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George Gurgel: As Eleições Municipais e a Cidadania

As próximas eleições municipais colocam em disputa as concepções de governar e de se relacionar de cada um de nós e da sociedade em geral, desafiando a nossa maneira de fazer política, antes e durante a pandemia, no dia a dia, e no futuro imediato da sociedade brasileira.

Qual está sendo o comportamento dos partidos e do(a)s candidato(a)s na disputa política-eleitoral em curso, rumo ao próximo pleito de novembro? Como o processo político-eleitoral está impactando a vida das pessoas? Qual o papel dos governos, do mercado, da sociedade civil e da Cidadania no enfrentamento dessa crise que estamos vivendo, aprofundada com a pandemia?

A Cidadania está desafiada a uma participação efetiva no processo político-eleitoral em curso. A escolha acertada do(a)s próximo(a)s prefeito(a)s e vereadores(as)sé o caminho mais curto para enfrentar a triste e desoladora realidade de uma parcela majoritária da população dos municípios brasileiros, desrespeitada nos seus direitos básicos, constitucionais, a saber: moradia, segurança, educação, saúde, saneamento, mobilidade, trabalho e renda.

Em quem estamos votando? Qual o partido do candidato(a) e o que fez e faz o candidato(a) pelo município? Deveriam ser as indagações da Cidadania e de toda a sociedade frente aos partidos e aos candidatos(as) que disputam mandatos no próximo pleito.

O(A)s eleitos(as) devem estar comprometidos(as) com o enfrentamento sistemático dos graves problemas sociais, econômicos e ambientais vividos no cotidiano dos municípios brasileiros, agravados com a pandemia.

Aqui a questão democrática coloca-se como centralidade nas relações entre os governantes e governados. O conteúdo das mudanças em curso e das que devem ser realizadas, durante e pós pandemia, em cada município brasileiro, deveria ser a pauta de toda a sociedade, neste processo político-eleitoral que estamos vivendo para a escolha das nossas representações municipais.

Ainda mais: como tais mudanças que estão ocorrendo no mundo e no Brasil, em plena pandemia, estão impactando cada município, em função das suas distintas realidades política, econômica e social?

Assim, a pandemia, a partir das mudanças técnicas e econômicas em andamento, está construindo novas relações políticas e sociais, impactando o mundo do trabalho, da educação e da cultura em geral, de maneira presencial e/ou a distância.

A difícil realidade cotidiana das populações municipais, em plena pandemia, é o maior indicativo da necessidade de termos vereadores(as) e prefeitos(as) eleitos(as) comprometidos(as) com as mudanças a favor da maioria da sociedade.

Portanto, o período político-eleitoral que estamos vivendo é muito importante para a sociedade: como nunca, a política deveria está sendo colocada na agenda pública. Os eleitores, através dos eleitos, estarão delegando as suas representações aos governos e câmaras municipais.

Devemos discutir e avaliar os desafios de cada política pública no município, relacionando-a com a realidade econômica, social e ambiental, regional e nacional, e o papel do(a)s prefeitos(as) e vereadores(as), neste contexto.

Assim, a Cidadania, com seus direitos e deveres, está convocada a ter uma efetiva participação na construção e na implementação de políticas públicas municipais, assim como no processo de avaliação permanente destas políticas, através de Planos, Programas e Projetos que venham a atender às demandas municipais, em sintonia com as outras políticas públicas regionais e nacionais, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental de cada município brasileiro.

A crise dos municípios e das suas administrações reflete um conjunto de distorções, disfuncionalidades e limites das atuais estruturas políticas e administrativas que são responsáveis pela formulação e implementação das políticas públicas municipais, tanto na esfera do próprio município, quanto nas áreas estadual e federal.

Esta crise permanente pode ser resumida na insuficiência de receita, na falta de visibilidade em relação às decisões sobre despesas e investimentos, na insuficiência de recursos técnico-administrativos e, ainda, na falta de uma efetiva participação da Cidadania, no dia a dia, da vida municipal. Ainda é agravada pelos constantes desvios de recursos, denunciados diariamente nos meios de comunicação, em todas as esferas da federação.

Neste contexto, coloca-se o imperativo de realizar as reformas política, administrativa e tributária que não mudem apenas os critérios de redistribuição de recursos entre União, Estados e Municípios, melhorando a situação atual da maioria dos Municípios, como também garantir aos Estados e à União recursos que viabilizem a implementação de políticas públicas, criando as condições para o enfrentamento da difícil realidade econômica e social da maioria dos Municípios brasileiros.

Aqui a questão democrática se coloca na sua centralidade.

Os eleitos em novembro estão desafiados a construir novas relações de governança entre o Estado, o Mercado e a Sociedade em geral. As atuais relações não atendem às demandas da maioria da população, em cada município brasileiro. Estes são os nossos dilemas permanentes a serem superados para a ampliação da democracia brasileira, com a inclusão desta maioria excluída da população, através de uma participação permanente da Cidadania, no processo de construção de políticas públicas inclusivas nas áreas de educação, moradia, saúde, saneamento básico, segurança, mobilidade, trabalho e renda, como condições elementares para a dignidade da vida social.

A criação de mecanismos institucionais de acompanhar e avaliar as relações entre o Executivo e o Legislativo municipal desafia a Cidadania e o poder público à construção de novas relações entre os atores políticos, econômicos e sociais do município.

Considerando sempre a necessidade de uma visão sistêmica no processo de construção e implementação das políticas públicas em geral, coloca-se como imperativo a escolha de prioridades, através de diálogo permanente entre governantes e governados, que garantam a construção e a implementação de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade municipal, articuladas às políticas regionais, sob responsabilidade estadual e federal, construindo pactos de cooperação entre o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil, através de redes regionais, nacionais e internacionais, com foco na melhoria do bem-estar da população.

Deve-se ainda observar que as eleições municipais deste ano vão acontecer em uma nova conjuntura, inaugurada com a eleição do Presidente Bolsonaro, atropelada pela pandemia. Deverá ser um bom termômetro para a avaliação da realidade política brasileira, com sinalizações a serem consideradas no caminho das eleições presidenciais de 2022.

O campo democrático continua desafiado a entender a gravidade e a complexidade do momento político em que vivemos. Quais foram as razões e as causas da vitória de Bolsonaro e das forças políticas que representa?

Os resultados eleitorais deste novembro vão consolidar uma hegemonia conservadora na maioria dos municípios brasileiros, confirmando a tendência do eleitorado nas últimas eleições presidenciais? Como se comportará o eleitorado no primeiro turno?

Normalmente, as alianças municipais no primeiro turno, via de regra, não espelham a realidade política nacional. No segundo turno das eleições, onde houver, a tendência deverá ser de uma maior polarização entre o campo bolsonarista e a oposição, podendo ser melhor avaliado o posicionamento da sociedade em relação a esta nova realidade política brasileira .

Assim, a Cidadania está desafiada a ter uma participação mais efetiva no processo político-eleitoral em curso e, durante todo o exercício dos mandatos do(a)s futuro(a)s vereadores(as) e prefeitos(as) a serem eleitos(as) no pleito de novembro.

O exercício pleno da Cidadania, com a participação ativa da sociedade municipal, é que vai construir as condições para uma efetiva transformação da realidade política, econômica e social dos municípios brasileiros.

Trata-se de desafios permanentes da Cidadania e de toda a sociedade brasileira.

*George Gurgel, professor da Universidade Federal da Bahia e membro da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade.


Educação de excelência com equidade é tema de webinar da Biblioteca Salomão Malina

Evento online tem participação de André Amado, Cristovam Buarque, André Stábile, Kléber Dantas e George Gurgel

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Como o Brasil pode alcançar educação de excelência com equidade é tema de webinar da Biblioteca Salomão Malina, que será realizado, nesta quinta-feira (24), das 18h30 às 20h, com transmissão ao vivo pelo Facebook e retransmissão, em tempo real, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Especialistas discutem os principais desafios para superar as desigualdades de acesso à educação no país e de fazer com que o conhecimento compartilhado, em sala de aula, seja transformador e de qualidade.

Assista ao vídeo!

https://www.facebook.com/salomaomalina/videos/1237982406567982/

O evento online é uma sequência de debate sobre o tema, realizado, no dia 11 de setembro, pela Biblioteca Salomão Malina, no primeiro webinar sobre os desafios da educação após a pandemia do coronavírus (confira o vídeo abaixo). Nesse período, a prioridade é "a continuidade da educação das crianças para o bem-estar geral, saúde e segurança", segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura).




Participam do webinar sobre educação de excelência com equidade o embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online, André Amado; o ex-senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque; o gestor de Conhecimento da Prefeitura de São Paulo, André Stábile; o fundador da OCCA (Olinda Creative Community Action), Kléber Dantas; e o professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e conselheiro da FAP, George Gurgel.

No ano passado, o Brasil registrou o maior avanço na série histórica nas notas do ensino médio no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), de 2019.Contudo, o aumento de 0,4 ponto na média geral não foi suficiente para que o país atingisse a meta de chegar à nota 5, em 2019. O avanço foi puxado, principalmente, pela rede pública de ensino.

Desde 2013, o Brasil não cumpre a meta estabelecida para as notas dos estudantes do ensino médio. Já nos anos iniciais do ensino fundamental, a meta foi atingida, mas o avanço é lento. Na prática, a aprendizagem e a aprovação dos estudantes ainda têm menor desempenho conforme o aluno caminha no sistema de ensino.

O Ideb avalia a evolução da aprendizagem no país, com base no desempenho dos alunos em português e matemática. O objetivo é levar o Brasil a atingir a mesma média de conteúdo de alunos de países desenvolvidos. Em uma escala de zero a 10, a meta é chegar a 6 na média geral, em escolas públicas e particulares.

Veja vídeos de outros webinars da Biblioteca Salomão Malina:

Historiadores debatem 50 anos da Unidade Popular em live da Biblioteca Salomão Malina

Webinar da Biblioteca Salomão Malina discute desafios da educação pós-pandemia

Webinar da Biblioteca Salomão Malina discute saúde mental no novo normal

Desafios do empreendedorismo feminino é tema de live da Biblioteca Salomão Malina

Webinar da Biblioteca Salomão Malina discute desafios para vida nas periferias

Marina Silva e Roberto Freire discutem sustentabilidade em webinar

Especialistas participam de webinar para debater economia após pandemia

“O que virá depois?” é tema de webinar da Biblioteca Salomão Malina


George Gurgel: Chile, 11 de setembro de 1973

O Golpe militar, que culminou com o atentado terrorista ao Palácio de La Moneda, residência oficial do governo chileno, é um dos mais trágicos acontecimentos da vida política latino-americana, no século XX.

O socialista Salvador Allende, eleito democraticamente em 1970, é golpeado pelas forças mais conservadoras da sociedade chilena, apoiadas, como na maioria dos golpes militares acontecidos na América Latina no século XX, pelo governo norte-americano. Refletia as disputas entre EUA e a URSS, em plena Guerra Fria, pela hegemonia política internacional e regional.

O Chile, com a Unidade Popular e a liderança de Salvador Allende, era a possibilidade de construção de uma sociedade socialista, democrática, via eleições , em sintonia com os anseios da maioria da população, respeitando a Constituição e a pluralidade política e social do país.

A vitória eleitoral da Unidade Popular, em 1970, trouxe otimismo e grandes expectativas na América Latina, e em toda parte. O Chile estava cercado de ditaduras, inclusive a brasileira, onde os militares, depois de derrotar a luta armada, voltavam-se contra o Partido Comunista, de maneira seletiva e cruel: prendendo, torturando e matando muitas das lideranças do PCB que ficaram no Brasil, lutando pela democracia.

Eram tempos difíceis, de perseguições, torturas e mortes. As ditaduras militares davam a tônica da vida política, econômica e social do continente.

Salvador Allende e a Unidade Popular, por tudo que representavam, eram a esperança de dias melhores, de um processo político, econômico e social que nos levasse às transformações almejadas pelos chilenos e latino-americanos, por uma sociedade mais justa e fraterna em toda a América Latina.

Das altitudes andinas vinham as boas novas. O sonho podia ser realizado.

A vitória de Salvador Allende colocava uma nova perspectiva política: a relação entre socialismo e democracia, via eleições, era possível.

Nesta época, tinha eu 16 anos, vivia em Salvador. Estudava e fazia política estudantil contra a ditadura brasileira. As notícias da Unidade Popular e a eleição de Allende nos animavam e, com as poucas informações que tínhamos, íamos nos enchendo de esperanças, com o caminho trilhado pelos chilenos.

O mundo olhava para o Chile, país que nos trazia otimismo e nos alentava na luta contra a ditadura no Brasil, apontando caminhos e possibilidades de mudanças para toda a América Latina.

A notícia do Golpe, em 11 de setembro de 1973, foi muito dura.

Os setores conservadores da sociedade chilena, apoiados pelas ditaduras latino-americanas, inclusive a brasileira e os EUA, derrotaram politicamente, economicamente e militarmente a Unidade Popular e a esperança de construção de uma sociedade socialista democrática no Chile.

O ataque das forças militares golpistas ao La Moneda, anunciava a razzia fascista que viria contra a Unidad Popular e a democracia chilena.

Instalou-se o terror como política de Estado.

Prisões, torturas e mortes de milhares de pessoas começou a fazer parte do dia a dia da sociedade chilena.

O Chile virou uma grande prisão. O Estádio Nacional foi uma delas. A repressão desencadeada pelos militares e a necessidade de milhares de chilenos e estrangeiros, inclusive brasileiros, de saírem clandestinos do país deram a tônica, desde o início, do que seria o regime militar que ali se instalou, com a chegada do ditador Pinochet ao poder. O regime se estendeu, por muitos anos, até 1990.

Durante o período da ditadura pinochetista, milhares de pessoas foram presas, torturadas e mortas pelo regime militar. A diáspora chilena, provocada pela ditadura de Pinochet, é conhecida. Milhares de trabalhadores, lideranças políticas, sindicais e intelectuais deixaram o Chile.

Foram para onde puderam ir. A Europa recebeu muitos deles.

Conheci muitos companheiros chilenos, quando cheguei a Moscou, em 1975.

Na URSS e nos países socialistas, inclusive Cuba, foram acolhidos milhares de chilenos.

Na capital soviética, na Universidade da Amizade dos Povos Patrice Lumumba, eram centenas. Convivemos e fizemos amizade com muitos deles.

A cooperação e a solidariedade eram a tônica entre nós, estudantes latino-americanos.

Em Moscou, o nosso trabalho político era de denúncia da situação do Chile, do Brasil e de outras ditaduras latino-americanas.

Luis Corvalan, secretário geral do Partido Comunista do Chile, entre outras lideranças políticas chilenas, era exilado em Moscou.

Aprendemos muito sobre a realidade latino-americana, nesta rica e fraterna convivência com homens e mulheres advindos da pátria de Pablo Neruda, no dia a dia da nossa Universidade e no Instituto da América Latina, assim como da Academia de Ciências da União Soviética.

A solidariedade era vermelha.

O longo período das ditaduras chilena, brasileira e outras da América Latina desafiou e continua desafiando a luta e a valorização da democracia e a unidade das forças democráticas, como fundamentos de transformação e de superação dos desafios históricos e atuais do continente, explicitados de maneira contundente, nestes tempos de pandemia e de chefes de governos imprevisíveis como Jair Bolsonaro e Donald Trump, na perspectiva de uma alternativa democrática que nos leve à sustentabilidade econômica, social e ambiental, em cada um dos nossos países.

A questão democrática continua na ordem do dia de cada um de nós, da cidadania latino-americana.

Ditadura nunca mais!

*George Gurgel, professor da Universidade Federal da Bahia


George Gurgel: Brasil sustentável - Qual a Política Sanitária? Uma perspectiva pós pandemia

Os desafios da Política Sanitária no Brasil é reverter a triste e desoladora realidade de mais da metade da população não ter acesso ao saneamento básico, como um compromisso permanente do Estado, do mercado e de toda a sociedade brasileira.

Como construir esta nova perspectiva pós-pandemia?

A pandemia deu maior visibilidade à nossa tragédia social: são mais de 100 milhões de pessoas sem instalações sanitárias nas suas residências, demonstrando a ineficiência do atual sistema sanitário brasileiro, agravado com o isolamento social e a crise política vivida por todos nós.

Questões mais amplas e estratégicas são partes desta nossa reflexão: a situação das nossas bacias hidrográficas, a qualidade e os usos múltiplos da água para a geração de energia, a produção agrícola, industrial, residencial, o turismo e o lazer, fundamentais para a vida e a sustentabilidade econômica, social e ambiental brasileira e de uma parte significativa da população mundial, dependente das exportações nacionais de papel e celulose, de minérios e de alimentos.

Em relação à Política Sanitária em si, devemos vê-la como parte integrante do Sistema Único de Saúde (SUS). O saneamento básico no SUS é o caminho para uma melhoria efetiva da saúde e da qualidade de vida dos brasileiros. Esta concepção deve ser fundamento de uma nova Política Sanitária a ser construída no País.

O Município como foco da Política Sanitária
Os municípios devem ser o foco da Política e da Gestão Sanitária e das políticas públicas em geral. São nos municípios que as pessoas vivem e realizam suas vidas.

Atualmente, o Brasil possui 5.570 municípios distribuídos pelos 26 estados da Federação (IBGE, 2014). Minas Gerais concentra o maior número deles (853), seguida de São Paulo (645). No outro extremo, os estados localizados na região norte são os que possuem o menor número, apesar da grande extensão territorial: Amazonas (62), Rondônia (52), Acre (22), Amapá (16) e Roraima (15). O mais populoso é São Paulo com mais de 11 milhões de pessoas e o de menor população é Borá, também em território paulista, com apenas 805 habitantes. A maioria dos nossos municípios enfrentam problemas de custeio e contam apenas com as cotas constitucionais.

Assim, a maioria das administrações municipais não conseguem atender às expectativas de suas populações, excluídas dos seus direitos básicos constitucionais, a saber: trabalho, moradia, segurança pública, saúde e educação. Portanto, a questão sanitária é parte integrante desta realidade.

Quais as razões dessa crise permanente dos municípios, incluindo a crise sanitária? Qual o papel dos governos, do mercado e da sociedade civil no enfrentamento desta crise?

A questão sanitária e o novo marco regulatório de saneamento básico devem ser avaliados considerando estas questões.

Devemos dimensionar os desafios de uma política pública sanitária, em cada município brasileiro, relacionando-a com a realidade econômica, social e ambiental regional e nacional.

A pandemia e a crise política vividas pelo Brasil não apontam caminhos para a melhoria da política de saneamento básico. As relações dos governos municipais com os estaduais e com o governo federal ficam muito a desejar.

Assim, há que se discutir a realidade sanitária e o novo marco regulatório de saneamento básico, associados às mudanças necessárias no caminho de um novo pacto político, econômico e social entre o governo federal e os dos estados e municípios.

Quais as questões estruturantes a serem consideradas neste contexto frente a essa realidade sanitária brasileira?

Há que se considerar que a maioria da população brasileira vive nas cidades. A vida social é predominantemente urbana. As cidades dão a tônica das regiões onde estão inseridas. Assim, a qualidade da Política Sanitária a ser construída será definida pelo pacto entre estes diversos atores políticos, econômicos e sociais em questão.

Quais seriam os desafios de uma Política Sanitária nesse contexto?

A Política Sanitária deve construir mecanismos de elaboração, participação e avaliação permanentes da cidadania, através de Planos, Programas e Projetos que venham a atender a demanda sanitária municipal, em sintonia com as outras políticas públicas municipais, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Portanto, deve-se discutir a questão sanitária como parte integrante da sustentabilidade do município de uma maneira mais ampla, com foco na região onde está inserido e suas respectivas áreas urbanas, concentradoras de populações, violências e desigualdades sociais.

A crise dos municípios e das suas administrações reflete um conjunto de distorções, disfuncionalidades e limites das atuais estruturas político-administrativas que são responsáveis pela formulação e implementação das políticas públicas municipais, tanto na esfera do próprio município, quanto nas áreas estadual e federal. Esta crise pode ser resumida na insuficiência de receita, na falta de visibilidade em relação às decisões sobre despesas e investimentos, na insuficiência de recursos técnico-administrativos e, ainda, na falta de participação da população na política e na gestão municipal.

Neste contexto, urge realizar as reformas política, administrativa e tributária que não mudem apenas os critérios de redistribuição de recursos entre União, Estados e Municípios, melhorando a situação atual da maioria dos municípios, como também garantir aos Estados e à União recursos que viabilizem a implementação de políticas públicas, particularmente nas áreas de educação, saúde e saneamento básico, criando as condições para o enfrentamento da difícil realidade econômica e social da maioria dos municípios brasileiros.

Qual regulação?
Um dos desafios fundamentais de uma nova Política Sanitária é que a agência reguladora setorial funcione com autonomia.

No Brasil, falta às agências reguladoras a devida autonomia frente aos atores políticos, econômicos e sociais. O modelo de regulação, inspirado na experiência das democracias europeias, não funciona de maneira satisfatória frente à realidade brasileira. Aqui, desde quando foram criadas as agências reguladoras na década de 1990, a atuação das agências nas áreas de energia, telecomunicações e saúde, entre outras, fica muito a desejar.

A questão democrática aqui se coloca de maneira contundente. A sociedade civil e a cidadania brasileira estão desafiadas a construir relações de maior autonomia das agências reguladoras frente às relações entre o Estado e o mercado. O funcionamento do Estado e do mercado no Brasil não atendem às demandas históricas e atuais da maioria da população. São os nossos dilemas permanentes a serem superados para a ampliação da democracia brasileira, com a inclusão desta maioria excluída da população, não apenas na falta de saneamento básico, como também de educação, moradia, saúde, segurança, mobilidade e trabalho, condições elementares para a dignidade da vida social.

Em geral, as agências reguladoras, em suas diversas áreas de atuação, sofrem forte pressão de lobbys políticos e econômicos, prejudicando a defesa dos interesses mais amplos da sociedade, impactando, na maioria das vezes, os socialmente excluídos. Caso explícito do saneamento básico no Brasil: os 100 milhões de excluídos não podem pagar o serviço de saneamento e os governantes não criaram as condições políticas e econômicas para enfrentar e superar esta situação.

A autonomia da agência reguladora, em relação ao Estado e ao mercado, é o desafio fundamental da nova política de saneamento do Brasil. A regulação feita, nas últimas décadas, pela Agência Nacional de Saúde (ANVISA), não avançou de maneira efetiva para a melhoria do saneamento básico brasileiro. No novo marco regulatório, a responsabilidade é da Agência Nacional de Águas (ANA), desafiada a enfrentar e apontar caminhos de inclusão da maioria da população brasileira sem água tratada e saneamento básico.

A participação de empresas estatais e privadas, inclusive internacionais, já faz parte do modelo de saneamento brasileiro, desde os anos 1990. A participação privada, inclusive internacional, não trouxe os resultados esperados para a melhoria da política de saneamento neste período.

Portanto, além dos investimentos necessários – que devem ser procurados, independente da natureza do capital –, o que se deve trabalhar frente aos nossos gigantescos desafios sanitários é um Plano Nacional de Saneamento, com metas a serem alcançadas nos próximos anos e devidamente acompanhado pelos governos, pelas agências reguladoras, pela comunidade científica e por organizações empresariais e da sociedade civil, comprometidos com a Política Sanitária Nacional.

Além disso, devem-se criar mecanismos institucionais para acompanhar e avaliar as relações entre a agência reguladora com as próprias empresas a serem reguladas e as relações destas empresas e da própria agência reguladora com os atores políticos, econômicos e sociais nacionais e regionais.

Assim, a eficiência de uma Política Sanitária está relacionada com os seus resultados efetivos, no tempo e no espaço. A saber: seus resultados obtidos através do Plano Nacional de Metas a serem perseguidas, considerando os custos e objetivos econômicos, sociais e ambientais; também a qualificação profissional e a base técnica utilizada para atingir os resultados almejados. A natureza do capital não influi diretamente nos resultados de nenhuma organização empresarial. São inúmeros os exemplos na história do capitalismo de organizações na Europa, EUA, no Brasil ou em qualquer parte do mundo, estatais, privadas ou mistas, bem sucedidas ou não. Todas elas sempre precisam do Estado, em tempos de crise ou não. O inverso também é verdadeiro: o Estado democrático de Direito precisa de todas as organizações e da sociedade para o funcionamento da economia e das políticas públicas em geral, isto acontece também na área de saneamento básico.

Estes são os dilemas permanentes e os desafios das sociedades democráticas – a necessidade de pactuar entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais. A experiência europeia avançou na inclusão social, com conquistas efetivas para a cidadania, nos momentos em que foi possível uma maior taxação do capital, garantindo políticas públicas inclusivas para a maioria da população.

Assim, uma política de saneamento básico deve ser parte integrante de uma visão mais ampla da realidade econômica, social e ambiental do município e estar comprometida com a reorganização do espaço urbano a favor do público, melhoria das condições de moradia, educação, saúde, segurança, mobilidade urbana e ampliação da renda familiar em função dos que mais necessitam.

Finalmente, é importante destacar os limites impostos pelo atual pacto federativo para a construção de uma Política Sanitária Nacional, em função das crises política, econômica, social e de valores, nestes tempos de pandemia, vivenciados pela sociedade brasileira, particularmente na área federal. Portanto, a Política Sanitária é uma questão nacional, que se realiza em cooperação e conflito entre os interesses do Estado, do mercado e da sociedade civil, com a participação proativa da cidadania.

*Professor da Universidade Federal da Bahia e do Instituto Politécnico da Bahia


George Gurgel: Tempos difíceis. O imperativo da democracia e do diálogo

Estamos vivendo uma situação mundial e nacional de crises. A pandemia colocou em evidência a insustentabilidade da sociedade contemporânea. Coloca-se o imperativo de defesa e ampliação da democracia como caminho para a construção de novas relações centradas na vida e na preservação da natureza.

A pactuação desta construção, através do dialogo e da cooperação permanente, é o desafio colocado às dificuldades que estamos vivendo no Brasil e em toda humanidade. A pandemia desnuda as fragilidades do sistema político, econômico e social em que vivemos.

O confinamento social está nos proporcionando uma necessária reflexão individual e coletiva. Como estamos pensando e agindo na perspectiva de superação desta complexa realidade?

A pandemia está nos transformando. Sob qual perspectiva nos colocamos?

As mudanças estão acontecendo no mundo do trabalho e da cultura. A vida em home office já está proporcionando mudanças significativas no nosso cotidiano. Muitas vieram para ficar.

Estamos nos vendo melhor e, portanto, vendo melhor o outro. O isolamento social está nos aproximando e nos fazendo pensar e agir de outra maneira, entendendo melhor as nossas limitações e fragilidades individuais e coletivas. Estamos e podemos ser melhores. Há uma preocupação maior para o que nos faz humanidade: a cooperação, a solidariedade, a luta pela igualdade, liberdade e fraternidade.

A realidade grita a favor dos excluídos, nos agride com a chegada da pandemia. Coloca nas ruas e nas redes a tragédia social de milhões de pessoas, excluídas das conquistas sociais elementares (trabalho, alimentação, moradia e saúde-saneamento básico). Será o despertar da sociedade para a importância de cada ser humano, independente em que lugar esteja no Planeta?

No Brasil, a polarização da cena política, delineada de uma maneira contundente nas últimas eleições presidenciais, levou Jair Bolsonaro à Presidência, em 2019.

É a vitória das forças conservadoras, do discurso liberal na economia, de uma efetiva participação dos militares na política e a derrota daquelas forças políticas fiadoras da transição democrática e que estiveram de maneira alternada, no centro do poder no Brasil, nos últimos 30 anos. É a derrota principalmente do PT, da maneira como agiu e construiu o exercício do poder durante os quatro mandatos na Presidência da República.

Assim, as forças conservadoras chegam ao poder pelo voto, com apoio dos militares, através de uma liderança que foi menosprezada até as eleições, pelos partidos hegemônicos da política brasileira.

Desde os primeiros dias de mandato de Jair Bolsonaro, inaugurou-se uma maneira de governar pautada na agenda do cotidiano presidencial, espetacularizada no dia a dia dos meios de comunicação, inédita na vida nacional.

A crise recente instalada no Governo Bolsonaro, com a saída dos ministros Luiz Henrique Mandetta (da Saúde) e Sérgio Moro (da Justiça), nos desafia como sociedade à construção de alternativas democráticas para o enfrentamento dos nossos problemas cotidianos, de superação da pandemia e o enfrentamento da nossa difícil realidade social, que exclui a maioria da cidadania brasileira das conquistas do bem-estar, aterrorizando em cada esquina a vida dos brasileiros.

O presidente Bolsonaro traz para a cena política um ativismo beligerante do conservadorismo brasileiro. Ameaça e despreza as conquistas do Estado de Direito e da Constituição de 1988. Desautoriza a tudo e a todos. Está recolhido ao seu labirinto familiar, com apoio e a tutoria dos generais e de uma parcela, ainda significativa, da sociedade.

O Governo Bolsonaro movimenta-se para o enfrentamento da atual conjuntura vivida pela sociedade brasileira. Há uma importante inflexão em curso de aproximação do “centrão”, colocando na berlinda o discurso eleitoral e de governo. Atua para a conquista da maioria no Congresso Nacional para barrar impeachment, colocado na sociedade e no Congresso Nacional e, adiante, havendo a continuidade do governo, para aprovação das reformas planejadas, interrompidas com a pandemia.

A política para o presidente Jair Bolsonaro é o confronto. Confronto cotidiano – mesmo quando tenha que recuar no dia seguinte. É o modo Bolsonaro de Ser e de Agir.

A República não é isto. Não pode ser isto. O que pode ser?

O futuro da sociedade e da democracia deve ser, e vai ser, mais generoso para todos os brasileiros e brasileiras. Estamos desafiados à construção de uma alternativa democrática para a nossa sociedade.

A tecelagem de uma alternativa democrática às crises política, econômica, social e sanitária é o desafio de trabalhar a unidade das forças democráticas, dialogando com a cidadania, com o mundo do trabalho e da cultura para a mobilização de uma frente ampla que garanta o Estado de Direito, a defesa da Constituição e a continuidade das reformas, assegurando a melhoria de vida da população.

O momento nos coloca a necessidade de refletir, de sonhar e de agir. A pandemia desafia a tudo e a todos. A própria vida. A ciência, como nunca, é imprescindível. São muitos os questionamentos e as possibilidades de mudanças. Há espaço para o novo, a imprevisibilidade, a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais.

Assim, as condições estão dadas, com cenários plausíveis a serem escolhidos, como acontece nos momentos cruciais da história da Humanidade.

As opções entre a democracia e a barbárie continuam postas. A democracia venceu os grandes embates no século XX. É um processo em construção. A questão democrática se impõe como um valor para a sociedade nas suas relações em si e com a própria natureza.

*Professor da Universidade Federal da Bahia e membro da Fundação Astrojildo Pereira