George Gurgel de Oliveira

Livro ‘Almeida, um combatente da democracia’ mostra legado de dirigente

Cleomar Almeida, coordenador de publicações da FAP

Cearense, jornalista, revolucionário e referência na luta pela democracia brasileira, Francisco Inácio de Almeida, de 81 anos, superou prisões, clandestinidades e exílios sem desanimar. Com sabedoria histórica, ele é um dos principais articuladores do Cidadania, que garantiu nova identidade ao PPS (Partido Popular Socialista), do qual foi secretário-geral e que evoluiu a partir do PCB (Partido Comunista Brasileiro), fundado em 1922.

“Almeida enfrentou prisões, clandestinidades e exílios sem nunca esmorecer no combate pelo Estado Democrático de Direito. Tem a Democracia como fundamento da sua práxis ou ação política. Este o seu maior legado. Ou seja, a tolerância, a solidariedade e a dedicação a uma luta”, escrevem os organizadores do livro Almeida, um combatente da democracia (Abaré Editorial, 140 páginas), Ivan Alves Filho e George Gurgel de Oliveira.

Ivan Alves Filho e George Gurgel de Oliveira (D) são os organizadores do livro Almeida, um combatente da democracia (Abaré Editorial, 140 páginas)

Com homenagem e registro da importância de Francisco Almeida para as forças democráticas brasileiras, o livro será lançado no dia 21 de maio, a partir das 10 horas, na Livraria Livro Técnico, de Sérgio Braga, ao lado do Flórida Bar (Rua Dom Joaquim, 54). O evento, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, conta com a participação do jornalista que é descrito na obra como “articulador de pessoas e coisas na luta comum”.

Almeida é o retrato vivo da história de luta pela redemocratização do país, pela qual atuou, conjuntamente, com outros grandes nomes do PCB. Em Moscou, trabalhou com Luiz Carlos Prestes. No Brasil, com a volta dos comunistas ao país garantida pela Anistia, em 1979, integrou a direção máxima do partido, ao lado de Giocondo Dias, Dinarco Reis, Salomão Malina, Hércules Corrêa, Geraldo Rodrigues dos Santos, Paulo Elisiário Nunes, Sérgio Augusto de Moraes e do hoje presidente do Cidadania, Roberto Freire.

Foto: Cristiano Mariz/VEJA

Filho de uma família de pequenos produtores rurais e que trabalhou desde menino em uma padaria, o dirigente carrega, em si mesmo, as várias formas pelas quais é chamado e a característica de integridade, como ressalta Freire. “Pra este antigo comunista, hoje cidadão do meu tempo, Chico. Pros (sic) cearenses, Inácio. Para o resto do Brasil, Almeida”, afirma o presidente do Cidadania.

“É um homem de luzes, sempre olha pra frente. Sua mesa de trabalho, uma bagunça organizada onde sabe encontrar cada um dos papéis que procura, é um sinal de sua criatividade. E pessoas criativas não param no tempo. Difícil ver Chico perder a calma. Mantém a tranquilidade mesmo nos debates mais acirrados. Debate ideias”, afirma Freire, em seu texto.

Caetano: "Percorreu o trajeto habitual de simpatizante para militante e de militante para dirigente partidário". Foto: FAP

O cientista político e diretor-geral da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Caetano Araújo, lembra que Almeida aproximou-se do partido ao final dos anos 1950, perto dos seus 20 anos, quando estudava jornalismo e trabalhava em jornais de Fortaleza. “Em uma década decisiva na história nacional, que começou com o fortalecimento das lutas populares, passou pelo golpe de 1964 e culminou na radicalização da ditadura no rumo do fascismo, após o AI-5, percorreu o trajeto habitual de simpatizante para militante e de militante para dirigente partidário”, diz Araújo.

Para o dirigente do Partido Democrático, da Itália, o sindicalista Andrea Lanzi, Almeida é “democrata exemplar” e suas principais características são “humildade, cordialidade e respeito”. “Mesmo sendo ele um militante apaixonado pelas próprias ideias, sempre mantivemos um profundo respeito um pelo outro. Apesar do meu apoio ao Partido dos Trabalhadores, como responsável político do PD no Brasil, que ele considera uma posição equivocada, o companheiro Almeida sempre soube entender os meus posicionamentos”, conta ele, no livro.

Dura realidade nordestina criou em Almeida o inconformismo em aceitar as injustiças que, no Brasil, começam no Nordeste, avalia Aspásia Camargo. Foto: Divulgação

A dura realidade nordestina criou em Almeida o inconformismo em aceitar as injustiças que, no Brasil, começam no Nordeste, o principal responsável pelas escandalosas desigualdades econômicas e sociais do país, na avaliação da escritora Aspásia Camargo, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

“Este inconformismo certamente o levou a abraçar as causas do nosso Partidão, a procurar em Cuba um caminho para a América Latina e a encontrar em Prestes sua fonte de dedicação, ele que foi o único verdadeiro herói que tivemos, o herói da Coluna Prestes que varou 27.000 km invencível, denunciando as oligarquias. E sendo, afinal, a fonte inspiradora de Mao Tsé Tung em sua Longa Marcha que conquistou a China e surpreendeu o mundo”, afirma Aspásia.

Além das questões políticas e da intensa e incansável defesa de Almeida pela democracia, o livro também aborda aspectos familiares, mostrando a versão do “Pai Almeidinha”, conforme escreve o filho e jornalista Thiago Vitale Jayme. De um homem que inspira inúmeras pessoas, o exemplo é a melhor forma de ensinamento. “Você é um pai que ensina por meio do exemplo. A sua dignidade diante da vida é uma aula diária. A sua empatia (você liga para todos os grandes amigos rotineiramente, só para saber se estão bem) é outro gesto que me ensina sempre”, conta Jayme.

A socióloga Abigail Páschoa, ativista das causas negras, avalia que “Almeidinha”, como ela também o chama, simboliza a organização, o funcionamento produtivo e orgânico do partido antigo PPS e do atual Cidadania. “Espero que o companheiro continue cumprindo seu papel de direção não autoritária no Cidadania, fortalecendo seu papel de liderança orgânica e firme”, ressalta, para continuar: “Que esta justa homenagem que ora fazemos ao companheiro sirva também de estimulo para que os novos militantes pautem suas atuações pelos princípios democráticos, buscando sempre os projetos coletivos, acima dos delírios dos projetos de poder individual, na trajetória política do Cidadania”.

Serviço

Lançamento do livro Almeida – Um Combatente da Democracia

Dia: 21/5/2022

Horário: a partir das 10h

Onde: Livraria Livro Técnico, de Sérgio Braga, ao lado do Flórida Bar (Rua Dom Joaquim, 54)

Realização: Fundação Astrojildo Pereira


George Gurgel de Oliveira: Brasil Insustentável - Um ano de pandemia

O Brasil, após um ano de pandemia, vive um momento trágico da sua realidade política, econômica e social.

Porque chegamos a esta situação?

Qual a responsabilidade de cada um de nós frente a esta tragédia que estamos vivendo?

Qual a responsabilidade dos que governam, da cidadania e da sociedade em geral?

A maneira como o Brasil enfrentou e está enfrentando a pandemia é causa e/ou consequência da sociedade brasileira historicamente construída ou é responsabilidade dos atuais governantes da Federação?

São estas as questões a ser enfrentadas por cada um e por todos nós se quisermos efetivamente superar a trágica realidade vivida atualmente, em plena pandemia, por toda a sociedade brasileira.

Desde o início da pandemia, a sociedade brasileira foi desafiada a mudar a sua maneira de viver, de se comportar nas suas relações políticas, econômicas e sociais frente aos desafios colocados para o enfrentamento da pandemia, causada pelo Covid 19.

Então, a atuação governamental e os resultados obtidos até agora no combate à pandemia no Brasil ficaram muito a desejar: não estão comprometidos com as agendas sociais, econômicas e ambientais necessárias para o enfrentamento dos desafios trazidos pela pandemia à sociedade brasileira, particularmente na área da saúde.

Ainda não temos um Programa Nacional de Vacinação confiável, com metas e cronogramas estabelecidos que tranquilize e passe confiança à sociedade brasileira, demonstrando a incapacidade governamental de planejar ações básicas de combate à pandemia – caso explícito da compra de vacinas: as evidências demonstram que o Governo Federal foi e está sendo negligente – não planejou a compra, e o processo de vacinação em curso é a mais completa tradução da tragédia.  O ritmo de vacinação continua lento por falta de vacinas, diferente da situação de muitos países da América Latina, cuja população já tem disponibilidade de vacinas de diferentes países, inclusive da China e da Rússia.

Assim, a ideologização da questão e a falta de planejamento caminharam juntos, com consequências graves para a sociedade brasileira.  Aqui a maior responsabilidade é do Governo Federal, que minimizou e minimiza a gravidade da situação vivida pela população, desde o início da pandemia. Some-se a isto a desconstrução e as inúmeras mudanças acontecidas nesse período na área de saúde, inclusive com a nomeação de três Ministros no período, o que retrata a maneira como o Governo Federal enfrentou e está enfrentando a situação. O comportamento bipolar de Bolsonaro, no dia-a-dia no exercício da Presidência, vem agravando a situação.

O cenário político atual é de judicialização da Saúde entre os entes federativos: os governadores foram ao Supremo Tribunal Federal para terem o direito de comprar as vacinas. Ao mesmo tempo foi deflagrado um movimento de governadores e prefeitos para a compra direta de vacinas – aumentando a pressão de toda a sociedade que quer ter a vacina como o único instrumento efetivo de combate à Covid 19.

A situação atual é caótica e preocupante frente à crise econômica e de saúde pública que vive o Brasil. Cenas de horror, de mortes por falta de leitos hospitalares e de oxigênio, da falta de assistência médica em geral, inclusive na área privada, coloca, após um ano de pandemia, a dimensão real da tragédia brasileira – a incapacidade do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios de construir um programa mínimo, em diálogo com a sociedade, para o enfrentamento dos problemas urgentes provocados pela pandemia no Brasil.

Os brasileiros estão aterrorizados. A insegurança é total. Os dados em relação à contaminação e às mortes são assustadores. São milhões de contaminados e milhares de mortos – colocando o Brasil no segundo lugar em relação a contaminados e mortos pela Covid 19 no cenário internacional. 

Qual o limite da tragédia?

Banalizou-se a morte pela Covid-19 como um fenômeno natural: “todo mundo morre”, segundo o presidente Bolsonaro. A pandemia já faz parte do cotidiano da sociedade. As estatísticas negadas pela área federal estão sendo sistematizadas e espetacularizadas por um conglomerado da área de comunicação, chegando diariamente às nossas casas. Hoje, já não existem leitos disponíveis na área pública, nem privada, na maioria das capitais brasileiras.

Vivemos o pior momento da pandemia no Brasil. A população continua desnorteada. O Governo Federal, como principal responsável pela Política Nacional de Combate à Pandemia, com sua política negacionista, só faz agravar a situação com falas que agridem ao bom senso e à sociedade brasileira, e até a mundial. 

Portanto, os comportamentos políticos e sociais em questão refletem as disputas políticas e as narrativas extremas que pouco ajudam a resolver a crise, manifestando-se, por exemplo, no comportamento de uma parte considerável da população, particularmente da juventude: no auge da pandemia, continua afrontando o uso de máscaras e o isolamento social. Uma rebeldia inconsequente que está levando à morte de jovens e, muitas vezes, dos entes mais velhos da própria família, que mesmo isolados recebem a contaminação trazida das ruas pelos filhos e netos.

Como racionalizar tais comportamentos?

O que ainda pode acontecer?

As narrativas construídas na conveniência de cada discurso político trazem embates cotidianos sem nenhum foco na questão principal: o combate efetivo à pandemia que deveria unir toda a sociedade brasileira. Os interesses são outros: vislumbram a próxima disputa político-eleitoral de 2022 – em uma democracia avançada, essa gente estaria respondendo na sua maioria a processos em tribunais (alguns, a bem da verdade, já estão respondendo, principalmente por corrupção, antes e durante a pandemia – inclusive governadores, senadores, deputados e prefeitos).

Urge a Federação funcionar como Federação e a Cidadania como Cidadania. As narrativas hegemônicas no atual cenário político brasileiro e os embates entre os entes federativos não resolveram e nem vão resolver a difícil realidade em que estamos vivendo.

No Brasil, como sempre, os que mais precisam do Estado, milhões de brasileiros, estão abandonados à própria sorte - frente ao desemprego, à falta de uma renda emergencial que lhes assegurem o mínimo de dignidade para atravessar a crise social, agravada com as doenças trazidas pela  pandemia: já são milhões de contaminados e milhares de mortes durante o ano e o pior: a falta de medidas governamentais para o enfrentamento real dos problemas do cotidiano já existentes e os ampliados com a pandemia.

A sociedade está desafiada a se unir a favor de um Programa Nacional de Vacinação:   vacinar com a urgência devida toda a população é a única maneira de retornar à vida social com segurança. São estas as questões imediatas a serem enfrentadas pelos que detêm mandatos e toda a cidadania brasileira.

Nesta perspectiva é possível enfrentar a pandemia, abrindo o diálogo necessário entre as forças democráticas no caminho de uma pauta que leve a um efetivo enfrentamento dos reais problemas econômicos, sociais e ambientais vividos hoje pela sociedade brasileira. 

O protagonismo dos movimentos sociais em defesa de uma maior participação política das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos LGBT+, nas questões sociais e ambientais em geral e no enfrentamento da pandemia em particular, são aliados fundamentais nessa construção. Pode-se e deve-se trazer a voz rouca dos excluídos da sociedade para o exercício da política, pressionando os que governam a República para pautar os problemas urgentes da população, buscando a melhoria da qualidade de vida dos milhões de excluídos, que vivem em condições precárias de moradia, segurança, educação, saúde, saneamento e mobilidade urbana no Brasil.

Assim a Federação, a Sociedade e a Cidadania estão desafiados ao enfrentamento sistemático destes graves problemas sociais, econômicos e ambientais, agravados com a pandemia que deverá se estender por todo o ano de 2021. As polarizações das narrativas hoje existentes na sociedade não resolveram e não resolvem, neste ano de pandemia, as dificuldades cotidianas da população, muitas vezes, agravam, dificultando a enfrentar os reais problemas sociais. O Brasil bipolar, dos extremos, não conseguiu e nem consegue construir soluções para os complexos desafios da realidade brasileira, nem a nível municipal, estadual, muito menos, em escala nacional.

Finalmente, há que se considerar a necessidade de uma visão sistêmica e de escolha de prioridades para o combate à pandemia, através do diálogo permanente entre governantes e governados, que garantam a implementação de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade, articuladas às políticas regionais, sob responsabilidade municipal, estadual e federal, construindo uma efetiva cooperação entre o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil, através de redes regionais e nacionais, com foco na melhoria do bem-estar da população, ampliando a capacidade de diálogo e de construção  de pactos políticos e sociais que façam avançar e ampliar a democracia, no caminho da transformação da realidade brasileira.

São os desafios atuais dos brasileiros, durante e pós-pandemia.

*George Gurgel de Oliveira, Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.


George Gurgel de Oliveira: As eleições municipais, as novas representações políticas e os desafios da democracia

As eleições municipais colocaram em disputa as concepções de governar e de se relacionar de cada um de nós e da Sociedade em geral, desafiando a maneira tradicional de fazer política, antes e durante a pandemia, e a nossa maneira de ser e estar em Sociedade.

Os resultados do primeiro turno das eleições municipais foram construídos nas Redes Sociais, nos Meios de Comunicação, nos Movimentos Sociais e Suprapartidários da Sociedade Civil, resultando na eleição de novas lideranças mais comprometidas com as agendas sociais, culturais, econômicas , ambientais e comportamentais da Cidadania.

Segundo os resultados da pesquisa do Instituto IDEIA, em parceria com a Revista Exame, realizada recentemente, no período de 16 a 19 de novembro, 27% dos brasileiros ficaram indiferentes aos resultados das eleições municipais realizadas no último 15 de novembro. Esta indiferença está próxima ao nível de abstenção recorde de 23% registrado pelo Tribunal Superior Eleitoral, refletindo no nível de satisfação do eleitorado: os satisfeitos com a eleição somam apenas 41% e o nível de insatisfação registrado é de 31%.

Quais são as causas e as consequências desta indiferença e não participação da Cidadania no processo político-eleitoral em curso, sendo o voto obrigatório?

Esta análise deve ser feita, para melhor conhecimento da nossa realidade política e social. São questões a serem consideradas no caminho de construção de uma alternativa política democrática para enfrentar os desafios eleitorais de 2022.

Ao mesmo tempo, nesta eleição municipal houve um maior protagonismo dos movimentos sociais em defesa de uma efetiva participação política das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos LGBT+, nas questões sociais e ambientais em geral, traduzido em uma renovação das Câmaras Legislativas e Prefeituras dos médios e grandes municípios, trazendo a voz rouca dos excluídos da Sociedade para o exercício do poder municipal. Ainda, neste cenário, há que considerar a eleição de lideranças religiosas, na maioria evangélicas, o que já vem ocorrendo no Brasil, há muitos anos.

Portanto, a Sociedade colocou para os seus representantes a urgência de superação dos reais problemas do dia a dia da população. Os(as) prefeitos(as) e vereadores(as) eleitos(as) vão enfrentar, desde o primeiro dia dos seus mandatos, a difícil realidade de uma parcela majoritária da população dos municípios brasileiros, que vive em condições precárias de moradia, segurança, educação, saúde, saneamento e mobilidade urbana.

Assim, estes(as) vereadores(as) e prefeitos(as) eleitos(as) devem estar comprometidos(as) com o enfrentamento sistemático desses graves problemas sociais, econômicos e ambientais, agravados com a pandemia que deverá se estender pelo ano de 2021.

A maneira de governar e de se relacionar com a Sociedade coloca-se, cada vez mais, como a centralidade nas relações entre os governantes e os governados. Devendo se refletir no processo de construção de novos conteúdos de uma governança que se quer democrática para a realização das mudanças necessárias durante e pós-pandemia, em cada município brasileiro.

Os resultados eleitorais, no primeiro turno, apontam para o fortalecimento do centro político. A alta popularidade do presidente Bolsonaro não lhe trouxe os resultados eleitorais almejados. As populações dos municípios sinalizaram que a polarização da Sociedade não resolve as dificuldades cotidianas da Cidadania, muitas vezes, agrava, quando trazemos para a realidade municipal as polarizações políticas nacionais, que não ajudam a enfrentar os reais problemas da Sociedade.

Naturalmente, os resultados das eleições municipais não interferem diretamente nas eleições de 2022. No entanto, o surgimento de novas lideranças municipais e regionais podem mudar a composição atual das bancadas estaduais e federais, objeto de uma maior preocupação da maioria dos partidos, frente à nova legislação eleitoral: a eleição de uma numerosa bancada federal em 2022 vai ser determinante na existência de cada partido que queira continuar a ter um protagonismo na política nacional .

Assim, a população falou nas urnas. Quer mudar, com a urgência devida, a nossa trágica realidade social, desnudada com a pandemia.

O Brasil bipolar, dos extremos, não conseguiu e nem consegue enfrentar e construir soluções para os complexos desafios da realidade brasileira, nem a nível municipal, muito menos em escala nacional. O segundo turno deve confirmar esta tendência nas urnas. Os desafios econômicos, sociais e ambientais, históricos e atuais da sociedade brasileira devem ser enfrentados de uma maneira propositiva, ampliando a capacidade de diálogo e de construção de pactos políticos e sociais que avance e consolide a democracia brasileira, no caminho de transformação da nossa injusta realidade política, econômica e social.

Neste contexto, todos(as) estão desafiados(as) a ter uma efetiva participação na construção e na implementação de políticas públicas municipais, colaborando com o processo de avaliação permanente destas políticas, na busca de atender as demandas municipais, em sintonia com as outras políticas públicas regionais e nacionais, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental de cada município brasileiro.

Os(As) vereadores(as) e prefeitos(as) eleitos(as) estão desafiados(as) a construir novas relações de Governança entre o Estado, o Mercado e a Sociedade em geral. As atuais relações não atendem às demandas da maioria da população dos municípios brasileiros.

A criação de mecanismos institucionais de acompanhar e avaliar as relações entre o Executivo, o Legislativo e a Sociedade municipal, desafia a Cidadania e o poder público à construção de novas relações entre os atores políticos, econômicos e sociais do município, na busca da sustentabilidade econômica, social e ambiental da Sociedade.

Considerando sempre a necessidade de uma visão sistêmica no processo de construção das políticas públicas em geral. Colocando-se como imperativa a escolha de prioridades, através de dialogo permanente entre governantes e governados, que garantam a implementação de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade municipal, articuladas às políticas regionais, sob responsabilidade estadual e federal, construindo pactos de cooperação entre o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil, através de redes regionais, nacionais e internacionais, com foco na melhoria do bem-estar da população.

Estes são os nossos dilemas a serem superados para o avanço da democracia brasileira, com a inclusão desta maioria excluída da população no processo de construção de políticas públicas sustentáveis nas áreas de educação, moradia, saúde, saneamento básico, segurança, mobilidade, trabalho e renda, como condições elementares para a dignidade da vida social em cada município brasileiro.

Portanto, o exercício pleno da Cidadania, com a participação proativa da Sociedade, é a práxis que vai criar as condições para uma efetiva transformação da realidade política, econômica e social de cada município e de toda a Sociedade brasileira.

São os desafios permanentes dos prefeitos(as), dos vereadores(as) e da Cidadania brasileira.

*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia e da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade


George Gurgel de Oliveira: O Brasil insustentável e os desafios da sustentabilidade

A semana do meio ambiente nos coloca a necessidade de refletir sobre as nossas relações com o planeta e as mudanças necessárias para enfrentarmos os complexos desafios da sociedade atual na perspectiva de construção de relações sustentáveis da própria humanidade entre si e com a natureza.

A pandemia, vivida por toda a humanidade, está evidenciando ainda mais a insustentabilidade do mundo em que vivemos. O que podemos fazer frente a esta realidade, durante e pós pandemia, na busca da sustentabilidade?

Desde a Revolução Industrial, quando as máquinas são incorporadas aos processos produtivos, modifica-se radicalmente a escala de produção e de consumo, colocando-se a necessidade de ampliação dos mercados, além do Estado nacional, criando-se novas relações políticas, econômicas e sociais, na vida urbana e rural.

Desencadeou-se um processo vertiginoso de transformação da vida cotidiana, modificando a maneira de ser e agir da humanidade, impactando, como nunca antes na história, os ecossistemas e a biodiversidade do planeta.

Consolidou-se uma lógica de produção e consumo que, histórica e atualmente, mostrou-se insustentável. Coloca-se a necessidade de construir uma outra perspectiva de sociedade, ampliando as formas e os conteúdos da democracia, a partir de novas relações políticas, econômicas e sociais.

Estas as questões estruturais a serem enfrentadas para a construção de uma sociedade sustentável, necessária para a sobrevivência de toda a humanidade e do próprio planeta.

Vamos fazer esta travessia? Ou queremos nos autodestruir, destruindo os ecossistemas do planeta, com o atual modelo de sociedade, responsável pela destruição da vida, tanto nos períodos de guerras quanto nos de paz, excluindo bilhões de pessoas das conquistas sociais modernas?

Quais são os agentes políticos, econômicos, sociais e ambientais que serão responsáveis por tais mudanças?

Atualmente, as principais economias mundiais, concentradas no G20, particularmente os Estados Unidos, a China e a Rússia, consomem mais da metade dos recursos naturais do planeta. Estes grupos de países têm uma responsabilidade maior na perspectiva de transformação desta nossa realidade. As ações que deveriam ter sido implementadas a partir da Agenda 21(ECO-92), particularmente em relação às mudanças climáticas, continuam sendo adiadas com danos irreversíveis aos ecossistemas planetários, com reflexos econômicos e sociais negativos na vida de milhões de pessoas, em todos os continentes.

Desde então, ficou evidente a necessidade de considerar as variáveis econômicas, sociais e ambientais em qualquer escala territorial, tanto a nível mundial, quanto a nível nacional e regional, em busca da sustentabilidade.

Iniciou-se um processo de tomada de consciência e de discussão das questões ambientais, em função dos graves problemas decorridos do modelo industrial e urbano, da concentração de populações nas cidades e polos industriais, ampliando o nível de poluição das águas, da atmosfera e dos solos, impactando, cada vez mais, os ecossistemas do planeta.

Em 2012, na última Conferência Mundial da ONU, a RIO+20, o cenário era de frustração no tocante ao que foi discutido e consolidado na ECO92, no Rio de Janeiro, principalmente em relação às metas da Agenda 21 e às medidas que deveriam ser tomadas para minimizar os efeitos das mudanças climáticas, que vem causando danos irreversíveis aos ecossistemas planetários, impactando populações em regiões litorâneas com o aumento do nível do mar, em todo o planeta.

Por outro lado, constata-se de maneira positiva, a ampliação da consciência mundial dos movimentos políticos e sociais, como também uma participação, cada vez mais ampla, da comunidade científica e da sociedade civil nessa discussão, buscando tratar, com a urgência devida, as questões relacionadas à degradação dos ecossistemas, das mudanças climáticas e da exclusão social, sinalizando a necessidade de uma nova economia, de baixo consumo de carbono, variáveis a serem consideradas no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Assim, em um contexto de crises econômicas recorrentes do capitalismo, desde a década de 1980, até as mais recentes nos Estados Unidos, em 2008, e na Comunidade Européia, ficam a desejar os avanços no caminho desta almejada sustentabilidade.

Desde então, amplia-se a prevalência do capital financeiro em relação ao capital produtivo, atingindo as conquistas do Estado de Bem Estar Social, na Europa, colocando populações e países em situação de graves retrocessos políticos, econômicos e sociais. A situação é mais grave na Ásia, na África e na América, com realidades políticas, econômicas e sociais, ainda mais vulneráveis.

Em relação à realidade brasileira, os desafios históricos continuam atuais, agregando-se novos desafios para a construção de uma sociedade democrática, com uma outra perspectiva política, para a construção de fundamentos de uma nova economia, social e ambientalmente sustentáveis.

A pandemia explicitou, de maneira contundente, as contradições da nossa sociedade, agravadas com a crise política e de valores, desencadeada pelo governo do presidente Bolsonaro.

O Brasil atual é uma das sociedades com maiores índices de exclusão social e concentração de riquezas do planeta. A população brasileira de 200 milhões de pessoas, concentra, na mão de 200 mil pessoas, a propriedade da metade da riqueza nacional.

Como mudar essa realidade?

Nosso processo de urbanização acelerada, a partir dos anos 70, agravou as questões relacionadas à segurança pública, mobilidade, saneamento básico, moradia, educação e saúde, chamando a atenção para os graves problemas a serem enfrentados pela sociedade brasileira.

Nossa economia continua com uma forte dependência às principais economias mundiais como fornecedora de matérias-primas, água, energia e mão de obra. Continua dependente do valor das commodites, com uma vulnerabilidade muito grande em relação ao mercado mundial. Nos últimos anos, agravou-se esta situação, com a diminuição do setor industrial na participação do PIB brasileiro.

Neste cenário internacional de ameaças e oportunidades, o Brasil, pela sua dimensão territorial, pelas riquezas naturais, pela base técnica e científica que construiu, aliado ao ativismo da sociedade civil e da diplomacia brasileira, tem jogado um papel relevante na discussão de uma perspectiva sustentável desde a RIO+92, apesar do comportamento do atual governo, que nos tem tirado de cena dessas discussões mundiais, em plena pandemia, podendo trazer retrocessos significativos ao trabalho duramente construído pela sociedade brasileira, nas últimas décadas.

Portanto, coloca-se o imperativo de um diálogo permanente entre as forças políticas, econômicas e sociais, nacionais e internacionais, no sentido de uma nova configuração das organizações multilaterais, incorporando, efetivamente, o caráter de urgência dessas mudanças, a serem realizadas pela ONU, FMI, Banco Mundial, OMC, OIT, Comunidade Europeia, BRICs e Mercosul, entre outros, desafiados a desenvolver políticas de cooperação internacional de maneira integrada, que avancem para a sustentabilidade mundial, nacional e regional.

O Brasil deve aproveitar a pandemia.como um importante momento de reflexão coletiva, avançando nas reformas tão necessárias à sociedade, apostando em um novo pacto político, econômico e social que ajude a avançar a democracia brasileira, rumo a este futuro desejado.

Como viabilizar a sustentabilidade econômica, social e ambiental?

Precisamos de diálogo permanente entre os entes federativos e a sociedade, e da construção de consensos entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais para a implementação de políticas públicas sustentáveis.

A falta de uma visão sistêmica e de diálogo permanente entre os entes federativos são fatores limitantes no processo de construção e de implementação das políticas públicas sustentáveis no Brasil.

Via de regra, os grandes programas e projetos nacionais construídos no Brasil não incorporam a questão ambiental como um valor estratégico. Criam maneiras e artifícios para o não cumprimento da legislação, acarretando, muitas vezes, graves acidentes e impactos sociais e ambientais. O mais recente acidente ambiental, acontecido na cidade de Mariana, no estado de Minas Gerais, considerado como o maior acidente ambiental na área de mineração do planeta, é uma demonstração inequívoca deste comportamento.

Neste contexto, coloca-se a necessidade de identificar as contradições e os conflitos econômicos, sociais e ambientais da sociedade brasileira, abrindo novas perspectivas para a construção de uma outra sociedade, através de um pacto político e social a ser realizado entre o Estado, o mercado e a sociedade civil, com a participação ativa da cidadania.

Devemos trabalhar ainda a sustentabilidade no Brasil, em função das suas potencialidades: biodiversidade, território, riquezas minerais, água, energia solar e eólica, em sintonia com os necessários investimentos em educação, ciência e tecnologia. Os limites impostos à economia, baseada em carbono, colocam o Brasil em uma situação de destaque, em relação à questão ambiental, com vantagens comparativas, a caminho da sustentabilidade desejada pela maioria da sociedade .

A superação do atual modelo de desenvolvimento brasileiro, insustentável, desafia a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais entre os diversos atores do Estado, do mercado e da sociedade civil. O processo de conscientização e crítica ao modelo de desenvolvimento atual, cria as condições políticas, econômicas e sociais para a construção desta perspectiva sustentável para o Brasil.

Finalmente, há que se compreender e trabalhar os conflitos sociais e ambientais como parte integrante da história da humanidade em suas relações com a natureza, procurando entender as contradições da sociedade atual, buscando soluções, sobretudo identificar as diferenças e os reais interesses entre os diversos atores sociais em questão, criando os fundamentos de novas relações políticas para a construção da sociedade futura, que se almeja sustentável.

*Professor Doutor da UFBA e do Instituto Politécnico da Bahia