Nas entrelinhas: Mudança no cenário econômico favorece Bolsonaro

O eixo da estratégia de Lula é a comparação do seu governo, que alcançou altas taxas de crescimento
Presidente Jair Bolsonaro | Foto: Marcelo Chello/ Shutterstock
Presidente Jair Bolsonaro | Foto: Marcelo Chello/ Shutterstock

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Recentemente, o jornalista Paulo Markun e a socióloga Ângela Alonso lançaram o documentário Ecos de Junho, em exibição na Netflix, no qual tecem uma linha de continuidade entre as manifestações espontâneas dos jovens brasileiros de 2013 e o desfecho daquele processo antissistema, que levou à eleição de Jair Bolsonaro (PL), cinco anos depois. Havia uma disputa política cujo desfecho foi uma guinada à direita, em 2018, mas que ainda não terminou e, de certa forma, está presente nas eleições deste ano, como uma espécie de ajuste de contas.

Grosso modo, essa disputa ocorreu nos quadrantes da ética, da política propriamente dita, da economia e da ideologia, simultaneamente, mas o peso relativo de cada uma dessas variáveis foi se alterando ao longo do processo. No plano da ética, a Operação Lava-Jato foi um fator determinante; na economia, o fracasso da nova matriz econômica; na política, a sua judicialização; e na ideologia, a reação religiosa à revolução de gênero.

Bolsonaro se elegeu em 2018 porque conseguiu levar a melhor nessas quatro frentes, ainda que tenha sido favorecido pelo impacto do atentado que sofreu em Juiz de Fora, onde levou uma facada que o deixou entre a vida e a morte. Nas eleições deste ano, a conjuntura é outra, o peso relativo de cada um dos quadrantes se alterou, mas eles continuam sendo variáveis que precisam ser examinadas separadamente e, também, em interação.

A Operação Lava-Jato acabou, seus protagonistas estão desgastados e sendo responsabilizados por eventuais abusos de autoridade, a ponto de o ex-juiz Sergio Moro, candidato ao Senado no Paraná, estar em risco de não se eleger. Entretanto, a questão da ética na política não morreu, continua sendo uma variável importante da eleição, que somente não está sendo mais explorada porque não se fala de corda em casa de enforcado.

Líder inconteste nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem muita dificuldade de abordar esse tema, que evoca o mensalão, o escândalo da Petrobras, o tríplex de Guarujá e o sítio de Atibaia; Bolsonaro, por causa das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, dos escândalos da Educação e, mais recentemente, do estranho costume familiar de comprar imóveis com dinheiro vivo, também não fica à vontade para falar de corrupção. A tendência é os demais candidatos se beneficiarem do desgaste de petistas e bolsonaristas, que se digladiam nas redes sociais, e que deve ganhar mais peso no debate eleitoral, principalmente Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

A judicialização da política continua sendo um vetor do processo eleitoral, mas numa chave diferente de 2018. Àquela ocasião, o Supremo impediu a candidatura de Lula, que estava com a ficha-suja, por ter sido condenado em segunda instância, o que facilitou a eleição de Bolsonaro; agora, o jogo se inverteu, a condenação de Lula foi anulada e sua candidatura é favorita na disputa, enquanto se arma contra o Supremo uma coalização política interessada em reduzir seus poderes, da qual fazem parte o Executivo, o Legislativo, o Ministério Público Federal e as Forças Armadas. Bolsonaro protagoniza esse processo, mas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também pode ser um interessado nesse projeto.

Para quem? 

Até a semana passada, dizia-se que a economia derrotaria o projeto de reeleição de Bolsonaro, em razão da recessão, da inflação e do desemprego. O eixo da estratégia de Lula é a comparação do seu governo — que alcançou altas taxas de crescimento quando concluiu o segundo mandato, aumentou o salário real dos trabalhadores e transferiu renda às parcelas mais pobres da população — com o fracasso econômico do governo Bolsonaro.

Os dados do IBGE desta semana, porém, mostram uma mudança significativa de cenário, com retomada da atividade econômica em torno de 1,2%, queda da inflação e redução da taxa de desemprego a 9%, o que pode dar ao projeto de reeleição de Bolsonaro um gás que até agora não tinha. A disputa de narrativas sobre a economia, obviamente, terá de ser politizada, na base do “melhorou pra quem, cara-pálida?”.

Finalmente, a dimensão ideológica. Nas eleições deste, esse quadrante está sendo polarizado pela reafirmação da questão democrática pela sociedade civil, que se contrapôs ao projeto iliberal de Bolsonaro. Entretanto, no debate eleitoral, a questão dos costumes ainda tem muito protagonismo, principalmente em decorrência do alinhamento da maioria dos líderes evangélicos com Bolsonaro. O presidente da República capturou o sentimento de defesa da integridade da família unicelular patriarcal, desde 2018.

Em contrapartida, Lula, que se identifica com o lugar de fala dos movimentos de gênero, indígena e negro, não pode assumir as pautas identitárias como principais bandeiras de campanha eleitoral, porque isso poderia lhe custar a eleição. As maiores vantagens estratégicas do ex-presidente são os votos do Nordeste e das mulheres. Bolsonaro trabalha para neutralizá-las.

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