Fake News

Justiça eleitoral | Arte: FAP

Revista online | “Resultado das urnas tem de ser defendido com unhas e dentes”

Equipe da RPD e, como convidado especial, Arlindo O. Rodrigues | (43ª edição: maio/2022) 

Doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com estudos doutorais na Università deli Studi Roma Tre, o advogado Marco Marrafon ressalta a capacidade de as redes sociais influenciarem nas eleições. Por outro lado, vê com bons olhos a tentativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de “tentar coibir” as fakes news, uma questão que, segundo ele, deve receber enfrentamento global.

“As redes sociais têm, de fato, hoje, o condão de modificar eleições e moldar comportamentos”, afirma Marrafon, que é professor de Direito e Pensamento Político na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e entrevistado especial desta 43ª edição da revista Política Democrática online (maio/2022). Ele observa, ainda, que a inteligência artificial avançada já torna possível o deep fake, ou “fake sofisticado”.

Para se ter uma ideia, como o entrevistado exemplifica, “você vai ver um videoclipe com o candidato falando, com a voz dele, o sotaque dele, a língua dele, mas é um vídeo totalmente falso, feito por computação gráfica”. “Fica difícil discernir o que é falso do que é verdadeiro, o virtual do real”, acentua.

Ex-secretário de Planejamento (2015-2016) e de Educação (2016-2018) no Governo do Estado de Mato Grosso (gestão 2015-2018), Marrafon observa, também, que “as urnas eletrônicas têm sofrido ataque maciço, já há algum tempo”, mas é enfático ao dizer que são totalmente confiáveis e descarta “risco de fraudes eleitorais”.

Ele, que também é ex-presidente executivo e membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), aborda o caso de Elon Musk e Twitter, o capitalismo de vigilância, o ciberpopulismo e o papel da educação como “chave da transformação e da liberdade”. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

Revista Política Democrática Online (RPD): Os analistas políticos parecem coincidir na teoria de que, hoje em dia, os eleitores mais influentes são as redes sociais. Ilustram com um voto a favor do Brexit e a eleição do Trump. Essa teoria, se procedente, poderá afetar as eleições no Brasil? E, em caso afirmativo, que modificação ou distorção teria no processo democrático brasileiro?    

Marco Marrafon (MM): Essa é uma questão muito relevante. As redes sociais têm, de fato, hoje, o condão de modificar eleições e moldar comportamentos. Trata-se de um modelo que está se desenhando no contexto da sociedade de controle: é o que se chama no mundo ocidental de capitalismo de vigilância, que é, na verdade, o velho capitalismo com uma atualização para instrumentalização dos dados pessoais para a manipulação das pessoas. A professora Shoshana Zuboff cunhou o termo e escreveu um livro sobre capitalismo de vigilância, para, justamente, denunciar esse processo de uma nova corrida do ouro. Uma corrida do ouro que seria uma corrida por dados.   Quando o Elon Musk compra o Twitter por 44 bilhões, ele não está comprando a infraestrutura do Twitter; está comprando os dados dos usuários do Twitter e o que se pode fazer com isso. Captam-se dados em todos os lugares e constrói-se uma espécie de avatar humano virtual. A partir daí eles têm uma base muito grande para manipular o comportamento das pessoas, inclusive fisicamente, fazendo as pessoas irem a diversos lugares. A experiência primeira que demonstrou esse processo foi aquele joguinho chamado Pokémon Go, onde se consegue levar, por exemplo, mil pessoas para a frente de um McDonald's, se quisessem.   

Na primeira década deste século XXI, tínhamos uma perspectiva da construção das redes sociais e da internet como uma nova ágora virtual porque a lógica das redes era para ser dialógica: sou receptor de conteúdo, mas, ao mesmo tempo, sou produtor de conteúdo. Essa dialogia é diferenciada e não se confunde com a indústria cultural que se constrói com o rádio, com a TV, porque ali o telespectador era mesmo espectador, tinha uma postura mais passiva de recepção de conteúdo. Com o advento das redes sociais, os usuários passam a ser também produtores: dão opiniões e produzem e divulgam vídeos, como no Youtube.  

Com o capitalismo de vigilância e os desenvolvimentos dos últimos dez anos, ou seja, de 2010 a 2020 – agora de maneira muito forte, insidiosa, esse grande número de informações que as grandes redes possuem não serve mais para a pessoa produzir conteúdo autônomo; serve para a pessoa produzir conteúdo que ela já está pré-disposta a produzir. Não tem mais liberdade e autonomia nessa produção. Na verdade, torna-se de novo um espectador passivo e obediente. Ele está repetindo frases, espalhando memes que as redes querem que ele espalhe porque elas já possuem a informação suficiente para manipular, forjar ideias e reforçar os pré-conceitos dos usuários. É uma forma de círculo vicioso, em que não há mais autonomia e liberdade. O usuário deixou de ser produtor livre de conteúdo e agora produz conteúdo em cima da manipulação que as redes promovem. Logo, o potencial de manipular eleições é enorme.    

Veja, a seguir, galeria de fotos

E-titulo de eleitor | Foto: Leonidas Santana
Tribunal superior eleitoral | Foto: rafastockbr/shutterstock
Palácio do Buriti | Foto: Carlos Grillo/shutterstock
Eleitor jovem | Foto: Joa Souza/shutterstock
Congresso nacional | Foto: rafastockbr/shutterstock
Título de eleitor | Imagem: Lais Monteiro/Shutterstock
Justiça eleitoral | Imagem: Isaac Fontana/Shutterstock
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
E-titulo de eleitor
Tribunal superior eleitoral
Palácio do Buriti | Foto: Carlos Grillo/shutterstock
Eleitor jovem
Congresso nacional
Título de eleitor
Justiça eleitoral
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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E-titulo de eleitor
Tribunal superior eleitoral
Palácio do Buriti | Foto: Carlos Grillo/shutterstock
Eleitor jovem
Congresso nacional
Título de eleitor
Justiça eleitoral
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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RPD: Mesmo depois das reuniões que o TSE promoveu com todas as mídias, Telegram, inclusive?    

MM: Entendo que sim. A grande questão é que questões globais – e falo de uma questão que envolve redes sociais internacionais e um movimento que não se restringe ao Brasil – se resolvem com políticas globais. Ao que assistimos, é um movimento muito importante do TSE de tentar coibir, de amenizar os danos, mas é impossível, hoje, com a tecnologia, que se elimine a influência. Todos os movimentos de tentativa de controle de fake news, de controle da manipulação, são muito bem-vindos, porque são processos auxiliares, na tentativa de atenuar riscos e diminuir influência, mas isso é uma questão global, e, portanto, o enfrentamento também tem que ser global.   

RPD: Penso que as primeiras interpretações das redes sociais como ágoras virtuais foram excessivamente otimistas. Referiam-se às manifestações em massa convocadas por redes sociais, que se revelaram eficazes e explosivas em diversos contextos, como a Islândia, a Espanha, os Estados Unidos e a Primavera Árabe. Parece, porém, que, depois de um certo ponto, houve uma inflexão, e as redes deixaram de se combinar com as manifestações de massa e passaram a se dedicar mais às eleições. Talvez o Brexit possa ilustrar a inflexão desta tendência. Você acha que houve realmente uma mudança de uma ênfase nas manifestações de rua para as eleições, e a grande capacidade de manipulação de dados se demonstrou mais intensa?    

MM: É um argumento com que concordo porque justamente nesse processo, quando se pensa na primeira fase, se pensa num processo de liberdade e autonomia, com as pessoas produzindo conteúdo e expressando seus anseios a partir de suas necessidades, suas demandas: demandas por mais democracia, demandas por mais direitos. As redes absorvem, assim, esse conteúdo e lhes dão grande potencial. Além do Brexit, pode-se ser mencionada a eleição americana do Barack Obama, que refletiu essa tendência da ágora virtual, de um debate democrático, de "nós podemos"; na sequência, após o mandato do Obama, a eleição de Trump significa um turning point, a mutação de todo processo, quando já havia estudos da Cambridge Analítica, da Inteligência Russa, de como utilizar esse instrumental não mais para uma manifestação voluntária, mas para uma manifestação manipulada, inclusive direcionada e individualizada, o que eles chamam na comunicação de microtargeting. Por exemplo: se uma pessoa gosta de determinado sanduíche ou é torcedora de um time de futebol, irá receber propagandas alusivas a esse tema. Na esfera política, pode-se até relacionar isso com as preferências por esse ou aquele candidato   

O processo que se delineia na segunda década deste século XXI tornou-se super incisivo e potente. Falamos de um momento em que nós já temos o deep learning, uma inteligência artificial muito avançada e com grande capacidade de processamento, que torna possível o famoso deep fake que não existia cinco, seis anos atrás. O que é o deep fake? Literalmente é aquele fake profundo, sofisticado, em que você vai ver um videoclipe com o candidato falando, com a voz dele, com o sotaque dele, com a língua dele, mas é um vídeo totalmente falso, feito por computação gráfica. Fica difícil discernir o que é falso do que é verdadeiro, o virtual do real.  

No início desta terceira década, a  manipulação e o controle social se tornaram dramaticamente eficazes.  

RPD: Com relação ao processo eleitoral brasileiro deste ano, o TSE enfrenta dois problemas em dois planos. Luta pela validação do sistema eleitoral pela internet e, também, pela lisura das urnas eletrônicas que não estão no sistema. As teorias que combatem essas bandeiras visam a desmoralizar a democracia via desqualificação da urna eletrônica?    

MM: Chama-me a atenção a excessiva horizontalidade nos debates na rede, ou seja, não importa se a pessoa é um professor doutor, especialista na área, ou é uma pessoa que meramente pratica um achismo, uma opinião. Tudo isso tem levado a quê? A um modelo de produção de "supostos saberes", que é um modelo muito mais reativo, instintivo, baseado em gritos, em memes, em slogans, um modelo que chamo de democracia de slogans, usando microelementos que fazem falsas comparações que são impulsionadas pelas redes sociais e seus instrumentos de comunicação. 

Nesse contexto, as urnas eletrônicas têm sofrido ataque maciço, baseado em informações distorcidas, já há algum tempo. Os cidadãos acabam acreditando nesses fakes e reagem em sua defesa. Isso não chega a surpreender porque o modelo de transmissão de conhecimento das redes sociais é um modelo que cada vez mais leva a níveis instintivos de reação e menos de reflexão. As pessoas não têm tempo para refletir sobre os problemas com profundidade, a fazer comparações, a distinguir que muitas das fake news são incoerentes em si, têm problemas de lógica, não fecham logicamente. O problema é que tudo isso é embrulhado no estilo teoria da conspiração, três ou quatro elementos que possuem alguma veracidade são reunidos para construir uma conclusão falsa.  

 A história registra que a urna eletrônica é totalmente confiável. É possível aprimoramento? Sempre é possível aprimorá-la, mas isso não significa que haja risco de fraudes eleitorais. Tenho, particularmente, plena confiança no processo das urnas eletrônicas, inclusive fui candidato, fui derrotado, fiquei de primeiro suplente de deputado federal da eleição passada e aceito o resultado com muita tranquilidade. Também, agora, no dia 2 de outubro, qualquer resultado tem de ser defendido pelos brasileiros com unhas e dentes.    

RPD: Tem-se desenvolvido no Brasil algo à la Goebbels, no sentido de que quanto mais se repete uma tese, mais verdadeira ela se transforma. Felizmente, com relação à vacina, apesar dos esforços ingentes do governo para desacreditá-la – o chefe de Estado imitando pessoas sufocadas pela falta de oxigênio ou assegurando que tem tomasse a vacina viraria jacaré, ou comprometeria seu desempenho sexual –, a vacina firmou-se como instrumento indiscutivelmente eficiente no combate à covid-19. Mas a mesma atitude negacionista continua desmerecendo o uso das urnas eletrônicas, a proteção do meio ambiente, a relevância das universidades para o desenvolvimento do país, as atividades culturais de modo geral, sempre sob a aleivosia de que são expedientes para alimentar focos subversivos de comunistas. A que se pode atribuir essa pregação? É fruto de ignorância, ou se trata meramente de fanatismo?     

MM: O que mais tem sido pernicioso no âmbito das novas tecnologias é o processo de emburrecimento humano, no sentido de tornar as pessoas muito mais instintivas do que reflexivas, deixando de raciocinar com profundidade sobre os problemas. Temos questões complexas sendo tratadas de maneira absolutamente leviana com base em memes e slogans. O objetivo é que as pessoas reajam àquilo e se convençam, sem muita argumentação de base, sem olhar, sem levar em conta a complexidade das questões, o que exige tempo e vontade para refletir. A reflexão exige debruçar-se sobre o tema em debate, voltar-se a ele com frieza e razão para só então auferir conclusões.  

Problema é que as pessoas sequer leem. Falando apenas dos jornais, há pesquisas que revelam que os leitores de artigos leem apenas quatro parágrafos de um texto mais longo. A expectativa é resumir a tese no primeiro parágrafo e na manchete, de preferência. Tudo bem, só que serão os outros parágrafos que abordarão o sentido e o alcance do texto. As pessoas não leem mais artigos de jornal, quanto mais grandes livros.    

A culpa histórica também é nossa. Tivemos oportunidade política para mudar, diante da melhoria das condições econômicas do primeiro decênio deste século. Só que a inclusão se deu na lógica de uma cidadania de shopping center, de consumo, de ostentação – lembra os rolezinhos? Basta notar as músicas que estão fazendo a cabeça da maioria dos jovens. A inclusão não se deu pela construção de uma cidadania assentada na educação política, de uma educação também clássica, saberes que fazem muita diferença na produção de conhecimento. A humanidade está perdendo logos, entendido, desde os gregos, como razão e como capacidade de linguagem. E é isso que nos distingue, em tese, dos outros seres sencientes. Estamos perdendo essa capacidade de reflexão, de fala e de sua representação simbólica. Hoje abrevia-se tudo, deturpa-se a linguagem. As pessoas não suportam mais a erudição, a cultura se torna algo que não mais valoriza o trabalho e o esforço. É muito difícil compor uma sinfonia. Aprender a tocar violino exige disciplina.  

Vivemos o que se tem chamado de era das narrativas combinadas com movimentos fortemente anti-iluministas, isto é, anticiência e anticultura, no sentido erudito do termo. Eu não estou falando de cultura popular, favorecendo o populismo. Somos ainda culpados por não ensinarmos um português decente, por não ensinarmos lógica para as pessoas aprenderem as contradições dos argumentos, por não exigirmos aprovação em matemática para que as pessoas aprendam a raciocinar.    

São saberes clássicos que continuam fazendo sentido, e esse movimento anti-iluminista deita raízes no niilismo Nietzschiano, do antimodernismo que vem crescendo no século XX como um movimento contra verdades filosóficas, num movimento que vai desembocar no século XXI como a era das narrativas, ou da pós-verdade, como se não fosse possível nenhuma verdade. Se não é possível nenhuma verdade, então, nós estamos vivendo um novo tempo sofístico onde o predomínio é de quem melhor argumenta. O sofista Górgias dizia que o homem é a medida de todas as coisas justamente por não acreditar em verdade ou falsidade ontologicamente falando. Quando Platão e Aristóteles resgatam Parmênides e instauram as hipóteses essencialistas, eles percebem que a democracia ateniense está em decadência e é  preciso uma noção de verdade, uma noção de justiça para que os cidadãos possam, minimamente, balizar padrões de comportamento socialmente aceitáveis.  

 De certo modo, movimentos, não só da extrema direita, mas da esquerda também, contribuem para esse niilismo antirracionalista que está na raiz da pós-verdade: se tudo é narrativa, não existe verdade e falsidade e, logo, não há limites na ação humana. Somos seres individualistas em uma era sem limites: gostamos de ter a Netflix sem limites. Não posso esperar mais o capítulo da novela ou da série no dia seguinte, eu tenho que maratonar tudo numa noite.  

Esse contexto tem dado ensejo a um novo modelo mental no qual, especialmente as novas gerações, têm tido muita dificuldade de aceitar o não, de compreender as dificuldades e o sofrimento positivo. Vamos dizer assim, aquele sofrer que leva ao crescimento, de você estudar e sentir dores físicas de tanto estudar, de reflexão, para poder construir um saber autêntico. Por outro lado, a horizontalidade faz com que pessoas que assistem a videozinhos na internet e dancinhas achem que sabem tanto quanto um erudito de determinado tema. É um movimento antirracionalista que se origina já no final do século XIX e se expande no século XX, cujos efeitos mais evidentes se fazem sentir atualmente. O modelo de ensino que construímos, nos últimos 15, 20 anos, contribui para aquilo que os italianos chamam de “estultice”, um pouquinho de arrogância dos jovens ao supor que já sabem demais, desprezando a experiência, o conhecimento, privilegiando a referida horizontalidade. Professores que, como eu, estão em sala de aula vivem isso diariamente, testemunhando as mudanças no modelo mental das novas gerações.   

RPD: Se pudesse influir no combate a esses fenômenos, com vistas a devolver a relevância do respeito à cultura, à reflexão, à capacidade de comunicação, ao primado da inteligência, enfim, o que proporia?   

MM: Na filosofia, a superação do antirracionalismo já começou há algum tempo. Muitos autores da filosofia da linguagem que embarcaram nas máximas nietzschianas - por exemplo, não existem fatos, apenas interpretações - hoje reconhecem que se foi longe demais com isso e que existem, sim, fatos. Maurizio Ferraris, professor de hermenêutica da Universidade de Turim, chega a afirmar que basta você trocar um F pelo G para colocar o niilismo em um problema lógico: "não existem gatos, apenas interpretações?". A verdade metafísica talvez não seja algo cognoscível para o humano já que tudo que se conhece se aprende e se compreende pela mediação da linguagem. Mas isso não leva a negar a existência de verdade, ainda que inserida no contexto de uma ontologia social como propõe John Searle. A filosofia já começou a mudar. Há um novo ciclo paradigmático de combate à pós-verdade, de combate ao niilismo filosófico.    

Agora, isso é um tempo que talvez a vida cotidiana não vai incorporar imediatamente, diante de problemas que exigem solução de curto prazo, como a liberdade de expressão. Aliás, a liberdade de expressão é uma questão seríssima: porque nenhum de nós defende a censura, até porque quem controlará o sensor? Quem é o dono da verdade que controla o conteúdo? De um lado, somos democratas e defendemos a liberdade de expressão, mas, de outro lado, vemos um universo em que robôs, nas redes sociais, espalham os maiores absurdos e atuam destruindo aquilo que chamamos de civilização. 

O que se tem pensado a curto prazo? Políticas de regulação em rede para diminuir a amplitude da capacidade de impacto social das fake news. Por exemplo: você limita a possibilidade do WhatsApp encaminhar mensagens para 20, 30 grupos; atacam-se, de maneira formal, as infraestruturas. Essa é uma tendência de regulação mundial.  

Outro ponto de política imediata efetiva, que não é a política do tempo filosófico, trata da identificação da origem de financiamento. Cumpre identificar quem está financiando esse processo e utilizar os meios legais para coibi-lo. São, portanto, medidas imediatas que devem ser fomentadas e debatidas para a construção de um modelo de regulação que vai atenuar impactos.  É o que o TSE está fazendo ao tomar necessárias medidas regulatórias imediatas, com as próprias redes se abrindo ao diálogo. Até o Telegram, que era muito reticente, aceitou cumprir as determinações legais.   

Em plano mediato, é preciso, sim, um câmbio educacional em prol da cidadania política. A educação é a chave da liberdade e a chave da transformação pessoal. Sou um estudante que fez o ensino fundamental em uma escola pública em Juara, no interior de Mato Grosso, uma cidade que, à época, não possuía nem asfalto. Fui aprovado em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso, mestrado e doutorado na Universidade Federal do Paraná com estudos doutorais em Roma. Meu pai, médico, pôde me dar condições de chegar lá, mas também teve um esforço pessoal porque muitos filhos de médicos não conseguem. A educação foi a chave do crescimento, e o ensino que tive em Juara me preparou para o mundo.  

Marco Marrafon: "Urna eletrônica é totalmente confiável"
Para Marco Marrafon, manipulação e o controle social se tornaram dramaticamente eficazes
Segundo Marco Marrafon, não há liberdade sem responsabilidade
De acordo com Marco Marrafon, a educação é a chave da liberdade
Marco Marrafon afirma que A culpa histórica também é nossa
Marco Marrafon acredita que a humanidade está perdendo logos
Marco Marrafon diz que a liberdade de expressão é uma questão seríssima
Marco Marrafon
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A  educação é, pois, a chave da transformação e da liberdade porque, com educação, se pode exercer responsabilidade; não há liberdade sem responsabilidade. Falar o que quiser, sem responder sobre o que se fala, é muito fácil.  

RPD:  Você mencionou, no começo da nossa conversa, diversos instrumentos que estão em uso há relativamente pouco tempo. Gostaria que informasse quais seriam as fronteiras da mudança tecnológica hoje e os possíveis riscos que cada uma delas possa trazer consigo para nós.    

MM: São inúmeros instrumentos que estão fazendo uma verdadeira revolução. Diria que, seguindo as lições de Yuval Harari, estamos vivendo talvez o último estágio do Homo Sapiens, tal como conhecemos. Nós estamos vivendo no mundo do Big Data – da mega captação de dados pessoais, de compreensão e formação de avatares – que será impulsionado por um grande motor que é o 5G, com uma hiper tecnologia de conexão, capaz de promover uma super regulação para o bem e para o mal. O incrível desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) e da robótica e, enfim, o fortalecimento da realidade virtual com o Metaverso indicam que ingressaremos em uma nova era civilizacional.  

As dotadas de alta capacidade de aprendizagem (deep learning) já estão aptas a substituírem humanos em inúmeras tarefas operacionais, ainda que trabalhem apenas no nível sintático da linguagem e com base em uma lógica de probabilidades. Há cerca de 20 anos, o humano já não tem a mesma capacidade de processamento de dados que as máquinas. As máquinas não possuem o que chamamos de consciência hermenêutica – essa dimensão existencial que nos dá a sensibilidade de compreensão do mundo que a gente vive em torno da linguagem. Mas está chegando o momento em que não vamos mais conseguir diferenciar, no plano prático, se estamos interagindo com uma máquina ou com um humano.  

O avanço de processamento de dados pelas máquinas é extraordinariamente intenso. Quem é auditor fiscal, por exemplo, sabe do que estou falando. A capacidade de estabelecer relações e cruzamento de dados de maneira quase instantânea é impossível ao Homo Sapiens. Na área da comunicação política já existem pessoas lidando com redes de dados numa escala inimaginável, incluindo, praticamente, todos os eleitores cujos desejos e aspirações são mapeados e estudados.    

A que levará tudo isso? De novo seguindo o raciocínio de Harari em sua obra Homo Deus, é possível antever que através de mecanismos artificiais, como um chip, será possível potencializar a capacidade humana de processamento de dados, como tenta, por exemplo, a empresa Neuralink, de Elon Musk. Quando isso for bem-sucedido, entraremos na era do transhumanismo. Essa simbiose humano-máquina indica que já não será possível falar em Homo Sapiens em sua forma originária.  

Com os chips, a tendência é que a capacidade de manipulação de massas se torne assustadora. Primeiro porque aumentará ainda mais a captura de dados, incidindo até mesmo sobre nossa última fronteira da privacidade, que é a leitura de nossos pensamentos. Aparelhos que monitoram nossa saúde e enviam dados já estão disponíveis e presentes no cotidiano. Logo, a mesma tecnologia que permite captar impulsos cerebrais e dar comandos a pernas mecânicas, por exemplo, vai permitir que mentes sejam lidas. Se o cérebro estiver “chipado”, então, mais ainda.    

Além dos dados, a manipulação pode ocorrer de maneira direta, com fomento de desejos e até mesmo com a imposição de comandos ao cérebro conectado com chip.  

Todo esse contexto nos assusta, pelo que pode significar manipulação humana. No campo da política, basta imaginar o movimento que chamamos, hoje, de ciberpopulismo, que consiste justamente na utilização irrestrita da tecnologia de bots, memes etc., para levar ao máximo o populismo em sua maneira mais rasteira, com discursos de ódio às instituições e celebração da ignorância em torno de pautas que nos tentam convencer ao regresso do passado, a essência dos discursos autoritários.    

O ciberpopulismo se nutre da deslegitimação de toda autoridade, da perda de poder, do repúdio e rejeição às instituições, de discursos fáceis dos líderes e, ao mesmo tempo, da simplificação exagerada de questões complexas, aproveitando-se da falta de interesse em parar para pensar a complexidade dos problemas e do frontal ataque à cultura e à ciência.  

Para que esse discurso alcance o alvo, o líder populista, na pior acepção do termo, vai em geral buscar na metáfora de futebol ou em caricaturas de casamento, os atrativos para se comunicar com as massas de maneira imediata. Isso deslegitima o pensamento institucional, o pensamento que respeita as diferenças e valoriza a já comentada horizontalização à base da seguinte ideia: "ah, todos somos iguais para falar qualquer besteira na internet".    

É o mesmo raciocínio que se esticaria para justificar que nós, estudiosos das humanidades, tivéssemos, por isso, condições de nos metermos na física nuclear e opinar sobre os procedimentos de segurança de uma usina nuclear, ou mesmo um estudioso de filosofia supor estar  habilitado para opinar sobre a pilotagem de um jato em pleno ar. A horizontalidade cultural é, sem dúvida, muito perniciosa para o desenvolvimento do conhecimento humano.    

RPD: Seus comentários esclarecem, em parte, a propensão contraintuitiva da ciência. Como poderia ser traduzido, por meio de veículos de massa como a internet, o consenso praticamente universal de que a vacina é a mais poderosa arma contra a covid-19, para desmontar a visão simplista e negacionista de suas benesses para qualquer programa sério de saúde pública?   

MM: O primeiro obstáculo seria combater a irresponsabilidade de quem faz propagandas irrestritas de oposição à vacinação. É irresponsável tomar um problema complexo e dele extrair um possível aspecto, em geral negativo, que sempre chama mais a atenção e construir uma comunicação distorcida, falsa, mas eficaz, talvez por, de alguma maneira, dirigir-se aos instintos e  preconceitos humanos. Para agravar o quadro, nosso processo educativo não nos deu instrumentos para perceber essas diferenças porque não se trata de educação meramente formal, se trata mesmo de educação política, análise lógica e sabedoria para a vida. É um processo que não atinge somente pessoas analfabetas ou que não tiveram acesso à escola. Atinge universitários, doutores, a classe média bastante bem formada. Daí porque é fundamental que a cultura e a ciência apresentem seus argumentos de maneira mais acessível. Mas isso, por si, não resolve. É necessário que haja uma mudança e amadurecimento educacional para que as pessoas coloquem em xeque as milhares de informações que recebem e possam investigar com maior profundidade a veracidade ou não das mensagens recebidas.   

Sobre o entrevistado

*Marco Aurélio Marrafon é advogado, professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Arte: João Rodrigues/FAP

Inteligência artificial pode antecipar cenários para as Eleições 2022

João Rodrigues, da equipe da FAP

Há menos de cinco meses das eleições, a inteligência artificial reforça que o processo eleitoral deste ano será novamente marcado pela polarização. O monitoramento de dados na internet também indica os principais temas do debate eleitoral e como os candidatos devem reagir aos assuntos de maior repercussão na sociedade.

Para entender como mecanismos de acompanhamento das redes sociais podem antecipar cenários para as Eleições 2022, o podcast Rádio FAP desta semana recebe o jornalista Sergio Denicoli.



Sergio Denicoli será um dos palestrantes do curso de formação política para candidatos, candidatas e suas equipes, que começa na próxima semana. Pós-doutor em comunicação digital, pesquisador da Universidade do Minho, em Portugal, CEO da AP Exata Inteligência Digital, é foi professor da Universidade Federal Fluminense e também em Portugal, na Universidade Lusófona e na Universidade do Minho. 

O crescimento da extrema direita no ambiente virtual, o papel das redes sociais nas eleições deste ano e os riscos das fake news para a democracia brasileira estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Jornal da Band, Rádio Brasil Atual, Programa ND Notícias, Código Fonte TV, TV Cultura, Assembleia de Minas Gerais e Jornal da Globo.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube,  Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Imagem: reprodução/Fanatic Studio/Getty Images

PL das Fake News: o que é e por que está sendo sabotado

Projeto que visa enfrentar o abuso do poder econômico nas redes – e obrigar gigantes da internet a revelar quem financia a desinformação – foi travado na Câmara. Em campanha truculenta, corporações tentam manipular o debate público

Renata Mielli/ Outras Palavras

A campanha de terrorismo midiático realizada principalmente por Google e Facebook – somada à ação de bastidores junto aos deputados e deputadas nas últimas semanas contra o Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das Fake News – resultou em não aprovação pelo plenário, neste 6 de abril, do requerimento de urgência para que o projeto entrasse na pauta da Câmara. Ainda funcionando em regime especial em função da covid-19, ele precisava que um pedido de urgência fosse aprovado.

O projeto dispõe sobre uma Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e estrutura um elenco de obrigações, regras e mecanismos de governança para enfrentar o abuso do poder econômico nas redes. Isso permitiria aos cidadãos e aos órgãos públicos identificar conteúdos de publicidade e impulsionados, saber o montante e a origem de recursos usados – como, por exemplo, os usados para impulsionar conteúdos pregando o inexistente “tratamento precoce” contra a covid-19 que tantos prejuízos trouxeram (e ainda trazem) à Saúde. Ou seja, o projeto obriga as corporações de internet, que prestam serviços para centenas de milhões de brasileiros, a fornecerem informações para que a sociedade compreenda como as fake news circulam e são patrocinadas, o que é fundamental para adotar medidas para combatê-las.

Dedica uma seção inteira para elencar os Deveres de Transparências que os provedores de redes sociais, serviços de mensageria e ferramentas de busca devem observar no país. Apenas para citar algumas, apontaria a obrigação de transparência sobre a elaboração e aplicação dos termos e políticas de uso dessas empresas, divulgação de relatórios semestrais com informações sobre número total de usuários no Brasil, quais critérios são usados para remover conteúdos e contas, o volume total de medidas de moderação (exclusão, indisponibilização, redução de alcance, rotulação) de contas e conteúdos por motivação – termos de uso, decisões judiciais ou para fins de aplicação da lei, volume de decisões da plataforma que foram revertidas, características das equipes de moderação, como idioma de trabalho, indicativos de diversidade, nacionalidade e outros, isso para citar apenas uma parcela das obrigações de transparência.

Há, também, um conjunto robusto de regras de transparência sobre impulsionamentos, publicidades e também sobre como agentes públicos fazem uso de suas redes próprias e como o Estado direciona recursos de publicidade para contas em redes sociais.

Se o fenômeno da desinformação – e seu impacto atual – está relacionado às dinâmicas de circulação da informação no interior das plataformas, se elas ganham alcance e velocidade graças aos fatores de relevância considerados pelos algoritmos e pela soma de recursos aplicadas em impulsionamento e publicidade, ter mais transparência sobre a operação dessas empresas é estratégico para enfrentar as fake news.

O projeto 2630 está em debate na Câmara desde agosto de 2020. Ao longo desses quase dois anos de debate, foram organizados por iniciativa do atual relator, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP), e dois seminários com a participação de centenas de especialistas. Organizações da sociedade civil, entidades acadêmicas e empresariais também realizaram inúmeros eventos sobre o PL e, ao longo desse período, o tema foi tratado na mídia especializada e em veículos jornalísticos. Houve, portanto, um amplo debate que resultou num aprofundamento de muitos dispositivos e amadurecimento do que é a espinha dorsal do projeto. A ofensiva atual das Big Techs nesta reta final é justamente uma reação a isso.

Terrorismo midiático das Big Techs contra o projeto

Com medo da regulação, as plataformas como Google, Youtube, Facebook e outras iniciaram uma campanha de vale tudo para tentar colocar a sociedade contra o PL 2630 – e a possível criação de dispositivos para regulá-las.

Em 3/3 deste ano, o Facebook veiculou propaganda em jornais de grande circulação nacional com o título: “O PL das Fake News deveria combater Fake News. E não a lanchonete do seu bairro”. No dia 11, foi a vez do Google soltar nota dizendo que, caso aprovado, o PL modificaria “a internet como você conhece”. No dia 14, o Google também colocou em sua página inicial um link para a nota, de forma que todos os usuários que fizeram uma busca neste dia entraram em contato com a visão alarmista da empresa sobre o projeto. Além disso, a corporação estadunidense circulou publicidades em outras plataformas com essa mesma retórica do medo, um mecanismo largamente usado para estruturar conteúdos de desinformação e manipular a opinião pública.

Na semana de votação da urgência, de novo o Google usou sua home para fazer campanha contra o PL. Os milhões de brasileiros que acessaram o site Google Brasil se depararam com link que os redirecionavam para um texto com o seguinte título: “Saiba como o projeto de lei 2630 pode obrigar o Google a financiar notícias falsas” (Leia o teor da “campanha” aqui). No blog brasileiro da corporação, estava um artigo assinado pelo seu presidente, Fábio Coelho, argumentando que o PL “pode acabar promovendo [sic] mais notícias falsas no Brasil, e não menos”. Todo o projeto era criticado, em particular o artigo 38 que obrigaria as plataformas a remunerarem as empresas jornalísticas pelo uso de seus conteúdos.

O fenômeno da desinformação – e seu impacto atual – está relacionado às dinâmicas de circulação da informação no interior das plataformas: elas ganham alcance e velocidade graças aos fatores de relevância considerados pelos algoritmos e pela soma de recursos aplicadas em impulsionamento e publicidade. Portanto, o Google, por exemplo, não precisa de lei nenhuma para “financiar notícias falsas”, pois já é um dos maiores disseminadores e financiadores da desinformação através de anúncios do Google Adsense e dos seus mecanismos de indexação de buscas. Mas, quanto a esse fato, não há sequer uma linha no texto do presidente do Google Brasil.

Anúncios via Google Adsense, o pote de ouro da desinformação

O modelo de negócios das Big Techs – e particularmente das plataformas da empresa Alphabet – holding estadunidense que é a dona do Google – baseia-se na escala gerada por viralização orgânica ou patrocinada, determinada por palavras chaves, que alimentam um sistema online de leilões de publicidade. O objetivo: direcionar conteúdos de forma segmentada, com base no perfil de cada usuário, e maximizar a monetização da plataforma e do canal/página que recebe o anúncio.

Esse mecanismo gera distorções no debate público, pois favorece sites e páginas que publicam seus materiais a partir da busca de cliques, usando manchetes, fotos, leads e recursos chamativos que abusam de elementos morais/emocionais. Busca-se, assim, capturar a atenção do internauta por meio do choque e do reflexo – e, logo, gerar um clique, um compartilhamento ou uma reação ao conteúdo.

Dessa forma, o Google – através de seus anúncios publicitários via o sistema Google Adsense – despeja milhões de reais em sites como Terça Livre (suspenso pela Justiça brasileira), Jornal da Cidade Online e muitos outros. Além disso, existem estratégias de publicação de conteúdos que modulam os mecanismos de funcionamento de seus algoritmos de indexação dos resultados de busca, definidos pelo Search Engine Optimization (SEO), para beneficiar a disseminação da desinformação. Isso sem falar dos algoritmos de recomendação de vídeo no caso do YouTube.

A pesquisa Follow the Money: How the Online Advertising Ecosystem Funds COVID-19 Junk News and Disinformation [“Siga o dinheiro: como o ecossistema de publicidade online financia as notícias-lixo e a desinformação sobre a covid-19”], publicada em 2020 pela Universidade de Oxford [1], mostra como o sistema de publicidade e de indexação do Google gerou receita para sites que propagavam a desinformação sobre a pandemia, dando mais visibilidade a estes conteúdos. “A plataforma de publicidade mais popular em ambos os conjuntos (jornalismo profissional e conteúdo tóxico e de desinformação) foi o Google. Mais da metade dos anúncios […] são fornecidos pelo Google: 59% dos domínios de notícias profissionais e 61% dos domínios de notícias tóxicas e desinformação usaram anúncios do Google”.

No Brasil, o Google tem gerado receita para os sites de desinformação através do Google Adsense e também intermediando as receitas de publicidade do governo. Reportagem de agosto de 2020, publicada pelo The Intercept Brasil, mostra como o governo Bolsonaro entregou mais de R$ 11 milhões em verbas públicas de publicidade para que o Google a transformasse em anúncios que foram direcionados para sites de extrema direita e que propagavam desinformação. Parte considerável desse dinheiro – até 68%, segundo o próprio Google – vai para o bolso dos editores desses sites via sistema AdSense.

“A CPMI [Comissão Parlamentar Mista de Inquérito] das Fake News já identificou dois milhões de anúncios publicitários do governo que foram parar em site de ‘conteúdo inadequado’ por meio do AdSense. Dezenas de sites de fake news foram beneficiados com esse dinheiro”, denuncia a reportagem. Essa mesma CPMI também apontou que, entre os que receberam recursos de publicidade com anúncios do governo federal feitos pelos Adsense, estava o Terça Livre, canal no Youtube do blogueiro Allan dos Santos, atualmente foragido da justiça brasileira. Outra reportagem, da agência de checagem Aos Fatos, mostrou como alguns sites como esse lucraram com desinformação durante a pandemia.

Em face disso tudo, o fato é gravíssimo: o Google usa o seu poder econômico – e dominância de mercado – para publicar anúncios em jornais de todo o Brasil e estampar sua home com desinformação sobre o PL 2630 e, assim, tentar interferir no debate regulatório brasileiro.

Mas e o PL 2630 e seu artigo 38?

O artigo 38 do PL das Fake News tem sido um dos mais polêmicos desde que apareceu pela primeira vez em uma das versões do relatório do deputado Orlando Silva. O propósito do dispositivo, de acordo com o parlamentar, é exatamente o de fortalecer o jornalismo e valorizar o conteúdo jornalístico, numa perspectiva de que a melhor maneira de combater a desinformação é oferecer para a sociedade mais informação de qualidade.

Austrália, Espanha, França, Canadá e outros países vêm criando dispositivos legais semelhantes para que as plataformas digitais remunerem o jornalismo. O debate é fundamental, uma vez que o modelo de publicidade que financiava a mídia antes do advento das corporações de internet foi impactado: os anunciantes migraram massivamente para as Big Techs. É fundamental, portanto, reequilibrar essa assimetria de mercado para valorizar a produção de conteúdo jornalístico.

Então, qual a polêmica em torno do artigo? A questão é que no Brasil não existe uma regulamentação da atividade jornalística e, sem uma definição do que é um veículo jornalístico ou um conteúdo jornalístico, a aplicação desse dispositivo, além de bastante frágil, pode trazer mais concentração de mercado, remunerando apenas os grandes e tradicionais meios de comunicação como GloboRecordSBTFolha de São PauloO GloboEstadão etc – e prejudicando todo um conjunto de veículos pequenos e médios, nativos digitais ou não.

Além disso, detalhes necessários – como será o processo de remuneração? Como garantir que não só a empresa, mas o jornalista autor do conteúdo seja remunerado? Como trazer transparência para impedir as assimetrias citadas acima?, por exemplo – não são possíveis de serem feitos dentro de um projeto de lei, cujo escopo já é por si só complexo e não tem o objetivo de tratar de forma específica sobre essas questões.

Mas, é importante reconhecer que a nova versão do relatório, apresentada nesta semana pelo deputado, incorporou novos incisos para detalhar um pouco mais o artigo, trazendo salvaguardas para deixar mais explícito o seu objetivo. Todas as questões que geravam certa insegurança quanto a esse artigo foram resolvidas, não. Mas, ao contrário do que sugeria o lobby da Big Tech, não há nada no artigo que vá obrigar plataformas como o Google a financiarem sites de desinformação. Esse é um argumento de má fé, construído para colocar a sociedade contra o projeto e tirar o foco do motivo real pelo qual Google & Cia tentam sabotar a aprovação do PL: impedir que o Brasil, como poucos países já o fizeram, avance na criação de mecanismo de transparência para as atividades dessas corporações de internet, e tantos outros comandos que podem, ainda que de forma muito inicial, impor regras e acabar com a discricionariedade e a falta de compromisso com o interesse público que elas demonstrar nutrir.


[1] Pequisa publicada pelo The Computational Propaganda Project (COMPROP), which is based at the Oxford Internet Institute, University of Oxford,

Fonte: Outras Palavras


Projeto das fake news que amplia obrigações de big techs avança na Câmara

Danielle Brant, Washington Luiz e Julio Wiziack / Folha de S. Paulo

O grupo de trabalho na Câmara que analisa o projeto das fake news aprovou nesta quarta-feira (1°) o relatório do deputado Orlando Silva (PC do B-SP) com mudanças que amenizam trechos criticados no texto aprovado pelo Senado, como a rastreabilidade de mensagens e a identificação de usuários em caso de denúncias.

O texto foi aprovado por 7 votos a 4. Para facilitar a aprovação, o relator incluiu algumas das sugestões de membros do grupo e apresentou uma complementação de voto nesta quarta.

Os deputados ainda precisam concluir a análise de sugestões de modificação. Depois dessa etapa, o texto vai ao plenário, onde pode sofrer mudanças. Como foram feitas alterações, o projeto volta ao Senado. ​

Apesar da resistência das chamadas big techs —gigantes da tecnologia como Google, Amazon e Facebook—, o projeto de lei mantém obrigações que, na prática, obrigam essas empresas a tornarem seus negócios mais transparentes para o usuário.

Veículos que produzem conteúdo jornalístico, por exemplo, terão de receber pagamento sempre que esse material for veiculado pelas plataformas digitais. Como até hoje não havia previsão legal para essa cobrança, os grupos de mídia tinham de negociar caso a caso com esses gigantes.

​Representantes de algumas dessas empresas consultados sob anonimato avaliam que, no caso das vendas online, gigantes do varejo global, como Amazon, terão de deixar mais claro quando estão exibindo com mais destaque em sua plataforma anúncios de produtos comercializados pela própria empresa.

Ainda segundo eles, esse favorecimento hoje cria um ambiente que fere a livre concorrência, um debate que ocorre nos EUA e na União Europeia.​

Uma das principais alterações envolve a exigência de provedores de serviços de mensagens guardarem por três meses os registros dos envios de mensagens encaminhadas em massa.

​O projeto aprovado pelos senadores previa esse prazo e considerava encaminhamento em massa o envio de uma mesma mensagem por mais de cinco usuários, em intervalo de até 15 dias, para grupos ou listas de transmissão, por exemplo.

Orlando Silva: Relatório estipula que a imunidade parlamentar material prevista na Constituição também se estende às redes sociais. Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

Em seu parecer, Orlando Silva mudou o dispositivo e estabeleceu que a autoridade judicial pode determinar aos provedores que preservem e disponibilizem os registros de interações de usuários por até 15 dias, desde que a finalidade seja constituir prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

O relatório define esses registros como dados de envio e recebimento de mensagens e chamadas de áudio pelas contas, com data e hora, sem que seja permitido associar os registros ao conteúdo das comunicações.

O prazo de 15 dias poderá ser renovado pelo mesmo período, até o máximo de 60 dias, desde que se comprove que esse meio de prova é indispensável.

A autoridade policial ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente aos provedores de mensagens que guardem os dados, desde que entrem com pedido de autorização judicial de acesso a esses registros em até 30 dias a partir da requisição de preservação de registros.

Se uma decisão judicial indeferir o pedido de disponibilização dos dados ou se não houver pedido de autorização judicial de acesso aos registros dentro do prazo, o provedor deverá eliminar os registros em até dez dias após a notificação pela autoridade competente.

O parecer de Orlando Silva retirou dispositivo aprovado pelos senadores e que previa que provedores de redes sociais pudessem pedir a usuários que apresentassem documentos para confirmar sua identidade em caso de denúncias de desrespeito à lei, indícios de contas automatizadas não identificadas, contas inautênticas ou em caso de ordem judicial.

O deputado destacou que havia o receio de que os dados pudessem ser "usados por plataformas para comercializar conteúdo direcionado ou mesmo falsificados" e disse que resultava na formação de cadastros desnecessários e no aumento da coleta de dados por parte das empresas, violando o princípio da necessidade previsto pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Ele também excluiu artigo do Senado que obrigava os serviços de mensagens privadas que ofereciam serviços vinculados a números de celulares a suspenderem as contas de usuários que tiveram os contratos rescindidos pelas operadoras de telefonia ou pelos usuários do serviço.

O texto prevê a aplicação da lei a provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagens instantâneas com mais de 10 milhões de usuários e também abrange provedores cujas atividades são realizadas por empresas sediadas no exterior.

As regras não se aplicam a enciclopédias online sem fins lucrativos, repositórios científicos e educativos ou plataformas fechadas de reuniões virtuais.

Conforme o relatório, presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares e ministros não poderão restringir a visualização de suas publicações por outras contas. O presidente Jair Bolsonaro costuma bloquear usuários que o criticam em redes sociais.


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O relatório estipula que a imunidade parlamentar material prevista na Constituição também se estende às redes sociais.

De acordo com o projeto, detentores de cargos eletivos, magistrados, membros do Ministério Público, das Forças Armadas e militares não poderão ser remunerados por publicidade em contas que tenham na internet.

Entidades e órgãos da Administração Pública deverão divulgar em portais de transparência informações sobre a contratação de serviços de publicidade e propaganda ou impulsionamento de conteúdo na internet, entre elas valor do contrato, forma de contratação, mecanismo de distribuição dos recursos e critérios de definição do público-alvo.

O texto prevê que conteúdos jornalísticos usados por provedores deverão gerar remuneração ao detentor dos direitos autorais do conteúdo, exceto em caso de simples compartilhamento do link da notícia, por exemplo.

Para diminuir as críticas, Orlando Silva contemplou em seu texto algumas demandas de governistas, como a afirmação de que a liberdade de expressão é direito fundamental dos usuários dos provedores e também a limitação, em vez de proibição, do encaminhamento de mensagens ou mídias para vários destinatários, de acordo com o estabelecido no Código de Conduta.

O relatório proíbe a venda de softwares, plugins e outras tecnologias que permitam disseminação em massa nos aplicativos de mensagens instantâneas. Também indica que os provedores devem criar soluções para identificar e impedir mecanismos externos de distribuição em massa.

Provedores deverão adotar medidas para vedar o funcionamento de robôs não identificados e exige que sejam identificados todos os conteúdos impulsionados e publicitários cuja distribuição tenha sido realizada mediante pagamento ao provedor, bem como os conteúdos referentes aos robôs.

As redes sociais e aplicativos de mensagens devem adotar medidas técnicas que viabilizem a identificação de contas que apresentem movimentação incompatível com a capacidade humana.

Provedores de redes sociais, aplicativos de mensagens instantâneas e ferramentas de buscas deverão produzir relatórios semestrais de transparência e disponibilizá-los em seus sites em português.

O relatório precisa informar procedimentos e decisões sobre a intervenção ativa de contas e conteúdos gerados por terceiros que impliquem a exclusão, redução de alcance, sinalização de conteúdos e outras que restrinjam a liberdade de expressão, e também as medidas empregadas para cumprir a lei.

Os provedores de redes sociais e mensagens instantâneas que decidirem excluir ou reduzir o alcance de contas deverão notificar o usuário sobre a medida aplicada e o seu âmbito territorial, a fundamentação, procedimentos e prazos para pedir a revisão da decisão, fornecendo informações claras e adequadas sobre critérios e procedimentos utilizados.

As empresas também devem responder de modo fundamentado e objetivo aos pedidos de revisão de decisões e providenciar a sua reversão imediata quando constatado equívoco.

Segundo o relatório, provedores que fornecerem impulsionamento de propaganda eleitoral ou de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou partido devem disponibilizar ao público todo o conjunto de anúncios impulsionados, incluindo informações sobre total gasto, identificação do anunciante, por meio do CNPJ ou CPF do responsável pela contratação do impulsionamento, tempo de veiculação, entre outros dados.


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O texto especifica o crime de promover ou financiar, pessoalmente ou por meio de terceiros, com uso de robôs e outros meios ou expedientes não fornecidos diretamente pelo provedor, a disseminação em massa de mensagens com fatos que sabe inverídico e passíveis de sanção criminal que causem dano à integridade física das pessoas ou sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral.

A punição prevista é de reclusão de um a três anos e multa.

O projeto traz sanções civis, criminais ou administrativas, em caso de descumprimento das obrigações previstas em lei, entre elas a advertência, com indicação de prazo para correção, e multa de até 10% do faturamento do grupo no Brasil no seu último exercício. Há previsão também de suspensão temporária e proibição de exercício das atividades.

Os valores das multas aplicadas serão destinados ao Ministério da Educação.

Os provedores deverão criar instituição de autorregulação voltada à transparência e à responsabilidade no uso da internet, com finalidade de criar e administrar plataforma digital para receber denúncias sobre conteúdos ou contas e tomada de decisão sobre medidas a serem implementadas por seus associados.

O relatório altera a lei da internet para ampliar de seis meses a um ano o prazo para que o provedor de aplicações de internet mantenha registros de acesso a aplicações de internet, inclusive os registros que individualizem o usuário de um endereço IP de maneira inequívoca.

Em prazo de cinco anos a partir da publicação da lei, a regra será revista, com base nas informações geradas pelos relatórios semestrais de transparência.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/12/projeto-das-fake-news-que-amplia-obrigacoes-de-big-techs-avanca-na-camara.shtml


Alon Feuerwerker: O ovo cru e o omelete

A dúvida é como vamos sair da pasmaceira. Um caminho é sempre a eleição presidencial

Alon Feuerwerker / Análise Política

Um aspecto tem passado algo despercebido em todo esse imbróglio sobre o novo valor do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) e de onde virão os recursos: o assunto ter provocado a necessidade de aprovar uma emenda constitucional. Isso parece ter decorrido de dois fatores: a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os precatórios e o teto de gastos ter sido lá atrás introduzido na Constituição.

Tudo sempre guarda alguma explicação, mas é bastante anômalo que decisões simples de governo tenham passado a depender de mudar sistematicamente a Constituição. É um sintoma de várias coisas, antes de tudo de ter caducado a ordem constitucional construída em 1988. É sintoma também do grave enfraquecimento do Executivo. Uma tendência inaugurada pelas vicissitudes de Dilma Rousseff e acelerada no intervalo Michel Temer.

A eleição de Jair Bolsonaro representou um impulso à retomada da centralidade política do Palácio do Planalto, mas a tendência centrífuga retornou conforme o presidente se enfraqueceu devido aos próprios erros políticos, especialmente na abordagem da Covid-19. E chegamos à situação atual, quando mexer nos programas sociais depende de PEC, e a rotina diária dos ministros do STF supõe passar o tempo desfazendo o que o governo faz.

A situação agrada a quem está na oposição pois vai levando à progressiva paralisia governamental, e também neutraliza as teóricas vantagens operacionais da maioria congressual. Antigamente, governar dava trabalho. Era preciso ganhar a eleição de presidente e formar base parlamentar sólida. Hoje em dia, basta eleger meia dúzia de deputados e recorrer ao STF quando o governo faz algo que desagrada à opinião pública.

É uma situação confortável para quem, na política, não tem perspectiva de poder formal e regular, e também para quem mais influencia o ir e vir dos cordéis que movimentam a opinião pública. A dúvida é sobre a sustentabilidade. Um debate constante no Brasil é se as instituições estão funcionando. Estão funcionando sim, e funcionando tanto que o sistema de freios e contrapesos chegou ao estado da arte, com eficiência ótima: tudo travou.

A dúvida é como vamos sair da pasmaceira. Um caminho é sempre a eleição presidencial. O problema: faz muito tempo a humanidade já sabe como transformar ovo cru em omelete, mas a rota inversa é um mistério que permanece insolúvel, desde sempre, aos mais brilhantes cérebros científicos. É ilusão imaginar que bastará eleger alguém para “as instituições” recolherem-se à casinha.

Mas História não é Biologia ou Química. Na História, o omelete pode voltar a ovo cru. Geralmente, situações assim são destravadas por alguém que acaba cortando o nó górdio. Uma coisa é certa, como já foi dito: o cenário crônico de paralisia política, baixo crescimento econômico e travamento institucional não permanecerá indefinidamente. Alguma transição virá. Há apenas duas dúvidas: quem a fará e como.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/11/o-ovo-cru-e-o-omelete.html


Janio de Freitas: No país que nunca chega lá

Não se vê bom senso que preveja resultados não assustadores para o próximo ano

Janio de Freitas / Folha de S. Paulo

Piores notícias sobre o custo de vida e as condições da economia fortalecem, a cada dia, o contraste entre a urgência social de impulsos reais para a retomada e a inabilitação embromatória de Paulo Guedes. Nos últimos dias, sucederam-se as seguintes constatações, carentes da divulgação com a visibilidade necessária:

— A produção industrial caiu, em outubro, pelo quarto mês consecutivo. Já em pleno período de atividade para abastecer o comércio natalino. Queda de produção tem reflexo direto em desemprego, redução de salários em eventuais contratações e queda de arrecadação federal e local;

— 70% dos trabalhadores recebem, hoje, menos do que recebiam antes da pandemia, em 2019. E esses dados nem estão com atualização precisa. O economista Daniel Duque fez o estudo, na Fundação Getulio Vargas, com dados até junho. Mas nos quatro meses desde então, os componentes da pesquisa só a fariam mais ácida. A favor de Bolsonaro e Paulo Guedes, a pesquisa teve a correção de registrar ganhos, também: nos 30% que tiveram ganho ou, ao menos, nada perderam, os 10% mais abonados ganharam 8% limpinhos.

— Os preços dos alimentos consumidos pelas camadas mais pobres aumentaram 20% nos últimos 12 meses e agressivos 40% durante a pandemia;

Sobre esse chão esburacado, e em apenas dois dias da semana passada, Bolsonaro soltou R$ 909 milhões de verbas para aplicação por parlamentares. Foi seu modo de aprovar na Câmara o tal "projeto dos precatórios" (dívidas oficiais com pagamento programado). Essa autorização de elevados gastos efetivaria também o remendo social, e sobretudo eleitoral, chamado Auxílio Brasil, substituto do bem-sucedido Bolsa Família. Nada mais incerto, porém.

Quase um bilhão deram a Bolsonaro apenas quatro votos acima do mínimo. Compra descarada, chantagem e corrupção enlaçadas, com deputados do PDT (de Ciro Gomes), do PSDB (de João Doria e Eduardo Leite) e do PSD (de Rodrigo Pacheco) invertendo sua oposição ao projeto. O quase bilhão cobre a segunda votação na Câmara e as duas no Senado.

Mesmo que obtenha as três aprovações, o rumo e o ritmo da degradação econômica prometem esvaziar o Auxílio em pouco tempo. O governo não terá meios financeiros nem políticos para mais bilhões de novo e apressado remendo. O escândalo da compra-e-venda, por seu lado, eclodiu também nos partidos e mexeu até com o rascunho de pré-candidaturas à eleição presidencial, acentuando a dificuldade já da próxima votação. Esvaziado e não recomposto o Auxílio, a realidade das diferenças socioeconômicas não se contentará com os tons de cinza tão atuais.

E surge, ainda, um problema benfazejo, na palavra incisiva de alta decisão judicial. Ao determinar a suspensão do sigilo e de liberações das chamadas emendas parlamentares —corrupção usual no pós-ditadura—, a ministra Rosa Weber feriu uma das imoralidades, senão a maior, que condenam o país a nunca chegar lá, quando se pretende uma solução necessária e correta, seja em que questão for.

Devida ao PSOL, a ação ainda irá ao plenário do Supremo, mas a grandiosa liminar de Rosa Weber abre um processo corretivo fundamental para hoje e o amanhã. Com ou sem apoio do plenário, o Supremo já pôs no cadafalso o truque ordinário das emendas corruptoras.

Se aprovado, o Auxílio não sustentará nem a situação grave deste momento. Tal como sua derrota não encontrará na perplexidade fantasiosa de Paulo Guedes, com "a venda da Petrobras" e "um trilhão em venda de imóveis da União", alguma inteligência contra a derrocada socioeconômica e seus fins imprevisíveis. Por isso não se vê bom senso que preveja resultados toleráveis para este ano e não assustadores para o próximo.

Até o Banco Central reduz as estimulantes previsões que emite. Não é preciso dizer mais. Exceto sobre a miséria que se alastra, a fome, a nova onda assassina contra os indígenas. E sobre o sugestivo prestígio das milícias do Sudeste que se implantam na exploração clandestina da Amazônia. Como Bolsonaro e a cúpula da Polícia Federal sabem.

Leia livre

As infiltrações, as traições e as delações fatais são um problema complexo, com nuances a cada caso, para o qual as experiências revolucionárias de século e meio não encontraram solução, apesar de todas suporem tê-la. Lucas Ferraz, um dos grandes repórteres brasileiros, dedicou-se ao tema por seis anos. E agora sai "Injustiçados" (Cia. das Letras): importante como relato histórico, incitante pela exposição de casos problemáticos na luta armada brasileira durante a ditadura, e de objetividade jornalística admirável —não faz nem discute teoria; conta erros que houve, acertos que faltaram, a força do medo. O leitor conhecerá e viverá o problema do perdão e do "justiçamento".

Lucas Ferraz integrou o melhor time de repórteres tido pela Folha. Hoje vive na Itália.

Fonte: Folha de S. Paulo


FT diz que Bolsonaro é 'incapaz' e terá eleição difícil com economia fraca

Jornal britânico diz que as 'falhas' do presidente 'vão muito além da pandemia'

Eduardo Gayer / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O jornal britânico Financial Times publicou nesta segunda-feira, 1º, um duro editorial contra o presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o texto, intitulado As falhas de Jair Bolsonaro vão muito além da pandemia, o presidente se mostrou incapaz de gerir as crises econômica e social que assolam o País, cometeu prevaricação na compra de vacinas contra a covid-19 e terá uma “luta difícil” pela reeleição, diante de uma recuperação vacilante da economia.

“Ao entrar no último ano de seu mandato, Bolsonaro se mostrou incapaz de administrar a economia ou a pandemia, e a maior nação da América Latina está pagando um preço alto”, afirma o FT, que cita as mais de 600 mil mortes pelo novo coronavírus e diz ser “fácil” culpar o presidente pela magnitude da crise causa pela covid-19. “Suas tentativas de minimizar a pandemia como uma gripezinha, sua prevaricação sobre as vacinas, sua veemente oposição às restrições sanitárias e sua promoção obstinada de remédios duvidosos forneceram ampla evidência para os críticos”, destaca o jornal. 

A publicação britânica cita ainda os processos que podem ser enfrentados por Bolsonaro, como os pedidos de indiciamentos presentes no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. “Poucos presidentes em exercício enfrentam tantos problemas jurídicos quanto o líder de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro”, afirma o jornal no começo do editorial. “A Suprema Corte está investigando alegações de que ele e seus filhos políticos espalharam notícias falsas deliberadamente. Ativistas ambientais querem que o Tribunal Penal Internacional o investigue por crimes contra a humanidade por seu suposto papel na destruição da floresta amazônica”, acrescenta. 

FT, no entanto, vê poucas chances dos casos prosperarem na Justiça, devido ao alinhamento ao Palácio do Planalto do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). “A Suprema Corte, por sua vez, reluta em provocar uma crise constitucional e levar um presidente em exercício a julgamento”, afirma o texto sobre o Supremo Tribunal Federal. '

'Farra de gastos'

Com a via judicial “bloqueada” por questões políticas, o jornal britânico aposta na economia como a pedra no sapato para os planos políticos de Bolsonaro. “A ameaça mais potente às esperanças de reeleição de Bolsonaro pode muito bem vir a ser econômica, em vez de legal”, avalia o editorial. “A rápida recuperação econômica do Brasil da pandemia está vacilando; alguns analistas estão prevendo que o crescimento ficará negativo no próximo ano. O mercado de ações está tendo sua pior performance desde 2014, o real enfraqueceu e o prêmio de risco do País subiu.” 

FT chama o plano do Executivo de pagar R$ 400 no novo Auxílio Brasil apenas em 2022 de “farra de gastos pré-eleitorais”. “A indisciplina fiscal do governo e o espectro da inflação de dois dígitos já levaram o Banco Central independente a aumentar as taxas de juros”, afirma o texto.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é lembrado como um ex-guru da ortodoxia fiscal e, hoje, como alguém que cedeu ao financiamento do programa social com viés eleitoral. A debandada de sua equipe após a alteração no teto de gastos também é citada. “Quatro de sua equipe renunciaram à decisão; Guedes pode vir a desejar tê-los ouvido com mais atenção”, diz o FT.

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,financial-times-diz-que-bolsonaro-e-incapaz-e-tera-eleicao-dificil-com-economia-fraca,70003886558


Marcelo Nunes alerta para risco de fakes news na pré-campanha

Ex-servidor do TRE/ES, advogado especialista em direito eleitoral foi o quarto palestrantes do curso Jornada Cidadã 2022

João Rodrigues, da equipe da FAP

Na Aula 04 do curso Jornada Cidadã, ministrada na noite desta quarta-feira (27), foi abordado o tema “Direito e Regras Eleitorais na Campanha de 2022 – Legislação e Regulamentação do TSE: o que pode e o que não pode”, além de temas como federação partidária e as principais jurisprudências da Justiça Eleitoral. Marcelo Nunes, advogado especialista em direito eleitoral, tem mais de 20 anos de atuação em eleições nacionais e regionais.

O curso, destinado a pré-candidatos para as eleições do próximo ano e suas equipes, segue com inscrições abertas por meio da plataforma Somos Cidadania.

A aula completa está disponível no Youtube da FAP.

Confira o vídeo com parte da aula do professor Marcelo Nunes.




TSE tem maioria contra cassação de Bolsonaro/Mourão por disparos em massa

Cinco dos sete ministros da Corte votaram contra a deposição dos atuais chefes do Executivo Federal de seus respectivos cargos

Weslley Galzo e Pepita Ortega / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, em contraluz, durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: Dida Sampaio / Estadão

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já tem votos para rejeitar as ações que pedem a cassação dos mandatos do presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Cinco dos sete ministros da Corte votaram contra a deposição dos atuais chefes do Executivo Federal de seus respectivos cargos. A chapa é acusada de promover disparos em massa de notícias falsas e ataques a adversários, por meio do WhatsApp, durante as eleições de 2018.

Bolsonaro conquistou uma vitória parcial na primeira sessão do TSE realizada na terça-feira, 26. No início do julgamento nesta quinta-feira, 28, os ministros Carlos Horbach e Edson Fachin juntaram seu votos no sentido de absolver a chapa Bolsonaro Mourão. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e os ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos já haviam votado em tal sentido.

Embora os ministros já tenham descartado a alternativa judicial para afastar o presidente do cargo e impedi-lo de disputar a reeleição, no ano que vem, a Corte abriu discussão para aprovar uma nova tese jurídica sobre disparos em massa, com o objetivo de difamar oponentes. Cinco ministros já acompanharam a proposta do relator para a criação de tal tese.

O julgamento é marcado por recados ao Planalto sobre a disseminação de fake news e o processo eleitoral. O ministro Edson Fachin indicou que a Justiça Eleitoral tem o dever de antecipar as sanções a todos que violarem o processo eleitoral ‘ainda que isso venha a contrariar quem se apresente e eventualmente dele saia derrotado’. “A derrota e a vitória diante dos votos sufragados nas seguras urnas eletrônicas faz parte das regras do jogo democrático”, ponderou.

Já o ministro Alexandre de Moraes, que vai presidir o TSE nas eleições 2022, afirmou que é ‘fato mais do que notório’ que os disparos em massa ocorreram e continuam ocorrendo. “A neutralidade da Justiça que tradicionalmente se configura como a “Justiça é cega”, não se confunde com tolice. A justiça não é tola. Podemos nos absolver por falta de provas, mas nós sabemos o que ocorreu. Nós sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra. É muito importante esse julgamento, porque nós não podemos criar um precedente de que tudo que foi feito ‘vamos passar um pano’. Essa milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, conspiração, medo, influenciar eleições e destruir a democracia”, registrou.

O ministro ainda destacou a importância do julgamento, indicando que a falta de provas pode obstar uma condenação, mas não impede a ‘absorção, pela Justiça Eleitoral do modus operandi que foi realizado e vai ser combatido nas eleições 2022’. “Nós já sabemos os mecanismos, já sabemos quais as provas rápidas que devem ser obtidas, em quanto tempo e como. Não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamento espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados”, ponderou.

Alexandre ainda foi incisivo sobre a criação de uma tese sobre o tema, frisando a necessidade da mesma para o combate à disseminação de discurso de ódio ‘contra as eleições, contra a Justiça Eleitoral e contra a democracia’ nas eleições 2022. “Esse será um precedente importantíssimo para que a Justiça Eleitoral possa, assim com os outros mecanismo aprimorados nos últimos dois anos sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, ter mais um instrumento importante. Com um recado muito claro: se houver repetição do que foi feito em 2018 o registro será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil”, afirmou.

Assista!



Tese

Relator das ações, Salomão propôs que o julgamento sirva de baliza para casos semelhantes no futuro. Ele quer que o uso de aplicativos de mensagens com financiamento de empresas privadas, na tentativa de tumultuar as eleições com desinformação e ataques, passe a ser considerado como suficiente para condenar candidatos por abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A pena seria, além da eventual perda de mandato, a inelegibilidade por oito anos.

O corregedor propôs cinco parâmetros para analisar a gravidade de casos semelhantes: o teor das mensagens contendo informações falsas e propaganda negativa; a repercussão no eleitorado; o alcance do ilícito, em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos disparos; e o financiamento de empresas privadas, com a finalidade de interferir na campanha.
No mérito do caso envolvendo os atuais ocupantes dos Palácios da Alvorada e do Jaburu, o corregedor disse reconhecer a ocorrência de disparos em massa na campanha de 2018. Avaliou, porém, que as provas juntadas aos autos do processo não foram suficientes para condenar os vencedores da eleição presidencial. O caso tramita na Corte há quase três anos e já foi reaberto para reunir novos elementos.

“De fato, as provas dos autos demonstram que, ao menos desde o início da campanha, o foco residiu mesmo na mobilização e captação de votos mediante o uso de ferramentas tecnológicas, fosse na internet ou, mais especificamente, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas” afirmou Salomão. “Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados”, completou.

A despeito do conhecimento dos fatos, Salomão argumentou que “a parte autora (Coligação O Povo Feliz de Novo) não logrou comprovar nenhum dos parâmetros essenciais para a gravidade no caso, apesar das inúmeras provas deferidas nessas duas ações”. O voto do relator foi acompanhado integralmente pelo ministro Mauro Campbell e parcialmente por Sergio Banhos, que não reconheceu a existência dos disparos.

O TSE julga dois pedidos de investigação apresentados pela coligação “O Povo Feliz de Novo”, encabeçada pelo PT com o apoio do PC do B e do PROS. O julgamento é o último grande ato de Salomão como corregedor da Corte. Ele passará o cargo para o ministro Mauro Campbell na próxima sexta-feira, 29.

Como relator do caso, Salomão foi responsável por imprimir celeridade ao processo de investigação. Antes dele, outros dois ministros haviam conduzido as ações contra a chapa presidencial sem obter avanços.

A produção de provas começou a caminhar após cooperação entre Salomão e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio TSE. Em setembro, Moraes compartilhou as provas dos inquéritos das fake news e das milícias digitais com a Corte eleitoral. Durante a leitura do voto, Salomão citou diversas vezes os elementos probatórios levantados pelas investigações em curso no Supremo.

“As provas compartilhadas pelo STF corroboram a assertiva de que, no mínimo desde 2017, pessoas próximas ao hoje presidente Jair Bolsonaro atuavam de modo permanente na mobilização digital, tendo como modus operandi ataques a adversários políticos e, mais recentemente, às próprias instituições democráticas”, disse Salomão. “Essa mobilização que se pode aferir sem maiores dificuldades vem ocorrendo ao longo do ano em diversos meios digitais”.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/tse-retoma-acoes-que-pedem-cassacao-da-chapa-bolsonaro-mourao-assista-ao-vivo/


Bolsonaro aciona STF contra pedido da CPI para bani-lo das redes

Bolsonaro associou falsamente vacinas contra covid ao risco de desenvolver aids em live, excluída por redes sociais

DW Brasil

Após presidente ligar vacinas a aids, comissão no Senado aprovou requerimentos pela suspensão de suas contas nas redes sociais e a quebra de seu sigilo telemático. Em ação no Supremo, AGU pede anulação das decisões.

O presidente Jair Bolsonaro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão da CPI da Pandemia a favor da suspensão de suas contas nas redes sociais e da quebra de seu sigilo telemático.

A ação foi apresentada nesta quarta-feira (27/10), mirando requerimentos aprovados pela comissão no Senado em sua última sessão, na terça-feira, após Bolsonaro ter associado vacinas contra covid-19 ao risco de desenvolver aids. A falsa relação foi feita durante uma live transmitida em redes sociais na semana passada, posteriormente excluída por Facebook, Instagram e YouTube.

Um dos requerimentos determina que a CPI apresente ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, uma medida cautelar pedindo que o presidente seja proibido de se manifestar em redes sociais – como ocorreu com o ex-presidente americano Donald Trump, por iniciativa das próprias plataformas.

A decisão pede que o banimento de Bolsonaro ocorra "até ulterior determinação". A CPI ainda requer que o presidente seja obrigado a se retratar sobre a associação entre vacinas e aids, sob pena de R$ 50 mil por dia em caso de descumprimento.

A comissão também aprovou a quebra do sigilo telemático de Bolsonaro sobre seu uso de redes sociais do Google, Facebook e Twitter, de abril de 2020 até o momento, e solicitou que os dados sejam enviados ao Supremo e à Procuradoria-Geral da República (PGR). Isso inclui dados como os IPs, cópias do conteúdo armazenado e informações sobre quem administra as publicações.

A ação de Bolsonaro

No mandado de segurança enviado ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela defesa judicial do governo, pede que os requerimentos sejam anulados, justificando que as decisões extrapolam as competências da comissão de senadores.

"Note-se que não há poderes de investigação criminal ou para fins de indiciamento, seja da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, em face do presidente da República, no âmbito de CPIs ou de qualquer outra Comissão Parlamentar, seja a que título for", diz a AGU.

A ação também afirma que a CPI inverteu "de forma integral" a garantia dos direitos de Bolsonaro, já que a comissão não poderia "instar órgão jurídico a promover a investigação e responsabilização do presidente da República, o qual, conforme delineado, não pode sequer ser convocado como testemunha no âmbito da CPI".

Ainda nesta quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes foi escolhido como relator da ação de Bolsonaro no STF, uma vez que ele já relata outros casos ligados ao mesmo tema.

Mentira sobre aids

Em sua live da quinta-feira passada, Bolsonaro leu um texto afirmando que vacinados com as duas doses contra a covid-19 estariam desenvolvendo a "síndrome da imunodeficiência adquirida" – o nome oficial da aids – "mais rápido do que o previsto" e que tal conclusão era supostamente apoiada em "relatórios oficiais do governo do Reino Unido".

No entanto, não há estudos do governo do Reino Unido que mencionam tal risco. Entidades médicas e cientistas imediatamente desmentiram o presidente em redes sociais.

A notícia falsa citada por Bolsonaro foi publicada originalmente pelos sites Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva, este último um site antivacinas que veiculou fake news ao longo da pandemia. Os dois sites se basearam numa página em inglês conhecida por espalhar teorias conspiratórias.

O site Aos Fatos apontou que os textos divulgados por Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva inseriram de maneira fraudulenta uma tabela que não existia em documentos oficiais das autoridades sanitárias do Reino Unido.

Antes da última sessão da CPI na terça-feira, o relator Renan Calheiros comentou a live de Bolsonaro e chamou o presidente de "serial killer que tem compulsão de morte e continua a repetir tudo que já fez anteriormente".

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-aciona-stf-contra-pedido-da-cpi-para-bani-lo-das-redes/a-59648794


CPI da Covid quer que Bolsonaro seja banido das redes sociais

Presidente usa redes sistematicamente para espalhar mentiras. Relatório da CPI o apontou como líder de rede de fake news

DW Brasil

Pedido ocorre após presidente usar live para espalhar mentira que relaciona vacinas à aids. Donald Trump perdeu contas em redes sociais no início do ano após estimular invasão do Capitólio.

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), quer que o presidente Jair Bolsonaro seja banido das redes sociais. O pedido deve ser incluindo no relatório final do colegiado, que vai ser votado nesta terça-feira (26/10).

A medida é apoiada pela maioria dos membros da CPI e deve incluir um pedido de medida cautelar nesse sentido a ser encaminhada ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, responsável pelo inquérito das fake news, que já investiga uma rede bolsonarista de disseminação de mentiras.

O pedido da CPI ocorre quatro dias depois de Bolsonaro usar uma live para fazer declarações que associaram falsamente as vacinas contra covid-19 ao risco de desenvolver aids. Essa foi apenas a última de dezenas de declarações mentirosas do presidente em relação aos imunizantes.

A live repleta de mentiras de Bolsonaro acabou sendo excluída pelo Facebook, Instagram e YouTube. A última plataforma tambémsuspendeu a conta do presidente por sete dias. Não é a primeira vez que o presidente tem conteúdo apagado pelas redes ao longo da pandemia. No ano passado, ele já teve publicações com conteúdo falso suprimidas pelo Twitter e Facebook.

"Bolsonaro reincide a cada dia, faz questão de cometer os mesmos crimes. Não muda. Só porque a CPI se encaminha para a reta final, ele acha que vai voltar a falar sozinho de novo nas redes sociais. Essa última declaração, sobre vacina e aids, agrava ainda mais as circunstâncias dele", disse o senador Renan Calheiros ao jornal O Estado de S. Paulo.

"Vou fazer um registro duro no relatório da CPI e estamos, adicionalmente, entrando com ação cautelar junto ao STF para bani-lo das redes", completou.

No início do ano, Twitter, Facebook e YouTube baniram Donald Trump após o ex-presidente americano estimular a invasão do Capitólio, a sede do Congresso do país, uma ação que resultou na morte de cinco pessoas. Assim como Bolsonaro, Trump usava as redes sistematicamente para espalhar mentiras e ataques.

Na semana passada, o relatório da CPI da Pandemia imputou nove crimes a Bolsonaro, inclusive o de "incitação ao crime" por espalhar sistematicamente notícias falsas e incitar o desrespeito às medidas contra a pandemia. O relatório também apontou que Bolsonaro comanda uma rede de fake news com a participação de seus filhos e blogueiros bolsonaristas.

Mentira sobre aids

No vídeo da última quinta-feira, Bolsonaro leu um texto afirmando que vacinados com as duas doses contra a covid-19 estariam desenvolvendo a "síndrome da imunodeficiência adquirida" - o nome oficial da aids - "mais rápido do que o previsto" e que tal conclusão era supostamente apoiada em "relatórios oficiais do governo do Reino Unido".

No entanto, não há estudos do governo do Reino Unido que mencionam tal risco. Entidades médicas e cientistas imediatamente desmentiram o presidente em redes sociais.

A notícia falsa citada por Bolsonaro foi publicada originalmente pelos sites Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva, este último um site antivacinas que já veiculou fake news ao longo da pandemia. Os dois sites se basearam numa página em inglês conhecida por espalhar teorias conspiratórias.

O site Aos Fatos apontou que os textos divulgados por Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva inseriram de maneira fraudulenta uma tabela que não existia em documentos oficiais das autoridades sanitárias do Reino Unido.

Bolsonaro parece ter se dado conta na live sobre o potencial de sanções das redes sociais e se limitou a ler apenas o título e recomendar aos espectadores a procurarem ler o material. "Não vou ler porque posso ter problemas com minha live."

Na segunda-feira, Bolsonaro ainda tentou justificar suas declarações com novas mentiras, afirmando que elas constavam numa matéria da revista Exame. No entanto, a matéria da revista, publicada em outubro de 2020, a que o presidente se referiu não tem nada a ver com as falas mentirosas feitas durante a live da semana passada.

Método de fake news

Não é a primeira vez que Bolsonaro menciona estudos inexistentes para embasar sua agenda negacionista. Em fevereiro, ele mencionou um "estudo de uma universidade alemã" para afirmar que o uso de máscaras são "prejudiciais a crianças". No entanto, como a DW Brasil revelou, o tal "estudo" não passava de uma mera enquete online altamente distorcida. Da mesma forma, a notícia havia sido divulgada inicialmente por ativistas negacionistas antes de chegar ao presidente.

Bolsonaro tem feito declarações contra vacinas desde o ano passado. Num dos casos mais notórios, ele comemorou publicamente uma suspensão temporária de testes sobre a eficácia da Coronavac. Ele também continua se recusando a tomar qualquer vacina contra a covid-19. É o único líder de um país do G20 que ainda não o fez.

Mesmo a estratégia de usar material falsificado e depois tentar minimizar a má repercussão citando de maneira distorcida um texto legítimo não é nova.

Em junho, Bolsonaro divulgou um documento mentiroso e fraudulento que apontava "em torno de 50% dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid". Bolsonaro disse que o documento havia sido elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que não era verdade.

Mais tarde, quando a falsificação foi apontada, o presidente e seus apoiadores passaram a divulgar um relatório verdadeiro porém antigo do TCU que levantava a hipótese de risco de supernotificação de casos da doença - mas era só um alerta, não significando que isso tenha ocorrido.

Repúdio

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) foi um dos grupos que desmentiu a fala de Bolsonaro que associou vacinas à aids. Em nota, a entidade repudiou "toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente". A nota foi endossada pela Associação Médica Brasileira (AMB).

No Twitter, a epidemiologista Denise Garrett, do Instituto de Vacinas Sabin (EUA), reiterou que nenhuma das vacinas para covid-19 aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) causam HIV. Ela também chamou Bolsonaro de "inescrupuloso", "mentiroso" e "criminoso".

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/cpi-quer-que-bolsonaro-seja-banido-das-redes-sociais/a-59627208


Elio Gaspari: Para os doidos, fracasso é sucesso

Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ainda não se deu conta de que cloroquina é ineficaz para a Covid

Elio Gaspari / O Globo

Na sexta-feira completam-se 140 anos do dia em que Machado de Assis começou a publicar a história do médico Simão Bacamarte, “O alienista”. Ele era “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua”. Essa obra-prima está na rede. Lendo-a, recua-se no tempo e descobre-se que o doutor Bacamarte tinha suas razões. Bem que D. Pedro II avisaria, oito anos depois, na noite em que o embarcaram para o desterro: “Os senhores são uns doidos”.

Morrem 600 mil pessoas numa epidemia que o monarca republicano chamou de “gripezinha“, e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ainda não se deu conta de que cloroquina é um medicamento ineficaz para a Covid. Em dois anos, dois ministros da Saúde foram embora porque não queriam receitar a poção. Já o ministro da Tecnologia, um astronauta e coronel da reserva, garantiu, em abril de 2020, que pesquisadores do governo haviam descoberto um remédio contra o vírus. Não disse o nome, mas garantiu que ele estaria disponível em poucas semanas.

Os doidos estavam chegando, mas não se pode dizer que avançavam apenas sobre a saúde pública. Na semana passada, a Petrobras leiloou 92 blocos oceânicos e 87 encalharam por falta de interessados. Ninguém quis se meter com a exploração em áreas de proteção ambiental próximas à ilha de Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas. O diretor da Agência Nacional de Petróleo veio à vitrine e anunciou: “O leilão foi um sucesso”. (No dia 1º de novembro começa em Glasgow, na Escócia, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.)

Machado de Assis conhecia os doidos de seu tempo. Nos Estados Unidos um grande empresário subornava servidores para sustentar que a condução da eletricidade por fios incendiaria cidades inteiras. No Brasil, os três homens mais ricos da terra, com três mil escravos, tinham um patrimônio equivalente a 10% do valor de todo o capital investido em ações e empresas. No Senado, um magano dizia que a escravidão era uma prova de caridade cristã, pois os senhores prestavam um grande serviço aos escravos.

Machado criou seu Simão Bacamarte, D. Pedro foi-se embora reclamando dos doidos. Ambos sabiam que, de tempos em tempos, os malucos dão as cartas.

A BBC via a ditadura pelo andar de baixo

Começa a chegar às livrarias a partir desta semana “Nossa correspondente informa — Notícias da ditadura brasileira na BBC de Londres: 1973-1985”, da jornalista Jan Rocha. É uma coleção de centenas de textos curtos que a repórter mandou para a emissora inglesa. O primeiro trata do lançamento da anticandidatura de Ulysses Guimarães à presidência da República. Era uma anticandidatura porque não tinha chance de vitória. A eleição seria indireta, e o presidente seria o general Ernesto Geisel. Um dos últimos textos, de 1985, conta o enterro de Tancredo Neves, eleito indiretamente numa ditadura que agonizava.

Em geral, os correspondentes estrangeiros olham muito para o andar de cima. Jan Rocha olhava quase sempre para o andar de baixo. Índios, fome, meio ambiente e, sobretudo, a repressão política. Tratava de assuntos que a censura proibia e da própria censura. Enquanto o “milagre brasileiro” encantava muita gente, a correspondente da BBC ouvia as queixas da Igreja Católica que, liderada pelo cardeal Arns, de São Paulo, opunha-se aos governos.

Os textos de Jan Rocha atravessam as dificuldades da política de abertura do governo Geisel. Em 1974, ela contou as prisões de professores paulistas, entre os quais esteve o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, chamado para um interrogatório. Anos depois, escreveu sobre a primeira greve de um movimento sindical supostamente domesticado. Lá estava a figura de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1985, Rocha registrou a saída de João Batista Figueiredo, o último general do ciclo.

Ele deixou o Palácio do Planalto por uma porta lateral.

É boa leitura para quem quer saber da época e volume valioso para pesquisadores que queiram ver além da névoa da censura.

Tunga de livreiros voltou ao ar

Renasceu das cinzas uma ideia que pareceu enterrada durante o governo Temer. É o tabelamento dos livros à francesa. Se vingar, nenhuma livraria, física ou eletrônica, poderá dar descontos superiores a 10% do preço de capa durante o primeiro ano de circulação de um livro. Lei parecida existe na França há 40 anos.

Quando essa girafa surgiu, Jeff Bezos era um garoto a caminho da universidade de Princeton. De lá para cá, do nada, ele criou a Amazon e se tornou um dos homens mais ricos do mundo. Começou vendendo livros a US 9,99 (hoje custam cerca de US$ 15). Seu negócio é dar desconto, em tudo. Não há no mundo quem tenha reclamado por ter comprado uma coisa barata na Amazon ou em qualquer outro lugar. Desde que surgiu o Estado, apareceram tabelamentos para impedir que se cobre a mais. Nesse caso, querem tabelar para impedir que se cobre a menos.

O mercado editorial brasileiro melhorou durante a pandemia. Quando ele esteve no apogeu, algumas editoras brasileiras imprimiam seu livro na China, onde a mão de obra era barata. Desde então, grandes redes de livrarias quebraram porque se meteram numa ciranda de vendas consignadas. Problema de quem micou, dando-lhes crédito.

O projeto da tunga no preço do livro dorme no Senado. O tabelamento de um produto para impedir que os consumidores paguem menos é a joia que falta ao mandarinato liberal de Paulo Guedes.

Recordar é viver

Hostilidade da infantaria petista não começou com a vaia a Ciro Gomes na Avenida Paulista.

Em 1984, o PT queria iniciar sozinho sua campanha pelas eleições diretas, mas o comício que organizou ficou fraco. Pouco depois, o governador paulista Franco Montoro começou a montar o comício na Praça da Sé.

Todo mundo sabia que seria um sucesso, mas, para não ser vaiado pela infantaria petista, Montoro chegou ao palanque com Lula. Quem costurou a cena foi o advogado Márcio Thomaz Bastos.

Classificado

O feirão de imóveis da Viúva no Rio incluiu a casa que pertenceu ao general Osório, o grande comandante da cavalaria durante a Guerra do Paraguai. É uma construção térrea, com 13 janelões e bonitos azulejos. Fica na Rua Riachuelo, perto da Lapa, e é um bonito exemplar da arquitetura da época em que ela se chamava Matacavalos.

Quem comprar o casarão ficará com um pedaço da história do Brasil no seu patrimônio.

Tem gato na tuba

A ruína da marca da Prevent Senior provocou um estranho movimento no mercado de operadoras de planos de saúde.

Começou uma satanização das empresas verticalizadas, que operam com plantéis médicos, hospitais e laboratórios próprios, controlam seus custos e cobram menos.

Tem gato nessa tuba, pois as malfeitorias cometidas pelo Executivo, pelas agências reguladoras e pelas operadoras verticalizadas ou não, foram coisa de malfeitores, nada a ver com os seus modelos.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/para-os-doidos-fracasso-sucesso-25231486