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George Gurgel: Paulo Freire e os desafios da educação brasileira

Educação é parte integrante de formação da Cidadania e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade

George Gurgel de Oliveira / Democracia Política e Novo Reformismo

No presente texto, fazemos algumas reflexões sobre a educação, como parte integrante de formação da Cidadania e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade brasileira.

É a nossa maneira de homenagear o centenário de nascimento de Paulo Freire que, por toda a vida, buscou a inclusão social, através da educação, como o caminho mais democrático de transformação da sociedade. Lembrando ainda Anísio Teixeira e Darci Ribeiro, referências quando se fala em educação no Brasil, e o nosso incansável Cristovam Buarque, quixotes de uma educação a ser construída com a participação efetiva dos que, no dia a dia, fizeram e fazem a educação no Brasil.

Discussão oportuna face a atual realidade brasileira, em plena pandemia, desafiada a transformar o sistema nacional de educação frente à nossa difícil realidade política, econômica, social e ambiental, comprometendo as forças democráticas a pautar a questão da educação como um dos fundamentos de um Programa de Governo reformista a ser construído para as próximas eleições presidenciais, em 2022, com a participação efetiva da sociedade.

A educação brasileira continua enfrentando sérias dificuldades que vão se ampliando neste segundo ano de Covid-19, nos colocando o imperativo de avaliar o atual sistema educacional brasileiro nas suas vulnerabilidades e potencialidades, durante e pós Pandemia.

A sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência, a tecnologia e a educação profissionalizante começam a ser incorporadas nos processos de produção e distribuição de mercadorias, transformando o cotidiano da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas, sociais, culturais e espirituais da sociedade entre si e com a própria natureza.

Desde então, a base técnica, científica e educacional construída criou as condições materiais de resolver a maioria dos problemas sociais, econômicos e ambientais existentes, inclusive os desafios educacionais enfrentados hoje pelo Brasil e por toda a humanidade. A internet, a robótica, a micro-eletrônica, as tecnologias de informação, os novos materiais e as energias renováveis entraram definitivamente nas nossas vidas, transformando as relações sociais estabelecidas, modificando a maneira de ser e estar das pessoas em sociedade.

Como os que trabalham com educação, o alunato e a sociedade em geral estão dialogando e vivendo estas novas realidades educacionais em plena Pandemia e quais seriam os desafios imediatos da educação brasileira?

Os educadores, as organizações acadêmicas, científicas e tecnológicas estão desafiados a enfrentar e superar os antigos e novos dilemas em defesa de uma educação pública de qualidade frente às transformações em curso que estão acontecendo nesta área. As atividades educacionais, hoje realizadas à distância, deverão continuar e ter um papel de destaque durante e pós a Pandemia, podendo consolidar-se um sistema híbrido presencial e à distância, refletindo as mudanças e as novas relações entre formas, conteúdos e resultados pedagógicos diante desta nova realidade.

O que deve permanecer e o que deve mudar em relação à educação brasileira?

A partir da Constituição de 1988, melhorias vêm acontecendo, inclusive com alguns bons resultados, nos últimos anos. No entanto, em uma velocidade que fica muito a desejar considerando a atual realidade educacional – são mais de 10 milhões de analfabetos no Brasil, além dos analfabetos funcionais. Ainda há que considerar os impactos causados pela própria Pandemia e os desafios econômicos, sociais e ambientais da maioria da sociedade e a necessidade de colocar a educação como fundamento estratégico de afirmação e transformação da sociedade brasileira frente à sociedade mundial.

 A inexistência de um Sistema Nacional de Educação (SNE) dificulta e muito uma visão mais abrangente da educação brasileira, a curto, médio e longo prazos. Embora previsto já na Constituição de 1988 e no artigo 13 da Lei que institui o Programa Nacional de Educação (PNE), o SNE - que deveria ser constituído até 2016 - ainda não o foi no Brasil.

Assim, as demandas e as contradições da educação brasileira vão se acumulando nas últimas décadas, hoje desnudadas com a Pandemia, impondo mudanças urgentes frente à nossa realidade. Como não destacar, por exemplo, uma dessas maiores contradições: em geral, as melhores Escolas de Educação Básica no Brasil são privadas e as melhores Universidades são públicas - uma parcela significativa dos estudantes de Escola Pública, do ensino básico, vão estudar à noite, em faculdades privadas, muitos sem direito a diploma no final do curso, por não serem reconhecidas pelo Ministério da Educação.

Portanto, é urgente a criação de um Sistema Nacional de Educação como espaço institucional de diálogo com todos os atores políticos, econômicos e sociais que nos leve à equidade educacional como política de Estado e de toda a Sociedade no caminho da otimização dos recursos materiais e da inteligência nacional em prol de uma educação de qualidade no Brasil.

Neste contexto, deve-se incorporar todas as experiências educacionais bem sucedidas nos últimos anos no Brasil. Sejam elas da área federal, estadual ou municipal como também de escolas privadas ou mantidas por fundações e ONGs educacionais. A partir de parâmetros educacionais federais, todas estas escolas e universidades seriam avaliadas e incorporadas, quando bem avaliadas, ao Sistema Nacional de Educação ora proposto. 

Neste processo de transição para a construção de uma educação de excelência no Brasil, com foco nas regiões de menor Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB), a área federal deverá ter um papel de destaque. A estratégia de federalização da educação pública brasileira aconteceria em função das prioridades destacadas no próprio PNE, criando as condições para a melhoria do IDEB em níveis e conteúdos educacionais de excelência, compatíveis com as demandas educacionais dos Estados e Municípios, considerando a realidade social e econômica onde estão inseridos.

Assim, o Governo Federal deveria também assegurar, de maneira permanente, os recursos financeiros, a viabilidade técnica e pedagógica do planejamento e da gestão das demandas federais, estaduais e municipais que alavancariam as regiões de menor IDEB, em cooperação com o Estado e os Municípios da região em questão. Aqui as experiências educacionais bem sucedidas das Fundações, ONGs e Organizações privadas seriam avaliadas a nível federal e, quando aprovadas, incorporadas neste esforço nacional de melhoria da educação pública brasileira.

O conceito de sustentabilidade social, econômica e ambiental nos ajuda nesta construção. Deve nortear, de uma maneira transversal, todo o processo de elaboração e viabilização de uma política de educação no Brasil, considerando as distintas realidades sociais, econômicas e ambientais nos planos nacional, estadual e municipal, como instrumento de transformação da vida de cada uma das crianças e da juventude brasileira, em todo o território nacional.

O Governo Federal, dialogando com as diversas representações existentes na área de educação do Estado, do mercado e da sociedade civil em geral, deve com a urgência devida realizar uma ouvidoria da realidade atual da educação brasileira, a partir da educação básica, diagnosticando os avanços e limites do atual PNE.

A partir do conhecimento da realidade atual da educação pode-se construir, em discussão com a sociedade brasileira, um Sistema Nacional de Educação que venha a implementar um Plano de Metas Educacionais para o horizonte dos próximos 5, 10, 20, 30 anos.

São os desafios de uma nova política de educação para o Brasil que devem avaliar a realidade educacional existente, a instabilidade vivida atualmente pelo próprio Ministério de Educação, sem uma política nacional clara para enfrentar os complexos desafios da nossa realidade educacional, funcionando sem a devida integração com os Estados e Municípios, demonstrando como o Governo Federal enfrentou e está enfrentando a situação educacional já no segundo ano de Pandemia. As perdas de aprendizado, individuais e coletivas, são significativas e ainda estão por ser devidamente avaliadas. Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as), os(as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas públicas que continuam sem as condições de estudar à distância, em suas casas, desorientando-os(as) e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e preocupante realidade.

Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as), os (as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas e universidades públicas que continuam sem as condições de estudar à distância em suas casas, desorientados(as) e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e preocupante realidade. 

A agenda nacional da área de educação, a ser pactuada pela sociedade brasileira, deve realizar as reformas educacionais, pensando a educação brasileira no presente e no futuro imediato, considerando as suas especificidades e as desigualdades regionais. A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrado a um projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da juventude dos brasileiros e brasileiras com uma atenção devida aos(às) professores(as) e trabalhadores(as) da área de educação.

Finalmente, a agenda nacional da área de educação, a ser pactuada pela sociedade brasileira, deve enfrentar os reais problemas educacionais agravados com a pandemia: realizar as reformas educacionais pensando a educação brasileira no presente e no futuro imediato, considerando as suas especificidades e os desafios regionais. A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrados a um projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da juventude dos brasileiros e brasileiras, com uma atenção devida aos professores e trabalhadores da área de educação.

São os desafios a serem superados. Seremos capazes?

Uma contribuição recente para enfrentarmos os desafios e os dilemas da educação brasileira é a publicação e a discussão em andamento realizadas pela Fundação Astrojildo Pereira. A Revista Política Democrática, publicada recentemente: A Educação Presente e o Futuro, reúne textos e análises sobre o presente e o futuro da educação brasileira. Destaque-se o Manifesto: Por um Sistema Nacional Único de Educação, do Professor Cristovam Buarque, como uma colaboração efetiva nesta direção (Revista Política Democrática, ano XXI, nº 57, www.politicademocratica.com.br).  

*Professor Doutor da Oficina da Cátedra da UNESCO - Sustentabilidade da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/george-gurgel-de-oliveira-paulo-freire.html


George Gurgel: O 7/9 - A afirmação da República e da democracia

Quais são a bandeiras a serem defendidas que nos levem à afirmação e à comemoração da democracia duramente conquistada no próximo 7 de setembro?

George Gurgel / Democracia Política e novo Reformismo

O que acontecerá no Brasil, no próximo dia 7 de setembro, quando estaremos comemorando os 199 anos de independência do Brasil. O que temos a comemorar? Quais são os nossos desafios históricos e atuais no caminho de uma sociedade democrática e sustentável?

O que está acontecendo no Brasil e com o Brasil a partir da vitória de Bolsonaro, sua chegada à Presidência da República e como tem sido o exercício do mandato bolsonarista e quais são as forças políticas que viabilizaram sua chegada ao poder e ainda o apóiam hoje neste cenário preocupante da vida política, econômica e social brasileira, às vésperas do 7 de setembro?

No Brasil, a polarização da cena política, acentuada de uma maneira contundente nas últimas eleições presidenciais, levou Jair Bolsonaro à Presidência em 2018. As forças conservadoras chegaram ao poder pelo voto, com apoio dos militares, através de uma liderança que foi menosprezada até às eleições pelos partidos hegemônicos da política brasileira que venceram a maioria das eleições, desde a Constituição democrática e cidadã de 1988.

Assim, a vitória de Bolsonaro foi uma consagradora vitória das forças conservadoras, do discurso econômico neoliberal, de uma participação efetiva dos militares que voltam à cena política e a derrota daquelas forças políticas fiadoras da transição democrática e que estiveram de maneira alternada no centro do poder no Brasil, nos últimos 30 anos. Foi principalmente a derrota do PSDB e do PT, de como agiram e exerceram o poder durante os mandatos na Presidência da República, antes da eleição de Bolsonaro.

O que ainda está por vir neste cenário de discursos extremados que dominam o cenário político brasileiro em plena pandemia?

Quais são as alternativas e as bandeiras a serem defendidas que nos levem à afirmação e à comemoração da democracia tão duramente conquistada pela sociedade brasileira no próximo 7 de setembro?

O Governo Bolsonaro

Desde os primeiros dias do mandato de Jair Messias inaugura-se uma maneira de governar pautada em uma agenda presidencial espetacularizada e centrada na pessoa do próprio presidente.

A maneira de ser dele, desde o exercício do seu primeiro mandato de deputado federal, durante a campanha de 2018 e no exercício da Presidência, era, de certa forma, conhecida. Portanto, a sociedade brasileira sabia quem era Bolsonaro, que vem causando sérios problemas à governabilidade do País nas suas relações com os outros poderes republicanos, de uma maneira mais beligerante com o Judiciário. Amplia-se, em plena pandemia, as crises política, sanitária, social e econômica que se acumulam, com conflitos e transtornos cotidianos que impactam a sociedade, levando à perplexidade e ao incômodo as relações do atual governo brasileiro com a própria sociedade brasileira e a comunidade internacional.


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A defesa da democracia e da República

O imperativo de defesa e ampliação da democracia, assim como o caminho para a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais centradas na preservação da vida, da própria natureza e de uma cultura de paz, continuam sendo os principais desafios da sociedade brasileira e mundial durante e pós pandemia.

A pactuação desta perspectiva sustentável é o desafio colocado às dificuldades que estamos vivendo no Brasil, ampliadas com a maneira de ser e governar do presidente Bolsonaro. A pandemia desafia a sociedade brasileira e mundial na construção de novas relações centradas no que nos faz humanidade e dá sentido às nossas vidas: a cooperação, a solidariedade, a luta pela igualdade, liberdade e fraternidade. Coloca nas ruas e nas redes sociais do Brasil e do mundo a tragédia de milhões de pessoas, excluídas das conquistas elementares: trabalho, alimentação, moradia, saúde e saneamento básico.

Portanto, em relação ao Governo Bolsonaro, a sociedade brasileira continua desafiada ao enfrentamento da beligerância e da imprevisibilidade do próprio presidente que desgovernando afronta o funcionamento do Estado de Direito, da Constituição e dos valores republicanos. 

Jair Messias, na sua anterior atividade parlamentar e agora no exercício do mandato presidencial, traz para a cena política um ativismo beligerante do conservadorismo, parte integrante da história brasileira, ao longo da vida republicana. Ameaça e despreza as conquistas do Estado de Direito e da Constituição de 1988. Está recolhido ao seu labirinto familiar, com apoio de lideranças civis e militares conservadoras e ainda de uma parcela significativa da sociedade brasileira.

A política para o presidente Jair Bolsonaro é o confronto. Confronto cotidiano – mesmo quando tenha que recuar no dia seguinte.  É o modo dele de ser e de agir.

Antes, durante o próximo 7 de setembro e depois, a sociedade brasileira e as suas representações devem de maneira contundente manifestar-se defendendo o Estado de Direito e a Democracia, apontando alternativas democráticas ao Bolsonarismo no caminho de superação da nossa difícil realidade econômica, social e ambiental que exclui a maioria da cidadania brasileira dos seus direitos constitucionais, impactados pelo aumento da inflação, da gasolina e dos alimentos de primeira necessidade.

Como enfrentar essa realidade?

O Governo Bolsonaro movimenta-se para o confronto no dia 7 de setembro.  A crise e a perda de apoio que vem sofrendo nas próprias forças armadas, na área política e empresarial, tornam-no mais inconsequente e agressivo. As sucessivas hospitalizações a partir do episódio da facada, o estado de instabilidade da saúde, as denúncias de envolvimento da família com as milícias e as rachadinhas agravam ainda mais o seu comportamento beligerante, traço da personalidade do capitão Bolsonaro, desde quando servia ao Exército. Governa olhando para o retrovisor, com um saudosismo anacrônico da última ditadura militar, desafiando a sociedade, os poderes da República, insinuando-se como comandante supremo das Forças Armadas. Blefa o tempo todo. Apela para a população, para as Forças Armadas e para as polícias militares querendo demonstrar uma liderança que já não exerce entre os seus eleitores que o levaram ao Palácio do Planalto.


Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Neste contexto, o próximo 7 de setembro é o nosso rubicão. Vai ser um momento importante de avaliação de quem ainda apoia o presidente Bolsonaro entre os militares e a sociedade em geral.

A independência conquistada em 7 de setembro de 1822 está, mais uma vez, na berlinda. O futuro da Sociedade e da Democracia deve ser, e vai ser, mais generoso para todos os brasileiros e brasileiras. O momento nos coloca a necessidade de refletir e de agir.

A sociedade brasileira está demandada à construção de uma alternativa democrática ao bolsonarismo. A tecelagem de uma alternativa democrática às crises política, econômica, social e sanitária é o desafio de trabalhar a unidade das forças democráticas, dialogando com a cidadania, com o mundo do trabalho e da cultura para a mobilização de uma frente ampla que garanta o Estado de Direito, a defesa da Constituição e a as reformas, garantindo a melhoria de vida da população brasileira.            

As opções entre a democracia e a barbárie continuam postas. A democracia venceu os grandes embates no século XX. É um processo em construção.  A questão democrática se impõe como um valor para a sociedade nas suas relações entre si e com a própria natureza.

Portanto, a mobilização e as bandeiras a serem desfraldadas no próximo 7 de Setembro devem ser a de defesa da Constituição, do Estado de Direito e da Democracia.

Estamos desafiados.    

Salve o 7 de Setembro!

Salve a República e a Democracia! 

*Professor da UFBA e do Instituto Politécnico da Bahia

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/george-gurgel-de-oliveira-o-7-de.html


Legado, riscos e propostas de educação no Brasil em debate

Webinar terá participação de Marcelo Aguiar, Joaci Góes, Caio Callegari, George Gurgel e o professor Comte Bittencourt

Cleomar Almeida, da equipe FAP

O legado dos educacionistas, os perigos do negacionismo, a necessidade de reformas redistributivas para financiamentos e a experiência de termo de ajuste de gestão imprescindível à inovação da educação serão debatidos no segundo webinar da revista Política Democrática impressa dedicada ao tema. O evento online será realizado, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), na quinta-feira (26/8), a partir das 19 horas.

Assista!



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Com transmissão por meio do portal e de redes sociais da FAP (Facebook e Youtube), o evento online terá participação de autores do segundo capítulo da revista, que, em seus artigos exclusivos, analisam a educação na história.

Entre eles estão o ex-chefe de gabinete do ministro da Educação (2003), Marcelo Aguiar, que também foi secretário da área do Distrito Federal por duas vezes (2010 e 2013/2014) e analisou o papel dos educacionistas, como Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro.

“Os três defenderam um Brasil autônomo e democrático, acreditando que a educação seria o caminho mais viável para essa conquista”, escreveu Aguiar, para continuar: “Mas cada um deles fez sua própria trajetória e desenvolveu seu método. A educação como ação política é o que mais os aproxima. Os três também compreenderam, cada qual a seu modo, que a educação é um processo em construção”.

Também tem participação confirmada o empresário e escritor Joaci Góes, autor de texto sobre negacionismo na educação brasileira e que também integra a Academia Baiana de Educação. “Além de aumentar a renda e contribuir para reduzir a violência, uma boa educação contribui para elevar a saúde física e mental dos povos”, analisou.

Tempo médio de estudo

No entanto, por outro lado, ele apontou aspecto que avalia como negativo. “A baixa qualidade do ensino público brasileiro é agravada pelo tempo médio de estudo de nossa juventude (7 anos), muito inferior ao de países como os Estados Unidos (12 anos), e Coreia do Sul (11 anos)”, observou Góes. Segundo ele, esses dados comparativos mostram riscos ao desenvolvimento da educação no Brasil.

O secretário adjunto de Educação em Mogi das Cruzes (SP), o economista Caio Callegari, que abordou financiamento na revista e atuou como especialista em políticas educacionais do Todos Pela Educação durante a tramitação do novo Fundeb, também é outro nome confirmado.

Segundo ele, para enveredar em um novo capítulo do financiamento da educação constituído por reformas redistributivas, será preciso um quádruplo esforço, como “fazer a defesa da lógica da vinculação tributária para a educação e do investimento público na educação pública como elementos basilares de uma rota da equidade”.

Callegari também cita a necessidade de garantir o aperfeiçoamento dos sistemas de dados que, segundo ele, permitirão analisar continuamente as desigualdades e redesenhar as políticas existentes, assim como a manutenção do compromisso das regulamentações pró-equidade do Fundeb, em 2022 e 2023, como orienta a Constituição Federal. Por fim, sugere realizar transformações nas principais políticas do MEC.

A discussão, a ser mediada pelo professor na Universidade Federal da Bahia (Ufba) George Gurgel, deverá ser encerrada pelo professor Comte Bittencourt, ex-secretário estadual de Educação, secretário de Educação e vice-prefeito do município de Niterói.

Experiência exitosa
Ao citar a experiência na Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, Bittencourt destacou o termo de ajuste de gestão, submetido aos órgãos de controle e amplamente divulgado a diversos segmentos da sociedade.

A iniciativa, segundo ele, permitiu transferir recursos não utilizados em 2020 para o ano fiscal de 2021, viabilizando uma execução responsável, ágil e rigorosamente eficiente, com reflexo direto nas escolas.

“O inédito Termo de Ajuste de Gestão representou uma grande inovação e serviu de base para a construção de um planejamento rigorosamente alinhado às necessidades das escolas e coerente com o orçamento, servindo como vetor de resultados qualitativos já mensuráveis e permitindo que o trabalho continue tendo por base uma estrutura bem sedimentada”, disse.





Os assuntos abordados na revista serão debatidos em mais três debates, com previsão de serem realizados a cada 15 dias, no mesmo horário. O primeiro webinar da revista foi realizado no dia 12 de agosto, com discussão da proposta do ex-senador Cristovam Buarque sobre o Sistema Único Nacional de Educação.

2º Webinar lançamento da revista Política Democrática impressa
Tema:
A educação na história
Data: 26/8/2021
Transmissão: a partir das 19 horas
Onde: Portal e redes sociais da FAP (Facebook e Youtube)

Leia também:
‘Sistema Nacional Único de Educação deve colocar país na vanguarda’


O Brasil e a AL 200 anos após a independência da Espanha e Portugal

A Mesa redonda online promovida pela APURAPERU, no último dia 10 de julho, culminou em um processo de discussão, que se iniciou nas duas mesas anteriores dos dias 26 de junho e 3 de julho passado e que possibilitou um panorama da realidade histórica e atual da América Latina, particularmente do Peru, México, Panamá e Brasil.

O que avançamos como República, nos últimos 200 anos, nos diversos países do continente depois da libertação colonial?

Quais os desafios históricos e atuais dos países latino-americanos frente à pandemia e aos cenários possíveis pós pandemia? 

Foram estas as questões discutidas e avaliadas nessas mesas redondas acima mencionadas e que estão disponíveis em https://www.facebook.com/apuraperu/videos.

O texto a seguir apresentado na última mesa redonda do dia 10 de julho passado destaca a realidade brasileira em perspectiva, considerando os desafios a serem enfrentados pelo Brasil no caminho da sustentabilidade política, econômica, social e ambiental.

Os desafios da sustentabilidade
A ampliação da consciência ambiental aos níveis global, continental e nacional é uma necessidade para a construção de uma nova perspectiva de sociedade que se quer sustentável. Os problemas econômicos, sociais e ambientais globais, continentais e nacionais continuam como desafios políticos a serem superados para a construção de uma perspectiva sustentável para a América Latina e o Brasil.

A busca de alternativas para superar esta realidade coloca a necessidade de construção de uma nova agenda para as questões de sustentabilidade mundial, continental e nacional, há muito discutida nos fóruns globais (AGENDA 21, ONU, ECO 92).

A construção política, econômica, social e ambiental de uma sociedade futura sustentável é um desafio permanente de toda a sociedade latino-americana. Alguns valores devem sustentar esta nova construção societária, entre outros a compreensão da democracia como um valor permanentecriador das condições de governança global, continental e nacional; a necessidade da paz mundial e do diálogo entre os povos, particularmente latino-americanos, como o caminho de superação desta sociedade histórica, construída desde a colonização e atualmente insustentável.

Nessa perspectiva, a equidade na distribuição das riquezas produzidas por quem trabalha preservando os valores ambientais, culturais e espirituais das sociedades latino-americanas é o caminho a ser perseguido com a participação ativa da cidadania, dos governos nacionais, das organizações, a exemplo da ONU, OEA e outras multilaterais que funcionariam como alicerces dessas políticas públicas que se desejam e podem ser discutidas e construídas a nível nacional, latino-americano e global.

A realidade brasileira
A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, de 1º de maio de 1500, quando aqui chegaram os colonizadores portugueses, é o primeiro manifesto das potencialidades e riquezas naturais brasileiras:

“Nela, até agora, não podemos saber o que faz ouro nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem de ferro; nem como vimos. Mas, uma terra em si é muito boa de ares, fria e temperada, como você. Águas são muitas e infindas. De tal forma e graciosa que, querendo aproveitar, dê-lhe uma mensagem para o bem das Águas que ela temia”.

Tal processo de colonização e a realidade brasileira atual impõem a necessidade de novas relações entre a sociedade e a natureza no Brasil.

Portanto, o Brasil, com seus conflitos e contradições, é parte do processo de desenvolvimento do capitalismo na América Latina e no mundo inteiro, fruto das relações dos diversos atores que determinam o funcionamento da sociedade brasileira atual, assim como a construção de novas relações a serem estabelecidas com a América Latina e a nível mundial.

Desde as expedições colonizadoras (a primeira chegou ao Brasil em 1530, comandada por Martim Afonso de Souza), a economia brasileira continua sendo exportadora de recursos naturais para atender ao mercado mundial.

Os desafios históricos continuam atuais na perspectiva de construção da sustentabilidade brasileira: a preservação do território, das riquezas naturais, em particular da biodiversidade, elemento estratégico para o futuro do país e da América Latina, principalmente em relação à floresta amazônica, mata atlântica, cerrados, caatinga, água, riqueza mineral e o aproveitamento do potencial de energia solar e eólica.

A questão da sustentabilidade no Brasil é parte integrante de nosso processo histórico, cultural, econômico e social. Sua síntese está refletida na própria Constituição brasileira, aprovada em 1988, que possui um capítulo (o VI) dedicado ao Meio Ambiente que, em seu artigo 225, dispõe:

“Toda pessoa tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem comum das pessoas e essencial para uma boa qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à comunidade o dever da sua defesa e preservação para as gerações presentes e futuras”.

Esta visão de totalidade, de compreender a construção das políticas públicas como relação entre o Estado e a Sociedade em geral está incorporada no Capítulo VI da atual Carta Magna, no que se refere à política ambiental, superando dialeticamente as visões anteriores de tratamento da questão ambiental no Brasil.

As políticas fundamentais para a construção da sustentabilidade no Brasil devem ser integradas e pactuadas entre os diferentes atores políticos, econômicos e sociais, no âmbito do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil brasileiros.

O desafio da sustentabilidade no Brasil é a necessidade de construção de uma sociedade com mais democracia, ampliando os espaços de participação e de decisão da cidadania, com uma economia preocupada com a inclusão social e a preservação da biodiversidade, realizando reformas políticas e econômicas necessárias e ainda não realizadas pela sociedade brasileira.

No Brasil, parte considerável da população não tem seus direitos constitucionais atendidos como educação, saúde, moradia, segurança pública e trabalho, fundamentais para a vida. A perspectiva sustentável deve ser trabalhada com base na biodiversidade, território, riquezas minerais, água, energia solar e eólica disponíveis no território brasileiro.

Os limites impostos à economia baseada no carbono colocam o Brasil em situação de destaque em relação à sua matriz energética, com vantagens comparativas na perspectiva de uma nova economia, de baixo carbono, sustentável.

Nos últimos 25 anos de redemocratização da sociedade, o Brasil se desenvolveu em termos de inclusão social e redução das desigualdades. Mas, ainda somos uma das sociedades mais desiguais do mundo, infelizmente, uma das primeiras em concentração de riqueza em todo o planeta. A parcela da população, inserida no mercado nos últimos anos, não foi incorporada à cidadania efetiva, não alcançando os direitos expressos na Constituição brasileira, a saber: trabalho, moradia, saúde, educação e mobilidade.

A construção da sustentabilidade no Brasil implica em uma mudança radical na nossa matriz de transportes. A transição para uma nova matriz de transporte, com prioridade para a ferrovia e a hidrovia substituindo o rodoviário, para o coletivo substituindo o individual, são desafios que continuam atuais em nossa sociedade.

Em relação à questão urbana, os problemas sociais se acumulam nessas áreas de grande concentração populacional. As cidades concentram população e desigualdades. A reforma urbana se coloca como uma das questões ​​estratégicas dessa perspectiva que se pretende sustentável para o Brasil.

A propriedade da terra, a reorganização do espaço urbano, o sistema de transportes, segurança, habitação, saúde, educação e a reestruturação dos serviços públicos são questões fundamentais a serem consideradas. O fortalecimento das políticas municipais e regionais, por meio do incentivo à participação do cidadão na formulação das políticas públicas e na gestão, será decisivo neste caminho rumo à sustentabilidade em nosso país.

Neste cenário, a centralidade de uma política pública de educação, ciência, tecnologia e inovação se coloca no caminho de uma maior integração com a indústria, agricultura e pecuária para aumentar a produtividade e enfrentar as desigualdades sociais e os desafios econômicos e ambientais da sociedade brasileira.

É importante ainda avaliar como a questão da sustentabilidade está sendo formulada e incorporada nas políticas públicas no Brasil pelos diferentes atores políticos e sociais, seus respectivos instrumentos e condições de implementação, nível de transversalidade e participação efetiva da sociedade. Bem como a continuidade e aprofundamento das políticas de combate às desigualdades de gênero e etnia, como estruturantes nesta perspectiva sustentável a ser construída no Brasil.

Uma reforma política continua na ordem do dia para a ampliação e consolidação da democracia brasileira. Condicionar a reforma política à necessidade de maior participação da sociedade civil e da cidadania como instrumentos de superação da difícil realidade política, econômica e social vivida hoje no Brasil superando o Governo Bolsonaro que demonstrou e demonstra a sua incapacidade de governar o País. Aumentam as crises econômica, social e ambiental brasileiras, em plena pandemia.

Por fim, compreender e trabalhar as questões da sustentabilidade como parte da história da humanidade em suas relações com a natureza, permitindo transcender os problemas da sociedade atual, no Brasil e na América Latina, buscando soluções e, sobretudo, que as diferenças e os reais interesses entre os diversos atores sociais em questão sejam identificados, criando as bases de novas relações políticas, econômicas e sociais para a sociedade futura que se deseja sustentável.

Seremos capazes?

*Professor Doutor da Universidade Federal da Bahia-Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade (geogurgel1@gmail.com)


George Gurgel: O Brasil, as comunidades indígenas e os desafios da sustentabilidade

Quando Pedro Alvares Cabral chegou à Bahia, em 1500, a população indígena brasileira era em torno de 3,5 milhões distribuída em quatro grupos linguístico-culturais: Tupi, Jê, Aruaque e Caraíba. Os Tupis eram os grupos dominantes e viviam ao longo do litoral.

A sociedade indígena era nômade, tinha um sistema de troca em forma de escambo e a divisão de trabalho entre os homens e as mulheres era baseada no sexo e na idade. Os homens preparavam a terra para a produção de alimentos, caçavam e pescavam. As mulheres semeavam, plantavam e faziam a colheita. Ainda faziam a fiação de algodão, teciam as redes, cuidavam dos animais domésticos e preparavam as raízes e folhas para a produção de cauim e os rituais. Havia uma atenção especial aos idosos e às crianças por eles representarem a história e a continuidade da comunidade.

As comunidades indígenas das Américas foram se transformando e se adaptando, ao longo de milhares de anos, a uma convivência com a natureza, da qual dependia sua existência física e espiritual.  Assim viveram até à chegada dos colonizadores europeus que escravizaram, destruíram e transformaram completamente a vida dessas populações indígenas no continente americano.

A cultura dos colonizadores de produzir e acumular riquezas, de tudo virar mercadoria para Portugal e o comércio mundial já estabelecido entrou em choque com a vida nômade, de não acumulação de bens das comunidades indígenas.  As relações iniciais de curiosidade e de trocas e de dependência dos portugueses aos índios para a sobrevivência ao longo do litoral brasileiro, foram se transformando em relações de conflitos entre os colonizadores e colonizados que passaram a ser obstáculo na ocupação da terra e, ao mesmo tempo em que os portugueses precisavam da força de trabalho indígena para o modelo de colonização extrativista que se implantava.

A partir das Capitanias hereditárias, distribuídas por D. João III, rei de Portugal, em 1534, ampliam-se consideravelmente esses conflitos e contradições do modelo de colonização imposto com as armas, a ferro, e a religião, com a exploração dos recursos naturais, cujo maior símbolo de devastação foi o pau-brasil. A construção de engenhos precisava de mão de obra escrava seguindo o modelo usado pelos portugueses nas Ilhas da Madeira e de São Tomé. Inicialmente, a escravização indígena se colocou como solução do modelo econômico a ser implantado no Brasil. A escravização africana é posterior, começando a ser significativa a partir de 1550, quando o tráfico de escravos passou a ser um lucrativo negócio, além da própria mão de obra escrava em si, substituta do trabalho escravo indígena.

Indígenas durante protesto na Esplanada dos Ministério, em Brasília. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Em 1549, Portugal criou o governo geral do Brasil e Tomé de Souza foi nomeado seu governador. Chegou a Salvador, em 1549, e construiu a primeira capital do país.  Começou, desde então, o massacre das populações indígenas que se estende até a atualidade. Tomé de Souza orientava o seu governo a destruir as aldeias, matar e punir rebeldes, de maneira exemplar. Os governos gerais continuaram com esse genocídio e o de Mem de Sá ficou conhecido como o mais violento de todos do período, vangloriando-se da destruição das aldeias, através de incêndios e utilizando até balas de canhão contra as populações indígenas. Junte-se a essa situação a imposição cultural e religiosa trazida pelos portugueses, obrigando as comunidades indígenas às mudanças de hábitos culturais e espirituais consolidados há milênios.  

Desde então, em toda a América e no Brasil, foi consolidado um modelo colonial com o predomínio e a lógica do terror das armas, da imposição religiosa e enfermidades não conhecidas até então no continente americano, sempre é bom lembrar nestes tempos de Pandemia, a exemplo da gripe, trazidas pela colonização europeia que dizimou milhões de índios em todo o nosso continente e em nosso País.

Aqui, a expansão do domínio colonial para o interior, a criação de gado e a exploração de ouro e de diamantes deram a tônica de conquista do território e a continuidade do extermínio das aldeias indígenas, iniciada na ocupação do litoral atlântico e que se expandiu com o ciclo da cana de açúcar.

São estes os fundamentos originais da sociedade brasileira, desde o período colonial, que continua no Império e na República, juntos com a escravização africana, os quais ajudam a entender como foi construída a sociedade brasileira, os conflitos e as contradições atuais. 

A Constituição de 1988 consagrou o princípio de que os indígenas são os primeiros e naturais senhores da terra. Portanto, o direito deles à propriedade da terra independe do reconhecimento formal. A definição está no parágrafo primeiro do artigo 231 da Carta Magna: são aquelas terras “por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, observando,  no artigo 20,  que as terras indígenas são bens da União, sendo reconhecidos aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

Ela estabeleceu também um prazo para a demarcação de todas as Terras Indígenas: 5 de outubro de 1993, o que não ocorreu até hoje. Assim, estas comunidades no Brasil continuam a lutar por seus direitos histórica e atualmente desrespeitados pelos governantes e uma boa parte da sociedade brasileira.

Índios correm da chuva na praça dos três poderes. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Segundo os resultados preliminares do IBGE (2010), nossa população indígena hoje é de 817.963 pessoas, das quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras. Vive a maioria de maneira precária, com muitos povos indígenas com suas terras ainda a serem demarcadas, em todo o território brasileiro.

Qual é a responsabilidade e os compromissos da sociedade brasileira frente à realidade atual das nossas comunidades indígenas? O que cada um de nós pode fazer para mudar esta realidade?

São questões a serem enfrentadas por todos os brasileiros e brasileiras se quisermos efetivamente superar esta atual realidade, em plena Pandemia.

Como dialogar e construir alternativas a esta realidade com a própria população indígena, respeitando a sua cultura e a sua maneira de ser e existir hoje no Brasil? 

Os mecanismos constitucionais existentes e o modelo da FUNAI atendem às expectativas dessas comunidades indígenas? Como anda a escuta e o diálogo dos governos federal, estadual, municipal e da própria sociedade civil em relação a estas comunidades?

A realidade atual do Brasil é caótica frente à crise econômica e de saúde pública que estamos vivendo. Cenas de horror, de mortes por falta de leitos hospitalares, de oxigênio, de assistência médica em geral, inclusive na área privada, colocam, nesse segundo ano de Pandemia, a incapacidade dos Governos Federal, dos Estados e dos Municípios e da sociedade civil, de construir um programa consensual para o enfrentamento dos problemas urgentes desnudados pela Covid-19. As estatísticas de milhões de contaminados, chegando a 400 mil mortes, são espetacularização diariamente pelos meios de comunicação e continuam invadindo nossas casas. 

O que podemos fazer?

O Governo Federal, principal responsável pela Política Nacional de Combate à Pandemia, não aponta caminhos para enfrentar efetivamente a crise sanitária que estamos vivendo, o que só faz agravar a situação. As falsas narrativas e os embates entre os entes federativos não resolveram e nem vão resolver a difícil realidade que estamos vivendo.

Indígenas são vacinados contra a Covid-19 no Pará. Foto: Bruno Cecim / Agência Pará

No Brasil, como sempre, os que mais precisam do Estado ficam abandonados à própria sorte. As comunidades indígenas, como a sociedade em geral, procuram reagir colocando a urgência dos problemas cotidianos já enfrentados anteriormente e os a serem enfrentados em razão da Pandemia. A Sociedade pode e deve ser cobrada no processo de construção de uma alternativa democrática a esta triste realidade brasileira, desnudada pela Covid-19. 

As comunidades indígenas devem ser parceiras nesta construção. Qual deve ser o nosso diálogo com elas?

Elas têm muito a nos dizer em relação à natureza, à preservação da nossa biodiversidade, dos nossos rios, na alimentação, na música, na dança e na cultura brasileira em geral. É são fundamento no uso e na preservação dos nossos ativos naturais de um Brasil que pode e deve potencializar essas vantagens comparativas a favor de uma sociedade sustentável, com uma economia de baixo carbono, de inclusão social e de preservação da nossa exuberante natureza tropical, incorporando conhecimentos ancestrais em diálogo com outras culturas nacionais, apoiados no conhecimento cientifico e tecnológico a favor da própria comunidade indígena e de toda a sociedade brasileira.

   

Ainda é possível?

Os desafios são políticos, econômicos e sociais. A curto prazo, urge a realização de um Programa Nacional de Vacinação que, com a urgência devida, proteja a todos os brasileiros e brasileiras, ainda este ano, evitando assim o aumento vertiginoso do número de contaminados e mortos, como vem acontecendo desde o início da Pandemia, inclusive de maneira preocupante nas próprias comunidades indígenas. São questões imediatas a ser enfrentadas pelos que detêm mandatos, pela Federação e por toda a sociedade brasileira.

Portanto, é possível a construção de uma alternativa para enfrentar e superar os nossos desafios históricos e atuais, abrindo o diálogo necessário entre as forças democráticas, no caminho de uma pauta reformista que leve a um efetivo enfrentamento dos problemas econômicos, sociais e ambientais vividos pelas comunidades indígenas no Brasil. 

Finalmente, há que se considerar a necessidade de uma visão sistêmica no processo de construção das políticas públicas no Brasil e no enfrentamento da própria questão indígena, considerando as suas especificidades culturais e regionais. Colocando como imperativo a escolha de prioridades, através de dialogo permanente entre as comunidades indígenas, os governantes e a sociedade em geral precisam garantir a implementação de políticas públicas voltadas para essas comunidades, articuladas às políticas públicas em geral, sob responsabilidade municipal, estadual e federal com foco na melhoria do bem-estar das comunidades indígenas e de toda a sociedade brasileira.

Os desafios econômicos, sociais e ambientais da sociedade brasileira devem ser enfrentados ampliando a nossa capacidade de diálogo e de construção de pactos políticos que avancem e consolidem a democracia brasileira no caminho de transformar a nossa injusta realidade política, econômica e social para uma governança que se quer democrática e realizadora das mudanças necessárias durante e pós-pandemia.

Assim, o enfrentamento da situação indígena e as suas especificidades devem ter visibilidade nacional e regional com a criação de mecanismos institucionais de acompanhar e avaliar permanentemente a realidade das comunidades indígenas no Brasil, fortalecendo essas comunidades nas relações entre si e  os entes da Federação no Executivo,  no Legislativo e no Judiciário, desafiando os aborígenes e o poder público em geral à construção de novas relações entre os atores políticos, econômicos e sociais da Federação, na busca da sustentabilidade econômica, social e ambiental das comunidades indígenas como parte integrante da sociedade brasileira,  considerando a nossa rica diversidade cultural e espiritual.

Seremos capazes?

*George Gurgel de Oliveira, professor da UFBa, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.


Eduardo Rocha e George Gurgel de Oliveira: O Brasil tem urgência na vacinação

Um problema extraordinário exige uma solução extraordinária. O Brasil tem urgência na vacinação e as organizações empresarias podem ajudar. O combate eficaz à escalada colossal e fúnebre da pandemia e a defesa da vida exigem uma inédita cooperação entre o Estado, o mercado e toda a sociedade brasileira para promover a universalização acelerada da vacinação.

Propõe-se aqui que os governadores e prefeitos enviem aos seus respectivos Legislativos, de comum acordo com o governo federal e o Congresso Nacional, um projeto de lei que autorize as empresas privadas nacionais e internacionais que atuam no Brasil adquiriram vacinas já disponíveis no mercado mundial contra a Covid-19.

As vacinas compradas seriam divididas em duas partes. Uma destinada a vacinar os trabalhadores dessas empresas adquirentes e outra (cuja quantidade deve ser pactuada e ser superior às destinadas aos funcionários das empresas compradoras) seria doada ao Sistema Único de Saúde (SUS) para vacinar a população dos estados e municípios, seguindo a ordem dos grupos prioritários já definidos.

A compra de vacinas e sua aplicação gratuita aqui proposta visa salvaguardar a saúde e a vida do próprio trabalhador, garantir a continuidade da atividade econômica das empresas (a maioria delas amargando enormes prejuízos), descolapsar a rede hospitalar e atender o interesse social-humanitário da população, que clama por vacinas, enfrentando assim a tragédia sanitária, econômica e social que a sociedade brasileira está vivendo, com desdobramentos imprevisíveis.

Esta nossa proposta vai além da Lei 14.125/21, que autoriza o setor privado comprar vacinas, determina que estas doses adquiridas sejam integralmente doadas ao SUS enquanto estiver em curso a vacinação dos grupos prioritários e, após a conclusão dessa etapa, o setor privado poderá então ficar com metade das vacinas que comprar, e estas deverão ser aplicadas gratuitamente. Mas isso não está ocorrendo ou está muito lentamente e não atende de imediato aos funcionários das empresas compradoras.

Diferentemente desta Lei e de outras iniciativas legislativas (no Congresso Nacional e em algumas Assembleias) que permitem corretamente a compra pelas empresas privadas, mas restringe tal compra apenas a seus funcionários, nossa proposta é mais ampla e unificam as duas iniciativas citadas acima.

Em primeiro lugar, nossa proposta visa, salvaguardada a ordem dos grupos prioritários, a ampliação da cooperação público-privada na compra das vacinas para atender imediatamente aos trabalhadores dessas empresas compradoras, chefes de família (mulheres e homens) que diariamente se deslocam ao trabalho, correndo os riscos de contaminação no trajeto casa-trabalho-casa.

Em segundo lugar, garante às empresas manterem em pé suas atividades econômicas, pois contarão com seus trabalhadores vacinados e, por fim, que estados, municípios e setor privado, numa ação conjunta, acelerem a universalização da vacinação da população, vivifiquem as empresas e possibilitem a retomada gradual do crescimento econômico, do emprego, da renda.

Assim, a presente proposta, sem prejuízo das compras já anunciadas pelos governos federal, estaduais, municipais (e consórcios), fortalece a cooperação público-privada no Brasil em defesa da universalização acelerada da vacinação neste momento trágico de nossa história. É urgente e factível.

Sempre foi a hora suprema de o Brasil combater e eliminar o vírus que nos mata e nos envergonha mundialmente. Somos o centro de propagação e de vítimas fatais da Covid-19, cujo vírus em constante evolução produz novas e mais agressivas cepas, cuja propagação acelerada tende a abrir as portas do inferno caso se concretize a alarmante e sinistra previsão científica de Alexander Gintsburg, diretor do Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia (Instituto Gamaleya), responsável pela criação da Sputnik V, e Acadêmico da Academia Russa de Ciências.

Em entrevista ao site de notícias russas Izvestia, Gintsburg afirma que “a próxima etapa é a infecção de animais domésticos e de fazenda. E quando protegermos a humanidade com a ajuda de boas vacinas dentro de um ano, os animais de estimação estarão infectados nessa época e ninguém vai se livrar de seus amados animais de estimação.”.

Ou seja, um descontrole total da transmissão viral e a lentidão da vacinação combinadas tendem a contaminar (provavelmente com novas cepas) os animais e cujos impactos sanitários ainda estão em estudo. Imagine o impacto para o Brasil (para ficarmos nele) na produção avícola, suína e bovina. Um caos sanitário e econômico e social sem precedentes. O Brasil tem urgência na vacinação!

Os atos da nossa atual geração de brasileiros já estão registrados na história. A consciência cidadã e democrática do futuro narrarão como nós nos comportamos. As futuras gerações sentenciarão se fomos ou não capazes de unir Estado, mercado e sociedade civil em torno de um só único objetivo: salvar vidas!

A história julgará a todos nós, pelo que fizemos ou pelo que deixamos de fazer no enfrentamento do COVID-19. Ser impotente quando lhe falta arma é até compreensível, mas ser derrotado quando lhe falta à razão a boa política, é um crime, que não haverá perdão!

É possível combater e vencer a pandemia através da unidade de ação do Congresso Nacional, dos governos e legislativos estaduais e municipais, da comunidade científica, das empresas, da sociedade civil organizada, dos gestores e profissionais de saúde, da consciente participação da cidadania brasileira e da cooperação internacional.


*Eduardo Rocha (E-mail: edursj@yahoo.com.br) é economista e George Gurgel de Oliveira (E-mail: geogurgel1@gmail.com) é professor da UFBA e Vice Presidente da Câmara Brasil-Rússia de I & C e Turismo no Brasil.


George Gurgel: Brasil Insustentável - No auge da pandemia as eleições pautam a agenda nacional

Nesta semana, no auge da pandemia, fomos surpreendidos com a pauta da Lava Jato tomando conta dos meios de comunicação e da opinião pública brasileira.  O Supremo Tribunal Federal - STF, através de uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin, decidiu que as ações contra o ex-presidente Lula deveriam ter transcorrido em Brasília, anulando as decisões da Lava Jato em relação às condenações sentenciadas pelo ex-juiz Sérgio Moro, nos últimos cinco anos, e confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse julgamento, os atos processuais sem carga decisória poderão ser aproveitados pelo novo juiz que assumir o caso.

Ato continuo, no julgamento da Segunda Turma do STF, em andamento, os votos dos ministros Gilmar Mendes, relator, e Ricardo Lewandowski foram pela suspeição de Sergio Moro.  Se vencedor esse entendimento, obrigará que os processos contra o ex-presidente Lula recomecem da estaca zero.

Diante dessas posições conflitantes estabeleceu-se o impasse nos julgamentos em andamento no STF que tratam das condenações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. O julgamento foi suspenso por pedido de vistas do ministro Kássio Nunes Marques e o colegiado do Supremo discute estratégias para superação desta inusitada situação.  

O episódio em questão reflete uma disputa interna no próprio Supremo envolvendo os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin. As medidas e as consequências deste e de outros julgamentos e desta disputa entre visões jurídicas distintas e seus reflexos na sociedade brasileira, deveriam ser melhor  avaliados pelos contendores e todos os membros da mais Alta Corte brasileira:  a beligerância visível existente no próprio Supremo, entre os poderes da República e a polarização política vivida na sociedade brasileira nos últimos anos e atualmente, em plena pandemia, são situações que deveriam preocupar a cidadania e toda a sociedade brasileira.

Como entender esta realidade?

Como a cidadania pode fazer a leitura destes episódios?

Nesta conjuntura de tragédias sem fim, a disputa presidencial de 2022 é antecipada nos meios de comunicação e na opinião pública em geral, tirando o foco dos reais problemas econômicos, sociais e de saúde pública que a sociedade brasileira enfrenta no seu dia a dia.

As narrativas construídas na conveniência de cada discurso político traz embates cotidianos sem nenhum foco na questão principal: o combate efetivo à pandemia que deveria unir toda a sociedade. As pautas dos meios de comunicação e a maneira de funcionamento dos entes federativos não ajudam a entender e superar esta difícil realidade.

O que mais poderia acontecer?

O que se pode esperar dos governantes e da sociedade em geral frente a esta realidade?

Quais são as nossas urgências?

Na vida real, longe dos palácios, uma boa parte da população continua abandonada à própria sorte no seu trágico cotidiano de falta de leitos e de assistência médica, na maioria dos municípios brasileiros, com cenas dantescas que acompanhamos como normalidade no nosso dia a dia, no auge da pandemia.

Apesar desta trágica realidade, ainda não temos um Programa Nacional de Vacinação com metas e cronogramas estabelecidos que tranquilize e passe confiança à sociedade brasileira, demonstrando a incapacidade governamental de planejar ações básicas de combate à pandemia. 

 O ritmo de vacinação no Brasil continua lento por falta de vacinas, as metas anunciadas pelo Governo Federal estão sendo adiadas, diferente da situação de muitos países, cuja população já avança no processo de vacinação. As evidências apontam que até o final do ano não teremos a população brasileira vacinada, pela simples razão de que não há vacinas na quantidade devida para o Brasil, no mercado internacional.

A ideologização da pandemia e a falta de planejamento para enfrentá-la caminharam e continuam a caminhar juntas, com consequências graves para a sociedade brasileira.  Embora a maior responsabilidade seja do Governo Federal, que minimizou e minimiza a gravidade da situação vivida pela população, a sociedade deve exigir posicionamentos adequados dos outros entes da Federação, caso concreto do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional, dos governadores e prefeitos: como eles estão contribuindo para o enfrentamento da pandemia? O que se pode e o que está sendo feito? Exige-se dos entes federados foco e uma resposta urgente frente à tragédia vivida pela cidadania brasileira.

 Em plena pandemia, a crise econômica e de saúde pública que vive o Brasil traz para o cotidiano da sociedade cenas de horror, de mortes por falta de leitos hospitalares e de oxigênio, da falta de assistência médica em geral, inclusive na área privada, colocando, após um ano de pandemia, a dimensão real da nossa realidade: a incapacidade da área federal, dos estados e dos municípios de construir um programa mínimo, em diálogo com a sociedade e o mercado, para o enfrentamento dos problemas urgentes provocados pela pandemia no Brasil.

A insegurança continua. Os dados em relação à contaminação e às mortes são assustadores. São milhões de contaminados e milhares de mortos – colocando o Brasil na liderança em relação a contaminados e mortos pela Covid 19 no cenário internacional.  Já não existem leitos disponíveis na área pública, nem privada, na maioria das capitais brasileiras.

No pior momento da pandemia, os milhões de brasileiros continuam abandonados à própria sorte frente ao desemprego, à falta de uma renda emergencial que lhes assegurem o mínimo de dignidade para atravessar a crise. O Governo Federal, como principal responsável pela Política Nacional de Combate à Pandemia, com sua política negacionista e plena de contradições, só faz agravar a situação com  falas que agridem ao bom senso.  

O esforço dos governos e de toda a sociedade, das lideranças políticas em particular, é criar as condições de focar no que é principal: o combate e a superação da pandemia, vacinando com a urgência devida toda a população. Pautar e antecipar a disputa política-eleitoral de 2022, nesse momento trágico, no auge da pandemia, desqualifica qualquer proposta política, mesmo a melhor intencionada. Vive-se  um sentimento de impotência na sociedade, angustiando uma parte considerável da população que não encontra  caminhos e respostas à difícil realidade brasileira.

Urge medidas governamentais para o enfrentamento real dos problemas do cotidiano já existentes, ampliados com a pandemia. A sociedade está desafiada a se unir a favor de um Programa Nacional de Vacinação: vacinar com a urgência devida toda a população é a única maneira de retornar a vida social com segurança.

As polarizações das narrativas hoje existentes na sociedade, o proselitismo político e os salvadores da pátria, assim como a antecipação da campanha presidencial não resolvem, neste novo ano de pandemia, as dificuldades reais da sociedade brasileira.

Desde o mensalão até à Lava Jato, a sociedade brasileira ficou com a sensação que mudanças positivas estavam acontecendo no Brasil: políticos no seu amplo espectro ideológico e empresários corruptos foram indiciados, julgados e presos. Muitos com confissões que abalaram a cena política e empresarial, causando perplexidade à sociedade brasileira – o PT foi o partido que teve o maior número de lideranças indiciadas, julgadas e presas: de José Dirceu a Lula, incluindo presidentes, tesoureiros, ministros de Estado, diretores da PETROBRAS e parlamentares. O PSDB, o principal partido de oposição ao PT, também teve governadores, senadores, deputados, prefeitos denunciados, processados e presos, atingindo uma das suas principais lideranças - na época da denuncia, presidente nacional da agremiação e senador da república e ex- candidato a presidência da República, Aécio Neves. Nos processos transitados e julgados foram devolvidos centenas de milhões de reais aos cofres públicos. Os processos e as investigações continuam.

Por outro lado, deve-se combater a instrumentalização das instituições de direito a favor de um determinado partido, empresa ou lideranças políticas e empresariais, devendo ser fruto de preocupação e vigilância permanente da cidadania e de toda a sociedade brasileira.

Então, a expectativa da cidadania e da sociedade brasileira é que este seja um caminho sem volta – uma conquista efetiva de toda a sociedade no combate à corrupção. Naturalmente, aperfeiçoando e combatendo comportamentos judiciais que afrontam o Estado de Direito e a Constituição brasileira.

Assim, a construção e a afirmação da democracia não comportam ou não deveriam comportar mais visões simplistas, binárias, do “nós contra eles”, como maneira de realizar a política e enfrentar os complexos desafios da sociedade brasileira.

Portanto, podemos e devemos enfrentar a pandemia abrindo o diálogo necessário entre as forças democráticas, no caminho de uma agenda que leve a um efetivo enfrentamento dos reais e urgentes problemas econômicos, sociais e de saúde, trazendo para o exercício da política a voz dos excluídos da sociedade, pressionando os que governam a República para pautar os problemas  reais da população, buscando a melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros que vivem em condições precárias de moradia, sem segurança, educação, saúde,  saneamento e  mobilidade urbana no Brasil.

São estas as questões e os desafios a serem enfrentados por cada um e por todos nós se quisermos efetivamente superar a trágica realidade vivida atualmente, em plena pandemia, por toda a sociedade brasileira.

*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia


George Gurgel de Oliveira: Brasil - Os Desafios da Sustentabilidade. Qual PETROBRAS?

A PETROBRAS volta à cena política nacional. Na verdade, sempre esteve. É uma das joias da Coroa, devemos cuidá-la e preservá-la, mesmo se for transformada em uma Empresa de Energia, como sugerido no presente texto. Ela faz parte da nossa identidade nacional, desde a fundação em 1953, quando colocou o Brasil no seleto grupo de países com indústria de petróleo. Desde então, ela foi sempre discutida, defendida e atacada no Brasil e no exterior. Portanto deve ser avaliada permanentemente por toda a Sociedade, além do Estado e do Mercado, considerando as transformações que estão acontecendo na área de energia, particularmente na indústria de petróleo mundial.

As minhas primeiras lembranças sobre a PETROBRAS são familiares: meu pai e seus companheiros do PCB na Bahia, como milhares da geração dele, participaram da campanha o Petróleo é Nosso – o povo nas ruas venceu, com apoio de Getulio e dos militares - não foi pouca coisa.

Ainda, e por isso tudo, a minha escolha profissional quando fui estudar na URSS foi na área de petróleo e gás, de novo a PETROBRAS em minha vida: lembro do entusiasmo que escrevi à sua direção, quando estava iniciando a minha dissertação de mestrado, no início de 1980, em Moscou: queria fazer meu trabalho em uma área que houvesse algum interesse da própria PETROBRAS – a minha frustração foi enorme, nunca obtive resposta do meu bem intencionado gesto.

A vida seguiu e o meu interesse pela Indústria de Petróleo, pela Energia nas suas diversas formas, e a questão ambiental persistem até hoje.

Como avaliar a PETROBRAS? A partir da sua própria história, realidade atual e o que ela e a sociedade brasileira almejam hoje e no futuro próximo – analisando a situação da própria PETROBRAS, da Indústria Mundial de Petróleo e de outras formas de energia: qual a matriz energética que temos e a que queremos ter nos próximos anos, no horizonte de 5, 10, 15, 20 anos?

São questões relevantes a serem enfrentadas para uma melhor compreensão do papel atual e do futuro da maior empresa brasileira e dos sistemas energéticos brasileiros.
A questão energética, particularmente a que envolve a Indústria de Petróleo, caso explícito da PETROBRAS, reflete interesses variados de caráter público e privado, tanto nos países capitalistas industrializados, grupo seleto no qual está concentrado o consumo energético mundial, quanto nos países não industrializados, nos quais vive a maioria absoluta da humanidade, com baixos níveis de consumo de energia.

A maneira como o petróleo e o gás são apropriados da natureza, produzidos, distribuídos e consumidos ainda determina os níveis de bem-estar de uma determinada sociedade e suas inter-relações com a própria natureza. Assim, a escolha nos tempos atuais de um modelo empresarial na área de petróleo e gás é reflexo das distintas realidades nacionais, a partir das potencialidades energéticas de cada sociedade.

No Brasil, a discussão em relação à PETROBRAS deve ser feita com e além da própria empresa, avaliando as demandas existentes da Sociedade em relação à indústria de petróleo e o lugar desta indústria na matriz energética, na economia e na indústria brasileira em geral.

O Sistema PETROBRAS, como o Sistema ELETROBRAS, de BIOMASSA, Solar, Eólico e Nuclear no Brasil foram e são opções construídas a partir de decisões e múltiplos interesses políticos, econômicos e sociais estabelecidos na Sociedade brasileira.

Nessa perspectiva, a PETROBRAS é parte do problema e da solução. A partir dos anos 90, o processo de privatização do Sistema Elétrico e do Sistema Petrolífero e a criação das respectivas agências reguladoras e da própria Agencia Nacional de Petróleo, a ANP, nos anos 90, mudam o funcionamento do Sistema Energético brasileiro.

Desde então, os diversos Sistemas Energéticos, o modelo da Agência Nacional de Petróleo, como também da Agência Nacional de Energia Elétrica, de Biomassa, Solar e Eólica são os responsáveis pela regulação da Política Energética brasileira. Em relação ao funcionamento das Agências reguladoras, constata-se desde a criação, uma forte influência do Executivo federal na definição dos dirigentes e da prevalência dos interesses de conjuntura no funcionamento destas Agências, retirando a necessária autonomia para o cumprimento das suas funções institucionais, de pensar a questão energética com uma visão sistêmica, para atender as demandas energéticas atuais e futuras da Sociedade brasileira.

Institucionalmente, a área energética deveria reestruturar-se buscando a integração dos diversos sistemas (elétrico, petrolífero e gás natural, álcool e bagaço de cana, carvão mineral, lenha e carvão vegetal, solar e eólica), buscando criar mecanismos, construindo novas relações entre o Estado, o Mercado e a Sociedade, que proporcionem uma participação social mais ampla na discussão, formulação e implementação dessa nova Política Energética desejada para o Brasil.

Hoje, quando mais uma vez a PETROBRAS está na berlinda, quais as questões a serem discutidas sobre a empresa? As mudanças a serem realizadas nela devem estar vinculadas a um projeto maior de reforma do Estado brasileiro, a uma política industrial e tecnológica, enfim a um projeto sustentável para o Brasil. Urge a volta de políticas públicas nacionais de longo prazo, particularmente em relação à questão energética e à própria indústria de petróleo.

A PETROBRAS para sobreviver e ser contemporânea do futuro deve se tornar uma empresa de energia, não apenas de petróleo e gás. Discute-se muito e pouco se fez e se faz nesta direção. Aqui as parcerias são fundamentais, algumas estratégicas: a partir de iniciativas da própria empresa, em diálogo com a comunidade cientifica, com outras empresas da área de energia, com as agências reguladoras, com a indústria brasileira e com toda a Sociedade, buscando definir um novo formato dela para atender as demandas atuais e futuras de energia da Sociedade brasileira.

Nesse processo de mudança, no caminho de uma economia de baixo carbono, a PETROBRAS – por tudo que ela representa, pode e deve ter um papel relevante. Em parceria com outras empresas que trabalham com a questão energética no Brasil e no mundo, ela pode desencadear um processo virtuoso na economia brasileira, com reflexos positivos na área social, de educação, científica e tecnológica, possibilitando ao nosso país aproveitar as suas potencialidades e riquezas naturais, nos levando a construção de uma economia de baixo carbono, aproveitando a energia solar, eólica e de biomassa, cada vez mais, na matriz energética brasileira.

Assim, o Brasil e a PETROBRAS devem caminhar juntos no fortalecimento do Sistema dela, reconhecendo a sua importância como empresa e a necessidade de realizar mudanças, transformando-a em uma empresa de energia, contemporânea no presente com o futuro da Sociedade brasileira. A PETROBRAS e a Sociedade brasileira estão desafiadas de juntas colaborarem na construção de um Brasil moderno, afirmando e reafirmando os valores da Democracia, da Cultura, da Educação, da Ciência e da Tecnologia, apontando para um Brasil solidário, com mais inclusão social, respeitando a diversidade e preservando a natureza.

*George Gurgel de Oliveira, Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade, da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia


FAP realiza webinar sobre os desafios da sustentabilidade no Brasil

Participaram do evento online Anivaldo Miranda, George Gurgel e Elimar Nascimento

Cleomar Almeida, assessoria de comunicação da FAP

A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizou, nesta terça-feira (23), o webinar sobre os desafios da sustentabilidade no Brasil. O evento online foi transmitido ao vivo, a partir das 19h,  na página da entidade no Facebook.

Confira o vídeo!


Participaram do webinar o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, o jornalista e ambientalista Anivaldo Miranda, e o professor da UFBA (universidade Federal da Bahia) George Gurgel, que também é integrante da oficina da cátedra da Unesco e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.

O público também pôde debater o tema com o professor da UnB (Universidade de Brasília) e cientista socioambiental Elimar Nascimento. Ele também é autor do livro Um mundo de riscos e desafios: conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia, e eliminar a nova exclusão social, lançado pela FAP.

O webinar, segundo os organizadores, é parte das atividades da FAP, que, conforme ressaltam, mantém aceso o seu compromisso com o debate público, plural e democrático sobre assuntos de interesse da sociedade.


George Gurgel: O Brasil real e o desejado - As eleições na Câmara e no Senado

Há um mal estar na sociedade brasileira.

As eleições na Câmara e no Senado Federal constituem a mais perfeita tradução do Brasil real, da elite política que temos em todas as esferas da Republica, eleita para nos representar.

Os episódios revelados nos meios de comunicação, durante o recente processo eleitoral, atestam a maneira subalterna como se comporta o Legislativo frente ao Executivo, refletindo uma práxis política que se repete há décadas, ad náusea, nos poderes republicanos. 

Essas eleições evidenciaram, mais uma vez, de maneira inequívoca, quais são os valores culturais, econômicos e sociais da nossa elite política, demonstrando a distância dessa elite política com os anseios da população que a elegeu.

O que já foi revelado, nessas eleições recentes no Congresso Nacional, deve ter a repulsa de toda a sociedade brasileira. O Governo Bolsonaro cooptou setores do campo democrático, que se diziam oposição, vencendo nas duas casas legislativas, com resultados além das expectativas do próprio Governo Federal.

Prevaleceu o espírito de sobrevivência política de cada parlamentar, de olho nas eleições de 2022, preocupados com os resultados eleitorais de 2020: a renovação dos mandatos é uma tendência a ser considerada no cenário político brasileiro, em função do descrédito da população nos partidos e na maneira de fazer política das suas tradicionais lideranças.

O que queremos e podemos fazer diante deste cenário político após as eleições na Câmara e no Senado, frente ao Governo Bolsonaro? Qual o Brasil desejado?

As forças políticas responsáveis pela transição e reconstrução da democracia brasileira, conquistas consolidadas na Constituição de 1988, não foram capazes de  uma unidade política e programática que nos levasse a um projeto de nação moderna, socialmente inclusiva, econômica e ambientalmente sustentável.

São os nossos desafios históricos que continuam atuais. A República está por ser construída. Qual Federação?

Impõe-se o fortalecimento e a autonomia dos poderes republicanos que continuam subordinados aos ditames do Executivo federal, o que vem acontecendo desde o Governo Sarney, dificultando o avanço da democracia e as reformas tão necessárias à sociedade brasileira.

Entre avanços e recuos, com discursos e narrativas radicais, a maioria do espectro político acabou de maneira pragmática se encontrando nessas eleições, apoiando o Governo Bolsonaro, na Câmara e no Senado.

O campo democrático, de oposição, foi derrotado nessa disputa eleitoral. Continua a ser desafiado a construir sua unidade programática para uma efetiva ação política, tendo como principal objetivo apresentar uma alternativa ao Bolsonarismo, na disputa das eleições de 2022.

A Cidadania deve continuar comprometida com o enfrentamento sistemático dos graves problemas sociais, econômicos e ambientais vividos no cotidiano da sociedade, agravados com a pandemia que se estende neste ano de 2021, cujo recrudescimento deve preocupar a todos nós – cada um tem que fazer a sua parte, até que toda a população esteja vacinada.

Portanto, frente a esta realidade, continuamos a ser desafiados, em 2021, a persistir e continuar a trabalhar para superar a triste e desoladora realidade social de uma parcela majoritária da população brasileira, desrespeitada nos seus direitos básicos, consolidados na nossa Constituição, a saber: de ir e vir, moradia, educação, saúde, trabalho e renda, ainda uma agenda primordial, a ser conquistada.

Quais as questões estruturantes a serem consideradas neste contexto frente a essa realidade?   

No Brasil, a melhoria da qualidade das políticas públicas atuais e as que deveriam ser construídas levaria  às mudanças políticas, econômicas e sociais na medida em que sejam construídos novos conteúdos e pactos entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais.

A ampliação da Democracia e a consequente participação da Cidadania são instrumentos fundamentais no caminho dessas mudanças desejadas.

Os brasileiros estão convocados a ter uma efetiva participação na defesa e na ampliação dessas conquistas democráticas, cobrando a necessária autonomia e harmonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A insustentabilidade política, econômica e social, em que vivemos no Brasil, reflete as disfuncionalidades e limites das atuais estruturas políticas, econômicas e sociais responsáveis pela formulação e implementação dessas políticas nacionais.

        O funcionamento e as relações estabelecidas entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, atualmente no Brasil, é a mais completa tradução dessas disfuncionalidades. A autonomia dos entes federativos em relação ao corporativismo do Estado e do Mercado é um dos desafios a serem perseguidos no dia a dia da sociedade brasileira.

A construção e os resultados de uma Governança Democrática estão relacionados com os meios, os modos de construção, de implementação das políticas nacionais e regionais, em cooperação com os entes da federação nos planos nacional, estadual e municipal.

Os avanços da Democracia, com conquistas efetivas para toda a sociedade, vão acontecer na medida que for possível a construção de pactos políticos, econômicos e sociais que garantam a construção e a implementação de políticas públicas inclusivas para a maioria dos brasileiros.    

Ainda é importante destacar, nesse contexto, os limites do próprio Estado Nacional, em uma sociedade cada vez mais global, ampliados com as crises política, econômica, social e de valores que estamos enfrentando nesses tempos de pandemia, evidenciando a interdependência e a complementariedade entre o Nacional e o Internacional, desafiando o Brasil a um maior protagonismo no cenário global, como caminho de afirmação da nossa nacionalidade.

Assim, os presidentes recém-eleitos para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal, assim como seus pares, devem ter a consciência e a dimensão das suas responsabilidades constitucionais frente à sociedade brasileira, devendo estar comprometidos com a autonomia dos poderes Executivo, Legislativo e  Judiciário, pré-requisitos de funcionamento de uma República Democrática, almejada por todos nós.

Há muito, alguns representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são fortemente criticados nas redes sociais - alguns, inclusive, não podem circular nas ruas das cidades brasileiras.  Hoje, regra geral, existe um clima de desconfiança permanente em relação ao comportamento de uma boa parte de seus integrantes, particularmente em relação a alguns membros do Judiciário.  

Portanto, sempre é bom lembrar: os eleitos nas distintas esferas da Federação são para representar os interesses de toda a Sociedade, garantindo o funcionamento do Estado de Direito e da Constituição. A Sociedade e o exercício pleno da Cidadania são os principais instrumentos de pressão e vigilância frente a essa preocupante realidade  vivida pelos poderes da Federação brasileira.

Há que haver uma maior articulação entre os discursos e as ações das forças democráticas no Congresso Nacional e na sociedade em geral, no caminho de uma alternativa para a superação da crise política, econômica,  social e de valores que estamos vivendo,   buscando o fortalecimento da Sociedade Civil, no caminho da consolidação e ampliação da Democracia, construindo as bases de um novo pacto político, econômico e social, vislumbrando as eleições de  2022.  

Seremos capazes?

*George Gurgel, Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade.


George Gurgel: Entre os desejos e as realidades, 2021 está chegando

Na chegada de um novo ano, em qualquer Sociedade, são anunciados os melhores desejos para os que estão próximos e aos que não estão tão próximos assim: na verdade, queremos o melhor para toda a humanidade, considerando as nossas distintas realidades e as nossas próprias expectativas em relação ao ano que se aproxima. 

Assim, a Humanidade se desenvolveu e chegou ao ano de 2020. Foi e vai sendo moldada pelos valores culturais, econômicos, sociais hegemônicos, em tempos de guerras e de paz.  Lembrando, que só no século XX, fomos capazes de fazer duas guerras mundiais:  com bombas atômicas jogadas, em tempos distintos, em Hiroshima e Nagazaki. Portanto, o nosso desafio principal continua sendo a construção de uma cultura da Paz, a ser defendida e conquistada, permanentemente.

Esta tem sido a nossa caminhada como Humanidade. Vamos nos transformando e transformando a natureza, da qual somos parte integrante.

A pandemia em curso durante o ano de 2020, e a proximidade de 2021, é mais uma oportunidade de nos admirarmos e nos questionarmos sobre o que estamos fazendo com as nossas vidas, como nos relacionamos e, quais são os nossos valores e a nossa práxis no caminho da construção de um novo humanismo, respeitando a diversidade cultural, espiritual, étnica da Humanidade, colocando o imperativo categórico de uma mudança urgente das nossas relações insustentáveis que estabelecemos entre nós e com a própria natureza.

O que podemos fazer?

O que temos a dizer como Humanidade em relação às questões antes destacadas?

O que estamos herdando de 2020, ano inicial da pandemia da covid-19?

O que queremos e podemos fazer neste ano de 2021 que se aproxima?

No ano de 2020, a pandemia chegou e deu uma maior visibilidade à nossa tragédia política, econômica e social. Acelerou algumas mudanças, desnudou e modificou comportamentos, impactou o nosso cotidiano, a nossa maneira de viver em sociedade.

Os resultados recentes da pesquisa da OCDE em relação à economia mundial, particularmente a situação do G 20 -  grupo de 19 países mais a União Europeia, apontam para o crescimento de 8,1 % da economia brasileira no terceiro trimestre deste ano, após queda sem precedentes do PIB brasileiro na primeira metade de 2020, quando as economias brasileira e mundial foram impactadas pela pandemia. 

O Brasil ficou e continua abaixo da média de recuperação da economia dos países da OCDE, crescendo apenas 7,7%.  O PIB da Índia foi o que mais se recuperou no período, com 21,9%, após uma queda de 25,2% no trimestre anterior, a maior retração já alcançada entre as economias do G20.

Os dados divulgados pela OCDE evidenciam que as nossas relações políticas, econômicas e sociais estabelecidas e reafirmadas durante a pandemia continuam insustentáveis e não atendem às expectativas da maioria da Sociedade.

Portanto, frente a essa realidade, continuamos a ser desafiados, em 2021, a construir e defender valores que nos coloquem no caminho da sustentabilidade política, econômica, social e ambiental.  Devemos persistir e continuar a trabalhar para superar a triste e desoladora realidade social de uma parcela majoritária da população mundial, desrespeitada nos seus direitos básicos, consolidados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a saber: de ir e vir, moradia, educação, saúde, trabalho e renda, além de uma agenda primordial, a ser conquistada.

 Nós, como humanidade, devemos continuar comprometidos com o enfrentamento sistemático dos graves problemas sociais, econômicos e ambientais vividos no cotidiano das nossas vidas, agravados com a pandemia neste ano de 2020.

Ainda, as relações internacionais continuam desafiadas, como nunca, ao exercício do multilateralismo e ao fortalecimento da Cultura da Paz. O conteúdo das mudanças em curso e das que devem ser realizadas, durante a pandemia e o futuro imediato, deve ser pauta permanente da ONU, FMI, OIT, OMS, União Europeia, MERCOSUL, entre outras Organizações Internacionais, nesse processo de tomada de consciência para as mudanças urgentes a serem realizadas nos planos internacional e nacional, voltadas para uma maior inclusão social, construção de uma nova economia de baixo carbono, atenção às mudanças climáticas e à preservação dos ecossistemas do Planeta.

Assim, a Sociedade no ano de 2021, que se aproxima, estaria sendo contemporânea dos desafios atuais e do futuro, na busca da superação dos conflitos e contradições estabelecidos e construídos historicamente e, atualmente, pela Humanidade.

Algumas dessas transformações já estão acontecendo. São processos em curso. Novas relações estão sendo construídas, a partir das mudanças técnicas em andamento e de novas relações políticas e sociais em construção nas redes, nas ruas, no mundo do trabalho e da cultura, impactados pela pandemia.

As Organizações Governamentais, Não Governamentais e a Cidadania devem persistir e trazer para suas pautas as distintas realidades políticas, econômicas e sociais, identificando as contradições e os conflitos da sociedade, de maneira geral, com especificidades e particularidades, em função da realidade política, econômica e social.

Quais as questões estruturantes a serem consideradas neste contexto frente à realidade internacional e brasileira?

No Brasil, a qualidade das políticas públicas atuais e as que devem ser construídas levariam às mudanças políticas, econômicas e sociais, na medida em que sejam construídos novos conteúdos e pactos entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais.

A ampliação da Democracia e a consequente participação da Cidadania são instrumentos fundamentais no caminho desta sustentabilidade econômica, social e ambiental desejadas.

Enfim, a Sociedade em geral está convocada a ter uma efetiva participação na construção e na implementação dessas políticas públicas no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental, respeitando as especificidades nacionais.

A insustentabilidade política, econômica e social, em que vivemos, reflete as disfuncionalidades e limites das atuais estruturas políticas, econômicas e sociais responsáveis pela formulação e implementação dessas políticas nacionais e internacionais. 

A autonomia da Sociedade, em relação ao corporativismo do Estado e do Mercado, é um dos principais desafios da Governança Democrática Nacional e Internacional.

Portanto, a eficiência de uma Governança Democrática está relacionada com os meios, os modos de construção, de implementação das políticas nacionais e regionais, em cooperação com as Organizações Multilaterais Internacionais e Nacionais.

Os avanços da Democracia, com conquistas efetivas de toda a Sociedade, aconteceram naqueles países em que foi possível a construção de pactos políticos, econômicos e sociais que garantiram e continuam garantindo políticas públicas democráticas, inclusivas, para a maioria da Sociedade.    

É importante ainda destacar, nesse contexto, os limites do próprio Estado Nacional, em uma Sociedade cada vez mais mundial, ampliados com as crises política, econômica, social e de valores que estamos enfrentando nesses tempos de pandemia, evidenciando de maneira evidente a interdependência e a complementariedade entre o nacional e o internacional.

Em relação ao Brasil, no ano que se avizinha, o campo democrático continua sendo desafiado a entender a gravidade e a complexidade do momento político em que vivemos.  Há que haver uma maior articulação entre os discursos e as ações dessas forças democráticas no Congresso Nacional e na Sociedade em geral, no caminho de uma alternativa democrática para a superação da crise política, econômica, social e de valores que estamos vivendo. 

Finalmente, continuamos desafiados(as), em 2021, a um maior protagonismo da Sociedade brasileira e mundial, buscando o fortalecimento da Sociedade Civil, com o exercício pleno da Cidadania.

Estes são alguns dilemas de uma Governança Democrática Mundial e Nacional, durante o ano de 2021: a necessidade de ampliação e fortalecimento da Democracia, através da construção de pactos entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais nacionais e internacionais, no caminho de uma Governança Democrática Mundial, considerando as especificidades nacionais.

Que seja bem vindo, ano de 2021!

*George Gurgel, Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade


George Gurgel: Friedrich Engels, o marxismo e a sociedade contemporânea

Estamos comemorando o bicentenário de nascimento de Friedrich Engels, um dos maiores pensadores do século XIX, junto com seu amigo e irmão siamês Karl Marx

Engels nasceu em Barmen, na Alemanha, em 28 de novembro de 1820. Teve uma formação cosmopolita. Fez o serviço militar em Berlim, em 1841, quando passou a conhecer as ideias de Hegel, e integrou-se ao grupo dos Jovens Hegelianos, sob a liderança de Bruno Bauer. Após o serviço militar, retornou a Barmen e, por imposição paterna, foi para a Inglaterra, em 1842, para a cidade de Manchester, berço da Revolução Industrial.

A paixão revolucionária tomou conta dele, desde jovem. Quando chegou à Inglaterra, sob a influência de Moses Hess, que conheceu em Berlin, suas ideias já eram socialistas. Em Manchester, foi trabalhar na indústria têxtil, em uma fábrica que o pai tinha em sociedade com ingleses. Sua permanência em território britânico, o contato permanente com trabalhadores industriais, com o próprio movimento Owenista e Cartista e os seus próprios estudos sobre a situação dos operários naquele país, levaram à análise e à publicação, em 1845, do seu primeiro livro: A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, quando tinha 24 anos incompletos. Trata-se de um clássico sobre a situação precária das atividades laborais nas fábricas inglesas, no século XIX, envolvendo também o trabalho infantil, da mulher e das desumanas jornadas laborais.

Foi quando conheceu a operária irlandesa Mary Burns, que se tornou sua companheira e muito lhe ajudou no conhecimento da realidade dos trabalhadores ingleses, irlandeses e do movimento operário na Inglaterra. Assim, além da atividade fabril, viveu plenamente o mundo dos trabalhadores, o que foi fundamental para seu trabalho intelectual e revolucionário.

Então, Engels chegou à conclusão que a classe operária, surgida com a Revolução Industrial, era o ator decisivo para a construção da Sociedade Futura, a Sociedade Comunista.

Depois de Manchester, viveu na Bélgica e na França, onde teve o primeiro efetivo encontro com Karl Marx, no outono de 1944, no Café La Regence, em Paris. Desde então, iniciou uma parceria intelectual e uma amizade que se estenderam por toda a vida, tendo participado ativamente do processo político-revolucionário de construção dos fundamentos, na maioria das vezes em parceria com o próprio Marx, do que, a partir da morte deste e dele próprio, passou a ser conhecido como Marxismo.

A Sagrada Família foi o primeiro livro escrito junto por eles e publicado ainda em 1845. Nesse período, afastaram-se do materialismo de Feuerbach e dos Jovens Hegelianos, construindo uma original concepção materialista, dialética, da história. Na Ideologia Alemã, trabalho realizado no período 1845-1847, eles fazem uma síntese desta concepção. Ainda desse período são os trabalhos de Engels sobre economia política e a relação entre a Revolução Industrial e o desenvolvimento de uma consciência dos trabalhadores como classe na Inglaterra, contribuição que foi muito valorizada por Marx.

Desafiados pela internacionalização do movimento dos trabalhadores, os dois começaram a participar da Liga dos Justos, na seção alemã posteriormente Liga dos Comunistas. No ano em que lançaram O Manifesto Comunista, ocorreu a Revolução de 1848, na França, que se estendeu por uma boa parte da Europa. Eles retornaram à Alemanha, onde participaram do movimento revolucionário até à vitória da contrarrevolução. Trabalharam no jornal Nova Gazeta Renana, período em que Engels começou a se interessar pela questão militar, objeto de pesquisa dele por toda a vida. Suas impressões sobre a revolução e a contra-revolução na Alemanha estão registradas em artigos para o New York Daily Tribune (1851-1852), assinados por Marx.

Depois da derrota da Revolução de 1848, sairam da Alemanha, viveram na Suíça e, posteriormente, foram para a Inglaterra. Engels, em 1850, voltou a viver em Manchester, retornando a trabalhar na fábrica de copropriedade da família, durante 20 anos. Alem do trabalho fabril, deu continuidade ao trabalho intelectual e político, na divulgação das suas ideias, sempre em parceria com Marx. Desta época, registre-se o interesse de Engels em relação às Ciências Naturais. Começou a fazer uma conexão entre a dialética e a concepção materialista da natureza, aprofundando seus estudos sobre as ciências naturais. Este trabalho inacabado, “A Dialética da Natureza”, foi publicado posteriormente em Moscou, em 1925.

Neste período, Marx e Engels já divulgavam seus trabalhos e suas ideias nas organizações e nos movimentos dos trabalhadores, nos jornais e periódicos revolucionários na Europa e nos Estados Unidos. A luta política se intensificava. O Fantasma do Comunismo rondava a Europa, materializado em Marx e Engels, cujas ideias já eram criticadas e proibidas de circular nos grandes jornais da época.

Após 20 anos de trabalho, em Manchester, e acumular um razoável patrimônio, Engels, em 1870, foi finalmente viver em Londres, muito próximo à casa de Marx. Desde então, com a saúde de Marx ficando cada vez mais debilitada, Engels foi assumindo a liderança do movimento revolucionário, passando a ser uma das principais lideranças da Internacional, influenciando o trabalho político e de organização dos trabalhadores na Europa e nos EUA.

Então, fez um enfrentamento político e ideológico contra as correntes positivistas do Partido Social-Democrata da Alemanha. São importantes contribuições desta época o Anti-Dühring, publicado em 1878, considerado a primeira tentativa de uma exposição geral das ideias de Marx, reafirmando os princípios do materialismo histórico dialético frente à luta interna travada contra o positivismo da socialdemocracia alemã, e Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico.

A esta altura, Engels foi se tornando a principal liderança da Internacional junto aos novos movimentos socialistas, surgidos a partir de 1880, inclusive já com a participação dos revolucionários russos exilados. Publicou, em 1884, A Origem da Família, da Propriedade e do Estado e Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, em 1886. Após a morte de Marx, em 1883, Engels dedicou-se à organização e à publicação do segundo e terceiro volumes de O Capital, ocorridos nos anos de 1885 e 1894. Foi um trabalho fundamental para o conhecimento e a publicação da obra seminal de Marx. Há um reconhecimento muito grande deste trabalho realizado por Engels, inclusive o volume 3, por muitos reconhecido como uma coautoria.

Participou também ativamente da formação da Segunda Internacional, considerando o melhor caminho dos trabalhadores, de forma a evitar uma guerra entre a Alemanha e a França. Vislumbrara a tragédia que aconteceria com a I Guerra Mundial!

Finalmente, nos últimos anos de sua vida, Engels identificou importantes mudanças no capitalismo do final do século XIX, inclusive o papel que o Parlamento já desempenhava na sociedade europeia. Na Introdução, feita para a publicação do livro de Marx, As Lutas de Classe na França, ele chama a atenção para a possibilidade de outras maneiras dos trabalhadores chegarem ao poder. Considerava que não deveriam mais pensar na vitória da Revolução como uma única batalha e sim, que deveriam progredir, de posição em posição, com uma luta dura e tenaz. Apontava, assim, outras alternativas de chegada dos trabalhadores ao poder, sinalizando novas possíveis formas de hegemonia a serem conquistadas pelo proletariado no caminho de superação da sociedade capitalista.

Trabalhava na edição do volume 4 de O Capital, quando morreu no ano de 1895.

Ideias excepcionais

Foi desta forma que Marx e Engels construíram um método de análise - o do materialismo histórico dialético -, para se compreender as relações políticas, econômicas e sociais da Sociedade, nas relações entre si e com a própria natureza, a segunda natureza, segundo Marx, transformada pela própria Humanidade.

A partir desta perspectiva, construíram uma interpretação materialista e dialética dos fenômenos políticos, econômicos e sociais, particularmente do capitalismo industrial e agrário do século XIX, fazendo uma crítica contundente ao funcionamento deste sistema na sua totalidade, dos seus meios de produção, do seu processo de acumulação, da natureza e da origem do trabalho, do capital e dos conflitos e contradições inerentes à sociedade capitalista.

Uma das características principais do pensamento, tanto de Engels, quanto de Marx, é a indissociabilidade entre a teoria e a prática. Precisavam da Filosofia e das Ciências em geral não apenas para conhecer melhor a realidade e, sim, principalmente, para transformá-la. Na sociedade capitalista, identificaram nos trabalhadores assalariados, particularmente no proletariado industrial e na sua organização, os agentes de realização da revolução mundial, que deveria começar nos países capitalistas da Europa Industrial, no caminho da construção de uma nova sociedade, a Sociedade Comunista.

A Sociedade Futura, a ser construída, teria a hegemonia e a valorização dos que trabalham, o trabalho liberto, em cooperação, sem exploradores e explorados. Desde então, as derivações e as tendências as mais diversas, originadas do pensamento e da atuação revolucionária de Marx e de Engels, construíram, ainda no século XIX, durante suas vidas, uma hegemonia no movimento político e de organização dos trabalhadores a nível mundial. Nos séculos XIX e XX, as ideias dos dois construíram, nas mentes e nos corações de trabalhadores do mundo inteiro, a possibilidade da Revolução Socialista.

A partir da vitória, em 1917, da Revolução de Outubro, liderada por Lênin, legatária das concepções de Marx e de Engels, as ideias e as obras destes dois excepcionais pensadores e ativistas alemães passaram a ter uma ampla divulgação, em todo o planeta. Após a morte de Lênin, como “marxismo-leninismo”, eram ideias e obras apropriadas de acordo com a conveniência oficial, inclusive no próprio movimento comunista internacional, que tinha uma forte subordinação à União Soviética.

A revolução russa abriu o caminho das Revoluções Socialistas vitoriosas. Posteriormente, a China, os países do Leste europeu e Cuba herdaram este mesmo modelo soviético que se esgotou como referência, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o término da URSS, em 1991.

Ainda no século XX, tais ideias foram apropriadas por muitos movimentos de luta contra o colonialismo e de independência dos povos da África, da Ásia e da América Latina. Fora do “marxismo-leninismo”, nos países da Europa Ocidental e, particularmente na Itália, com a contribuição original de Gramsci, buscou-se um caminho original para a revolução no Ocidente, diferente do modelo soviético.

Assim, as ideias de Marx e Engels foram e continuam sendo discutidas na atualidade, principalmente nos períodos das crises recorrentes do capitalismo. Os mundos da Cultura e do Trabalho continuam desafiados à construção de um humanismo que incorpore os novos desafios e a complexidade da Sociedade atual, funcionando em rede e, sob a pressão permanente das ruas, dos movimentos políticos, econômicos, sociais, ambientais, religiosos, feminista e LGBT+, respeitando a diversidade humana e a natureza, na perspectiva de construção de uma outra formação histórica com a hegemonia dos que trabalham e produzem a riqueza material e cultural da Humanidade.

Por fim, queremos falar do ser humano Engels. Ele tinha, na sua vida cotidiana, a generosidade da proposta revolucionária que vislumbrava para a Humanidade. O humanismo de Engels era categórico. Além da ajuda muito conhecida de apoiar financeiramente a família de Marx, por muitos anos, até e depois da morte do amigo, fez muito mais: deixou no seu testamento a determinação de que os seus bens materiais e financeiros deveriam ser divididos em três partes: a primeira, para as filhas de Marx; a segunda, para os velhos companheiros de luta; e a terceira e última, para o Partido Social-Democrata da Alemanha, do qual foi fundador, junto com Marx. Ainda, com destaque, observava: quando todos recebessem os recursos do testamento tomassem um bom vinho branco, que gostava muito, de preferência um Chateau Margot, safra de 1848.

Assim, Engels viveu plenamente a vida: revolucionário nas mudanças que queria para a construção de um mundo melhor; revolucionário na vida cotidiana, nas relações políticas, econômicas, sociais e afetivas, com um senso refinado de bom humor que tinha e bons vinhos!

Por tudo isso, precisamos lembrar e comemorar os 200 anos de nascimento de Friedrich Engels.

Salve Engels!

Humanista do século XIX, da Sociedade presente e futura.

*George Gurgel de Oliveira, professor da UFBA e da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade