Fake News

Marco Aurélio Nogueira: Crises, transformações, pesadelos

Democratas têm de saber usar a inteligência política para desenhar um caminho unitário

Marco Aurélio Nogueira / O Estado de S. Paulo

Há muito mais coisas no ar além dos tiranos de plantão. Eles perturbam porque são um subproduto delas. Sobrevivem porque manipulam os medos.

A nossa é uma época de transformações rápidas e profundas, que tumultuam o modo como vivemos. As mudanças fazem com que tudo pareça solto no ar, como se faltasse um centro de gravidade. As crises se sucedem, varrendo o que está instituído. É outro capitalismo, outro modo de trabalhar, outros padrões de família, outra escola, e assim por diante.

Os cidadãos, compreensivelmente, ficam atônitos. Carecem de referências e portos seguros onde ancorar. Frustrados por não conseguirem conquistar o que lhes é prometido, afastam-se de governos, partidos e políticos, responsabilizando-os pelo que não recebem, seja como direitos, seja como bens e serviços.

O estado de espírito coletivo passa a desconfiar da democracia, muitas vezes atacando-a como desnecessária ou prejudicial. O povo fica contra a democracia, escreveu Yascha Mounk. As pessoas têm raiva e pressa, o sistema democrático é lento e não inclui as grandes massas. As redes sociais canalizam essa miríade de vozes ressentidas. A democracia representativa entra em estado de sofrimento.

Ao mesmo tempo, crescem as lutas por identidade e reconhecimento, que projetam novos patamares de direitos, mas também criam mais fragmentação e complicam as unificações necessárias. Os partidos políticos não sabem como tratar os impulsos identitários, os novos grupos, temas e expectativas. Abre-se uma rachadura na política, por onde escapam sentimentos e emoções, que ficam disponíveis. Evapora-se a agenda reformadora. Os democratas se desorientam, os autoritários ganham terreno.

Todo este processo transcorre molecularmente, deixando pegadas no chão da vida. Quando menos se espera, produzem-se estrondos que lançam as pessoas às ruas, como a anunciar rupturas iminentes. Foi assim em 2013, no Brasil, quando o estrondo polifônico deixou evidente que nada mais poderia ser pensado como antes. O sistema político, porém, não ouviu as palavras, não decodificou a mensagem.

Aumentaram, então, as atitudes “antissistêmicas” radicalizadas, que dizem o que não aceitam sem saber o que pretendem ou como realizar os desejos. A frustração permanece pulsando e muitos saem em busca de salvadores, que se agigantam quanto mais se apresentam como portadores de uma purificação geral. Entram em cena tiranos e autocratas de um novo tipo, que ora surgem como extremistas, ora como populistas, ora como xamãs prontos para produzir milagres com suas feitiçarias e beberagens.

Há de tudo entre eles. Tecnocratas, militares, empresários, cantores, parlamentares inexpressivos. Apresentam-se como conservadores honestos, tementes a Deus, defensores da família; prometem recriar a democracia de modo “iliberal”, para que o povo tenha mais voz. Muitos são caricatos. No início, são tratados com arrogância e subestimados pelos democratas, que não levam a sério as “narrativas” tecidas para manipular os descontentes.

Numa articulação global, o extremismo de direita sai das catacumbas em que se enfurnava para anunciar uma “nova política”, livre de comunistas, liberais, imigrantes, pobres, refugiados, gente tratada como detrito.

Os “salvadores” se distinguem pelo destempero, pelo negacionismo, pela busca de polarizações artificiais com que procuram manter as sociedades em estado de guerra permanente. Inventam problemas, criam realidades paralelas nas quais a desordem imperaria, o povo estaria acuado, clamando por armas e resgate. São líderes sem estofo, péssimos governantes. Sobrevivem à custa de expedientes bélicos, falseamentos e mentiras, que despejam incessantemente sobre a opinião pública. Vão, assim, ocultando sua incompetência e pescando incautos nas águas sujas que derramam na vida.

No Brasil, em particular, este tipo de líder tem sua hierarquia. Há muitos chefes, chefetes e militantes, mas somente um Mito. O movimento se espalha, incorpora elites sem orgulho próprio, vazias de ambições cívicas. Como um Duce fascista falsificado, o Mito recusa-se a governar: sua essência é o combate, seu desejo é a ditadura, sua intenção é criar confusão. Sustenta-se no espanto social, no amorfismo ideológico da população, na desorientação impulsionada pela desunião dos democratas, no ativismo boçalizado da extrema-direita. Estigmatiza adversários para assustar eleitores e ascender.

A pobreza, as desigualdades, o desemprego, a pandemia, a inflação que retorna complicam sua situação, mas não ajudam a oposição. A imagem do Mito esfarela.

Há resistência nas instituições (STF, TSE), na grande mídia, nos partidos democráticos, em crescentes setores da sociedade civil. A Câmara dos Deputados, sob pressão, atua com excessivo fisiologismo. Os pesadelos se repetem, noite após noite, à espera do raiar de um novo dia, que virá na medida em que os democratas souberem usar a inteligência política para desenharem o caminho unitário que os projetará como construtores do futuro.

*Professor de Teoria Política da Unesp

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,crises-transformacoes-pesadelos,70003849686


Eliane Brum: A ONU e o mundo se ridicularizam diante de Bolsonaro

Ao debochar da democracia em palco global, o presidente do Brasil cumpre sua agenda pessoal com louvor

Eliane Brum / El País

Ao comparecer a Nova York e abrir a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Jair Bolsonaro foi apresentado no noticiário brasileiro e internacional como um pária do mundo, que comia pizza em pé na calçada porque não estava vacinado. Estou na contramão desta análise. O ultradireitista que governa o Brasil não envergonhou nem a si mesmo nem ao país. Me parece exatamente o oposto. Bolsonaro debochou da democracia em palco global, teve suas mentiras traduzidas em várias línguas e voltou para casa aclamado por seus seguidores pela sua autenticidade e coragem de afrontar a parte do planeta que despreza.

Ao receber um mandatário que ostenta o fato de não ter tomado vacinas como um troféu, e isso quando os Estados Unidos enfrentam uma piora na pandemia devido à variante delta, a vergonha é dos Estados Unidos de Joe Biden e da Nova York de Bill de Blasio. A vergonha é, principalmente, da ONU. Bolsonaro afronta o combate à pandemia com atos e fatos e atravessa a fronteira americana todo serelepe porque a ONU se mostrou incapaz de riscar o chão diante da Rússia de Vladimir Putin, que se contrapôs com veemência à intenção de barrar quem não estivesse vacinado. Bolsonaro também vai rir por muito tempo pela façanha de abrir a assembleia do mais simbólico pilar da ordem mundial após a Segunda Guerra disseminando mentiras explícitas. Aplicou na ONU um deboche em nível planetário.

De nada adianta estampar no noticiário um Bolsonaro patético, objeto de piadas e de charges na imprensa. Bolsonaro entrou nos Estados Unidos sem vacina e este é o fato principal. Também pouco adianta fazer matérias e análises provando que ele mentiu sobre quase tudo. Seus seguidores, assim como uma parcela de não seguidores, considera tudo o que a imprensa afirma como fake news e nem sequer a lê, assiste ou escuta. Parte do planeta, e não só do Brasil, acredita que pode escolher o que é a verdade se a mentira lhe convém. Também não está fácil, é necessário dizer, ouvir, assistir e ler setores da imprensa repetindo coisas como “contrariando a expectativa da ala moderada do governo, Bolsonaro não moderou o tom no discurso na ONU”. Sério que ainda tem gente para afirmar expectativas do gênero como se acreditasse nisso?

É assim que ditadores eleitos como Bolsonaro destroem a democracia desde dentro. Se os instrumentos democráticos e as instituições que os representam são incapazes de impedir alguém como Bolsonaro de discursar sem vacina, presencialmente, na ONU, para que servem? Do mesmo modo, se tudo o que as instituições brasileiras conseguem produzir são (mais) discursos sobre como Bolsonaro envergonha o país, em vez de usar os instrumentos democráticos previstos na Constituição para impedi-lo de seguir governando, para que servem, então?

Gostaria de afirmar que esse pesadelo acontece porque a democracia e suas instituições não previram criaturas como Bolsonaro, mas seria inaceitável ingenuidade sob qualquer ponto de vista, inclusive o histórico. Bolsonaro é produto das deformações de uma democracia que nunca alcançou as camadas mais desamparadas da população e é produto do cinismo do capitalismo liberal. A cena com Boris Johnson é um exemplo disso. Supostamente o primeiro-ministro britânico, um direitista caricato, teria dado um “puxão de orelhas” em Bolsonaro por não tomar vacina, mas é só jogo de cena. O que importa é que um sorridente BoJo apertou a mão de um sorridente Bolsonaro às vésperas da Cúpula do Clima de Glasgow, apesar de o presidente brasileiro estar levando a maior floresta tropical do planeta ao ponto de não retorno.

Bolsonaro está onde está porque as corporações e os governos que as representam ainda faturam e têm vantagens com ele na presidência. Bolsonaro está onde está porque grande parte do empresariado brasileiro, assim como dos especuladores, acredita que ainda pode obter mais lucro com ele no poder do que fora dele. Ao mostrar o dedo médio aos manifestantes contra Bolsonaro, Marcelo Queiroga afirmou a verdade mais profunda da Assembleia Geral da ONU. E agora o ministro da Saúde do país que beira os 600 mil mortos por covid-19 descansa em um hotel de luxo de Nova York enquanto faz quarentena por, claro, ter testado positivo para o vírus.

Assim caminha a democracia e seus pilares globais. E ainda há quem se surpreenda que morram, esquecendo-se que para morrer é necessário primeiro estar vivo.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de oito livros, entre eles ‘Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro’ (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-22/a-onu-e-o-mundo-se-ridicularizam-diante-de-bolsonaro.html


Elio Gaspari: Uma viagem ao Brasil do atraso

Nunca na história da República se viu coisa igual: o governo de Pindorama está com os dois pés fincados no atraso

Elio Gaspari / O Globo

Com cerca de 590 mil mortos e perto de 10% da população tendo sido infectada pelo coronavírus, o Brasil tem um presidente que não se vacinou, combateu o distanciamento e defendeu a cloroquina. Seu primeiro chanceler se orgulhou por ter colocado o país na condição de pária, os agrotrogloditas continuam derrubando as florestas, e o pelotão palaciano que relutou em reconhecer o resultado da eleição americana tornou-se uma sucursal do trumpismo eletrônico.

Nunca na história da República se viu coisa igual: o governo de Pindorama está com os dois pés fincados no atraso. Isso nunca aconteceu na República, mas no Império aconteceu, custando caro à terra das palmeiras onde canta o sabiá. Há ocasiões em que países decidem andar para trás. Quando isso acontece, uma névoa embaça a percepção. Só com o tempo é que as coisas ficam claras. É temerário pretender fixar num dia o triunfo da insensatez. Aqui vai uma tentativa para ilustrar o salto dado em direção ao atraso na manhã de 23 de fevereiro de 1843, quando começou a sessão do Senado do Império. Ele funcionava no prédio do campo de Sant’Anna, onde hoje está a Faculdade de Direito da UFRJ.

A sessão começou às 10h30m, e na ordem do dia estava o projeto do médico Thomas Cochrane para que o governo desse isenções tributárias e subscrevesse ações de uma companhia interessada em construir uma estrada de ferro que sairia do Rio de Janeiro em direção a São Paulo. A matéria havia sido aprovada na Câmara dos Deputados, mas fora rejeitada pela comissão da Fazenda do Senado.

(A primeira ferrovia dos Estados Unidos havia sido inaugurada em 1830, e desde 1840 lá existiam cerca de 4.500 quilômetros de trilhos.)

A proposta tomou chumbo. O senador Luiz José de Oliveira Mendes, futuro Barão de Monte Santo condenou-a:

“A ideia de estradas de ferro entre nós é uma daquelas apresentadas por especuladores que nenhuma intenção nem esperança têm de realizá-las. Ainda não temos estradas, nem de barro, como queremos pois fazer uma de ferro, e logo tão grande extensão!! Para passar por ela o quê? Quatro bestas carregadas de carvão, em um ou outro dia!!”

Especulador, talvez Cochrane fosse. Condenando o projeto, entraram dois gigantes da época, o senador Carneiro Leão, futuro Marquês do Paraná e Bernardo Pereira de Vasconcelos, grande jurista. Doente, comparecia às sessões em cadeira de rodas. Ambos defendiam as finanças da Coroa e condenavam a precariedade do projeto.

Bernardo apresentou argumentos técnicos e políticos.

Quanto à técnica: “Quero avaliar cada légua em mil contos de réis, porque são necessárias duas estradas, uma de vinda, e outra de volta.”

Coube ao pernambucano Holanda Cavalcanti corrigir a conta de Bernardo:

“O nobre senador baseia o seu cálculo em dois trilhos de ferro, na extensão de trinta léguas, e diz que são precisos 30 mil contos de réis; ora, e se eu lhe disser que podemos fazer a estrada em um só trilho?”

O líder conservador, pai do período que se denominou Regresso, achava que uma ferrovia precisava de dois pares de trilhos. Um para a ida, outro para a volta.

Quanto à política, Bernardo abriu a porteira de outro debate, pelo qual pretendia continuar a passar sua boiada:

“Eu, Sr. presidente, entendo que devemos cuidar de outros objetos e pôr de parte estes planos gigantescos; onde havemos ir procurar meios para estas despesas? Esperamos nós que o país vá em progresso hoje? (...) Não temos um grande obstáculo a isso na absoluta cessação do tráfico dos africanos? Há mais de um ano que não entra no Brasil um só africano...”

No plenário riu-se. Um senador lembraria depois que naquele ano entraram 17 mil negros escravizados. Outro corrigiria: “Muito mais, entraram pelo menos 50 mil.”

À época discutiam-se o valor de um tratado assinado com a Inglaterra pelo qual o Império havia se comprometido a acabar com o tráfico de negros escravizados e trazidos da África. Uma lei de 1831 dizia que seriam livres os africanos que desembarcassem no Brasil. Diversos senadores tratavam o tráfico pelo nome: “contrabando”.

O regresso prevaleceu. O projeto da ferrovia de Cochrane acabaria rejeitado, e a primeira locomotiva só circularia no Brasil em 1854, quando os Estados Unidos tinham cerca de 15 mil quilômetros de trilhos.

Bernardo leva sua boiada

Semanas depois da sessão de 23 de fevereiro, Bernardo Pereira de Vasconcelos refinou sua argumentação negreira. No dia 25 de abril, afirmou: “A África tem civilizado a América”.

A frase chocou e nos dias seguintes ele a elaborou, valendo-se do exemplo dos Estados Unidos: “Os africanos têm contribuído para o aumento, ou têm feito a riqueza da América; a riqueza é sinônimo de civilização no século em que vivemos; logo a África tem civilizado a América, que ingrata não reconhece esse benefício.”

O fim do contrabando de africanos escravizados só aconteceu em 1850, quando a frota inglesa começou a bloquear os portos brasileiros.

A escravidão só acabou em 1888. Os Estados Unidos tinham mais de 320 mil quilômetros de ferrovias.

E que rumo tomou Bernardo Pereira de Vasconcelos? Quebrou a perna em dezembro de 1843, continuou defendendo o contrabando de escravizados e vivia bem.

Em abril de 1850, o Rio teve o que poderia ter-lhe parecido uma “febrezinha” e continuou indo ao Senado, onde discursou:

“Eu também estou persuadido de que se tem apoderado da população do Rio de Janeiro um terror demasiado, que a epidemia não é tão danosa como se têm persuadido muitos; não é a febre amarela a que reina.”

A 1º de maio, morreu, de febre amarela.

O ministro inglês no Rio anotou:

“Sua morte removerá um dos principais obstáculos para a supressão do comércio de escravos neste país.”

No dia 13 de agosto, o Senado aprovou o projeto que proibia o contrabando de escravizados.

Serviço: Bernardo vive

Os Anais do Senado do Império estão na rede.

Quem quiser pode ler todos os debates.

Vale a pena, até mesmo para se ver o tempo que os doutores perdiam discutindo pensões e prebendas para a turma do andar de cima.

Boa parte do tempo da sessão de 23 de fevereiro de 1843, quando Bernardo atirava contra a ferrovia de Cochrane foi consumido na discussão de pensões.

Às duas da tarde os senadores foram almoçar.

Saída de emergência

Mesmo que não tenha sido essa sua intenção, o ministro Paulo Guedes criou uma saída de emergência para Jair Bolsonaro ao dizer, com toda razão, que a instituição do mecanismo da reeleição foi “o maior erro político que já aconteceu no país”.

Durante a campanha de 2018, Bolsonaro condenou esse instituto e prometeu que não disputaria a reeleição. Agora, com 53% de desaprovação no Datafolha, se quiser, pode sair do páreo. Poderá apresentar um projeto de emenda constitucional acabando com a reeleição a partir de 2026.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/elio-gaspari-uma-viagem-ao-brasil-do-atraso-25203483


CPI ouve Marconny Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos

A CPI da Pandemia se reúne para ouvir o depoimento do advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos. Ele terá de explicar a troca de mensagens no aplicativo WhatsApp e arquivos de mídia vinculados aos diálogos, fruto da Operação Hospedeiro. A justiça atendeu o pedido, feito pela comissão, de mandado de condução coercitiva, se Marconny não comparecer, nem justificar “a ausência ao ato de inquirição designado”.

Assista:



Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/ao-vivo/cpi-da-pandemia


'Presidente já esperava', diz Mourão sobre devolução da MP do Marco Civil

Presidente do Senado oficializou devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais

Ingrid Soares / Correio Braziliense

O vice- presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou nesta quarta-feira (15/9) que o presidente Jair Bolsonaro já esperava que a Medida Provisória que alterava o Marco Civil da Internet fosse devolvida. "Presidente já esperava isso aí. Então, sem problemas”, alegou a jornalistas na chegada ao Palácio do Planalto.

"Pelo que eu avaliei, não vi o presidente tão empenhado nisso aí. Não sei quais foram os movimentos que foram feitos, quais foram as mensagens trocadas. Não posso esclarecer isso aí pra vocês, tá?", completou.

Na noite de terça-feira (14), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), oficializou a devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais. A decisão foi comunicada ao Palácio do Planalto e lida por Pacheco no plenário do Senado.

Na decisão, Pacheco afirmou que a MP gera insegurança jurídica e configura um "abalo" ao desempenho das funções do Congresso. O presidente do Senado citou a tramitação de um projeto de lei sobre o tema aprovado no Senado e aguardando votação na Câmara. O senador também citou que a MP de Bolsonaro impacta diretamente no processo eleitoral.

Ainda ontem, durante cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro defendeu a MP e afirmou que "fake news faz parte da nossa vida". Ele ainda comparou a prática de disparo de notícias enganosas a 'mentir para a namorada'. Ao contrário do fenômeno de alto compartilhamento de notícias falsas, presidente alegou que "hoje em dia, fake news morre por si só. Não vai para a frente".

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4949607-presidente-ja-esperava-diz-mourao-sobre-devolucao-da-mp-do-marco-civil.html


Elena Landau: ‘Queremos achar convergência política diante do descalabro’

Ex-diretora do BNDES defende alternativa à polarização e diz que empresários ‘caíram no conto’ de Paulo Guedes

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

Uma das integrantes da linha de frente do grupo 'Derrubando Muros', a economista e colunista do Estadão Elena Landau comandou nesta terça-feira, 14, um seminário sobre reforma do Estado do qual também participaram ou participarão outros expoentes de sua geração da PUC-Rio: Armínio Fraga, Pérsio Arida André Lara Resende (o evento continua nesta quarta-feira). Autointitulado uma "iniciativa cívica", o movimento tem 92 integrantes, entre empresários, banqueiros, políticos, economistas e intelectuais de várias áreas. O objetivo é buscar pontos de convergência e criar pontes em torno de um objetivo comum: combater o presidente Jair Bolsonaro.        

Elena Landau ganhou notoriedade nos anos 1990, por colaborar com o Programa Nacional de Desestatização. Em 1994, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ela se tornou diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Ali permaneceu até 1996. Também passou pelo conselho administrativo da Eletrobrás.Nessa entrevista ao Estadão, a economista fala sobre os pontos que podem unir a terceira via. Ela critica duramente o ministro da Economia, Paulo Guedes, que considera “sem noção de realidade”.

Quais propostas econômicas unem a terceira via que vai de Ciro Gomes a João Amoêdo?

O Estado que a gente pensa é progressista, liberal, inclusivo e sustentável. Isso é fácil de a gente discutir. O grande problema é chegarmos a uma convergência sobre os meios de chegar lá. Esse é o desafio do seminário: um mínimo de convergência, não só na economia, mas na política também. A minha visão de Estado vai ser diferente da do Ciro, evidentemente. Um é mais intervencionista, eu sou mais liberal. Temos que achar algum tom de convergência. A ideia (de criar o grupo 'Derrubando Muros') é mais política e institucional diante desse descalabro que estamos vivendo. 

É possível encontrar pontos de convergência na economia com o PT e estar ao lado do partido se o adversário for Borsonaro no segundo turno?

É muito cedo para pensar nesse tipo de coisa. O Derrubando Muros é uma tentativa de construir uma terceira via. Não vou antecipar o segundo turno neste momento. A gente está trabalhando, quando chegar a hora vamos decidir o voto.    

Como avalia a estratégia de privatizações do governo Bolsonaro? Até onde devem ir as privatizações? 

Este governo não está fazendo privatização nenhuma por enquanto. Ele conseguiu autorização do Congresso Nacional para a privatização da Eletrobrás, que saiu muito ruim, e tem outro projeto para os Correios. A minha visão é que se deve privatizar tudo aquilo que o setor privado pode assumir, incluindo os Correios. Sou radicalmente a favor das privatizações, mas o que deve ser um pressuposto de todos no grupo é a responsabilidade fiscal. Prometer responsabilidade fiscal é o mesmo que prometer ser honesto: isso é pressuposto. Sem ele não há responsabilidade social. Não dá para dissociar uma coisa da outra. 

Qual deve ser o papel do Estado na recuperação e no crescimento da economia?

O Estado deve permitir que o setor privado floresça. Tem que dar segurança jurídica, uma boa regulação, fiscalização e respeitar os contratos. Uma coisa importante para ser discutida no grupo são evidências em políticas públicas. Sair do desejo e ver o que deu certo e o que deu errado no Brasil. Todas as políticas de grande intervenção geraram inflação e desemprego.  Temos que ver também o que deu errado: intervenção em juros e no câmbio não dá certo. O Brasil melhorou com o tripé econômico, a flutuação do câmbio e o Banco Central independente. Essas coisas devem ser defendidas, pois passaram por vários governos, independente da ideologia. Imagine se o Banco Central não fosse independente nesse momento?

Vários empresários, banqueiros e pessoas do mercado financeiro estiveram na Avenida Paulista no domingo na manifestação contra Bolsonaro. A ficha caiu?

Não faço parte do mercado financeiro, mas alguns apoiaram Bolsonaro no passado porque eram anti-PT ou caíram no conto do Paulo Guedes. Não é só a questão econômica que importa. Há uma crise institucional muito grave. A defesa das instituições democráticas é a pauta mais importante do Brasil. Isso está unindo os empresários de consciência. Sem democracia não tem mercado nem economia. 

Qual a sua avaliação sobre o desempenho do Paulo Guedes?

É a mesma avaliação de sempre, de 30 anos atrás, 2018 e hoje. Ele é uma pessoa completamente inábil e sem nenhuma noção da realidade. É um economista de palestra. Nada do que está acontecendo me surpreendeu.  

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,queremos-achar-convergencia-politica-diante-do-descalabro-diz-landau-sobre-terceira-via,70003840305

      


'Bolsonaro ameaça pilares da democracia', diz Human Rights Watch

Presidente afronta o direito ao voto, viola a liberdade de expressão e o sistema democrático de freios e contrapesos, afirma ONG

DW Brasil

"Há um padrão de ações e declarações do presidente que parecem destinadas a enfraquecer os direitos fundamentais, as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil", afirma HRW

Com suas tentativas de intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF), ataques ao sistema eleitoral e violações da liberdade de expressão de críticos, o presidente Jair Bolsonaro ameaça os pilares da democracia brasileira, afirmou a ONG Human Rights Watch (HRW) em texto divulgado nesta quarta-feira (15/09), data em que se comemora o Dia Internacional da Democracia.

Citando como exemplo os recentes discursos de Bolsonaro em atos pró-governo no feriado de 7 de Setembro– em que mais uma vez fez ameaças ao STF e lançou dúvidas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral, sem apresentar provas –, a HRW aponta haver "um padrão de ações e declarações do presidente que parecem destinadas a enfraquecer os direitos fundamentais, as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil".

José Miguel Vivanco, diretor de Américas da Human Rights Watch, afirma que "o presidente Bolsonaro, um apologista da ditadura militar no Brasil, está cada vez mais hostil ao sistema democrático de freios e contrapesos".

"Ele está usando uma mistura de insultos e ameaças para intimidar a Suprema Corte, responsável por conduzir as investigações sobre sua conduta, e com suas alegações infundadas de fraude eleitoral parece estar preparando as bases para tentar cancelar as eleições do próximo ano ou contestar a decisão da população se ele não for reeleito", diz.

Ataques ao STF

A HRW aponta que o STF se tornou "um dos principais freios das políticas anti-direitos humanos de Bolsonaro" e que o presidente tem respondido com insultos e ameaças.

Novamente citando os discursos de Bolsonaro no 7 de Setembro, quando o presidente voltou a adotar um tom golpista, a ONG chama atenção para as investidas de Bolsonaro contra o Supremo, que recentemente prendeu vários de seus aliados e tem tomado algumas iniciativas para impedir que o governo tumultue as eleições de 2022.

Bolsonaro chegou a mencionar pelo nome o ministro Alexandre de Moraes, seu desafeto na Corte e responsável por inquéritos que afetam bolsonaristas. "Ou esse ministro se enquadra ou ele pede pra sair", afirmou. "Não vamos admitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a violar nossa democracia."

"O presidente Bolsonaro frequentemente afirma defender a ‘democracia', mas suas declarações levantam dúvidas sobre o que ele entende por democracia", afirma a Human Rights Watch.

Também no 7 de Setembro, Bolsonaro afirmou, em recado direto ao presidente do STF, Luiz Fux, que se ele não "enquadrasse" Moraes, o Judiciário poderia "sofrer aquilo que nós não queremos", sem explicar o que isso significaria, destacou a HRW.

Dois dias depois, Bolsonaro divulgou uma "Declaração à Nação", em tom de recuo tático após a má repercussão de suas falas, que tiveram consequências negativas até mesmo na economia.

"Após inúmeras críticas nacionais e internacionais sobre seus posicionamentos, o presidente Bolsonaro disse em uma declaração escrita que nunca teve a intenção de ‘agredir quaisquer Poderes'. Mas ele não recuou em relação à afirmação infundada de que o sistema eleitoral brasileiro não é confiável, como repetiu em 7 de setembro", diz a HRW.

Ameaças às eleições

Em relação às investidas de Bolsonaro ao sistema eleitoral, a Human Rights Watch cita a decisão de Moraes de incluir, em 4 de agosto, Bolsonaro como investigado no inquérito sobre fake news e atos democráticos que já tramitava na Corte.

A decisão foi tomada em resposta a um pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que o presidente fosse investigado devido ao conteúdo de uma live em que exibiu teorias falsas, cálculos equivocados e vídeos antigos, já verificados e desmentidos, mas que ainda circulam na internet, como supostas evidências de fraude no sistema eleitoral.

A HRW destaca que, ao ser informado da decisão de Moraes, Bolsonaro ameaçou reagir "fora das quatro linhas" da Constituição e, dias depois, encaminhou ao Senado um pedido de impeachment do ministro.

"As ameaças do presidente Bolsonaro de cancelar as eleições e agir fora da Constituição em resposta às investigações contra ele são imprudentes e perigosas", afirma Vivanco. "A comunidade internacional deve mandar uma mensagem clara ao presidente Bolsonaro de que a independência do Judiciário significa que os tribunais não estão sujeitos as suas ordens."

A ONG cita ainda o fato de que o Congresso rejeitou a proposta de voto impresso e que, "ainda assim, em 7 de setembro, o presidente deu a entender que as eleições não podem ser realizadas a menos que as mudanças que ele defende sejam implementadas".

"Essa ameaça é uma afronta ao direito dos brasileiros de eleger seus representantes, o que é protegido pela legislação internacional de direitos humanos", diz a Human Rights Watch.

Violações da liberdade de expressão

A HRW afirma ainda que Bolsonaro tem violado a liberdade de expressão, "vital para uma democracia saudável", ao bloquear seguidores que o criticam nas redes sociais.

Além disso, "seu governo requisitou a instauração de inquéritos criminais contra pelo menos 16 críticos, incluindo jornalistas, professores universitários e políticos”, aponta a HRW. "Mesmo que muitos desses casos tenham sido arquivados sem denúncias, as ações do governo mandam a mensagem de que criticar o presidente pode levar à perseguição", diz a ONG.

A HRW destaca que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificado pelo Brasil, inclui o direito ao voto e à liberdade de expressão. A independência do Judiciário também está protegida pelo direito internacional por meio Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Independência do Judiciário, cita a ONG.

Fonte: DW Brasil


Rosângela Bittar: Os mitos do mito Jair Bolsonaro

Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças do presidente

Rosângela Bittar / O Estado de S. Paulo

Ruíram os mitos que sustentavam a imagem popular de Jair Bolsonaro e que ele usava como argumento de força para ser reconhecido, desde já, presidente vitalício do Brasil. Sem passar por nova eleição.

Bolsonaro havia feito crer que, com seus poderes extraordinários de cavaleiro do apocalipse, daria voz de comando ao Judiciário, ao Legislativo, às espadas e aos fuzis. Imaginava-se, no mínimo, que o País se encaminhava para um golpe. Tal como expresso nas faixas exibidas por seus eleitores que foram às ruas para apoiá-lo: intervenção militar e novo AI-5. A senha do golpe já estava registrada, poderia até ser o insulto violento ao ministro Alexandre de Moraes (STF), que nomeou seu algoz, proferido nos microfones do palanque.

O governo jamais desfez esta impressão, dominante entre seus apoiadores, inclusive.

Antes mesmo do 7 de Setembro, esfumaçaram-se alguns desses mitos. A elite do agronegócio, por exemplo, ao defender a democracia, mostrou que o bolsonarismo radical, em seu meio, é restrito. O sistema financeiro garantiu, de papel passado, a Constituição e suas instituições democráticas. Os poderes Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças de destruição feitas pelo presidente da República e seus porta-vozes.

Restava a expectativa sobre de onde viria, então, o primeiro tiro, uma vez que o apoio armado a Bolsonaro não se mostrava ostensivo.

Ao descer, trêmulo, do palco do comício que fez em São Paulo, Bolsonaro mostrou que a manipulação que faria das polícias militares, do Exército Nacional, do Ministério Público e da Polícia Federal tornara-se, sem que percebesse, um sonho impossível.

O domínio discricionário das Forças Armadas, o mais temido dos mitos que cercam o poder de Bolsonaro, nem sequer foi tentado. O Exército não se afastou um milímetro do seu papel constitucional. Os generais em evidência na cúpula presidencial saíram silenciosos da refrega que promoveram na data nacional. Já pequenos, reduziram-se mais.

O País deve observar, na sequência, a descompressão forçada do presidente sobre os comandantes militares de tropa. Poderão estas forças, também, reagir com mais firmeza ao não atender a pedidos de atuação política fora de seus regulamentos, insistentemente feitos pela Presidência e pelo atual Ministério da Defesa.

O apreço dos militares por Bolsonaro permanece elevado. A ele reservam lealdade, respeito à hierarquia e disciplina. E esperam que o presidente faça o mesmo e tenha se convencido de que cumprirão com rigor suas funções, catálogo em que não está previsto o golpe.

Outro mito cuja ausência as manifestações revelaram foi o de controle total das polícias militares, sobre quem, inclusive, Bolsonaro patrocina legislação para torná-las submissas ao comando federal. Nenhuma PM descumpriu ordem de seu governador.

As manifestações apontaram ainda que a Polícia Federal são muitas e nem todas estão sob as ordens diretas de Jair Bolsonaro. Cada delegado é um poder. O presidente domina alguns deles. Não todos. Estão conduzindo inquéritos e fazendo prisões de amigos, parlamentares aliados e cúmplices. O “meu pessoal”, como Bolsonaro os define.

O Ministério Público, outro mito da aliança incondicional, nutrido no comportamento dúbio do procurador Augusto Aras, não está agindo como esperado. Até Aras, e não apenas os demais integrantes da instituição, tem contrariado os caprichos do presidente. Bolsonaro, até hoje, quase três anos de mandato, ainda não entendeu a natureza das funções presidenciais que deveria exercer.

À medida que caíram da mitologia da força irresistível de Jair Bolsonaro, estas instituições cresceram tanto quanto se fortaleceu o Supremo Tribunal Federal. Alvo principal dos tiros de Bolsonaro que, por enquanto, só têm saído pela culatra.


Fusão PSL-DEM cria maior força de direita na Câmara em 20 anos

Cúpulas dos dois partidos tentam definir fusão até o fim do mês, mas ainda há resistências entre integrantes do DEM

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Prestes a ser oficializada, a fusão entre DEM e PSL deve criar uma megapotência partidária. A nova legenda deve nascer com 81 deputados federais e conquistar o posto de maior bancada na Câmara, com força para decidir votações importantes e ter peso significativo num eventual processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Será a primeira vez em vinte anos que a direita reúne tantos parlamentares em uma única agremiação. A última vez foi no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando o PFL (atual DEM) elegeu 105 representantes.

Caso a nova sigla seja concretizada, vai desbancar o PT, que desde 2010 lidera o ranking de maiores bancadas na Câmara. Em 2018, foram 54 petistas eleitos. Hoje, o partido tem 53 deputados, empatado com o PSL. Mesmo que com a fusão parlamentares bolsonaristas deixem o novo partido, como esperado, a sigla ainda sem nome seguirá com o maior número de deputados.

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A ideia dos dirigentes de PSL e DEM é usar esta megaestrutura que está sendo formada para atrair uma candidatura à Presidência em 2022 capaz de rivalizar com Bolsonaro e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Além de maior partido da Câmara, a nova legenda deve controlar três Estados, favorecendo a formação de palanques regionais nas disputas eleitorais. Hoje, o PSL governa Tocantins, com Mauro Carlesse, e o DEM administra Goiás, com Ronaldo Caiado, e Mato Grosso, com Mauro Mendes. Até recentemente, o PSL também administrava Santa Catarina, com Carlos Moisés, mas o governador, eleito com apoio de Bolsonaro, saiu da legenda e segue sem partido. Hoje, a sigla com maior número de governadores é o PT, com quatro representantes (BA, CE, PI e RN).

O novo partido, que ainda não tem nome definido, também deve ser o mais rico de todos. Terá perto de R$ 158 milhões por ano de fundo partidário, dinheiro público que abastece as legendas para gastos que vão de aluguel de sede, pagamento de salários, aluguel de jatinhos, entre outros. Em comparação, o PT ganhou R$ 94 milhões dessa verba pública este ano.

A sigla que sairá da fusão DEM-PSL receberá ainda, no que ano vem, a maior fatia do fundo eleitoral, cujo valor ainda deve ser fixado pelo Congresso, mas, provavelmente, será superior a R$ 2,1 bilhões. Se considerada a soma dos valores de 2020 dos fundos eleitoral e partidário, o novo partido teria R$ 478,2 milhões, à frente do PT, que ficou com R$ 295,7 milhões somando as duas fontes de dinheiro público. 

A união é vantajosa para o DEM por causa do aumento do fundo partidário. Para o PSL, os principais atrativos são a capilaridade regional e estrutura que a outra sigla pode oferecer. 

No Senado, a alteração não seria significativa, pois o PSL acrescentaria apenas mais uma parlamentar – a senadora Soraya Thronicke (MS) – à bancada de seis senadores do DEM. 

O partido resultante da fusão terá ainda 554 prefeitos, 130 deputados estaduais e 5.546 vereadores, segundo o número de eleitos nos últimos pleitos para os respectivos cargos. 

Seguidores de Bolsonaro vão desembarcar

Apesar da perspectiva de crescimento e de ser o maior partido do País, os articuladores da fusão já esperam dissidências. Pela legislação, o político pode sair de uma legenda sem perder o mandato em caso de fusão. A previsão é de que 25 dos atuais 53 deputados do PSL, ligados ao presidente Jair Bolsonaro, devem desembarcar na nova legenda. Também são esperadas as saídas de aliados de Bolsonaro no DEM. É o caso do ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni.

O processo que pode levar à fusão dos dois partidos tem avançado. Dentro do PSL a união já é dada como certa e esperam anunciá-la em 21 de setembro. Mas a possibilidade de fusão desagrada uma parte do DEM.

Na primeira demonstração pública de atuação conjunta, os dois partidos divulgaram uma nota com críticas a Bolsonaro. Após os ataques do presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos atos governistas de 7 de Setembro, DEM e PSL afirmaram que repudiam "com veemência" o discurso de Bolsonaro "ao insurgir-se contra as instituições de nosso País".

O texto gerou insatisfação em parte do DEM. Onyx, que é deputado licenciado pelo DEM do Rio Grande do Sul, afirmou, por meio de vídeo divulgado nas redes sociais, que a nota não o representa. Disse ainda que a nova legenda "talvez nasça grande", mas, "ao final do ano que vem, se não mudarem seu comportamento, serão um partido nanico".

O PSL também está dividido em relação ao governo de Bolsonaro. A ala governista vai desembarcar do partido quando o presidente decidir por qual legenda concorrerá à reeleição em 2022. Bolsonaro está sem partido desde o fim de 2019, quando rompeu com o PSL.

Em Pernambuco, o ex-ministro da Educação e presidente do DEM no Estado, Mendonça Filho, critica fusão. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Fusão enfrenta resistências no DEM do Rio e de Pernambuco

Estadão apurou que há também conflitos no DEM do Rio. Lá, o deputado Sóstenes Cavalcante comanda provisoriamente o diretório estadual. Trabalha para ficar com o comando permanente.

O DEM resolveu fazer uma intervenção federal no Estado para retirar o ex-prefeito e  vereador Cesar Maia da presidência estadual. O movimento aconteceu após a saída do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, filho de Cesar, da legenda. Se for concretizada a fusão, o controle do diretório do Rio ficará com quem hoje está no PSL. Isso atrapalhará os planos de Sóstenes Ele já avisou a aliados que não aceita a fusão. 

Em Pernambuco, o ex-ministro da Educação e presidente do DEM no Estado, Mendonça Filho (DEM), também apresenta resistências.

"A minha preocupação é com a governança, como o partido vai se estabelecer, de que forma vai harmonizar os interesses regionais, nomes históricos do partido em posições regionais", disse Mendonça ao Estadão

Na mesma linha do que disse Onyx, o ex-ministro de Michel Temer (MDB) afirmou que a união não necessariamente vai se traduzir em um partido grande.

"Não adianta você compatibilizar excluindo. Em política, muitas vezes a soma de um conjunto de forças significa subtração. O que eu entendo é que a gente tem de ter como objetivo uma soma que de fato adicione", declarou.

Conterrâneo do presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar, Mendonça ressaltou que "respeita a figura de liderança" do dirigente partidário. Pregou, porém, que a discussão seja feita com calma. "Respeito todos os líderes que têm, com a melhor das intenções, tracionado uma maior celeridade nesse processo. Peço calma, paciência e que sejam cumpridas as etapas de uma discussão amadurecida", declarou.

Bivar, Rueda e ACM Neto dividirão comando

Detalhes como nome e número da nova sigla ainda não estão definidos. A operação tem como principais articuladores Luciano Bivar, o vice-presidente do PSL, Antonio Rueda, e o presidente do DEM, ACM Neto. Bivar deve ser o presidente do novo partido, Rueda deve ficar com a vice-presidência e Neto, com a secretaria-geral. 

Mesmo com o desembarque da ala bolsonarista do PSL, o novo partido nasceria com o maior tempo de rádio e televisão e o maior Fundo Partidário. No entanto, críticos da fusão afirmam que o crescimento só poderia ser dimensionado de verdade após o resultado das eleições de 2022, quando novas bancadas serão eleitas para o Congresso. A composição do fundo pode mudar drasticamente caso o novo partido não consiga manter o tamanho resultante da fusão.

O presidente do DEM, ACM Neto, quer ajustar a união internamente na sigla até o fim deste mês. Aliado do presidente do partido, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) avalia que a fusão deve mesmo acontecer.

"Grandes chances. Está bem avançado", declarou Nascimento.

Apesar das resistências no DEM, a fusão tem o apoio de Neto e também do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que diz que o processo "leva tempo", mas é "possível". Quando lhe foi perguntado sobre a data de 21 de setembro, citada por integrantes do PSL como anúncio da fusão, Mandetta disse: "Talvez um anúncio político, mas leva bem mais tempo (para definir totalmente a fusão)".

O ex-ministro tem articulado a sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto. Pelo lado do PSL, o pré-candidato é o apresentador José Luiz Datena. Embora não fale sobre o assunto publicamente, outro nome que é citado como opção para 2022 é o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O senador é cobiçado pelo PSD, pode acabar saindo do DEM para ir para a legenda presidida por Gilberto Kassab.

A fusão também é usada como uma estratégia para manter Pacheco no DEM. O presidente do Senado participou de algumas reuniões para tratar da união dos partidos. 

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,psl-e-dem-podem-formar-megapartido-com-maior-bancada-da-camara-e-igualar-pt-em-governadores,70003839923


Luiz Carlos Azedo: Oposição é forte, mas dividida

O PT não facilitará a vida de nenhum candidato de oposição. Pelo contrário, tentará mostrar nas próximas manifestações que é a única força capaz de derrotar Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Baziliense

Convocados por dois grandes movimentos cívicos que emergiram a partir das manifestações de junho de 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR ( Vem Pra Rua), os protestos de domingo passado receberam a adesão dos partidos de oposição moderada e alguns pré-candidatos a presidente da República, como o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o governador paulista João Doria (PSDB), a senadora Simone Tebet (MDB), o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e o ex-candidato a presidente da República João Amoedo (Novo). O PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o PSol boicotaram os atos, que nem de muito longe tiveram a força das mani- festações realizadas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, no Dia da Independência, 7 de setembro. Por quê?

Não existe um motivo apenas. Sem hierarquizar, podemos enumerar alguns, a começar pelo fato de que os organizadores do evento fizeram tudo o que podiam para restringir a presença dos partidos de esquerda, inclusive proibindo bandeiras vermelhas. De outra parte, não havia também nenhuma grande motivação por parte desses partidos para partici- par de um evento no qual a palavra de ordem “Nem Bolsonaro nem Lula” era, literalmente, o pano de fundo. Mas essa foi uma disputa de bastidores da organização do evento. Com a ressalva de que toda manifestação em defesa da democracia deve ser saudada, uma avaliação serena leva à inevitável conclusão de que as ambições de seus organizadores foram frustradas. Não por acaso, o presidente Jair Bolsonaro disse que seus opositores “são dignos de dó, de pena”, na manhã de ontem, à saída do Palácio da Alvorada.

A divisão entre as forças de oposição é mais profunda. Todos estão de acordo com o #ForaBolsonaro, mas o mesmo não ocorre em relação ao impeachment do presidente da República, principalmente de parte do PT. A avaliação da cúpula do partido é de que o ex-presidente da República está quase com o caneco na mão, o negócio é não fazer muita marola e chegar à campanha eleitoral de 2022. Faz sentido, embora seja inconfessável, os petistas serem contra o impeachment de Bolsonaro. Primeiro, por causa da turbulência política e dos riscos de a radicalização isolar a legenda; segundo, porque Bolsonaro
fora da disputa abre espaço para que um candidato de perfil mais moderado ocupe o centro político e receba os votos conservadores por gravitação.

Todos os pré-candidatos que subiram no carro de som dos protestos da Avenida Paulista sonham com Bolsonaro de fora do segundo turno das eleições, em razão do favoritismo de Lula. É da lógica das disputas eleitorais em dois turnos que a segunda vaga ser disputada com chutes nas canelas e dedos nos olhos entre os que seguem o líder. As pesquisas indicam ser mais fácil tomar a vaga de Bolsonaro do que a de Lula. Nove entre 10 analistas avaliam que Bolsonaro perdeu as condições de se reeleger. Entretanto, se outro candidato chegar ao segundo turno contra Lula, o petista pode ser derrotado. Por essa razão, o PT não facilitará a vida de nenhum candidato de oposição. Pelo contrário, tentará mostrar nas próximas manifestações que é a única força capaz de derrotar Bolsonaro.

Resistência institucional

É um erro comparar as manifestações golpistas do dia 7 de setembro com as de domingo para avaliar a capacidade de resistência da democracia aos arroubos autoritários de Bolsonaro. A comparação, porém, serve para demonstrar que não foram os partidos de oposição que barraram a ofensiva antidemocrática. O presidente da República foi obrigado a recuar devido à força das instituições republicanas, principalmente os demais Poderes, sob a liderança do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro também não tem o apoio das Forças Armadas para dar um golpe de Estado, como ficou evidente na semana passada. A alta burocracia federal, principalmente nas carreiras típicas de Estado, tem verdadeira ojeriza ao estilo de gestão adotado pelo presidente da República.

Voltemos ao começo. As manifestações de domingo mostraram que os chamados movimentos cívicos perderam força, como normalmente acontece com as correntes de opinião pública que surgem nas crises, quando suas organizações e lideranças se institucionalizam. Esses movimentos tiveram um caráter antissistema, ou seja, “contra tudo o que está aí”, no impeachment de Dilma Rousseff. Porém, nas eleições de 2018, sua base mais conservadora foi capturada por Bolsonaro, que as transformou em redes de apoio na internet. Os setores mais moderados, identificados com as ideias e propostas de caráter liberal ou social-democrata, que se deslocaram do bolsonarismo, estão diante de um problema que os movimentos cívicos, por sua natureza, não podem resolver sem os partidos de oposição: encontrar um candidato para chamar de seu.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-oposicao-e-forte-mas-dividida

STF e Congresso enterram tentativa de Bolsonaro de limitar combate às fake news

Devolução de Medida Provisória, como a do Senado, é ato contundente contra governos frágeis

Afonso Benites / El País

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional impuseram nesta terça-feira uma previsível derrota ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Exatamente às 19h47, a ministra do STF Rosa Weber publicou no sistema da corte a decisão em que suspendia a tramitação da Medida Provisória 1.068. A medida foi publicada por Bolsonaro um dia antes das manifestações em que seus apoiadores atacaram o STF, e alterava o Marco Civil da Internet para dificultar a remoção de conteúdos que disseminam desinformação e discurso de ódio nas redes sociais. No mesmo momento em que a decisão de Weber era registrada, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), iniciava a leitura do ato em que oficializou a devolução dessa mesma medida provisória para o Executivo. Na prática, as mudanças determinadas por Bolsonaro deixam de existir.

A devolução de uma MP não é um ato político banal. Pelo contrário, é algo considerado forte e excepcional. Ocorre quando os legisladores notam que não há urgência ou relevância para se debater um tema proposto pelo Palácio do Planalto —mas principalmente quando o presidente da República passa por um momento de fragilidade. Bolsonaro está em um dos piores períodos de seu Governo, com a popularidade em decadência e ainda sob o efeito do recuo que foi obrigado a fazer para se manter no cargo. O presidente do STF sugeriu que ele cometera crime de responsabilidade ao anunciar que não cumpriria mais decisões assinadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Em sua decisão, Weber disse que não havia urgência nem relevância na MP de Bolsonaro, que a edição da medida traria uma insegurança jurídica e que “estamos diante de hipótese na qual o abuso do poder normativo presidencial está, aparentemente, configurado”. “A propagação de fake news, de discursos de ódio, de ataques às instituições e à própria democracia, bem como a regulamentação da retirada de conteúdos de redes sociais consubstanciam um dos maiores desafios contemporâneos à conformação dos direitos fundamentais”, diz a ministra em sua decisão. A magistrada ainda ressaltou a responsabilidade do Estado brasileiro na garantia da liberdade de expressão. “A cidadania somente pode ser exercida de forma livre, desinibida e responsável quando asseguradas determinadas posições jurídicas aos cidadãos em face do Estado”.

O presidente do Senado também mencionou a insegurança jurídica ao devolver a MP. No entendimento dele, há um “prazo exíguo para adaptação e com previsão de imediata responsabilização pela inobservância de suas disposições, gera considerável insegurança jurídica aos agentes a ela sujeitos”. Segundo Pacheco, “a mera tramitação da Medida Provisória nº 1.068 de 2021 já constitui fator de abalo ao desempenho do mister constitucional do Congresso Nacional”.

A mudança no Marco Civil da Internet foi publicada no dia 6 de setembro, na véspera do ato radical promovido pelo presidente que, entre outras coisas, pedia o fechamento do Supremo. Naquela ocasião, em meio a um embate com a corte, Bolsonaro pretendia animar seus apoiadores radicais, que frequentemente divulgam fake news na internet.

Fake news faz parte da nossa vida”

O freio ao presidente ocorre no dia em que ele voltou a defender a disseminação de desinformação, desta vez em um discurso oficial no Palácio do Planalto. “Fake news faz parte da nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha pra namorada?”, afirmou em tom jocoso durante discurso na cerimônia de entrega do Prêmio Marechal Rondon de Comunicações.

Ao mesmo tempo, o presidente amenizou os ataques que tem feito aos outros Poderes. “O que seria do Executivo sem o Senado? Sem a Câmara? E também, por que não dizer, em muitos momentos, sem o nosso Supremo Tribunal Federal? Nós somos um só corpo. O nosso bom entendimento, alegria do nosso povo”, disse o presidente durante a cerimônia. O tom dava prosseguimento à Declaração à nação publicada no último dia 9, na qual recuou dos ataques que vinha fazendo ao STF.

Bolsonaro disse ainda nesta terça que seu tom antidemocrático, com o qual ameaçou descumprir decisões judiciais e xingou Alexandre de Moraes de canalha, foi um equívoco. “Quem nunca errou no palavreado? Às vezes, custa caro para a gente, mas é melhor viver. Assim como a imprensa, né? É melhor viver assim, em liberdade, do que não ter liberdade. Não tem como nós não acreditarmos no futuro dessa nação, tendo aí o Legislativo, tendo o Judiciário, cada vez se entendendo mais para o bem comum de todos nós”.

A aparente moderação de Bolsonaro tem uma razão. Após o 7 de Setembro, ele sentiu que crescia entre o Congresso e o Judiciário uma barreira aos seus atos. Em última instância, issopoderia resultar em seu impeachment. Neste momento, essa ainda é uma hipótese remota. Mas isso não significa que os outros poderes estejam dispostos a colaborar com as agendas do presidente, como ficou claro nesta terça-feira.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-15/stf-e-congresso-enterram-tentativa-de-bolsonaro-de-facilitar-desinformacao-nas-redes-sociais.html


Cristovam Buarque: Espantos brasileiros, abismos históricos

Aos estrangeiros causa espanto que, 132 anos depois, temos 12 milhões de adultos que não sabem ler a própria bandeira

Cristovam Buarque / Correio Braziliense

Durante 350 anos, os estrangeiros se espantaram com a escravidão e com o fato de os brasileiros não se espantarem com o tratamento dado aos escravos. Se um visitante comentasse o assunto, o brasileiro branco diria: “São negros”. Passados 133 anos da Abolição, se algum estrangeiro comenta a má educação recebida por alunos das escolas públicas, ouve como resposta: “São pobres”.

Espanta os turistas como em nossas praias convivem banhistas ao lado de trabalhadores servindo sob o sol e sobre a areia, vendendo o que a moderna indústria oferece. Se o visitante estrangeiro disser “vocês ainda mantém privilégios do tempo da escravidão”, os brasileiros respondem: “Mas precisam desse trabalho para sobreviver”. Os escravos também. Ao voltar do século XIX ao século XXI, o visitante pensaria que a escravidão continua como se as algemas fossem invisíveis.

A ideia de que a escola deve ter a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança, espanta tanto quanto no século XIX espantava a ideia de negros e brancos terem os mesmos direitos. Espantaria quem dissesse que os resquícios da escravidão decorrem da desigualdade no acesso à educação.

Nós brasileiros não nos espantamos que os republicanos tenham escrito lema, na bandeira que desenharam, sabendo que naquela época 6,5 milhões de adultos, 65% da população, não sabiam ler, nem mesmo o “Ordem e Progresso”. Aos estrangeiros causa espanto que, 132 anos depois, temos 12 milhões de adultos que não sabem ler a própria bandeira. O espanto só chega para quem tem olhos para vê-lo e percepção para senti-lo como algo estranho.

Qualquer pessoa, salvo os próprios brasileiros, se espantaria ao ver a notícia que o Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo, seguida da informação de que dezenas de milhões passam fome todos os dias. Ainda mais ao ver, no mesmo noticiário da televisão, ao lado de famílias com fome, publicidade de competições entre candidatos a chefes de cozinha. Espanta que, apesar de milhões de desempregados sem salários, os empregados e patrões com altos salários recebem vales para pagar alimentação nos mais caros restaurantes, com dinheiro de impostos que os desempregados também pagam. Os estrangeiros se espantam quando sabem que os encarregados de zelar pelos interesses do povo – parlamentares, governantes, juízes, inclusive servidores da rede pública  – usam seguro de saúde privada pago pelo setor público, como forma de proteger-se da má qualidade dos serviços que oferecem ao público .

Percebemos a injustiça de jovens que fazem ENEM em condições precárias por falta de aulas durante a pandemia, mas espanta a falta de espanto diante de pelo menos 80 milhões de brasileiros impedidos de se inscrever, porque ficaram para trás, sem um ensino médio minimamente satisfatório. Espanta a preocupação maior para entrar na universidade do que para abolir o analfabetismo. O Brasil que espantava por não se espantar com a escravidão, agora espanta por não se espantar com a imensa maioria de sua população analfabeta para o mundo contemporâneo: sem falar um idioma estrangeiro, sem saber as bases da ciência, da matemática, sem conhecer os problemas do mundo contemporâneo, e sem um ofício que lhe permita emprego e renda.

Os estrangeiros se espantam que o Brasil seja capaz de contabilizar 100 milhões de votos em poucas horas, e esses votos elejam presidente contrário à democracia que o elegeu. Espanta que o espetáculo tecnológico da contagem eletrônica dos votos não garanta a posse do eleito, se militares e milícias não estiverem de acordo com o resultado; também que o pagamento de contas pelo sistema pix fique prejudicado pelo clima de violência e criminalidade.

Parece que é permanente e ilimitada a capacidade brasileira de espantar ao mundo, sem se espantar aqui dentro.

Nesta semana, os brasileiros comemoraram o último 7 de setembro de seu segundo centenário, espantando o mundo pelas realizações de nosso desenvolvimento, e por nossa negação em distribuir os resultados do que realizamos, caindo em um abismo histórico. Por falta de espanto com a concentração e privilégios, não fazemos a distribuição necessária para construir um futuro com coesão e rumo, vitalidade nacional e inclusão social.

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4948055-cristovam-buarque-espantos-brasileiros.html