Fake News

El País: Tércio Arnaud, o “rapaz das redes” de Bolsonaro no centro da trama desbaratada pelo Facebook

Número dois da estratégia digital, atrás de Carlos Bolsonaro, é símbolo da rede suspensa que pode virar dor de cabeça para Governo no TSE e Supremo. CPI das 'Fake News' solicita dados

Afonso Benites, El País

Se trabalhasse em uma empresa privada, Tércio Arnaud Tomaz seria um daqueles raros casos que, em dois anos, sairia do cargo de estagiário para o de assessor direto do CEO, com aumento salarial de sete vezes. Entre 2017 e 2019 ele foi de secretário parlamentar de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, quando era chamado pelo chefe de o “rapaz das redes”, para assessor especial da presidência, com vencimentos de quase 14.000 reais. Nesse meio tempo, passou uma temporada no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, no Rio, onde foi treinado para virar o número dois da estratégia digital da família. A promoção se deve à sua extensa ficha de serviços prestados, incluindo a tarefa, de acordo com especialistas e o Facebook, de disseminar desinformação pró-Bolsonaro pela Internet.

A conta de Tércio foi uma das 88 (entre perfis pessoais e páginas) no Brasil que foram suspensas pelo Facebook e pelo Instagram por infringir as regras de conduta dessas redes sociais. Em outros quatro países – EUA, Canadá, Equador e Ucrânia – foram mais 402, após extensa investigação feita pelo Laboratório Forense Digital do centro de estudos Atlantic Council, a pedido do próprio Facebook. O assessor íntimo do Planalto é um símbolo da ofensiva da rede social, que está sob pressão para deter a disseminação de conteúdo tóxico em meio a uma campanha global de boicote de marcas.

A suspensão da miríade de perfis é mais um elemento que joga luz na controversa estratégia digital do presidente de ultradireita brasileiro, que, no poder, segue acionando o apelidado “gabinete do ódio” para promover o presidente e moer reputações. A eficiente máquina de propaganda que o levou ao poder e o intenso uso das redes sociais pela militância digital já estavam sob escrutínio. Tramita no Supremo Tribunal Federal um inquérito que apura um esquema de disseminação de fake news que já pôs outros bolsonaristas na mira. O tema também é objeto de uma investigação no Congresso. Além disso, a conduta de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 ainda é alvo de uma lenta, mas perigosa ação no Tribunal Superior Eleitoral, que apura o uso do WhatsApp para envio ilegal de mensagens em massa. Todas as três frentes podem acabar sendo alimentadas pelas informações expostas pelo Facebook.

Bolsonaro, recolhido na residência oficial desde que informou ter contraído coronavírus na terça-feira, reagiu. Em sua transmissão ao vivo semanal pelo próprio Facebook, o presidente reclamou da ação da rede social. “Vemos que o Facebook derrubou páginas em todo o mundo. No Brasil, sobrou pra quem está do meu lado, pra quem é simpático à minha pessoa. A esquerda fica posando de moralista, mas olha aqui, blog me associando ao nazismo. Bolsonaro decapitado. Ninguém fala em derrubar essas páginas”, disse. Ao longo da semana, o aplicativo WhatsApp, que também pertence ao conglomerado de Marc Zuckerberg, derrubou contas vinculadas ao PT por disparo de mensagens em massa, o que infringe regras da companhia.

Procurado pela reportagem, o assessor presidencial não atendeu ao pedido de entrevista. Ele é apontado pela auditoria como o responsável pela página @bolsonaronewss, um canal de dispersão de conteúdos pró-Bolsonaro que atacava adversários políticos. Os alvos eram diversos. Desde seus antagonistas nas eleições de 2018 (principalmente do PT), passando por neo-opositores, como os governadores João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), e chegando em antigos ministros, como Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro e Carlos Alberto Santos Cruz.

Dois ex-aliados de Bolsonaro relataram à reportagem que Tércio se aproximou do hoje presidente em 2017, quando ficou famoso como administrador do perfil Bolsonaro opressor 2.0. A página, hoje extinta, tentava transformar o então deputado federal em uma pessoa humilde e ironizava os discursos contra minorias, tão frequente ao longo dos 28 anos de mandato de Bolsonaro na Câmara. Foi quando Tércio acabou contratado para trabalhar como assessor de Bolsonaro. Mudou-se de Campina Grande, na Paraíba, para o Rio de Janeiro. Além do emprego, morou de favor em um apartamento do parlamentar. O que despertou ciúmes do filho 03, o vereador Carlos, o responsável pelas redes do pai. Para evitar uma eventual disputa interna, Tércio saiu do gabinete de Jair para o de Carlos, na Câmara Municipal.

Na campanha eleitoral de 2018, quando Bolsonaro não tinha um assessor de imprensa oficial, era Tércio quem respondia às questões básicas da imprensa, como a agenda do candidato ou sobre em que momento ele daria uma entrevista coletiva. Também era ele quem enviava as fotos mais banais do presidente, como quando ele comia um pão francês e tomava um café em um copo de reaproveitado de requeijão em uma mesa sem toalhas.

O cargo no Planalto veio como uma premiação. Tornou-se um dos membros do batizado gabinete do ódio, o grupo formado por outros dois assessores – José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. Orientados por Carlos, são eles quem dão o norte da atuação de Bolsonaro nas redes e o que acaba mobilizando a militância digital.

Exemplos de memes criados pela página administrada por Tércio Arnaud, conforme o Laboratório Forense Digital do Atlantic Council.
Exemplos de memes criados pela página administrada por Tércio Arnaud, conforme o Laboratório Forense Digital do Atlantic Council.REPRODUÇÃO DO FACEBOOK

De ascensão meteórica à dor de cabeça

Depois dessa ascensão meteórica, Tércio pode tornar-se de fato a cara vísivel da dor de cabeça que o presidente terá de administrar em seu Governo. Nesta quinta-feira, após a ação do Facebook, o presidente da CPI das Fake News, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), enviou um requerimento de informações à empresa para compartilhar os dados que havia nessas contas que foram bloqueadas. Se contatada irregularidades, Tércio deve ser denunciado criminalmente. “Não foi por crime que as páginas caíram. Foi por violar condutas internas da empresa Facebook. Agora, temos de saber se eles praticaram algum delito ou não”.

Um pedido de convocação de Tércio e dos outros dois membros do gabinete do ódio já foi aprovado. Assim que a CPI voltar, devem estar entre os primeiros a depor. “A retirada das páginas do ar mostra que a atuação do ‘gabinete do ódio’ seguia intensa. Isso reforça as denúncias que já vínhamos apurando na comissão”, disse a relatora do grupo, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA).

Do Judiciário, também vieram reações. Em seu Twitter, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o inquérito das fake news que tramita no Supremo e acossa a militância bolsonarista acabou sendo fortalecido. Disse ele: “A derrubada pelo Facebook de perfis envolvidos na divulgação de #fakenews demonstra a relevância do trabalho desenvolvido no chamado inquérito das fake news. Disseminar o ódio e incentivar ataques às instituições do país são atitudes que não podem ser toleradas em uma democracia”.

Enquanto assiste ao avanço das apurações contra o núcleo digital do Governo, Carlos Bolsonaro sinalizou, mais uma vez, que pode estar se afastando desse trabalho informal para seu pai. Em uma postagem em seu Twitter ele disse que aos poucos vai se “retirando do que sempre explicitamente” defendeu e que está “cagando pra esse lixo de fakenews e demais narrativas”. Também disse saber que ninguém é insubstituível, nem mesmo ele.

Entre os pesquisadores que rastreiam as redes de desinformação, há esperança de que o Facebook tenha começado a expor a ponta do iceberg que pode dar origem a outras investigações, mas também ceticismo. “Me parece que não acontecia apenas no Facebook e no Instagram. Quando alguém fala mal de Bolsonaro, a reação aparece em diferentes plataformas e em diferentes níveis”, diz ao EL PAÍS a pesquisadora Luiza Bandeira, que trabalha Digital Forensic Research Lab, da Atlantic Concil, e colaborou com o Facebook na investigação desses perfis. “Há muitas páginas e muitas contas que espalham essas coisas. Tem que usar [essa ação do Facebook] para começar a investigar outros autores que podem estar envolvidos”, completa. Já David Nemer, especialista em Antropologia da Informática que estuda o território virtual que abriga o bolsonarismo, é mais cauteloso: “A empresa tenta mostrar que está fazendo alguma coisa, tenta satisfazer várias frentes. Mas suspender 100 páginas não é nada”, argumenta o pesquisador. “É preciso ter cautela: essa ação não é nada mais nada menos que uma ação de relações públicas, sem efeito a longo prazo”.

Colaborou Felipe Betim.


Cora Rónai: É impossível acreditar em Bolsonaro

Torço para que Bolsonaro fique bem para, um dia, responder pelos seus atos diante do Tribunal Internacional de Haia

Quando Bolsonaro disse que não estava com Covid-19, em março, ninguém acreditou. Agora ele diz que está — e, claro, ninguém acredita de novo. Parece bobagem, mas só isso já bastaria para torná-lo inapto para o cargo em qualquer país minimamente funcional: um presidente em cuja palavra ninguém acredita nunca não tem condições de governar um país.

Aqueles famosos 30% não estão, claro, incluídos nesse “ninguém”. Eles acreditam. Mas eles também acreditam que o seu líder é boa pessoa, que a quantidade de milicianos envolvidos no assassinato de Marielle em torno da famiglia é simples coincidência e que Rodrigo Maia é comunista. Alguns acreditam até que a Terra é plana.

É muito sintomático que, quando a notícia se espalhou, nenhum jornal tenha tido confiança suficiente na fonte para afirmar que o presidente estava infectado. Em vez disso, o que se lia nas manchetes era “Bolsonaro diz que está com Covid-19”. Imaginem se na Alemanha ou na Nova Zelândia, governadas por mulheres de palavra, alguém precisaria tomar esse cuidado.

Quando a imprensa de um país não tem coragem de dar como verdadeira a declaração de um presidente a respeito da própria saúde, por qualquer motivo que seja, quem vai mal é o país.

As manchetes só mudaram quando o atestado foi exibido. E, ainda assim, muita gente — essa colunista y compris — continua não acreditando. Que valor tem um atestado em nome de Jair Messias Bolsonaro? Por que acreditar no atestado de um hospital que já aceitou fazer exames com nomes falsos? Em que circunstâncias foram feitos os exames anteriores? E em que circunstâncias foi feito o atual? Por que os resultados negativos foram ocultados por tanto tempo, e o resultado positivo foi exibido assim que saiu, com tanta festa?

Corta para o garoto-propaganda da cloroquina.

Acho que nunca antes na história deste país descemos tão baixo: um presidente da República fazendo o papel de charlatão oficial, apregoando uma droga equivocada, dando risada.

— Bem, estou aqui tomando a terceira dose da hidroxicloroquina. Tou me sentindo muito bem. Tava mais ou menos domingo, mal segunda-feira, hoje, terça, tou muito melhor do que sábado. Então, com toda a certeza, tá dando certo. Eu confio na hidroxicloroquina. E você?

Apesar do mal que ele já fez, apesar do mal que ele está fazendo e do mal que essa declaração ainda vai fazer, torço para que Bolsonaro se recupere.

Se ele estiver mesmo infectado, coisa na qual não acredito, como não acreditei antes que não estivesse, quero que tenha uma experiência Boris Johnson da doença: suficientemente didática para que saia do hospital convencido de que a Covid-19 não é apenas uma gripezinha, agradecendo aos médicos e enfermeiros pela sua vida e, sobretudo, tendo respeito pelo sofrimento e pela vida dos outros.

Torço para que fique bem e que mantenha o “histórico de atleta” para, um dia, responder pelos seus atos diante do Tribunal Internacional de Haia — o destino dos genocidas quando se faz Justiça no mundo.


Ascânio Seleme: Fake news podem matar

Ao longo da história houve diversos casos que foram emblemas do perigo que notícias falsas representam para as instituições, a política e a vida humana

Não é de agora que corações e consciências são contaminados por fake news. Hoje, a contaminação é mais rápida, quase instantânea, em razão da internet e das redes sociais. Mas ao longo da história houve diversos casos que foram emblemas do perigo que notícias falsas representam para as instituições, a política e a vida humana. Sobretudo se elas forem patrocinadas pelo Estado. Vale destacar como se empreendeu uma das primeiras fake news brasileiras, no final do século 19, e que se encarregou de construir uma imagem falsa de Antônio Conselheiro, quais os seus objetivos e quem patrocinava sua pregação mística em Canudos. O resultado foi uma guerra de três anos com quatro expedições armadas que deixaram cerca de 25 mil mortos.

Antônio Conselheiro era um homem desiludido que vagou pelos sertões do Nordeste por 25 anos, desde que flagrou sua mulher o traindo com um sargento da força pública. Ao longo de sua peregrinação foi ganhando notoriedade como curandeiro e pastor. Em 1893, ele se estabeleceu no Arraial de Canudos, lugarejo baiano quase inabitado. Com sua presença, a vila cresceu a ponto de ter mais de cinco mil casas de taipa na data da sua capitulação. Ele declarou o local independente e o batizou de Belo Monte. Sua pregação contra a República, instalada no Brasil quatro anos antes, se dava porque o novo regime voltava suas costas para o interior do Brasil, de onde apenas recolhia impostos.

Conselheiro transformou-se num inimigo a ser batido. Em seu território no sertão da Bahia, os poderes constituídos não entravam, e a pregação anti-República gerou um pavor de que poderia crescer e se espalhar, dada a sua capacidade de arregimentar pessoas, sobretudo os mais pobres e os abandonados. Para convencer os cidadãos que viviam no Rio, em São Paulo e outras grandes cidades, os adeptos do então presidente Floriano Peixoto passaram a difundir a informação de que Antônio Conselheiro era monarquista, e Canudos estava sendo armada e financiada pela Inglaterra. Uma mentira deslavada.

O resultado dessa fake news foi uma grande adesão à República, contra os monarquistas, contra Conselheiro e todos os que fossem apontados como simpáticos à sua causa. O fracasso das três primeiras incursões armadas a Canudos insuflou ainda mais as pessoas. A mentira de que os monarquistas eram ligados a Conselheiro gerou quebra-quebras. Monarquistas eram perseguidos e alguns foram mortos, como o dono do jornal “Gazeta da Tarde”, Gentil de Castro. Acusado pelos jacobinistas florianistas, partidários de Floriano Peixoto, de ter mandado armas e dinheiro para Conselheiro, Gentil foi assassinado, seu jornal empastelado e sua casa apedrejada.

Euclides da Cunha provaria em “Os Sertões” que Conselheiro e seus seguidores não passavam de um bando de miseráveis famintos. Nunca foram e jamais seriam conspiradores monarquistas. Nenhuma libra britânica foi enviada a Canudos. Soube-se também que Gentil de Castro nunca teve qualquer contato ou ligação com Antônio Conselheiro e muito menos mandou armas ou dinheiro para Canudos. Ele era um monarquista, sim, mas dialogava civilizadamente com republicanos, pessoalmente ou através de artigos publicados em seus jornais. Mario Vargas Llosa, em “A Guerra do Fim do Mundo”, sobre Canudos, diz que “a mentira repetida dia e noite vira verdade”.

Conto outra
Outra fake news histórica foi patrocinada pelo governo dos Estados Unidos após o atentado de 11 de setembro de 2001. Para poder invadir o Iraque e desbaratar a Al Qaeda, os EUA sustentaram com dados falsos ou forjados que Saddam Hussein fabricava armas químicas e que poderia utilizá-las em território americano. Em 2003, as forças armadas de uma coalizão de países capitaneados por George W. Bush bombardearam e depois invadiram o Iraque. O secretário de Estado americano da época, general Colin Powell, hoje arrepende-se por ter endossado a mentira que levou à guerra e à morte de 400 mil civis desde a invasão até a retirada das tropas americanas, em 2011.


El País: A era do ‘vale-tudo’ nas redes sociais está acabando

Decisões importantes do Youtube, Facebook, Reddit e Twitch demonstram que não é mais permitido todo discurso político

Nos últimos dias houve novidades impactantes para o futuro das redes sociais. Nenhuma decisão por si só é brutalmente inovadora. Mas seu fluxo incessante indica o caminho que as redes adotaram: o discurso de ódio não é permitido e a linha vermelha ficará cada vez mais clara. A guerra sobre onde está o limite marcará o futuro da Internet.

Em ordem de importância, as decisões foram estas quatro: primeiro, o Twitch removeu temporariamente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de sua plataforma. O Twitch é uma rede de transmissões ao vivo dedicadas principalmente a videogames. Mas seu crescimento é contínuo e os streamings são cada vez mais variados. O conteúdo que aparentemente provocou a suspensão temporária de Trump é um streaming de um comício dele em 2015, no qual dizia que o México estava enviando estupradores para os Estados Unidos, além de outros comentários racistas em um recente comício em Tulsa, Oklahoma.

O Twitch parece que passou a levar a sério as repetidas acusações de mulheres de que permite o assédio em sua plataforma. A importância primordial da decisão do Twitch é que cancelou a voz do presidente dos Estados Unidos. Outras redes sempre optam por mantê-lo, com a desculpa do discurso político e de sua importância informativa, na melhor das hipóteses chamando a atenção com avisos ao lado de suas mensagens. O Twitch, de propriedade de Jeff Bezos, com quem Donald Trump tem uma relação complicada, foi um passo além.

A decisão do Twitch se soma à do Snapchat no início de junho, quando decidiu deixar a conta de Trump intacta, mas não a destacar mais em sua página principal, para impedir que seus comentários promovam violência.

O segundo é o Reddit, que removeu mais de 2.000 comunidades de sua plataforma por promoverem discurso de ódio. O motivo foi a atualização de suas políticas: “A regra 1 estabelece explicitamente que as comunidades e os usuários que promoverem o ódio baseado em identidade ou em vulnerabilidade serão suprimidos”. O Reddit é uma rede social estruturada em torno de milhares de comunidades de interesse às quais os usuários se unem ―de questões políticas a peculiaridades como bricolagem, culinária ou arquitetura― e que têm seus próprios moderadores voluntários.

Desde a sua criação, em 2005, o Reddit se caracterizava como um dos fóruns mais transgressivos da Internet. Isso acabou. O Reddit agora baniu canais que violam sua nova norma de ódio, de todas as ideologias, mas um se destaca: r/The_Donald. Chama-se assim por seu apoio ao presidente. O Reddit tentou, durante anos, sem sucesso, fazer com que os moderadores do r/The_Donald restringissem os posts ao que é permitido. As punições e sanções da empresa contra a comunidade fizeram com que os usuários mais ativos migrassem para um fórum próprio: TheDonald(.)win.

Terceiro, o Facebook designou o movimento Boogaloo como uma “organização perigosa”, o que resulta em ações contra seus promotores. A empresa excluiu 220 contas do Facebook, 95 contas do Instagram, 28 páginas do Facebook e 106 grupos, além de outros 400 grupos e 100 páginas vinculadas.

O Boogaloo é uma dessas coisas impossíveis que não existiriam sem a Internet. O nome vem de um filme dos anos 80 e era usado em fóruns remotos como 4chan e 8chan. Seus membros são aparentemente filiados à tradição de milícias armadas nos Estados Unidos e sua suposta intenção é provocar uma segunda guerra civil nos Estados Unidos. No final de maio, um extremista que dizia pertencer ao grupo matou um policial em Oakland, Califórnia. Seu local preferido de coordenação era supostamente o Facebook.

Um emblema aplicado em um colete à prova de balas apreendido na prisão do suposto assassino de um policial em Oakland. A imagem inclui um iglu (a conexão vem da semelhança entre "Boogaloo" e "Big Iglu") e um friso no estilo havaiano.
Um emblema aplicado em um colete à prova de balas apreendido na prisão do suposto assassino de um policial em Oakland. A imagem inclui um iglu (a conexão vem da semelhança entre "Boogaloo" e "Big Iglu") e um friso no estilo havaiano.DOJ / REUTERS

Parece natural para o Facebook perseguir grupos que usam sua plataforma para matar policiais, mas o Boogaloo é um desafio em si mesmo. Seu esquema de organização consiste em usar outros nomes como referência, dissimular suas opiniões e enganar a rede. O esforço que o Facebook deverá dedicar à caça de grupos organizados para combater ferramentas de inteligência artificial que eles adotam será enorme e uma novidade.

Quarto, o YouTube fechou alguns canais que considerava racistas. De novo, não é a primeira vez. Mas seus tentáculos se expandem. Um dos canais é de Stefan Molyneux, que lamentou no Twitter a “censura” imposta pela plataforma. Para gente como ele, o desaparecimento do YouTube pode causar problemas de subsistência. A possibilidade de crescimento que o YouTube lhe dava é difícil de encontrar em outro lugar. Molyneux tentou o Twitch, com pouco sucesso. A personalidade e os usuários de cada rede são únicos.

A Internet não é mais a mesma

Estas medidas são importantes por vários motivos, mas há um mais do que evidente: a Internet não é mais o espaço livre e aberto onde todos nós nos conectamos com todos, sem que ninguém intervenha. Isso pode continuar a ser feito, é claro: na maioria dos países, ninguém impede a abertura de um site nem que se conte a barbaridade que se desejar, desde que isso não seja um crime. O problema será como ficar conhecido, disseminar e propagandear esse conteúdo.

As principais plataformas são aquelas onde as pessoas estão. Um grupo de fanáticos poderá continuar criando seu fórum supremacista na Internet, mas como recrutarão novos usuários? Onde encontrarão milhões de almas cândidas dispostas a rir de seus memes agressivos? O r/The_Donald se beneficiava da página inicial do Reddit ―”a capa da Internet”― que milhões de pessoas acessavam para ver o que estava acontecendo, qual era a tendência. Ali, as piadas poderiam atrair a atenção de usuários que acabariam entrando no r/The Donald para ver o que mais havia. Agora, The_Donald é um site na Internet. Lá podem conversar, rir e se organizar, até crescer, mas devagar. Eles não têm mais um lugar fácil para recrutar adeptos.

O pesquisador Savvas Zannettou, do Instituto Max Planck, de Berlim, analisou a influência na conversa na Internet do antigo canal r/The_Donald no Reddit. Era impactante. Agora ele se empenha em analisar como o fim de sua relação com o Reddit repercutiu no peso desse grupo. A investigação não está terminada, mas ele é cético: "Nossos resultados preliminares mostram que apenas uma fração dos usuários ativos no r/The_Donald migrou para a nova casa, mas esses usuários estão mais ativos agora do que quando estavam no Reddit", explica. Embora o trabalho não esteja concluído, a intuição de Zannettou indica que seu peso caiu. "Suspeito que a influência da nova casa será substancialmente menor em comparação com a anterior, pois agora eles têm plataforma/fórum próprios e não podem facilmente alcançar o grande número de usuários que passavam pelo Reddit", acrescenta.

O nervosismo do ano eleitoral nos EUA, a pressão desencadeada pelo movimento Black Lives Matter e as evidências, com a pandemia, de que as informações que circulam nas redes têm consequências reais facilitaram a absorção dessas decisões. Mas é uma tendência que parece clara há anos. O fundador e CEO do Reddit, Steve Huffman, refletiu no The New York Times sobre sua mudança de opinião: “Quando começamos o Reddit, há 15 anos, não proibíamos coisas. E era fácil, como para muitas outras pessoas, dizer coisas assim porque, primeiro, eu tinha crenças políticas muito mais rígidas, e segundo, me faltava perspectiva e experiência do mundo real”, diz ele. A tradução é simples: os fundadores dessas redes não são mais tão jovens e viram que as consequências de permitir tudo são extraordinárias.

Mas Huffman prossegue: “Aqui estamos agora, acreditando que a liberdade de expressão é muito importante e que é uma das coisas que torna o Reddit especial, mas, ao mesmo tempo, vendo que permitir tudo é trabalhar contra a nossa missão”. Até agora, a linha vermelha do que as redes permitiam era feita de tinta borrada e desgastada, mas, com o tempo, está se tornando um muro sólido para deixar de fora o que acreditam ser ódio, assédio e violência. Parece uma decisão lógica e fácil, mas há tribunais que discutem os limites há décadas.


Marcus Pestana: Fakenews, liberdade e cidadania

O mundo contemporâneo foi profundamente impactado pelos avanços, no final do século XX, da computação eletrônica e do surgimento da Internet. A verdadeira revolução introduzida por essas inovações tecnológicas produziu mudanças radicais nas relações financeiras, no comércio, nas comunicações, no entretenimento, nas relações interpessoais, e, como não poderia deixar de ser, no funcionamento da democracia e da vida política.

Nesta semana o tema veio à tona com imensa força no Brasil e no mundo. Grandes empresas como Coca-Cola, Microsoft, Unilever, Adidas, Ford, Starbucks, HP e outras 160, interromperam sua publicidade nas redes sociais cobrando das plataformas Youtube, Facebook, Twiter e Instagram regras claras para a exclusão de postagens racistas, de promoção da violência e das tristemente famosas fakenews.

O presidente da maior potência global, Donald Trump, teve publicação no Twiter marcada como “mídia manipulada” em função da adulteração de um vídeo envolvendo duas crianças, uma branca e outra negra. E recebeu uma condenação geral ao reproduzir um vídeo onde um casal branco aponta armas contra manifestantes antiracistas, claramente estimulando a violência política e a intolerância. Já o Facebook retirou do ar um anúncio da campanha de Trump que utilizava um símbolo nazista – o triângulo vermelho invertido.

No Brasil, tivemos a votação de afogadilho no Senado Federal da polêmica Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, de autoria do competente senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) e relatado pelo senador Angelo Coronel (PSD/BA).
As inovações tecnológicas são o motor das grandes mudanças nas economias capitalista como estudaram exaustivamente Marx e Schumpeter. Os computadores e a Internet revolucionaram a vida humana, e, como toda inovação, não carregam, em si, padrões éticos e morais, podendo servir ao bem ou ao mal.

Na política, o impacto foi profundo. As instituições e os partidos políticos democráticos tradicionais perderam seu papel central de canalização das expectativas, esperanças e inquietações sociais, já que na Internet todo mundo fala com todo mundo.

Este novo mundo foi abordado pioneiramente pelo sociólogo espanhol, Manuel Castells, em sua obra seminal “A Sociedade em Rede” de 1996. Vale a leitura. Recentemente, fiquei profundamente impactado ao assistir na Netflix o documentário “Privacidade Hackeada”, que desnuda o papel da empresa Cambridge Analytica na invasão não autorizada nas informações do Facebook de 87 milhões de usuários, e através do uso de Big Data e algorítimos, manipular a opinião pública na eleição de Donald Trump. A estratégia já tinha sido testada no plebiscito do Brexit.

Qual não foi a surpresa ao descobrir através do livro “Os Engenheiros do Caos” que o laboratório pioneiro foi a Itália, no nascimento do movimento anarco-populista “5 Estrelas”. O que parecia uma rebelião espontânea da base da sociedade italiana e o surgimento de um partido descentralizado, democrático e inovador, foi na verdade uma maquinação científica usando as modernas ferramentas das redes sociais, com uma empresa especializada e manipuladora por trás e o comediante Beppe Grillo como sua face pública, aproveitando o desgaste da chamada “velha política”.

Voltarei ao tema na próxima semana.


César Felício: Algo precisa ser feito

“Fake News” ameaçam destruir a vida em sociedade

Com todos os atropelos que traz à privacidade do cidadão, o projeto de lei aprovado pelo Senado esta semana e apelidado de “Lei das Fake News” poderá ser melhor para a democracia do que não fazer coisa alguma. A chance dele vingar, contudo, é muito pequena, quase nula, dada a forma como passou.

Os que criticam a proposta munidos de boa fé deveriam se sentir motivados a apresentarem uma alternativa política plausível ao parecer do senador Angelo Coronel. Pode ser que ainda o façam, já que há discussões na Câmara que devem levar a uma revisão profunda do projeto. A ver.

Não há pior situação do que a atual, em que o fenômeno das “fake news” corrompe o sistema democrático não apenas no plano institucional, enganando legiões na hora do voto, mas no universo de direitos: a convivência entre diferentes é minada e até questões que afetam a sobrevivência da espécie, como o combate à pandemia ou a preservação do meio ambiente, têm o debate desvirtuado.

O direito à privacidade e à liberdade de expressão não pode se sobrepor a regras que garantam a existência da vida em sociedade. É o paradoxo de Karl Popper: a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância.

O debate sobre o projeto produziu até o momento uma coalizão tão insólita quanto involuntária. Combatem a proposta tanto expoentes do libertarianismo digital quanto os ferrabrazes do bolsonarismo, muitos dos quais alvos do inquérito que cursa no Supremo Tribunal Federal.
Faltou ao Senado a percepção de que era preciso negociar mais o texto para se desmanchar esta frente. Transferir a responsabilidade de fazer esta negociação para a casa revisora - no caso em questão a Câmara - e levar a voto a proposta com tamanho grau de dissenso foi um erro, porque vai atrasar a tramitação no Legislativo já que, alterado, o texto terá que voltar para o exame dos senadores.

Os fomentadores de “fake news”, os que fazem da mentira um método de ação política, jogam nesta questão com o tempo. Enquanto o impasse permanecer, a liberdade de expressão e o direito à privacidade estarão resguardando um mundo paralelo que prega contra vacinas, diz que o desmatamento não aumentou, que não houve ditadura militar, que a Lava-Jato foi uma conspiração do governo americano, que há um plano da China para dominar o pensamento acadêmico brasileiro e por aí vai. E esses são os exemplos mais suaves, porque o que corre nas redes sociais é mais pesado: vai na pessoa física, visa destruir o oponente, desmoralizando-o.

Veterano no acompanhamento da cena política, o presidente do Conselho Científico do Ipespe, Antonio Lavareda, mostra-se alarmado. “O Brasil soube administrar bem a corrupção no sistema eleitoral. Com todos os problemas que acarretou a nova norma, a proibição de doação de empresas a candidatos conteve o problema. Agora o vírus que ameaça à política está nas redes sociais. É melhor pecar por excesso do que ceder a um principismo ingênuo.” Em resumo, “o risco que as fake news representam impõem o sacríficio de algumas liberdades. Não há direito absoluto”, comenta.

O debate a ser feito, portanto, é até que ponto deve-se abrir mão de determinados direitos (privacidade e liberdade de expressão) para a preservação social. Esta é a dimensão da decisão que a Câmara deve encaminhar.

A polarização política muito potencializada pelas redes já cobrou a fatura no filtro que o brasileiro busca ao se informar. A internet tornou-se a porta da entrada da informação, sem ter os mecanismos de autocontrole que existem em todas as plataformas tradicionais de mídia.

Segundo uma pesquisa comparada da Reuters em parceria com a Universidade de Oxford, com 2.058 entrevistas, feitas entre janeiro e fevereiro deste ano, nada menos que 43% dos pesquisados no país preferem ler notícias de fontes que compartilhem o seu ponto de vista. Nos Estados Unidos, onde a penetração da internet é maior e a polarização política é enorme, a proporção é de 30%. No Reino Unido, 13%.

Já os que preferem ler noticias imparciais no Brasil somam 51%, ante 65% na Itália e 80% na Alemanha. Entre 2013 e 2020, o percentual que se informa por meio do jornal impresso recuou de 50% para 23% e pela televisão caiu de 75% para 67%. Já os que consomem notícias por redes sociais subiram de 47% para 67%. Fica patente que o Brasil é uma terra fértil, em que se plantando tudo dá.

Eleição
A eleição deste ano tem tudo para entrar para a história política brasileira como uma completa anomalia, não apenas por ser a primeira a acontecer em novembro desde 1989. O palanque eletrônico se converterá no único possível. A campanha se desenrolará em clima de absoluto desinteresse, porque é incontroverso que a pandemia monopoliza a atenção. De quebra, passou a vigorar a regra que proíbe coligações eleitorais, o que estimula os partidos a lançarem chapa completa nos grandes centros.

Para Lavareda, a televisão volta a ter um papel central no processo político, mais do que exerceu em 2018, com a população confinada em suas casas. “Isso vai acontecer não apenas por causa do horário eleitoral, mas porque a TV ganhou credibilidade com a pandemia.”

Bolsonaro não terá partido, mas será impossível o bolsonarismo não estar presente na disputa. No cardápio das opções locais, haverá o candidato que vai procurar colar na imagem do presidente para captar a simpatia de seus irredutíveis apoiadores. E os seguidores do presidente estabelecerão suas afinidades eletivas.

Dificilmente, contudo, a nacionalização da eleição será uma marca este ano. A campanha em confinamento tolhe a oposição aos prefeitos. Se o administrador local conseguir driblar a penúria financeira, - algo que ficou mais fácil, com a negociação estabelecida no Congresso - as chances de superar os problemas causados pela catástrofe sanitária são grandes. Largam em grande vantagem.


BBC Brasil: Por que grandes empresas decidiram boicotar o Facebook

A marca de sorvetes Ben & Jerry's se juntou a uma lista crescente de empresas que, durante o mês de julho, decidiram retirar sua publicidade das plataformas comandadas pelo Facebook.

Além do próprio Facebook, a empresa que Mark Zuckerberg administra é dona do Instagram e do WhatsApp — o conglomerado também soma 80 outras empresas menos conhecidas.

Esse boicote faz parte da campanha Stop Hate For Profit (Pare de lucrar com o ódio, em tradução livre), que exige que o Facebook tome medidas mais rígidas contra a disseminação do ódio e de conteúdos racistas.

O Facebook tem uma receita anual de US$ 70 bilhões (cerca de R$ 371 bilhões) apenas em publicidade.

A campanha acusa a rede social de "amplificar as mensagens dos supremacistas brancos" e de "permitir mensagens que incitam violência".

A Ben & Jerry's, de propriedade da gigante britânica Unilever, tuitou que "vai parar de anunciar no Facebook e no Instagram nos Estados Unidos".

Outras marcas

No início desta semana, as marcas de equipamentos para atividades ao ar livre The North Face, Patagonia e REI se juntaram à campanha.

"Das eleições seguras à pandemia global e à justiça racial, os riscos são altos demais para que a empresa (Facebook) continue sendo cúmplice na disseminação da desinformação e no fomento ao medo e ao ódio", escreveu a empresa Patagonia no Twitter.

A Ben & Jerry's disse que concorda com a campanha. "Todo mundo pediu ao Facebook para tomar medidas mais rigorosas para impedir que suas plataformas de mídia social sejam usadas para dividir nossa nação, anular os eleitores, incentivar e alimentar o racismo e a violência e minar nossa democracia", escreveu a marca.

Após a morte de George Floyd por policiais brancos, em maio, o CEO da Ben & Jerry, Matthew McCarthy, disse que "as empresas precisam ser responsáveis" e implementou planos para aumentar a diversidade na companhia.

No início desta semana, a plataforma de trabalho independente Upwork e o desenvolvedor de software de código aberto Mozilla também se juntaram à campanha.

Por outro lado, o Facebook prometeu "promover a equidade e a justiça racial".

Manifestantes
Image captionApós a morte de George Floyd, centenas de manifestantes foram às ruas de Minneapolis para protestar contra o racismo

"Estamos tomando medidas para revisar nossas políticas, garantir diversidade e transparência ao tomar decisões sobre como aplicamos nossas políticas, além de promover a justiça racial e a participação dos eleitores em nossa plataforma", afirmou a rede social neste domingo.

A declaração também descreveu os padrões comunitários da empresa, que incluem o reconhecimento da importância da plataforma como um "lugar onde as pessoas podem se comunicar".

"Levamos nosso papel a sério para evitar abusos de nosso serviço."

'Não ao ódio'

A campanha Stop Hate for Profit foi lançada na semana passada por grupos de defesa dos direitos civis dos Estados Unidos, como a Liga AntiDifamação, a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor e a organização Color Of Change.

O movimento afirma que a campanha é "uma resposta à longa história do Facebook de permitir que conteúdos racistas, violentos e falsos sejam disseminados em sua plataforma".

O Stop Hate for Profit pediu aos anunciantes que pressionem a empresa a tomar medidas mais rígidas contra o conteúdos de ódio e de racismo em suas plataformas, retirando o investimento em publicidade durante o mês de julho.

Mark Zuckerberg
Image captionMark Zuckerberg administra um conglomerado de negócios que inclui Facebook, Instagram e WhatsApp

Segundo a empresa de consultoria eMarketer, o Facebook é a segunda maior plataforma de anúncios digitais nos Estados Unidos, atrás apenas do Google.

O Facebook e seu CEO, Mark Zuckerberg, são frequentemente criticados ao lidar com questões controversas.

Neste mês, os funcionários da empresa se manifestaram contra a decisão da gigante da tecnologia de não remover ou marcar uma publicação do presidente Donald Trump.

No Twitter, a mesma mensagem de Trump foi classificada com uma etiqueta que alertava que o post "incentivava a violência".

A Unilever, empresa controladora da Ben & Jerry's, não respondeu aos questionamentos da BBC.


Fernando Schüler: A democracia não deve conviver com a violência e o medo

O STF, assim como o governo, erra ao tomar opinião como delito

Talvez não devesse, mas me surpreendo que o tema da liberdade de expressão tenha se tornado central em nosso debate. Joel da Fonseca definiu bem a questão: devemos punir ideias agressivas e violentas? Sua resposta é negativa e veio com uma provocação: “me preocupo mais com a ‘justiça’ das redes do que com as falas violentas que ela busca punir”.

Minha resposta também é negativa. Ela vem na trilha da primeira emenda americana. Me parece também a linha de Hélio Schwartsman dizendo que a democracia aceita “quaisquer críticas, em quaisquer termos, mas não admite ações concretas com o objetivo de subjugá-la”.

O debate me fez voltar ao inquérito das fake news, conduzido pelo Supremo. Muita gente que respeito me diz não ver ali nenhum problema e que o ponto é simplesmente dar um basta a este “bando de fascistas”. Há quem pense diferente. No mínimo a falta de clareza sobre o que exatamente se está pretendendo punir.

Resolvi conferir com um pouco mais de detalhe. Voltei ao documento em que o ministro relator do inquérito apresenta sua lista de “mensagens ilícitas” exemplificando como atua a “associação criminosa” que se investiga.

São 25 mensagens. Três delas trazem referência a intervenção militar ou coisa do gênero (“passou a hora de contarmos com as forças armadas!”, me pareceu a mais dura); seis delas usam termos de baixo calão e xingamentos (“canalhas”, “vagabundos”, “crápulas) e 16 não passam de opinião política mais ou menos contundente.
Metade dirige-se não apenas ao Supremo, mas a outros Poderes e lideranças, ou simplesmente às instituições.

A que conclusão devemos chegar? O primeiro ponto é não julgar essas coisas a partir do gosto pró ou contra o governo. Se alguém quer fazer isso, boa sorte. De minha parte, não faço.

Se o STF erra ao punir opinião, erra também o governo ao tentar enquadrar na Lei de Segurança Nacional uma charge associando o presidente à suástica nazista. A pergunta é sobre direitos. Sobre nossa capacidade de separar o que é um crime e o que é retórica odiosa ou ideias que julgamos politicamente insuportáveis.

Vamos repetir: dois terços das “mensagens ilícitas” citadas no inquérito não passam de opiniões (dessas que a internet anda abarrotada) sobre o STF e as instituições.

Podemos fazer de conta que não, mas é evidente que há um problema aí. Não acho que isto expresse os limites que desejamos para a liberdade de expressão em nossa democracia. Não me refiro a ameaças de “estuprar” ou “enforcar” quem quer que seja. A lei brasileira é bastante clara sobre como lidar com essas coisas.

Me refiro exclusivamente ao tema da opinião. Individual ou organizada, não importa. Opinião de grupos mais ou menos articulados, visto que é um direito que pessoas de esquerda ou de direita se organizem, combinem “levantar” hashtags para defender as ideias (corretas ou não) que julgarem conveniente defender.

Penso que o Brasil tem uma Suprema Corte da qual deve se orgulhar, por muitas razões. Mas talvez lhe esteja faltando um exercício de autocontenção. Considerar que ministros cumprem uma função pública e estão sujeitos à crítica pública. Da mesmíssima forma que as demais autoridades da República.

E mais: no contexto de uma sociedade que tende sistematicamente a abusar da palavra. Pelo excesso, pelo grotesco, pela irresponsabilidade. E para tudo isso encontra um antídoto: a irrelevância.

A democracia não pode conviver com a ameaça direta e objetiva de violência. Mas igualmente não deve conviver com o medo. O medo de exercer a crítica, por ácida e contundente que seja.

Não deveríamos deixar que a paixão política, que por vezes parece a única variável orientando o debate público, obstrua nossa defesa dos direitos mais elementares. Direitos dos quais, tenho certeza, a maioria de nós não gostaria de abrir mão.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


Maria Hermínia Tavares: A mentira pode pouco

Notícias estão longe de ter a influência sobre os eleitores a elas atribuída

Há quem tenha acreditado que, por volta de 2018, um dos filhos de Lula foi flagrado circulando por Dubai numa Ferrari banhada a ouro. Há também os que estavam convencidos de que, no tempo da Lava Jato, o juiz Sergio Moro era financiado pela CIA.

Algumas dessas notícias patentemente falsas circularam velozmente pelas redes sociais entre o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro.

Ainda hoje, não são poucos os que creem que a enxurrada de rumores absurdos, que atulharam as caixas de mensagens dos usuários da internet durante a campanha eleitoral, expliquem a vitória do “mito” da extrema direita. Da mesma forma como, no exterior, teriam sido responsáveis pelo êxito de Donald Trump, em 2016, ou dos que queriam a Inglaterra fora da União Europeia, no plebiscito também naquele ano.

No país, a convicção da importância maléfica da desinformação intencional baseia-se em parte no acesso muito amplo dos brasileiros à internet —em especial ao WhatsApp, YouTube e Facebook— e na sua feroz utilização pelos bolsonaristas radicais.

Pela importância do assunto, convém olhar para os estudos que deram ao tema atenção rigorosa. Pesquisas feitas principalmente nos EUA indicam que a crença em notícias falsas é bem maior entre pessoas com simpatias por partidos e que a sua aceitação cresce quando as fake news confirmam convicções políticas anteriores. Eleitores apartidários são menos suscetíveis a rumores políticos fabricados.

Resultados semelhantes foram encontrados numa pesquisa feita em Minas Gerais, perto das últimas eleições, pelos cientistas políticos Frederico Batista Pereira, Natalia Bueno, Felipe Nunes e Nara Pavão, apresentados no excelente artigo, submetido para publicação, “Motivated reasoning without partisanship? Fake News in the 2018 Brazilian elections” (Raciocínio motivado sem partidarismo? Notícias falsas nas eleições brasileiras de 2018).

Eles constataram que simpatizantes do PT tendem a acreditar em notícias falsas favoráveis ao partido, enquanto antipetistas aceitam aquelas que reforçam suas crenças anteriores. Os dois grupos não mudam muito de posição mesmo ao serem informados de que era tudo mentira. Eleitores apartidários, a maioria no Brasil, são bem mais céticos diante de informações falsas.

Patranhas políticas, digitadas por humanos ou impulsionadas por robôs, poluem o ambiente social e provavelmente contribuem para aumentar a polarização do eleitorado, reforçando posições extremas.

Nesse sentido, fazem mal à democracia. Mas estão longe de ter a influência sobre os eleitores a elas atribuída. Ainda bem.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap


Pablo Ortellado: Confusão legislativa sobre mídias sociais

Falta de coordenação entre Câmara e Senado prejudica tramitação e debate de PL que quer regulá-las

Deve ser votada no Senado, ainda nesta semana, uma nova versão do projeto de lei que regulamenta as mídias sociais e os aplicativos de mensagens privadas (um pouco equivocadamente apelidado de 'PL das Fake News').

No momento em que escrevo (tarde da segunda-feira), não conhecemos ainda o texto definitivo que vai para votação na quinta-feira e que já passou por mais de cinco versões diferentes entre as formais e as informais.

A tramitação acelerada do projeto se deve à urgência de enfrentar as campanhas de desinformação nas mídias sociais e no WhatsApp, sejam aquelas relativas a temas políticos, sejam as relativas à crise da Covid-19.

O texto inicial do projeto foi apresentado em conjunto por Tábata Amaral e Felipe Rigoni na Câmara e por Alessandro Vieira no Senado. Na Câmara, o texto foi colocado em consulta pública, passou por análise minuciosa e recebeu propostas da universidade, da sociedade civil e do meio empresarial.

Enquanto o texto recebia colaborações na Câmara, começou a tramitar em paralelo no Senado, com o senador Alessandro Vieira incorporando em múltiplas versões do texto críticas e sugestões. No debate, formou-se um consenso parcial de que o texto não deveria definir desinformação e não deveria regular as agências de verificação e que deveria adotar medidas amplas para promover a transparência das plataformas com respeito a moderação e impulsionamento de conteúdos. Menos consensuais foram as medidas de ampliação dos tipos penais e a introdução da rastreabilidade de conteúdos virais em aplicativos de mensagens.

Quando o texto foi encaminhado para o relator, senador Angelo Coronel, ele foi completamente transformado no começo de junho e apresentado em uma minuta informal com novas propostas que despertaram novas controvérsias (como a exigência de apresentação de documentos para a criação de contas nas mídias sociais e a entrega de dados cadastrais à autoridade policial). O relator acolheu críticas e considerações e apresentou uma nova minuta informal no último fim de semana que apenas começa a ser analisada e discutida.

O texto definitivo, porém, ainda está para ser apresentado e, ou será votado sem tempo suficiente para exame, ou terá sua tramitação mais uma vez suspensa, inclusive com possibilidade de outra versão passar a tramitar na Câmara.

Câmera e Senado precisam urgentemente chegar a um acordo sobre qual vai ser o texto base, dar tempo para que seja devidamente analisado e aperfeiçoado e apresentar uma perspectiva de tramitação que, ainda que acelerada, aconteça sem mudanças bruscas e sem atropelo.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


Pedro Doria: Siga o dinheiro

Seja pelo inquérito de fake news, seja pelo que investiga as origens dos atos antidemocráticos, o STF pegou o caminho recomendado por nove entre dez especialistas que lidam com noticiário falso

Seja pelo inquérito de fake news, seja pelo que investiga as origens dos atos antidemocráticos, o STF pegou o caminho recomendado por nove entre dez especialistas que lidam com noticiário falso: siga o dinheiro. Se tudo der certo e aqueles responsáveis por financiar a falsificação da realidade para desorientar o eleitor forem pegos e responderem pelo crime, outros pensarão duas vezes. Mas as mudanças tecnológicas nos obrigam a encarar duas questões cruciais difíceis para o futuro da democracia brasileira.

O primeiro é um ponto em geral pouco compreendido a respeito de fake news. O problema não são as notícias falsas per se. Elas causam dano pontual mas o impacto maior está no conjunto e no ambiente que permite sua distribuição.

Este é um ponto que o físico Augusto de Franco, um geek de democracia que mergulhou no tema a ponto conhece-lo com profundidade ímpar, chama atenção. Em toda história deste ciclo democrático que se iniciou na Inglaterra do século 17, tivemos sempre uma esfera pública.

Um ambiente comum no qual as opiniões sobre os temas relevantes da sociedade eram debatidos. Panfletos no século 18, conversas nos cafés do 19 ou as ondas de rádio e TV no 20, o debate sempre teve como premissa um conjunto comum de fatos a respeito do qual todos concordavam.

O que as plataformas de mídias sociais e apps de mensagens criaram, neste nosso século 21, são várias esferas públicas. Não uma ou duas — várias. Cada comunidade de interesses comuns tem a sua própria, acompanhada de premissas particulares e seu conjunto de fatos. Em essência, a sociedade se dividiu em tribos e cada uma vive numa realidade própria.

É por isso que fake news muitas vezes soam absurdas por completo a um grupo e, no entanto, parecem plausíveis a outro. Este ambiente de várias esferas públicas é o que viabiliza guerras culturais, choques de valores profundos nos quais nos metemos.

Jair Bolsonaro, cá no Brasil, é um presidente minoritário. Chegou ao Planalto levado por pouco mais de um terço dos eleitores aptos e hoje conta com, de acordo com a maioria das pesquisas, algo mais próximo do um quarto dos brasileiros. E caindo.

Se há várias esferas públicas, porém, cada qual com sua visão muito particular da história recente do país, cada uma num contínuo espanto perante a ‘cegueira’ de todos os outros que não pertencem à tribo, uma pergunta se impõe.

Será possível voltar a eleger um presidente razoavelmente consensual como foram, em suas primeiras eleições, Fernando Henrique e Lula? E, se estamos para encarar um futuro de presidentes minoritários, será que a democracia aguenta o tranco? O problema não é apenas brasileiro.

A manipulação de notícias falsas pode ser contida com a aplicação da lei. Mas a fragmentação da realidade é bem mais complicada.

De qualquer forma, cá no Brasil teremos outro debate pela frente. E tem a ver com liberdade de expressão. Na segunda metade do século 20, os EUA formaram uma visão bastante tolerante com opiniões as mais radicais. A Europa, não. A diferença está no fato de que os europeus reconheceram em si um bug cultural.

Populistas e demagogos que exploram preconceitos longevos, principalmente o antissemitismo, em momentos de crise são capazes de mobilizar as massas e promover e por em risco a democracia. Não é paranoia. Aconteceu agora, na Hungria, onde Viktor Orbán assumiu poderes totais. Sua ascensão começou explorando justamente este veio, apontando para o investidor George Soros como, no passado, os nazistas apontaram para os banqueiros da Casa Rothschild.


O Globo: ‘Máquinas de mentira não podem ter mais uma eleição’, diz Alessandro Vieira

Amanda Almeida, O Globo

Autor do projeto que trata do combate às fake news e da regulação das empresas de redes sociais, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) defende que o texto precisa ser votado com urgência, apesar das divergências sobre o tema. Ele argumenta com o calendário, lembrando que o processo eleitoral se aproxima e que o país não pode voltar às urnas sem um controle mais rígido da internet. As críticas mais comuns têm sido de que a falta de um critério claro para definir fake news pode limitar a liberdade de expressão das pessoas, e que a obrigação de cessão de dados às empresas donas das redes pode expor os usuários. Sem consenso, a votação da proposta esta semana foi adiada. O senador quer vê-la na pauta do plenário da próxima semana.

Seu projeto conseguiu unir petistas e bolsonaristas. Ambos os lados dizem, por exemplo, que o texto fere a liberdade de expressão. O senhor aceitou parte das críticas?

A gente continua achando as críticas desarrazoadas. Não há no texto qualquer risco à liberdade de expressão. Mas a gente tomou uma providência. A gente retirou dele as referências em relação à situação de (o que é) desinformação, checagem de fatos, enfim, aquela questão toda. No projeto, a gente tentava regulamentar isso, o que já é feito pelas empresas, pela plataforma. E a gente deixou esse tema para um debate posterior. Não há risco à liberdade de expressão, privacidade ou confidencialidade.

Críticos apontam que, ao tentar reforçar o controle das redes, o projeto acaba por fornecer em demasia dados dos usuários às plataformas. Dizem que vamos virar uma sociedade patrulhada e que esses dados podem ser usados equivocadamente.

Não vejo nenhum sentido. As empresas de tecnologia já têm um volume imenso de dados sobre cada cidadão. O que a gente está focado em garantir não é mais dado para empresa, mas o direito a uma eventual vítima de identificar o autor daquela ofensa, daquele crime. Para que isso aconteça, você precisa ter o suficiente para a identificação do usuário. Não vejo esse risco. Esse dado só seria acessível via ordem judicial. Não tem de colocar “Amanda” e seu CPF em seu perfil. Apenas ter o dado disponível para se a Justiça necessitar.

Outra crítica é de atropelo no debate, já que o projeto corre em meio à pandemia, sem passar pelas comissões.

Durante uma pandemia, a mentira e a desinformação matam. Isso é um ponto muito claro. E, segundo, a gente está se aproximando de um novo momento eleitoral. E a gente não pode chegar a mais uma eleição com máquinas de mentiras, de desinformação, de ataques, disponíveis nas redes sociais. A gente sabe o impacto que isso tem. É plenamente justificada a necessidade de votação imediata. E já passou de uma centena de reuniões com todas as plataformas, com entidades de direitos nas redes, com especialistas. Todo mundo foi ouvido, alguns mais de uma vez, tiveram oportunidade de deixar sua sugestão, várias incorporadas. Então, não vejo falta de debate.

Do projeto original, o senhor vê alguma mudança fundamental?

A gente teve mudanças, como a que suscitava esse debate da subjetividade. As empresas já verificam conteúdo, já tarjam conteúdo. A gente queria que isso fosse de forma bastante transparente. Mas, para evitar qualquer tipo de incompreensão, optamos por tirar esse pedaço. Nosso eixo está claro. O projeto objetiva garantir a identificação dos usuários, acabar com contas falsas e redes artificiais não declaradas, a rede de robôs. Hoje, estão levantando uma hashtag sobre o Fábio Porchat. Você vê aquele volume imenso de mensagens iguais. Isso custa de dinheiro. Alguém paga. Só que o usuário final, na ponta, não sabe que está interagindo com uma máquina, pensa que é gente mesmo. Isso tem impacto violento na sociedade. Tanto para fins eleitorais como para moldar comportamentos. Você pode continuar manifestando sua opinião, inclusive ofensiva. É um direito e vai ser responsabilizado, caso alguém se sinta agredido. A situação atual impede a responsabilização e isso é muito ruim.

O relator fala sobre a necessidade de recadastrar linhas pré-pagas. Quer controle mais rígido. Diz que é a raiz das fake news por dificultar a identificação dos titulares. O senhor concorda?

Está fora do escopo inicial do projeto. O relator está apontando um problema que é real. Você realmente tem dificuldade grande para encontrar usuários de aparelhos pré-pagos. Mas não sei como ele vai resolver isso tecnicamente. Estou aguardando o relatório para analisar.

O controle das ferramentas é o suficiente para o combate às notícias falsas?

No projeto, há a obrigação de o Estado promover o processo educacional, do ponto de vista da segurança e da independência, de liberdade de pensamento. Assim que se resolve definitivamente, qualificando o cidadão que consome informação. O crime sempre vai existir. Mas, hoje, é muito difícil de ser punido e altamente compensador.

Sob argumento de combater fake news, o STF abriu um inquérito próprio, alvo de críticas. O senhor concorda?

Eu entendo e manifesto desde o início que esse inquérito é inconstitucional. Você não pode ser, ao mesmo tempo, a vítima, o acusador e o juiz. Dito isso, entendo que é inconstitucional, mas que os fatos apurados são graves e precisam ser investigados.