremo impediu a candidatura de Lula, que estava com a ficha-suja, por ter sido condenado em segunda instância, o que facilitou a eleição de Bolsonaro; agora, o jogo se inverteu, a condenação de Lula foi anulada e sua candidatura é favorita na disputa, enquanto se arma contra o Supremo uma coalização política interessada em reduzir seus poderes, da qual fazem parte o Executivo, o Legislativo, o Ministério Público Federal e as Forças Armadas. Bolsonaro protagoniza esse processo, mas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também pode ser um interessado nesse projeto.

Para quem? 

Até a semana passada, dizia-se que a economia derrotaria o projeto de reeleição de Bolsonaro, em razão da recessão, da inflação e do desemprego. O eixo da estratégia de Lula é a comparação do seu governo — que alcançou altas taxas de crescimento quando concluiu o segundo mandato, aumentou o salário real dos trabalhadores e transferiu renda às parcelas mais pobres da população — com o fracasso econômico do governo Bolsonaro.

Os dados do IBGE desta semana, porém, mostram uma mudança significativa de cenário, com retomada da atividade econômica em torno de 1,2%, queda da inflação e redução da taxa de desemprego a 9%, o que pode dar ao projeto de reeleição de Bolsonaro um gás que até agora não tinha. A disputa de narrativas sobre a economia, obviamente, terá de ser politizada, na base do “melhorou pra quem, cara-pálida?”.

Finalmente, a dimensão ideológica. Nas eleições deste, esse quadrante está sendo polarizado pela reafirmação da questão democrática pela sociedade civil, que se contrapôs ao projeto iliberal de Bolsonaro. Entretanto, no debate eleitoral, a questão dos costumes ainda tem muito protagonismo, principalmente em decorrência do alinhamento da maioria dos líderes evangélicos com Bolsonaro. O presidente da República capturou o sentimento de defesa da integridade da família unicelular patriarcal, desde 2018.

Em contrapartida, Lula, que se identifica com o lugar de fala dos movimentos de gênero, indígena e negro, não pode assumir as pautas identitárias como principais bandeiras de campanha eleitoral, porque isso poderia lhe custar a eleição. As maiores vantagens estratégicas do ex-presidente são os votos do Nordeste e das mulheres. Bolsonaro trabalha para neutralizá-las.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mudanca-no-cenario-economico-favorece-bolsonaro/

Alon Feuerwerker: Os desafios políticos no curto prazo. E o inglório boxe da ideologia contra os fatos

As forças políticas estão diante de desafios imediatos. Na oposição, o trágico agravamento da epidemia de Covid-19 é uma oportunidade, talvez a melhor, para tentar enfraquecer decisivamente o governo Jair Bolsonaro. Para removê-lo já, ou ao menos fazê-lo chegar a outubro de 2022 tão emagrecido que se torne incapaz de reunir a maioria do eleitorado no segundo turno presidencial, ou até impossibilitado de ir à rodada final.

A remoção imediata tornou-se mais difícil após a eleição de aliados do presidente para comandar a Câmara dos Deputados e o Senado. Mas a política não é estática, então a pressão também recai sobre os comandantes do Legislativo. Que, entretanto, podem escorar-se nas maiorias ali dispostas a respaldar o núcleo econômico da agenda governamental em troca de espaços de poder, lato sensu

Daí certa tendência ao “morde e assopra”: uma hora agradam aos críticos, mas nunca faltam ao Planalto.

A janela de oportunidade para enfraquecer o presidente e o governo, ao menos com vistas a 2022, acabou unindo o que estava difícil de juntar: a esquerda com a direita não bolsonarista. Ainda que uma parte desta continue aferrada ao discurso de “luta contra os extremos” e prefira ser chamada de “centro”, ou pelo menos “centro-direita”. Mas tanto faz: uma parte do bloco bolsonarista de 2018 está se deslocando.

O “caminhar juntos” da esquerda com a centro-direita (vamos então caracterizar assim) na luta de momento contra Jair Bolsonaro também se alimenta da grande esperança maximalista desta última: tirar o presidente até do segundo turno. No qual, a esse grupo se apresentaria finalmente uma possibilidade material de aparecer como a tal alternativa viável aos “extremos”. Aliás, o desafio do “centro” é só esse, ir ao segundo turno.

Pois ali estaria em posição excelente para eleger-se com base apenas na rejeição ao oponente. Qualquer um.

Já para a esquerda, a ampla convergência antibolsonarista de agora é chance de ouro para o “reset”, para sair do isolamento. A elegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ajuda, na medida em que desenha alguma expectativa de poder, sempre fator de atração. Mas chegará a hora em que esse mesmo “centro” voltará a brandir a “ameaça da volta do lulopetismo”. Pode ser no primeiro ou no segundo turno. É uma narrativa já contratada.

Já no lado do governo, a missão é atravessar o desfiladeiro, à espera de que a curva de vacinação neutralize, ao menos amorteça, a de mortes registradas diariamente pela Covid-19. As informações do Butantã do governador João Doria e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) são moderadamente animadoras. A política é mesmo cheia de contradições misteriosas: bate-boca à parte, o governo de São Paulo está objetivamente ajudando o federal no momento mais difícil deste.

Pois o único trunfo, ou boia, do Planalto nesta hora é a vacinação.

Mais ironias? O governo Bolsonaro faz há dois anos um esforço descomunal para desacoplar o Brasil da lógica Sul-Sul e engatar nosso vagão no que chama de Ocidente, ou “mundo livre”. Mas, no pior aperto sanitário da nossa história, só podemos contar mesmo é com chineses, indianos e, se a Anvisa deixar, russos. Ideologia é agradável, mas quando ela sobe ao ringue para bater de frente com os fatos nunca tem muita chance.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Pierre Rosanvallon: “O aspecto ‘positivo’ do populismo foi subestimado durante muito tempo”

Pierre Rosanvallon, referência intelectual da França contemporânea e professor do Collège de France, teoriza em seu ambicioso livro sobre “a ideologia ascendente” deste século

Carla Mascia, El País

Se existe um fantasma que assombra a Europa e o mundo hoje é o do populismo. Reação de ira, estratégia política, palavra para deslegitimar ou estigmatizar o adversário político, o uso do conceito é tão diverso quanto as realidades a que se refere. No entanto, renunciar a ele e voltar a categorias de análise mais antigas seria perder a oportunidade de entender o caráter inédito “do ciclo político que se iniciou no início do século XXI”. Assim acredita Pierre Rosanvallon (Blois, França, 1948), cujo último livro, O Século do Populismo: História, Teoria, Crítica (ainda sem edição no Brasil), é uma ambiciosa tentativa de teorizar e definir a essência do que considera ser “a ideologia ascendente” deste século. Uma teoria do fenômeno, entendido como uma proposta política coerente, afirma o historiador, professor do Collège de France, que se recusa a ver na derrota de Donald Trump, o “grande ator do iliberalismo”, um sinal de enfraquecimento dessa corrente. A página não está sendo virada nos Estados Unidos, nem o populismo vai recuar no mundo, acredita Rosanvallon, que se dedicou nos últimos 20 anos ao estudo das mutações da democracia contemporânea.

Pergunta. Por que o senhor acredita que o populismo é uma doutrina e merece uma teoria política?

Resposta. Considerar o populismo simplesmente como uma reação de ira ou uma expressão do “fora todos eles” não é suficiente para explicar o fenômeno. Há um cansaço democrático subjacente na vida política de muitos Estados que se expressa de maneira muito ampla. E também uma espécie de esgotamento da política, de sua capacidade de ação. Se o populismo tem uma força de atração é porque aparece como solução para problemas contemporâneos como a crise de representação ou as injustiças sociais. Queria mostrar esse aspecto positivo do populismo porque acredito que foi subestimado durante muito tempo. Pareceu-me importante passar de uma visão do populismo como uma reação a uma visão do populismo como uma proposta política positiva e própria.

P. A diversidade de populismos, seja entre o de direita e o de esquerda ou na extrema direita chama a atenção...

R. Se você olhar para as personalidades populistas de hoje, pode ter a sensação de que existe uma grande diversidade. Porque, o que pode haver em comum entre Trump e Salvini, ou entre Mélenchon e Duterte? Mas se observamos o populismo a partir das categorias amplas que o caracterizam, podemos encontrar temas comuns que são sempre articulados de uma maneira específica.

P. Apesar dessas semelhanças, o senhor não acredita que há um abuso do qualificativo no debate atual ou na caracterização de algumas personalidades políticas ou regimes?

R. Vimos o surgimento de movimentos e regimes que não podem ser simplesmente categorizados como autoritários, ou como fascistas ou ditatoriais. Existem regimes, como na Rússia, que se inclinam, poderíamos dizer, legalmente para o autoritarismo mediante a aprovação de reformas constitucionais que permitem a eleição quase indefinida de seus líderes. A tentação desses regimes de se tornarem democracias é uma característica absolutamente comum dos populistas, ou seja, regimes autoritários validados pelo sufrágio universal.

P. O qualificativo serve para estratégias adotadas por líderes como Emmanuel Macron, que ganhou as eleições em 2017 se opondo ao que chamava de o “velho mundo” de partidos tradicionais?

R. É difícil comparar Macron com Viktor Orbán, Boris Johnson ou Evo Morales, mas o que mostra a estratégia que adotou em 2017 é que o populismo está presente na própria atmosfera das sociedades democráticas e pode ser entendido como a difusão de um todo conjunto de questões para além dos partidos ou regimes de essência estritamente populista.

P. Entre as cinco características que compõem o tipo ideal do populismo, o senhor insiste na instrumentalização das emoções.

R. Se tivesse que destacar uma importante contribuição do populismo –ainda que seja muito ambígua– para a democracia contemporânea, seria ter entendido que se governa também de acordo com as emoções. Os sentimentos de pertença, de identidade, de rejeição determinam a visão que os indivíduos têm de seu papel na sociedade. Frequentemente, aqueles que criticam essa ideologia não a entendem. Não se pode criticar o populismo superficialmente ou limitar-se a dizer que promove uma democracia antiliberal. Quando isso acontece é porque a democracia liberal não está cumprindo sua agenda. Está em crise.

P. Uma fórmula com a qual Trump esteve prestes a ganhar novamente a presidência dos Estados Unidos... Como o senhor interpreta o momento político?

R. Há dois pontos essenciais. O primeiro: Trump teve 10 milhões de votos adicionais, o que significa que o voto populista está solidamente instalado na sociedade e hoje representa quase metade da população. O segundo: o Partido Republicano entendeu que se quiser manter grande parte de seus representantes no Senado terá que abraçar e aceitar a fórmula populista. Deixou de ser um partido reaganista e passou a ser um partido trumpiano.

P. E inclusive conquistou o voto latino em certos Estados e em alguns casos o afro-americano...

R. O voto latino é compreensível de um ponto de vista sociológico e psicológico. Depois que um imigrante obtém seus documentos e se torna um cidadão norte-americano, é frequente que mude de atitude em relação à imigração. É muito mais difícil de entender no caso do voto afro-americano. O populismo fez que a sociedade norte-americana, que costumava se definir por suas classes sociais, hoje se defina por suas identidades, no sentido mais reacionário do termo.

P. O senhor explica em seu livro que o populismo nasce das falhas intrínsecas da democracia e insiste muito em sua fragilidade. É realista pensar que a democracia ocidental pode desaparecer?

R. A democracia não funciona apenas com regras de direito, mas também com uma moral democrática. Voltando a Trump, ninguém antes dele havia demitido um diretor do FBI por não lhe ser fiel, e não há dúvida de que com um segundo mandato ele teria continuado a minar as instituições democráticas. A história está cheia de exemplos de democracias que desaparecem. A Grécia Antiga e o Século de Péricles são um bom exemplo. A democracia não é uma conquista. É uma frente de batalha. É frágil e morre se não for renovada. Sem instituições democráticas vivas existe o risco de que os cidadãos se cansem desse modelo e consintam seu desaparecimento.

P. Chama muito a atenção a posição central ocupada pelas redes sociais na estratégia política de líderes e de movimentos populistas e a escassa regulamentação vigente...

R. Sem dúvida, a regulamentação da Internet e em particular das redes sociais é um ponto central para a continuidade da democracia. É vital legislar porque, do contrário, sobre muitas questões, se continuará alegando que existe uma verdade alternativa. O melhor exemplo disso está sendo oferecido por Trump ao se recusar a reconhecer a vitória de Biden. Uma posição à qual adere, sem dúvida, grande parte de seu eleitorado, que acredita que houve fraude e que a vitória democrata foi um roubo. Essa faixa do eleitorado de Trump já não faz sociedade comum com os outros. E essa foi a grande novidade, por assim dizer, dos últimos anos: descobrir um país dividido em dois campos irreconciliáveis enquanto a própria essência da democracia consiste em pensar que existe uma base comum que permite falar dessas diferenças, negociar, acordar. A regulamentação das redes terá de ser acompanhada por uma política de educação que inculque no cidadão a importância dos argumentos, e que não existe apenas a sua verdade.

P. O senhor apresenta o populismo como a ideologia em ascensão do século XXI, mas a crise da covid-19 foi um golpe para a imagem desses líderes.

R. Podemos nos perguntar se estamos presenciando uma espécie de ponto de inflexão no discurso populista, já que esse discurso costuma ser apresentado como o detentor da verdade absoluta sobre a realidade. A dimensão objetiva desta crise de alguma forma encurralou os líderes populistas. Ninguém pode negar esta pandemia. Por outro lado, o populismo na Europa também entrou em confronto com o papel da União Europeia. A Itália e a Espanha estão entre os principais beneficiários do que pela primeira vez qualificaria como uma espécie de orçamentação e oficialização da solidariedade entre os países europeus. Existe uma dupla realidade que ninguém pode ignorar: a realidade do vírus e a realidade da crise econômica. Dito isso, o populismo mantém uma visão da democracia, da liderança e da vontade política que conserva seu poder.


‘Dívida da Cinemateca Brasileira chega a R$ 14 milhões’, diz Henrique Brandão

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, jornalista lamenta descaso do governo com uma das maiores instituições do audiovisual do mundo

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não repassou verba alguma este ano para a Cinemateca Brasileira. “A dívida chega a R$ 14 milhões”, alerta o jornalista Henrique Brandão, com base em dados da a Associação Roquette Pinto, mantenedora do espaço desde 2018. Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de setembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília, ele lembra que a unidade é responsável pela preservação do audiovisual brasileiro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de setembro!

Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP. Segundo Brandão, os sinais do estrangulamento financeiro já vinham do ano passado. “Dos R$ 13 milhões previstos no orçamento, o governo só repassou R$ 7 milhões. Este mês, a Associação Roquete Pinto jogou a toalha: entregou as chaves ao governo federal e demitiu os 41 funcionários do corpo técnico. A bola agora está com a Secretária Especial de Cultura. Sinal de que o que está ruim pode piorar”, observa.

Fundada em 1946 e instalada em São Paulo, a Cinemateca Brasileira tem o maior acervo de imagem em movimento da América Latina, além de ser considerada uma das maiores instituições do gênero do mundo. Abriga cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos, entre roteiros, fotografias, cartazes, recortes de imprensa, e arquivos pessoais, como o de Glauber Rocha (1939-1971).

Além do valioso acervo, conforme observa Brandão no artigo da revista Política Democrática Online, sua sede, situada no Antigo Matadouro Municipal de São Paulo, na Vila Clementino, tem duas modernas salas de exibição e uma área externa para projeção de filmes. 

“Neste governo, o nome da Cinemateca tem sido citado em vão”, lamenta o jornalista. “O presidente ofereceu um cargo inexistente de chefia como consolo para a saída de Regina Duarte que, por sua vez, achou legal assumir ‘um museu do cinema’”, ironiza ele, para destacar que a cinemateca tem muitas funções importantes, menos a de museu.

Quem assim a enxerga confunde preservar com embalsamar, de acordo com Brandão. “Pensamento conservador. Há muito que os principais museus do mundo – como o Louvre – têm feito, com sucesso, esforço considerável para sacudir a poeira de seus salões”, diz ele, para continuar: “Uma das funções mais importantes de uma Cinemateca, em todo mundo, é formar plateias.  Em suas salas de cinema acontecem workshops, lançamentos de filmes, exibição de clássicos fora de catálogos. Muitas vezes é a oportunidade para crianças de escolas de comunidades terem seu primeiro contato com um filme em tela grande”.

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Dados e histórias de vítima são contados em reportagem especial da revista Política Democrática Online de setembro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Ele me colocou no colo, passou a mão em mim e, depois, tirou a roupa e começou a me acariciar na minha cama”. A declaração é de uma menina de 11 anos de idade que foi estuprada, aos 9 anos, em casa, pelo padrasto, enquanto a mãe estava no supermercado, na região do Gama, a 35 quilômetros de Brasília. “Ele me machucou muito, mas depois pediu para ficar calada porque senão minha mãe iria me bater”, conta, em reportagem especial da revista Política Democrática Online de setembro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de setembro!

A reportagem mostra que, a cada hora, quatro crianças e adolescentes de até 13 anos são estupradas no país, segundo o Anuário de Segurança Pública 2019, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com informações de todas as unidades da Federação. Outro levantamento, baseado no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), revela que, por dia, o Brasil registra seis abortos em meninas de 10 a 14 anos estupradas.

O assunto mobilizou ainda mais população do país contra esse tipo de crime em agosto deste ano, conforme lembra a reportagem. “Religiosos conservadores e grupos de extrema direita no país perseguiram uma menina de 10 anos que teve autorização da Justiça para realizar aborto no Espírito Santo. Ela ficou grávida após ser estuprada pelo tio, por quem era violentada desde os 6 anos. O criminoso está preso’, diz o texto.

Em 2018, de acordo com o Anuário de Segurança Pública, o Brasil registrou mais de 66 mil casos de violência sexual, o que corresponde a mais de 180 estupros por dia. Entre as vítimas, 54% tinham até 13 anos. Foi a estatística mais alta desde 2009, quando houve a mudança na tipificação do crime de estupro no Código Penal brasileiro. O atentado violento ao pudor passou a ser classificado como estupro. 

A reportagem especial da revista Política Democrática Online também mostra que, em sessão remota, o Senado Federal aprovou, no dia 9 de setembro, a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, que deve conter, obrigatoriamente, características físicas, impressões digitais, perfil genético (DNA), fotos e endereço residencial da pessoa que recebeu condenação judicial. O texto seguiu para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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Bruno Boghossian: Guerra vazia

Batalha ideológica de Bolsonaro cria vácuo de políticas públicas

A pergunta que marcou Ricardo Vélez Rodríguez ao receber o convite para assumir o Ministério da Educação não foi sobre evasão escolar ou sobre a qualidade do ensino técnico. “Você tem faca nos dentes para enfrentar essa guerra?”, quis saber Jair Bolsonaro.

O presidente eleito escalou sua equipe como se montasse uma tropa para um conflito. Ao escolher o nome que vai chefiar um setor com deficiências crônicas, sua principal preocupação foi atacar os fantasmas do marxismo e do comunismo.

“Senhor presidente, estou nessa guerra há 30 anos. Porque há 30 anos o marxismo está aí presente, marginalizando gente, fazendo fake news”, disse Vélez ao novo chefe. O emprego estava garantido.

No Brasil, 55% das crianças de oito e nove anos não sabem ler, e 93% dos alunos não sabem matemática ao concluir o ensino médio, mas o futuro ministro da Educação acha que seu grande problema será a doutrinação de crianças e jovens.

Bolsonaro já escolheu quase todos os seus ministros, mas ainda sobram dúvidas sobre o que seu governo fará de fato. A própria tentativa de redesenho do governo atende mais a um conjunto de expectativas simbólicas do que à lógica do mundo real.

O presidente eleito já prometeu acabar com o Ministério do Trabalho, depois disse que seria fundido com outra pasta. Agora, a ideia é distribuir suas funções pela Esplanada, mas ainda não se sabe exatamente o que será feito para combater o trabalho escravo, por exemplo.

Nesta segunda (3), o futuro ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) também anunciou que a Funai deverá ser deslocada para a Agricultura. Na prática, os ruralistas que comandam a pasta serão responsáveis pela proteção de terras indígenas.

A guerra ideológica de Bolsonaro pode até fazer sucesso enquanto o governo não começa, mas o jogo muda a partir de janeiro. Se o governo não preencher o vazio de políticas públicas que marcou a campanha e a transição, pode frustrar até mesmo seus apoiadores fiéis.


Cristovam Buarque: O golpe da ideologia

Do ponto de vista do marketing, faz todo o sentido a narrativa de que o impeachment da presidente Dilma seria um golpe. Com esta interpretação, o PT ganha fôlego ao jogar sobre o novo governo a responsabilidade por todos os problemas que os governos Lula-Dilma criaram nos últimos anos, ficando livre para lembrar as boas políticas que fez e tendo a bandeira da vitimização.

Tanto no caso de Dilma, quanto de Collor, o impeachment é uma violência constitucional e pode-se duvidar se os crimes identificados seriam suficientes para justificar a destituição de presidentes eleitos. No caso de Collor, o crime teria sido enriquecimento ilícito, sem crime de responsabilidade contra a Constituição; e mesmo deste crime comum, não de responsabilidade, ele foi posteriormente inocentado pelo STF.

No caso de Dilma, o uso de banco estatal para financiar programas do governo e a assinatura de decretos orçamentários sem autorização do Congresso são crimes de responsabilidade que ferem a Constituição. Mesmo assim, faz sentido duvidar se estas ilegalidades seriam suficientes para sua destituição. Incomoda a falta de dosimetria para a sentença.

Mas, o que não pode ser aceito racionalmente é a falsa narrativa de que as pessoas se dividem em direita, se querem o impeachment, e esquerda, se defendem a volta da presidente Dilma. Nada mais falso. Ser de esquerda significa: em primeiro lugar, sentir inconformismo com a realidade social, política, econômica e ética do país; em segundo, ter expectativa de que é possível um mundo melhor, alguma forma de utopia; e terceiro, que este mundo melhor não ocorrerá naturalmente, por regras de mercado. Ele só será construído pela prática política progressista ou revolucionária.

É certo que muitos dos que defendem o impeachment são notórios conservadores, saídos do próprio bloco de apoio à presidente Dilma. Mas aqueles que se opõem ao impeachment são em geral acomodados politicamente em relação ao presente, comemoram pequenas conquistas sociais, perderam a capacidade de sonhar uma sociedade “utópica”, como, por exemplo, “os filhos dos pobres estudarem em escolas tão boas quanto às dos ricos”, e abriram mão do vigor transformador da sociedade. Além disso, ficaram coniventes com a ideia de que “se todos roubam, não há porque exigir honestidade dos aliados”. Ainda mais, olham pelo espelho retrovisor da história, sem perceberem que a realidade mudou e que as propostas e os processos políticos precisam levar em conta as mudanças.

A “esquerda do retrovisor” não percebe, por exemplo, que o aumento na esperança de vida e o esgotamento fiscal do Estado exigem reformas nos fundamentos do sistema previdenciário; que a globalização apresenta limites à autonomia das decisões nacionais; que a revolução científica e tecnológica, junto com a informática e a robótica, exige um aperfeiçoamento das leis trabalhistas. Não percebe que a economia tem limites fiscais e ecológicos; que o estatismo muitas vezes se divorcia do interesse público, do povo; que a democracia com liberdades plenas deve ser um compromisso absoluto, inegociável, e que a política de esquerda não pode ser feita com a arrogância de donos da verdade, nem pode tolerar corrupção, ou aceitar que os fins justificam os meios.

Com um mínimo de seriedade não é possível dividir as posições sobre este impasse como um debate entre esquerda e direita: há muitos “direitas” entre os que defendem o impeachment, mas também muitos “esquerdas do retrovisor” entre aqueles que se opõem ao impeachment, porque não querem fazer a história avançar. Mas, sobretudo há muitos de esquerda, que olham para frente, pelo para-brisa, que consideram necessário o impeachment para virar a página e avançar em direção a um novo tempo.

Não é difícil entender que a volta da presidente Dilma seria um gesto de retrovisor e não de avanço; e que sua substituição pelo vice conservador que ela escolheu, desde que seguindo os ritos constitucionais, possa possibilitar uma travessia para que a “esquerda do para-brisa” entenda as mudanças, se sintonize com o futuro e leve adiante a luta que os acomodados não fizeram, nem farão. E que tentam impedir o impeachment com o golpe da ideologia, sabendo das dificuldades políticas, econômicas, sociais, éticas que este acomodamento conservador da “esquerda retrovisor” provocaria. (Correio Braziliense – 16/08/2016)


Fonte: pps.org.br