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Chico Buarque revisita 'Anos de Chumbo' em livro de contos

Foi o escritor Rubem Fonseca (1925-2020) quem apresentou o editor Luiz Schwarcz a Chico Buarque.

André Bernardo / Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil

O fundador da Companhia das Letras sonhava publicar uma antologia com suas letras. Diante da negativa do compositor, Fonseca protestou: "Como não? Vai dizer que (a canção) Pedro Pedreiro não é poesia, p...?".

Schwarcz não desistiu. "Se você não quiser publicar comigo, estou me oferecendo para ser goleiro do seu time", brincou em carta. "Então, vem para cá", respondeu Chico, dono do Polytheama, um time de futebol que reúne amigos e convidados.

"A Marieta (Severo, então mulher de Chico) me comprou um computador". Entre uma pelada e outra, os dois começaram a amadurecer a ideia de um livro em prosa. No documentário Chico: Artista Brasileiro (2015), de Miguel Faria Jr, o cantor admite que se arriscou na literatura durante uma "crise" como compositor. "Durante um ano, não conseguia fazer porcaria nenhuma", confessa.

Estorvo foi escrito no Leblon, bairro da Zona Sul do Rio onde Chico mora, e concluído no Marais, em Paris, onde tem apartamento. Por um momento, pensou em usar pseudônimo - como fez na época da ditadura militar quando gravou três canções, Acorda, Amor e Jorge Maravilha (1974) e Milagre Brasileiro (1975), como Julinho da Adelaide. Mas desistiu da ideia ao desconfiar que, se o livro fizesse sucesso, morreria de raiva por ninguém saber que era dele. "Não ia conseguir segurar", cai na risada.

Com o original de Estorvo em mãos, Schwarcz resolveu arriscar. Antes de distribuir provas do romance para jornalistas, resolveu enviá-las para dez ou doze críticos, como José Paulo Paes (1926-1998) e Leyla Perrone-Moisés.

"Estorvo era um livro forte e original", recorda Perrone-Moisés, doutora em Língua e Literatura Francesa e professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

"Seus méritos como romancista são vários: perfeito domínio da língua (o que qualquer escritor devia ter, mas nem sempre tem), concisão, vocabulário, senso agudo de observação, imaginação narrativa e originalidade".

Publicado no dia 2 de agosto de 1991, Estorvo esgotou a tiragem inicial de 30 mil exemplares em apenas dois dias. Ao todo, segundo estimativas extraoficiais, vendeu 173 mil exemplares. Conquistou o Jabuti de melhor romance e ganhou versão para o cinema escrita e dirigida por Ruy Guerra. Nesta sexta-feira (22/10), a obra é relançada pela Companhia das Letras, com novo projeto gráfico e edição de capa dura.

"Profundamente pessimista, Estorvo era profético. Chico retratou uma sociedade em dissolução, vítima da alienação, da corrupção e da violência criminosa", continua Perrone-Moisés. "Na ocasião, (o crítico) Roberto Schwarz observou que o romance era uma metáfora do Brasil daquele momento, e que a trama dava a sensação de que 'o futuro pode dar mais errado ainda'. Trinta anos depois, o Brasil está, de fato, ainda pior. Estamos, como o personagem do romance, numa desesperada fuga para não se sabe onde".

'Esta canção não é mais que uma canção...'

Chico Buarque no palco
"Gostaria de não distinguir o Chico poeta do Chico prosador", diz acadêmica sobre a obra de Chico Buarque

Nesta sexta-feira (22/10), chega às livrarias, também, Anos de Chumbo e Outros Contos.

São, ao todo, oito narrativas curtas: Meu Tio, sobre uma jovem prostituída pelos pais; O Passaporte, um artista sabotado que resolve se vingar; Os Primos de Campos, uma família às voltas com a violência policial; Cida, uma mulher em situação de rua; Copacabana, um passeio nostálgico pelas ruas do bairro; Para Clarice Lispector, Com Candura, um jovem poeta e sua idolatria por uma escritora famosa; O Sítio, um casal que decide viajar na pandemia; e Anos de Chumbo, um lar em pé de guerra na ditadura.

"Gostaria de não distinguir o Chico poeta do Chico prosador. Todas as suas obras - de forma mais evidente suas canções - revelam uma incrível sensibilidade para a sonoridade da língua", destaca Marisa Lajolo, doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP e professora de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Até agora, Chico Buarque tinha escrito (e publicado) um único conto, Ulisses, no suplemento literário do jornal Estado de S. Paulo, em 1966. Na edição de 30 de julho, o aspirante a escritor dividiu a página 3 com pesos-pesados da literatura brasileira, como o poeta Augusto de Campos e o crítico literário Otto Maria Carpeaux (1900-1978).

Em Ulisses, o herói grego da epopeia de Homero é transformado em caixeiro viajante.

"Ulisses quer abrir as janelas, as janelas não deixam. O rosto de Penélope também estava emperrado. - Penélope, cadê seu sorriso? Suas saudades, seus braços, seus amores, cadê? Mas qual, você não larga esse tricô. Ora, mulher, seu Ulisses chegou e pronto! Cadê meu jantar, cadê meu jornal, cadê?", dizia um trecho do conto.

"O mais difícil para mim quando vou escrever, seja literatura ou música, é começar", confidenciou Chico ao jornalista e escritor Humberto Werneck em Tantas Palavras (2017). "E, para escrever contos, vou ter que começar várias vezes...".

Naquele mesmo ano, no dia 1º de maio de 1966, Chico lançou seu primeiro álbum, Chico Buarque de Hollanda, com 12 das suas 528 músicas. Dessas 12, A Banda e A Rita estão entre as 10 mais tocadas nos últimos dez anos.

Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), sua música mais executada é Iolanda (1984), versão do artista para uma canção do compositor cubano Pablo Milanés, e a mais regravada, Gente Humilde (1970), letra de Chico e Vinícius de Moraes (1913-1980) e música de Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (1915-1955).

Os bastidores da criação

Chico já enveredou por outros gêneros, como a novela Fazenda Modelo (1974), livremente inspirada em A Revolução dos Bichos (1945), de George Orwell (1903-1950).

"Enquanto Orwell satiriza uma ditadura de esquerda, Chico satiriza uma de direita", observa Rinaldo de Fernandes, doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp, autor de livros sobre a obra de Chico e organizador do livro Chico Buarque - O Romancista (2011). "Em Fazenda Modelo, já temos um escritor de talento, com pleno domínio da técnica narrativa e da construção dos personagens".

Chico Buarque
Chico Buarque lança seu primeiro volume de contos, Anos de Chumbo. Até então, sua primeira e única incursão pelo gênero fora em 1966

Depois de Fazenda Modelo, vieram o livro infantil Chapeuzinho Amarelo (1979), dedicado à Luísa, sua caçula, então com dois anos, e o poema A Bordo do Rui Barbosa (1981), ilustrado pelo artista plástico Vallandro Keating, um colega da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Só peças teatrais, foram quatro: Roda Viva (1967); Calabar (1973), com Ruy Guerra; Gota D'Água (1975), com Paulo Pontes (1940-1976); e Ópera do Malandro (1978).

Por ocasião de Fazenda Modelo, Chico descobriu um apaixonante mundo novo: o da literatura.

Às voltas com sua "novela pecuária", parou de compor, ficava recluso em casa e só atendia ao telefone quando era chamado para jogar bola. De lá para cá, aperfeiçoou seu método de trabalho. Costuma pensar no que está escrevendo desde o momento em que acorda até a hora em que vai dormir. À noite, deixa um bloquinho ao lado da cama.

"Às vezes, vêm ideias na vigília, ou quando desperto", explica para a jornalista e biógrafa Regina Zappa no livro Para Seguir Minha Jornada (2011). Quando sofre algum bloqueio, sai para caminhar no Leblon ou joga paciência no computador. "Uma hora jogando até ter uma ideia".

Gosta de escrever todos os dias, nem que seja uma linha ou parágrafo, e de reler "mil vezes" o que escreveu. Tem mais. Quando escreve, não lê. Tampouco ouve música ou toca violão.

Um escritor em construção

Em 30 anos de produção literária, Chico lançou mais cinco romances: Benjamim (1995), Budapeste (2003), Leite Derramado (2009), O Irmão Alemão (2014) e Essa Gente (2019). Juntos, já foram traduzidos para "mais de 20 idiomas", segundo a editora, que não divulga o total de exemplares vendidos.

Manuel Bandeira, Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes
Chico Buarque ao lado de Manuel Bandeira, Tom Jobim e Vinicius de Moraes; foi Bandeira quem revelou a Chico que ele tem um "irmão alemão"

Certa vez, participou de uma tarde de autógrafos em Oslo, na Noruega. No meio da coletiva de imprensa, um dos repórteres perguntou: "É verdade que você também canta em seu país?". Gaiato, Chico respondeu: "Por acaso, também canto".

O segundo romance, Benjamim, chegou às livrarias em 7 de dezembro de 1995. Chico chegou a suspender a turnê do álbum Paratodos (1993) para se dedicar em tempo integral ao livro. Para Benjamim não soar como continuação de Estorvo, fugiu da primeira pessoa, deu nome aos personagens, mudou o tempo verbal.

Quando chegou ao último capítulo, mostrou o material para Rubem Fonseca. O amigo implicou com o sobrenome de Alyandro, Escarlate. "Muito alegórico", disse. Chico não se convenceu. E pediu uma explicação melhor. "Para dizer a verdade, esse sobrenome é uma merda!", disparou Fonseca. Convencido, Chico mudou para Aliandro Sgaratti.

Benjamim teve recepção menos calorosa que Estorvo - o crítico Wilson Martins (1921-2010) chegou a chamar a literatura de Chico de "amadorística" em resenha no jornal O Globo. Mesmo assim, vendeu 84 mil exemplares. A exemplo de seu antecessor, também foi adaptado para o cinema. No longa de Monique Gardemberg, Danton Mello e Paulo José (1937-2021) se revezaram no papel de Benjamim Zambraia.

Budapeste, seu terceiro romance, foi lançado em 10 de setembro de 2003. A princípio, José Costa, o protagonista, seria arquiteto e não escritor. Com 285 mil exemplares vendidos em 30 países, ganhou o Jabuti de melhor livro e virou longa nas mãos de Walter Carvalho.

"Considero como o maior mérito de Chico Buarque sua coragem e versatilidade em trabalhar em múltiplos campos artísticos", afirma Tânia Mattos Perez, doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora do livro Chico Buarque - A Alegoria e o Duplo na Ficção (2017), que tem em Budapeste seu romance preferido de Chico. "Trata-se de um livro engenhoso, original e poético".

Três vezes Jabuti

Em 25 de março de 2009, Chico Buarque lançou seu quarto romance, Leite Derramado. Se a tiragem inicial de Estorvo era de 30 mil exemplares, a de Leite Derramado saltou para 70 mil. E, pela terceira vez, ganhou o mais tradicional prêmio da literatura brasileira, concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL).

Chico Buarque em show As Cidades
Chico Buarque no palco; escritor e compositor foi autor de canções simbólicas da ditadura

Na categoria romance, Leite Derramado tirou o segundo lugar - o primeiro foi para Se Eu Fechar Os Olhos Agora, do jornalista Edney Silvestre. Em compensação, arrebatou o prêmio de livro do ano de ficção e, de quebra, embolsou R$ 30 mil. "Pelo visto, e o Jabuti não me deixa mentir, tenho me aventurado na literatura com sucesso", declarou, na cerimônia de premiação.

Quem não gostou nada do resultado foi o editor Sérgio Machado (1948-2016). Responsável pela publicação de Se Eu Fechar Os Olhos Agora, ele anunciou que o Grupo Editorial Record, do qual era presidente, passaria a boicotar o Jabuti. "Tomamos a decisão de não mais compactuar com a comédia de erros", avisou em carta. No ano seguinte, a CBL mudou o regulamento: só os primeiros colocados de cada categoria disputariam o prêmio de livro do ano.

"Chico Buarque já declarou que a ideia de escrever Leite Derramado surgiu quando escutou, na voz de Mônica Salmaso, O Velho Francisco (1987)", observa Ana Maria Clark Peres, doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora do livro Chico Buarque: Recortes e Passagens (2017). "E mais: Eulálio, o protagonista, tem o mesmo nome do 'tataravô baiano' de Paratodos (1993). O romance, por sua vez, nos remete a Barafunda (2010), na qual o eu lírico embaralha lembranças: 'Gravei na memória / Mas perdi a senha'".

Homenagem ao meio-irmão

O quinto romance, O Irmão Alemão, chegou às livrarias em 7 de novembro de 2014. Antes, Chico não sabia que seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda (1909-1982), tinha tido um filho alemão. Foi em 1930, quando ele, então repórter de O Jornal, trabalhou como correspondente em Berlim. Sérgio se casou com Maria Amélia, mãe de Chico Buarque e seus irmãos, em 1936.

Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Sergio Porto, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlinhos de Oliveira
Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Sergio Porto, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlinhos de Oliveira

Quem revelou o segredo foi o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), em 1967. Durante visita a sua casa no Rio, Bandeira deixou escapar: "Ah, o Sérgio... Aquele filho alemão!". Chico, então com 22 anos, arregalou os olhos: "Filho alemão?". Vinícius indagou: "Você não sabia?". Não, não sabia.

O tal "filho alemão" a que Bandeira se referia era Sérgio Ernst (1930-1981). Abandonado pela mãe, Anne Margerithe Ernst, foi adotado pelo casal Arthur e Pauline Günther. Já adulto, tornou-se jornalista, cantor e apresentador de TV na antiga Alemanha Oriental.

Sérgio Günther morreu em 1981, de câncer no pulmão. Chico começou a escrever O Irmão Alemão em setembro de 2012, mas teve que interromper em março de 2013. "Não consigo mais escrever sem saber o que, de fato, ocorreu com meu irmão", confidenciou a Schwarcz. Sua ida a Berlim foi registrada por Miguel Faria Jr. no documentário Chico: Artista Brasileiro (2015).

"Pela força, tanto biográfica quanto ficcional, de dar vida a um personagem quase 'fantasma' até 2012, ano em que foi confirmada sua existência, meu romance favorito é O Irmão Alemão", elege Sylvia Cyntrão, doutora em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB) e organizadora de Chico Buarque - Sinal Aberto! (2015).

Chico Buarque jantava em Paris quando soube, em maio de 2019, que tinha ganhado, por unanimidade, o Prêmio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa. "Fiquei muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar", declarou, em comunicado oficial.

Cinco meses depois, o presidente Jair Bolsonaro fez mistério sobre assinar o diploma. "Tenho prazo? Então, 31 de dezembro de 2026, eu assino", avisou, fazendo alusão a um segundo mandato, já que o atual termina em 31 de dezembro de 2022. O gracejo não ficou sem resposta. "A não assinatura do Bolsonaro é, para mim, um segundo prêmio Camões", rebateu o cantor, em seu perfil no Instagram.

Seu mais recente romance é Essa Gente, de 2019. Foi o que levou menos tempo para escrever: 11 meses. Esboçou as primeiras linhas em novembro de 2018 e colocou o ponto final em setembro de 2019. Publicado em 9 de novembro de 2019, mereceu elogios do escritor indiano Salman Rushdie. "A imaginação literária de Chico Buarque é bela e peculiar", afirmou o autor de Versos Satânicos (1989). "Ler sua ficção é sempre um prazer".

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-58974978


Extrema-direita no Brasil já não precisa de Bolsonaro para se mobilizar, revela pesquisa

Estudo mostra o legado radical de 18 meses de manifestações de rua pelo País

Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo

Os atos e manifestações do bolsonarismo não precisam mais da presença de Jair Bolsonaro para acontecer. Dezoito meses de mobilização das ruas deixaram como herança uma extrema-direita rapidamente mobilizada em torno de pautas que vão do combate às medidas de isolamento social à defesa do voto impresso e à guerra contra instituições.

É o que mostra pesquisa inédita coordenada pela antropóloga Isabela KalilDemocracia Sitiada e Extremismo no Brasil: 18 meses de manifestações bolsonaristas, do Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (NEU-FESPSP). Ao todo foram mapeadas 45 manifestações entre março de 2020 e setembro deste ano, em que o bolsonarismo atuou por meio do que os pesquisadores classificaram como “extremismo estratégico”.

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Mas o que seria esse extremismo e por que essa história não acaba com a declaração à nação feita por Bolsonaro para recuar dos ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na manifestação de 7 de Setembro? Para Kalil, apesar de ser impossível saber se o presidente continuará a participar desses eventos após o recuo, é certo que os atos não precisam mais de Bolsonaro para ocorrer. “Há vários exemplos na pesquisa. Bolsonaro pode moderar o tom e mudar a performance sem que os atos sejam desmobilizados.”

Como exemplo, a antropóloga citou as ações recentes de caminhoneiros e grupos como o 300 do Brasil. “Nas manifestações, sua base cobra mais radicalismo e diz: ‘eu autorizo o que for necessário’. Mas institucionalmente não aconteceu nada.” Ao não poder entregar o radicalismo esperado pelos extremistas, Bolsonaro “entrega a performance”. É assim, segundo ela, que se explica o desfile de carros de combate da Marinha em Brasília, no dia da votação da PEC do voto impresso, rejeitada pelo Congresso.

Para o cientista político José Álvaro Moisés, a história das manifestações é marcada pelo crescimento do que chamou de “expressões mais radicais do bolsonarismo”. O professor da USP alerta, no entanto, que os fracassos do governo desativaram a força do bolsonarismo radical para se impor ao País. “A declaração à nação de Bolsonaro foi um recuo tático. É preciso ainda entender seu impacto sobre o movimento.”


07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
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O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
O presidente Jair Bolsonaro e ministros participam de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
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07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
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O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
O presidente Jair Bolsonaro e ministros participam de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
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A resposta para isso tem relação com as táticas e a estratégia do movimento até as eleições de 2022. Moisés acredita que Bolsonaro deve adotar a visão escatológica, da luta final contra o petismo e o comunismo, como forma de mobilizar sua base, ainda mais do que o discurso antissistema que alimentou o extremismo estratégico nos 18 meses de atos de rua.

A pesquisa do NEU-FESPSP mostra que a formação desse extremismo é indissociável da covid-19. De acordo com ela, a pandemia se transformou em uma oportunidade para mobilizar os apoiadores do presidente. A maioria dos atos em 2020 trazia como pauta a defesa do tratamento precoce e o ataque a governadores e prefeitos que defendiam medidas de isolamento social, como o fechamento do comércio.

A pesquisa também detectou uma mudança da retórica bolsonarista. Antes da pandemia, os alvos prioritários eram os políticos e partidos tradicionais. Depois, passaram a ser instituições, como o Congresso e o STF. O deslocamento das pautas dos protestos é acompanhado pelo aumento do radicalismo, incluindo “atos de insurgência”. Um exemplo foi a tentativa de invasão do Congresso, em 13 de junho de 2020, quando o grupo 300 do Brasil subiu na cúpula do prédio após ter seu acampamento desmontado em Brasília.

Os pesquisadores identificaram ainda a presença cada vez maior de símbolos militares e de novos tipos de protestos, como os encontros de motociclistas – as motociatas –, que predominaram nos atos em 2021. Onze delas contaram com a participação presidencial – Bolsonaro esteve presente em 25 dos 45 eventos estudados.

Trump

As motociatas, segundo a pesquisa, atraem pessoas que se comunicam por grupos fechados, no Instagram e no Telegram. “Elas parecem se dar de forma espontânea, mas não são. Uma motociata anuncia a data da outra. Algumas são anunciadas na live do presidente”, diz Kalil.

Foi só no 22.º evento analisado que nasceu esse tipo de ato. A data que marca o começo foi 7 de maio deste ano, quando o empresário Luciano Hang andou na garupa de Bolsonaro durante a inauguração de uma ponte em Rondônia. Dias depois, ocorreria a primeira motociata oficial, em Brasília.

Esse tipo de evento seria inspirado no tradicional encontro de motocicletas de Sturgis, na Dakota do Sul, que atrai um público antissistema. “(Donald) Trump foi muito hábil para falar com esse público e associar sua imagem ao Rally de Sturgis, um encontro que aconteceu mesmo durante a pandemia”, afirma Kalil. Como em outras áreas, aqui também a inspiração do bolsonarismo seria a extrema-direita americana, ancorada no trumpismo.

Repetidas 19 vezes em 2021, as motociatas foram interiorizadas e viraram um modelo bem-sucedido de mobilização. “É importante notar que Eduardo Bolsonaro participou de uma motociata, em Miami, depois de se reunir com Steve Bannon (ex-estrategista de Trump), na Dakota do Sul.” O evento na Flórida aconteceu dias depois do encontro de Sturgis.

Escalada

Os passeios de motocicleta compuseram a escalada até o ato de 7 de Setembro, visto pelos pesquisadores como “parte de uma ação de insurgência”, que se desenvolveu de forma “gradativa, com planejamento, tática e objetivos definidos”. Essa estratégia recorreu a determinados temas, pautas e agendas, que formaram o chamado “extremismo estratégico”. Em dez eventos, a pauta principal foi a defesa do voto impresso. Em cinco deles, foi a “intervenção militar”.

Mas nem só o público radical compareceu aos atos. As maiores manifestações incluíram um público mais amplo, envolvendo conservadores e suas famílias que dão apoio ao presidente e às pautas ligadas aos costumes. “Há duas manifestações que aconteceram dessa forma: a do 1.º de maio e a do 7 de Setembro”, conta Kalil.

Para a pesquisa, durante os atos, os manifestantes comuns foram estimulados a experimentar tipos de conduta extrema. Líderes do movimento, como o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, geraram situações em que foram investigados e presos e, assim, se transformaram em “vítimas do sistema”, levando a apoiadores o sentimento de que a democracia e as liberdades foram vilipendiadas.

“Esses acontecimentos servem de argumento para os apoiadores de que a insurgência é a única alternativa possível para a política.” Assim era até o 7 de Setembro. Os pesquisadores vão continuar o trabalho até janeiro de 2023. Querem verificar a futura estratégia do bolsonarismo e por quanto tempo e locais as táticas e dispositivos serão empregados e o que será bem-sucedido. O desafio é compreender os caminhos do movimento que cresceu além de seu líder e transformou as ruas em laboratório de ações em meio ao avanço global do extremismo contra a democracia.

Isabela Kalil
Para Isabela Kalil, que coordena o trabalho, Bolsonaro pode moderar a performance e o tom sem que os atos sejam desmobilizados. Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 15/10/2021

Militantes veem defesa de valores e patriotismo sem radicalização

A transformação da identidade do bolsonarista, deixando a ênfase no “cidadão de bem” para explorar a imagem do “patriota”, foi uma das constatações da pesquisa do Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Esse itinerário se reflete no momento de maior abalo do movimento: a demissão do então ministro da Justiça Sérgio Moro. “Quando Moro saiu, a gente pensou que ia desmoronar”, disse o advogado Luciano dos Santos, de 59 anos. Ele foi às ruas de Salvador apoiar o presidente. “Bolsonaro quis demonstrar que o povo dá autoridade e autonomia à gestão”. 

Luciano conheceu Bolsonaro pelas redes sociais e participou dos atos da campanha, em 2018. Para ele, o candidato representava o nome ideal contra o PT. “Se tiver que chamar as Forças Armadas para pôr ordem na casa, ele tem todo apoio.”

Ele destaca que a diversidade das pessoas foi o que mais chamou sua atenção no 7 de Setembro: manifestantes de diversas idades, evangélicos e pessoas de verde e amarelo. Em 2022, assegura que votará em Bolsonaro. E afirma que irá a um outro ato caso seja convocado.

Mobilização para novas manifestações não deve faltar. É o que diz o empresário Beto Okazaki, de 44 anos, de Ponta Grossa (PR). Além de organizar dois protestos na cidade a favor do “tratamento precoce” contra a covid-19 e do voto impresso, ele compareceu ao 7 de Setembro em Brasília. “Foram dois ônibus para Brasília e três para a Paulista.”

Okazaki disse respeitar as instituições que sustentam a democracia, mas critica a atuação do STF quando ele passa “dos seus limites”. “A gente vê um cerceamento da liberdade de expressão.” Para o empresário, “um cidadão de bem, geralmente, vai ser patriota”. “E geralmente um patriota é um cidadão de bem.”

O discurso é próximo daquele do general Roberto Peternelli, deputado federal pelo PSL. Peternelli esteve no ato do 7 de Setembro. “Foi uma manifestação da família por valores, pela Constituição e pela legalidade.” Para ele, as manifestações devem continuar. “Elas serão democráticas. Sem espaço para extremismos, conforme a carta que o presidente escreveu.” / LEVY TELES, CÁSSIA MIRANDA e MARCELO GODOY

Bolsonaro e Hang
Dois dias antes da primeira motociata, Bolsonaro passeou de moto com Luciano Hang em Porto Velho, marcando o início do uso de motocicletas em atos governistas. Foto: Anderson Riedel/PR - 7/5/2021

Cronologia: conheça os principais atos dos 45 monitorados 

  • 15 de março de 2020: Primeira manifestação combinando política e pandemia. Inclui 6 capitais. Bolsonaro participa em Brasília. Início do “ciclo de atos antidemocráticos”; 
  • 19 de abril de 2020: Após a saída de Mandetta do Ministério da Saúde, protestos contra o isolamento social ocorrem em 4 capitais. Bolsonaro participa em Brasília;
  • 31 de maio de 2020: Manifestações em SP e no DF atacam o STF e pedem intervenção militar. Bolsonaro faz sobrevoo no DF e depois vai ao ato a cavalo;
  • 14 de junho de 2020: Atos defendem invasão do Congresso no DF, SP e RJ. No dia anterior, o grupo “300 do Brasil” tentou invadir o Parlamento;
  • 22 de novembro de 2020: Primeira manifestação organizada em defesa do voto impresso ocorre em Brasília;
  • 31 de março 2021: “Agora é guerra”; atos convocados em frente aos quartéis, contra o Congresso e o STF e em defesa da ditadura. Ocorrem em algumas cidades sem grande adesão. Os comandantes das Forças Armadas haviam acabado de renunciar;
  • 9 de maio de 2021: Primeira motociata. Ocorre em Brasília, no dia das mães, com Bolsonaro. Dois dias antes, ele passeara de moto com Luciano Hang em Porto Velho, marcando o início do uso de motocicletas em atos governistas;
  • 7 de setembro de 2021: Principal ato em apoio a Bolsonaro. Reuniu milhares de pessoas em diversas cidades do País. Auge da narrativa antidemocrática obriga o presidente a divulgar carta de recuo no dia seguinte a ataque ao STF.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,extrema-direita-no-brasil-ja-nao-precisa-de-bolsonaro-para-se-mobilizar-revela-pesquisa,70003871541


Eliane Brum: A ONU e o mundo se ridicularizam diante de Bolsonaro

Ao debochar da democracia em palco global, o presidente do Brasil cumpre sua agenda pessoal com louvor

Eliane Brum / El País

Ao comparecer a Nova York e abrir a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Jair Bolsonaro foi apresentado no noticiário brasileiro e internacional como um pária do mundo, que comia pizza em pé na calçada porque não estava vacinado. Estou na contramão desta análise. O ultradireitista que governa o Brasil não envergonhou nem a si mesmo nem ao país. Me parece exatamente o oposto. Bolsonaro debochou da democracia em palco global, teve suas mentiras traduzidas em várias línguas e voltou para casa aclamado por seus seguidores pela sua autenticidade e coragem de afrontar a parte do planeta que despreza.

Ao receber um mandatário que ostenta o fato de não ter tomado vacinas como um troféu, e isso quando os Estados Unidos enfrentam uma piora na pandemia devido à variante delta, a vergonha é dos Estados Unidos de Joe Biden e da Nova York de Bill de Blasio. A vergonha é, principalmente, da ONU. Bolsonaro afronta o combate à pandemia com atos e fatos e atravessa a fronteira americana todo serelepe porque a ONU se mostrou incapaz de riscar o chão diante da Rússia de Vladimir Putin, que se contrapôs com veemência à intenção de barrar quem não estivesse vacinado. Bolsonaro também vai rir por muito tempo pela façanha de abrir a assembleia do mais simbólico pilar da ordem mundial após a Segunda Guerra disseminando mentiras explícitas. Aplicou na ONU um deboche em nível planetário.

De nada adianta estampar no noticiário um Bolsonaro patético, objeto de piadas e de charges na imprensa. Bolsonaro entrou nos Estados Unidos sem vacina e este é o fato principal. Também pouco adianta fazer matérias e análises provando que ele mentiu sobre quase tudo. Seus seguidores, assim como uma parcela de não seguidores, considera tudo o que a imprensa afirma como fake news e nem sequer a lê, assiste ou escuta. Parte do planeta, e não só do Brasil, acredita que pode escolher o que é a verdade se a mentira lhe convém. Também não está fácil, é necessário dizer, ouvir, assistir e ler setores da imprensa repetindo coisas como “contrariando a expectativa da ala moderada do governo, Bolsonaro não moderou o tom no discurso na ONU”. Sério que ainda tem gente para afirmar expectativas do gênero como se acreditasse nisso?

É assim que ditadores eleitos como Bolsonaro destroem a democracia desde dentro. Se os instrumentos democráticos e as instituições que os representam são incapazes de impedir alguém como Bolsonaro de discursar sem vacina, presencialmente, na ONU, para que servem? Do mesmo modo, se tudo o que as instituições brasileiras conseguem produzir são (mais) discursos sobre como Bolsonaro envergonha o país, em vez de usar os instrumentos democráticos previstos na Constituição para impedi-lo de seguir governando, para que servem, então?

Gostaria de afirmar que esse pesadelo acontece porque a democracia e suas instituições não previram criaturas como Bolsonaro, mas seria inaceitável ingenuidade sob qualquer ponto de vista, inclusive o histórico. Bolsonaro é produto das deformações de uma democracia que nunca alcançou as camadas mais desamparadas da população e é produto do cinismo do capitalismo liberal. A cena com Boris Johnson é um exemplo disso. Supostamente o primeiro-ministro britânico, um direitista caricato, teria dado um “puxão de orelhas” em Bolsonaro por não tomar vacina, mas é só jogo de cena. O que importa é que um sorridente BoJo apertou a mão de um sorridente Bolsonaro às vésperas da Cúpula do Clima de Glasgow, apesar de o presidente brasileiro estar levando a maior floresta tropical do planeta ao ponto de não retorno.

Bolsonaro está onde está porque as corporações e os governos que as representam ainda faturam e têm vantagens com ele na presidência. Bolsonaro está onde está porque grande parte do empresariado brasileiro, assim como dos especuladores, acredita que ainda pode obter mais lucro com ele no poder do que fora dele. Ao mostrar o dedo médio aos manifestantes contra Bolsonaro, Marcelo Queiroga afirmou a verdade mais profunda da Assembleia Geral da ONU. E agora o ministro da Saúde do país que beira os 600 mil mortos por covid-19 descansa em um hotel de luxo de Nova York enquanto faz quarentena por, claro, ter testado positivo para o vírus.

Assim caminha a democracia e seus pilares globais. E ainda há quem se surpreenda que morram, esquecendo-se que para morrer é necessário primeiro estar vivo.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de oito livros, entre eles ‘Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro’ (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-22/a-onu-e-o-mundo-se-ridicularizam-diante-de-bolsonaro.html


Por que a extrema direita elegeu Paulo Freire seu inimigo

Para especialistas, é da natureza da pedagogia freireana incomodar, porque ela propõe ensino libertador e baseado na formação crítica do aluno

DW Brasil

Em dezembro de 2003, o então ministro da Educação Cristovam Buarque inaugurou, na frente da sede do ministério, em Brasília, um monumento em homenagem ao educador Paulo Freire (1921-1997). O pedagogo era então aclamado como uma personalidade importante da história intelectual do país — nove anos mais tarde, uma lei federal o reconheceria como patrono da educação brasileira.

Em 2019, Abraham Weintraub comandava o mesmo ministério no primeiro ano da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Diante dos maus resultados obtidos pelo país no ranking Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), ele chamou o monumento a Freire de "lápide da educação" e afirmou que o pedagogo "representa esse fracasso total e absoluto".

O próprio Bolsonaro já criticou Paulo Freire, e em mais de uma oportunidade. Numa das ocasiões, referiu-se a ele como "energúmeno". É um discurso recorrente: nos últimos anos, a extrema direita brasileira tem usado Paulo Freire, cujo centenário de nascimento é celebrado neste 19 de setembro, como bode expiatório para a baixa qualidade do sistema educacional brasileiro.

De acordo com especialistas ouvidos pela DW Brasil, o que incomoda reacionários e também alguns conservadores é o fato de a pedagogia freireana ser essencialmente política. "A essência da obra de Freire é totalmente política, no sentido nobre do termo, não no sentido da política partidária", diz o sociólogo Abdeljalil Akkari, da Universidade de Genebra, na Suíça. "Por isso em todas as regiões do mundo, sua obra é lembrada como algo muito interessante para refletir sobre o futuro da educação contemporânea."

"O objetivo da pedagogia freireana é fazer com que cada uma e cada um aprendam a dizer a própria palavra, ou seja, tenham a capacidade de ler o mundo e se expressar diante do mundo. É a pedagogia da autonomia, da esperança: libertadora no sentido de as pessoas terem as capacidades de se libertarem das opressões que buscam calá-las", diz o educador Daniel Cara, professor da Universidade de São Paulo e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Professor do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Francisco Curcio acredita que parte dessa controvérsia seja por desconhecimento do que é, enfim, o método Paulo Freire. "A maior parte dos que dizem rejeitá-lo nem é especialista em educação, acaba repetindo frases apregoadas por líderes com os quais se identifica", comenta. "Isso é muito ruim. Quem padece é a própria população, desde a criança até o adulto."

Diálogo em vez de lógica bancária

Paulo Freire desenvolveu sua pedagogia no início dos anos 1960. Em 1963 ele trabalhou na alfabetização de adultos no Rio Grande do Norte — e conseguiu resultados muito eficientes com sua abordagem. Em linhas gerais, ele defendia que a educação não poderia obedecer a uma "lógica bancária", em que o conhecimento era simplesmente depositado na cabeça dos alunos. Clamava por um ensino baseado no diálogo, em que professor e estudante constroem o conhecimento em conjunto.

Por princípio, é uma pedagogia inclusiva. E saberes específicos, de acordo com contextos particulares, são valorizados. "Ele ressaltou no meio educacional, especialmente na formação de professores e gestores escolares, que é imprescindível considerar os conhecimentos e saberes que o educando já possui, ao ser recebido como aluno. É célebre sua frase: 'Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo'", diz Curcio.

"Seu método não fala em ideologias, mas em formas de ensinar e aprender. Não é um instrumento proselitista", acrescenta. "Quem faz proselitismo é a pessoa, por meio de seus atos e discursos, e não o método. Eu posso utilizar uma faca tanto para cortar o pão ou a carne e me alimentar, quanto para matar alguém."

O educador Cara argumenta que Freire não é bem aceito pela extrema direita justamente porque sua filosofia não admite a doutrinação. "O sectarismo do autoritarismo impede o reconhecimento de uma pedagogia verdadeiramente libertadora", afirma. "Então, Freire se tornou inimigo dos ideólogos de direita porque busca uma pedagogia libertadora, enquanto o modelo tradicional é uma pedagogia opressora."

"Quando a extrema direita chegou ao poder no Brasil, precisava agir no campo da educação. E a figura de Freire se mostrou fácil de ser atacada, porque era algo comum nas comunidades educacionais do Brasil", diz Akkari.

Para o professor, conservadores tendem a acreditar que os problemas educacionais podem ser corrigidos com base em aspectos instrumentais, ou seja, mais tecnologia, equipamentos e carga horária, e não com uma mudança de abordagem. Além disso, existe um tabu sobre politização e formação crítica — ele lembra o movimento Escola Sem Partido, criado nos anos 2000 e que ganhou notoriedade no país após 2015.

Paulo Freire é o oposto de tudo isso: sua obra é baseada na formação crítica do aluno. "Ele é o pedagogo da politização da educação", define Akkari.

Mazelas do ensino

Outro mito que os especialistas combatem é o de atribuir à Paulo Freire a culpa pelos problemas educacionais brasileiros. O principal argumento contrário, ressaltam eles, é que a pedagogia dele nunca foi implementada de modo amplo e irrestrito no Brasil. E há ainda o aspecto oposto: o método freireano é muito disseminado em países que costumam se destacar em avaliações educacionais, como a Finlândia.

"Não faz o menor sentido culpar o Paulo Freire pelas mazelas educacionais brasileiras. Ele não é responsável pelo subfinanciamento da educação, pelos péssimos salários dos professores, pelo fato de que o Brasil só passou a colocar a educação como questão nacional a partir dos anos 1930. E, na prática, mesmo em governos alinhados à esquerda não se fez uma pedagogia freireana no país", diz Cara. "Até porque é uma pedagogia que demanda investimentos sólidos em formação e um replanejamento de todo o sistema de ensino."

Akkari observa que essa negação de Paulo Freire por um viés ideológico só ocorre no Brasil. "Se você observar o resto do mundo, a obra dele é consensual", diz.

Isso fica claro no amplo reconhecimento que Paulo Freire recebeu. Em vida, foi homenageado por pelo menos 35 universidades de todo o mundo — entre as quais as de Massachusetts e a de Illinois, nos Estados Unidos; a de Genebra, na Suíça; a de Estocolmo, na Suécia; a de Bolonha, na Itália; e a de Lisboa, em Portugal. O brasileiro também foi reverenciado pela Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura, com o Prêmio Educação para a Paz, em 1986.

"Particularmente, entendo que, por ele ter se tornado uma celebridade internacional, identificado historicamente com uma educação socializante, acaba incomodando algumas pessoas que vêm em sua obra alguma possibilidade de doutrinação", avalia Curcio. "E isso faz com que pessoas que desconhecem o método acabam por dispensar-lhe a mesma conotação."

Curcio ressalva que Paulo Freire não é criticado pela direita, "mas por certas pessoas de direita". Denominando a si mesmo conservador e mencionando que tem muitos amigos educadores também conservadores, ele afirma que, mesmo que haja críticas ao método Paulo Freire, é dispensado "o mais profundo respeito pelo trabalho dele", que continua sendo estudado. "É apenas uma questão de identificação. Não de rejeição ou abominação", diz.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/por-que-a-extrema-direita-elegeu-paulo-freire-seu-inimigo/a-59211191


Comissão da Câmara aprova projeto bolsonarista de lei antiterrorismo

Relatório do deputado Sanderson (PSL-RS) foi aprovado por 22 votos a 7 na comissão. Oposição fala em “polícia secreta”

Mesmo diante de longa obstrução dos partidos de oposição, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quinta-feira (16), a proposta de ações contraterroristas (PL 1595/19). Foram 22 votos a favor e 7 contrários. A proposta seguirá para análise no Plenário da Câmara.

Ao todo, a discussão e a votação do texto-base e dos destaques duraram 8 horas e meia, encerrando-se no início da madrugada dessa sexta-feira (17).

Para facilitar a aprovação, o relator, deputado Sanderson (PSL-RS), apresentou 23 novas alterações ao substitutivo divulgado no início da semana. Algumas mudanças são apenas de redação, outras de conteúdo, como a retirada da previsão de um tipo penal para punir a insubordinação de agentes de segurança pública.

Foram rejeitadas as dez tentativas da oposição de alterar o texto-base por meio de destaques.

Sanderson garantiu que, na essência, a proposta apenas permite a ação integrada de unidades militares, policiais e de inteligência na prevenção e no combate ao terrorismo no Brasil. O relator também rebateu a principal crítica da oposição, quanto aos riscos do texto para os movimentos sociais e a democracia.

“Em nenhum momento, o projeto traz criminalização de movimentos sociais ou qualquer tipo de ataque ou risco à democracia. Nós retiramos o artigo que estabelecia um tipo penal para insubordinação [de agentes de segurança] e, com isso, o projeto não traz nenhum dispositivo penal como também não há nenhum dispositivo processual penal”, afirmou Sanderson.

“São comandos administrativos que criam o Sistema Nacional Contraterrorista, de modo que as agências de inteligência, as agências policiais e as Forças Armadas tenham condições de se anteciparem na localização de possíveis células terroristas”, explicou.

Outro ajuste do relator Sanderson foi a previsão de que os recursos alocados pelo governo para a implementação da Política Nacional Contraterrorista não serão remanejados do orçamento das Forças Armadas.

A proposta original é do deputado Vitor Hugo (PSL-GO), que aproveitou o conteúdo de um projeto apresentado pelo então deputado Jair Bolsonaro e arquivado em 2019 (PL 5825/16).

O texto cria o Sistema Nacional (SNC) e a Política Nacional Contraterrorista (PNC), sob supervisão do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Há previsão de treinamento e qualificação de profissionais de segurança pública e da inteligência para ações preventivas e repressivas, “sigilosas ou ostensivas”, para desarticular ou enfrentar grupos terroristas.

O relator já havia acatado a sugestão de mudança da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11) para permitir que as autoridades responsáveis pela execução de ações contraterroristas tenham acesso irrestrito às informações de infraestrutura e a informações classificadas como sigilosas.

Divergências
A discussão da proposta foi marcada por grande divergência entre parlamentares governistas e da oposição. A líder do Psol, deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), avalia que o texto é inconstitucional e cria uma “polícia paralela” para conter o Movimento dos Sem Terra (MST) e outros grupos já classificados de “terroristas” pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

“Pegar uma ideia ampla e aberta do que é terrorismo é abrir brecha, sim, para criminalizar quem luta pela terra e quem luta por direitos trabalhistas, para criminalizar quem quer reforma urbana e reforma agrária. O que se quer aqui é criar uma polícia paralela a serviço de Bolsonaro e de sua ânsia golpista e antidemocrática”, disse a deputada.

O líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), argumentou que uma lei em vigor desde a Olimpíada de 2016 (Lei 13.260/16) já dá os instrumentos para o Brasil enfrentar o terrorismo internacional, definido como uma série de atos “cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado” que exponha pessoas, patrimônios e paz pública a perigo.

Segundo Molon, a atual proposta governista coloca em risco vários direitos fundamentais. “Atos terroristas não são um problema brasileiro. Esse projeto de lei busca alargar, além dos limites legais, o conceito de atos terroristas. As manifestações constituídas pela sociedade civil, a despeito de toda a proteção constitucional à associação e à manifestação do pensamento, ficam ameaçadas e podem eventualmente ser alvo dessas ações falsamente chamadas de contraterroristas. Temos as liberdades de expressão, de reunião e de associação colocadas em grave risco por esse projeto”, alertou.

A oposição ainda citou as manifestações do Ministério Público, do Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e até mesmo de entidades policiais contrárias à proposta.

Outro risco apontado é quanto ao possível aumento das hipóteses de excludente de ilicitude para ações contraterroristas, que, para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), seria uma “licença para matar”.

Cinco deputados da oposição chegaram a apresentar votos em separado como possíveis alternativas ao relatório de Sanderson. Paulo Teixeira, Fernanda Melchionna (Psol-RS), Orlando Silva (PCdoB-SP) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC) pediram a rejeição do projeto original, enquanto Subtenente Gonzaga (PDT-MG) sugeriu um novo substitutivo menos polêmico.

Perpétua Almeida disse que o projeto de lei “atende o interesse exclusivo do presidente Bolsonaro de ter a sua própria polícia”. “O Brasil já tem Abin [Agência Brasileira de Inteligência], Forças Armadas, Polícia Federal e polícias militares, todas com real poder de investigar e punir alguém que estiver com ato terrorista no País”, declarou.

A oposição aposta que o projeto de lei será derrotado nas votações no Plenário da Câmara ou no Senado.

Defesa do projeto
Em defesa da proposta de ações contraterroristas, o vice-líder do governo deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) citou a necessidade de o País se prevenir da ocorrência de atentados, como o ocorrido nos Estados Unidos há 20 anos.

“O projeto não trata de manifestações, mas de integrar a inteligência do nosso país para que não aconteça um 11 de setembro. Não tem nada a ver com manifestações nem questões antidemocráticas. É um projeto que vem trabalhar em relação à segurança nacional”, disse o parlamentar.

Vice líder do Novo, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) também manifestou apoio ao projeto de lei, mas chegou a pedir mais tempo para o amadurecimento do texto. “Sobre a confusão entre movimentos sociais e movimentos marginais, como o MST: não é disso que efetivamente se trata. Aqui há uma tipificação muito clara do terrorismo em si. As ações contraterroristas são necessárias, no entanto, achamos que essa matéria ainda pode ser mais bem debatida, já que há muitas incompreensões sobre o tema. É importante que possamos votar de forma mais pacificada e amena”, afirmou.

Autor da proposta, o deputado Vitor Hugo rebateu argumentos de que há entidades de segurança pública contrárias ao texto. “As manifestações iniciais de várias entidades foram mudando ao longo do tempo porque Sanderson aperfeiçoou a proposta, e é importante que a gente aprove o texto”, ressaltou.

A reunião desta quinta-feira foi coordenada pelo presidente da comissão, deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES).

Outros pontos
A proposta aprovada pela comissão não exclui a atribuição da Abin para a execução das atividades de prevenção e acompanhamento estratégico do terrorismo, por meio da coleta e da busca de dados de inteligência e da produção de conhecimento.

Segundo o texto, o Legislativo será responsável pelo controle e fiscalização das ações contraterroristas. O órgão de controle externo do Congresso será integrado pelos líderes da Maioria e da Minoria na Câmara e no Senado; pelos presidentes das comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara; e pelos presidentes das comissões correspondentes do Senado.

Estão previstas as criações da Autoridade Nacional Contraterrorista, responsável por conduzir a política nacional junto às autoridades militar e policial, e de duas “unidades estratégicas”: o Comando Conjunto de Operações Especiais, comandado por um oficial-general das Forças Armadas, e o Grupo Nacional de Operações Especiais.

Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei

Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Pierre Triboli

Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/807190-comissao-aprova-proposta-sobre-acoes-contraterroristas/


Raul Jungmann: Contraterrorismo stalinista

Projeto bolsonarista cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista, sob supervisão do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)

Raul Jungmann / Capital Político

“Que os nossos amigos saibam que quem tentar erguer a mão contra a vontade do nosso povo, contra a vontade do partido de Lenin, será impiedosamente esmagado e destruído”.

Corria ao ano de 1937, época dos grandes expurgos na União Soviética, e o sombrio autor da frase, Laurent Béria, era chamado pelo ditador Stalin de “meu Himmler” – um dos líderes do partido nazista e psicopata.

Béria tornou-se conhecido por comandar a NKVD, a polícia política de então, por sentir prazer sádico na tortura e de espancar e violar mulheres e garotas. O Comissariado do Povo Para Assuntos Internos, a NKVD, era a extensão do ditador, diretamente subordinada a ele, e um verdadeiro Estado dentro do Estado soviético. Sua principal tarefa era administrar o terror em campos de concentração, tortura e supressão de adversários ou ex-aliados do regime.

Oito décadas depois, um PL no Brasil – o de número 1565, de autoria do deputado Victor Hugo, tenta (re) criar, entre nós, um órgão similar, através de uma Autoridade Nacional Contraterrorismo, dos Sistema Nacional de Contraterrorismo e da polícia de igual nome.

Como na NKVD, a Autoridade subordina-se diretamente ao chefe da nação, possui mandato para acessar toda e qualquer informação, sigilosa ou não, além de dados de qualquer um de nós brasileiros.  O órgão que se quer criar invade competências de polícias, governos estaduais, órgãos de controle e até das Forças Armadas.

Fragmenta a estrutura de coordenação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), idem o Sistema Brasileiro de Inteligência e passa ao largo do controle do Congresso Nacional. Reintroduz o excedente de ilicitude nos moldes e na extensão rejeitados anteriormente pelo Poder Legislativo.

Mais grave, propõe codificar crimes com tal amplitude, que torna quaisquer manifestações públicas, alvos de ação da Autoridade Nacional Contraterrorismo, em um claro atentado aos direitos e garantias constitucionais e aos direitos políticos.

Não por acaso, 10 associações representantes de policiais civis, militares e federais se posicionaram contra, com críticas contundentes ao projeto de lei. Idêntico protesto partiu do Judiciário e do Ministério Público, em razão da proposta afastar o controle jurisdicional e restringir o papel de fiscalização legal do MP.

Não se discute a necessidade de combater o terrorismo e já existe uma Lei para esse fim – a 13.260/2016. Porém, o projeto de lei de Victor Hugo é um atentado irreversível ao estado democrático de direito. Não deve, nem pode prosperar.

*Raul Jungmann é ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

Fonte: Capital Político
https://capitalpolitico.com/contraterrorismo-stalinista/


Câmara aprova MP que muda as regras de fundos constitucionais

A medida será enviada ao Senado

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (16) a Medida Provisória 1052/21, que muda regras relacionadas à administração dos fundos constitucionais do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), diferenciando custos conforme o porte do tomador de recursos. A matéria será enviada ao Senado.

Uma das principais mudanças contidas na MP foi excluída pelo relator, deputado Wellington Roberto (PL-PB), que retirou do texto a diminuição da taxa de administração a que têm direito os bancos públicos por gerenciarem o dinheiro dos fundos.

A MP, que já tem força de lei, diminuiu a taxa a partir de julho deste ano, passando de 2,1% para 1% em 2021. Em 2022, seria de 0,9%, e assim sucessivamente até ficar em 0,5% a partir de 2026.

Mesmo sem essa diminuição, as taxas já apresentarão percentuais menores conforme estipula a Lei 13.682/18: 1,8% em 2022 e 1,5% a partir de 2023.

Entretanto, o relator manteve a mudança no adicional dos bancos por essa administração (de 20%), que passará a depender de uma taxa de performance regulamentada pelos ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional, em vez de ser vinculado à taxa de adimplência.

O percentual a que os bancos administradores têm direito sobre o saldo dos fundos corrigidos pela taxa Selic enquanto não desembolsados diminui de 0,35% para 0,09%.

“A importância de uma medida como essa é exemplificada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que hoje dispõe de uma carteira de mais de 120 projetos de infraestrutura social e econômica correspondentes a uma expectativa de investimento da ordem de R$ 240 bilhões”, afirmou o relator.

Critérios
Quanto aos financiamentos não rurais concedidos com os recursos desses fundos, a MP muda a forma de cálculo dos encargos financeiros e do bônus de adimplência, que passarão a ser definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) mediante proposta do Ministério do Desenvolvimento Regional e observadas as orientações da Política Nacional de Desenvolvimento Regional.

Um dos critérios é o Coeficiente de Desequilíbrio Regional (CDR), resultante da divisão do rendimento domiciliar per capita da região de abrangência do respectivo fundo pelo rendimento domiciliar per capita do País.

Esses componentes (encargos e bônus) poderão ser diferenciados ou favorecidos em razão da finalidade do crédito, do porte do beneficiário, do setor de atividade e da localização do empreendimento.

A redução dos encargos poderá ocorrer para projetos de ciência, tecnologia e inovação e aos destinados à conservação e proteção do meio ambiente, à recuperação de áreas degradadas e de vegetação nativa e ao desenvolvimento de atividades sustentáveis.

O CMN poderá aplicar a financiamentos já contratados novos bônus ou encargos definidos se eles resultarem em redução de custo financeiro para o tomador.

Bancos cooperativos
Wellington Roberto acolheu ainda emenda para reservar a bancos cooperativos e às confederações de cooperativas de crédito o repasse de um mínimo de 10% do dinheiro do Fundo Constitucional do Norte (FNO). Os recursos serão usados sob seu risco.

Essa reserva existe atualmente apenas para o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO).

Del credere
Wellington Roberto propôs ainda uma diminuição menor do chamado del credere, que é um percentual incluído nos encargos totais para o banco intermediário dar garantia na operação, pois outros bancos participam das operações de financiamento com recursos dos fundos administrados pelos bancos federais.

Dessa forma, o del credere, hoje de 6% ao ano, ficará menor quanto maior o faturamento da empresa que tocar o projeto financiado, considerando-se metade da alíquota se o risco for compartilhado entre o fundo e o banco:

- de 6% ao ano para micro, pequenas e médias empresas de até R$ 16 milhões de faturamento anual;

- de 5,5% a.a. para faturamento acima de R$ 16 milhões até R$ 90 milhões;

- de 5% a.a. para faturamento acima de R$ 90 milhões até R$ 300 milhões;

- de 4,5% a.a. para faturamento acima de R$ 300 milhões.

A MP original criava uma transição que variava de 5,5% a 2,5% até o CMN fixar as alíquotas. Em todos os casos de risco integral, o banco que fizer o empréstimo não será coberto pelo banco administrador do fundo.

A MP altera a remuneração dos fundos constitucionais quando seus recursos não estiverem emprestados, corrigindo-os pela taxa Selic e não pela taxa do chamado extra-mercado, igual a 95% da Selic.

Fundo garantidor
A Medida Provisória 1052/21 muda também regras do Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE), permitindo seu uso para garantir projetos de concessão pública e de parceria público-privada no âmbito das três esferas de governo (União, estados e municípios).

De acordo com o texto, não apenas os projetos poderão ser financiados, mas inclusive os serviços técnicos para montar os projetos. A preferência será para aqueles situados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A integralização de cotas pela União, prevista na lei do fundo, continua em R$ 11 bilhões.

Até a MP, o FGIE era administrado pela Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. (ABGF), mas o texto permite que sua administração seja feita por instituição financeira selecionada por chamada pública.

Nesse sentido, o relator garante que a instituição deverá ser oficial, exceto quando se tratar de projetos e atividades financiados no Norte e no Nordeste, quando a administração deverá ficar a cargo, respectivamente, dos bancos da Amazônia (Basa) e do Nordeste (BNB).

A instituição financeira oficial administradora do fundo poderá ser contratada por entidades públicas de qualquer esfera de governo (federal, estadual ou municipal) para desenvolver, com recursos do fundo, as atividades e os serviços técnicos necessários à viabilização da licitação de projetos de concessão e de parceria público-privada.

Wellington Roberto prevê ainda a dispensa de licitação para qualquer desses governos contratar entidades da administração pública federal para serviços técnicos relacionados a projetos de concessão e de parceria público-privada.

Limites
O estatuto do fundo definirá diversos parâmetros, como os limites máximos de participação do fundo na contratação das atividades e dos serviços técnicos por projeto; os procedimentos para seleção desses projetos; as operações passíveis de contar com a garantia do fundo; os riscos a serem cobertos; e as formas de cobertura dessa garantia.

O texto acaba com a possibilidade de o fundo oferecer garantia direta condicionada à participação de seguradoras com um mínimo de 20% da operação. Assim, poderá garantir sozinho a totalidade da operação.

Reportagem – Eduardo Piovesan
Edição – Wilson Silveira

Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/806797-deputados-aprovam-mp-que-muda-as-regras-de-fundos-constitucionais/


Mathias Alencastro: 7 de Setembro será decisivo para o futuro da extrema direita

Manifestação de bolsonaristas na próxima terça está intimamente ligada à invasão do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro

Mathias Alencastro/ Folha de S. Paulo

Todos concordam que a história da manifestação de setores extremistas no 7 de Setembro está intimamente ligada à invasão do Capitólio dos Estados Unidos no dia 6 de janeiro, no apagar das luzes da Presidência de Donald Trump. Bolsonaristas conseguiram replicar na perfeição os dois primeiros atos da trama trumpista: a polêmica do voto impresso jogou dúvida sobre a fiabilidade do sistema eleitoral, e os inúmeros ataques às instituições radicalizaram as manifestações.​

O terceiro ato é o mais imprevisível. Bolsonaristas descrevem o assalto ao Capitólio como uma insurreição popular que almejava a tomada de poder em Washington —prova disso, o governo brasileiro foi um dos últimos a reconhecer a vitória de Biden. Uma leitura dos acontecimentos desmentida pelas autoridades americanas. Segundo o último relatório do FBI, publicado uma semana atrás e submetido à comissão de inquérito parlamentar do Congresso, apenas 40 dos 600 delinquentes indiciados pelos mais de 1.000 atos criminosos se envolveram em algum nível de planejamento antes do evento. Os envolvidos não pretendiam dar um golpe. Mas a violência fundadora dos seus atos assegurou a Donald Trump o momento catártico indispensável para perpetuar seu movimento além do mandato de quatro anos marcado por dois impeachments e centenas de milhares de mortes evitáveis na pandemia, sem contar as cinco vítimas no ataque ao Capitólio.

E deu certo. Mais de um ano depois, todo potencial candidato às prévias republicanas de 2024 precisa se ajoelhar publicamente diante do ex-presidente. Para o desespero dos moderados, o episódio do Capitólio tornou a radicalização do partido irreversível. Mas a aura de Trump não é sinônimo de poder eterno para ele e a sua família. Na ausência de uma alternativa política, o trumpismo é perpetuado por fanáticos e pragmáticos, aliados e traidores. O seu legado, no entanto, é disputado por lideranças como o governador da Flórida e disseminador profissional da variante delta, Ronald DeSantis, e a ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU Nikki Haley. Para essa nova geração, Trump está longe de ser uma eminência parda. Ele é uma referência simbólica e, no melhor dos casos, uma plataforma de campanha. A partir do Capitólio, o trumpismo deixou de ser um projeto individual e passou a funcionar como um movimento competitivo e heterogêneo.

Essa constatação nos obriga a olhar para outra dimensão do 7 de Setembro além da dicotomia entre golpe e eleição: a disputa pelo poder entre os extremistas. Sem um partido ou outro tipo de estrutura política organizada além da folclórica Cpac da América Latina, reunida neste fim de semana, o capital eleitoral de Bolsonaro pode ser rapidamente pulverizado entre diferentes herdeiros autoproclamados a nível estadual e nacional. Isso ajuda a entender por que a manifestação de 7 de Setembro tem suscitado grande interesse entre os pretendentes a guardiões do bolsonarismo pós-2022. Os acontecimentos desta semana serão sem dúvida importantes para o futuro da democracia. Mas eles prometem ser ainda mais decisivos para o futuro da nova extrema direita brasileira.

*Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mathias-alencastro/2021/09/7-de-setembro-sera-decisivo-para-o-futuro-da-extrema-direita.shtml


Bolsonaro vai enfrentar 'debandada' de ministros em 2022

Dos 23 titulares de pasta, 11 são apontados como pré-candidatos e devem deixar os cargos em abril, criando 'palanques' para o presidente

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - As eleições de 2022 vão mudar a fisionomia do primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro. Levantamento feito pelo Estadão indica que, até agora, 11 dos 23 ministros pretendem deixar a equipe em abril para disputar as eleições do ano que vem. O prazo é estipulado pela Lei Eleitoral, que obriga ocupantes de cargos públicos a entregar os postos seis meses antes das eleições, se quiserem ser candidatos.

Bolsonaro conta com vários deles para ajudar a montar palanques que deem sustentação à sua campanha pelo segundo mandato, principalmente em São Paulo, maior colégio eleitoral, e em Estados do Nordeste, reduto do PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu maior adversário político. “Acredito que um terço dos meus ministros se lance candidato” , disse Bolsonaro à Rede Nordeste de Rádio, no último dia 27, sem mostrar preocupação com a debandada. “Eu já falei com eles. Sabem muito bem que têm chance de vitória, se eu estiver bem.”

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Ministros
Ciro Nogueira (Casa Civil), Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura): ministros cotados para concorrer nas eleições de 2022. Foto: Dida Sampaio/Estadão, Adriano Machado/Reuters, Alan Santos/PR

Entre os nomes citados pelo próprio presidente para disputar as eleições estão ministros hoje sem partido, como o da Saúde, Marcelo Queiroga, que pode se candidatar ao Senado pela Paraíba, e o da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. Bolsonaro quer lançar Tarcísio à sucessão do governador João Doria (PSDB), seu arqui-inimigo, em São Paulo, mas ele ainda resiste. “Está fazendo um brilhante trabalho. Se assumir um cargo no Executivo, dará um show”, afirmou o presidente.

A ideia é que Queiroga, Tarcísio e o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto – hoje no PSC e com planos de se candidatar ao Senado, por Pernambuco –, migrem para o mesmo partido que Bolsonaro vai escolher para disputar a reeleição. Até agora, a tendência é que o presidente se filie ao Progressistas, partido do novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e principal legenda do Centrão, mas o acordo ainda não foi fechado. “Eu sou do Centrão”, disse Bolsonaro no último dia 22, minimizando as críticas à entrada do grupo no governo, ao lembrar que foi filiado por muitos anos ao PP (hoje Progressistas).

Recém-nomeado chefe da Casa Civil, Nogueira quer disputar o governo do Piauí. Aliados avaliam, porém, que ele pode desistir, caso considere que permanecer no governo é “uma missão maior”. Há até quem faça planos para Nogueira ser vice na chapa de Bolsonaro à reeleição.

'Senado ou nada'

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, descarta disputar novo mandato de deputado ou tentar o governo do governo do Rio Grande do Norte. “É Senado ou nada”, disse ele ao Estadão. Faria é filiado ao PSD, mas está de malas prontas para o Progressistas. Este também poderá ser o partido do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, apontado por Bolsonaro como “um bom nome” para concorrer ao governo do Rio Grande do Norte. Marinho era do PSDB, mas se desfiliou.

No Distrito Federal, outros dois ministros se movimentam para concorrer. O titular da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, é filiado ao PSL, que quer lançá-lo à sucessão do governador Ibaneis Rocha. A chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL), atualmente deputada licenciada, pretende disputar uma vaga no Senado.

'Curinga'

Chamado por Bolsonaro de “curinga” na equipe por já ter ocupado três pastas, o novo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, se movimenta desde 2019 para disputar o governo gaúcho. Isso é perceptível ao olhar agendas de Onyx nas pastas pelas quais passou – Casa Civil, Cidadania e Secretaria-Geral –, sempre lotada de compromissos com prefeitos do Rio Grande do Sul e espaço privilegiado para entrevistas à imprensa local.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, já avisou ao comando do DEM que quer concorrer ao Senado por Mato Grosso do Sul. Tudo indica, no entanto, que ela mudará de partido. Trata-se de outro nome que pode ir para o Progressistas.

Na Bahia, onde o presidente do DEM, ACM Neto, vai disputar o governo, o Planalto estimula a candidatura do ministro da Cidadania, João Roma, pelo Republicanos. Afilhado político de Neto, Roma foi chefe de gabinete da Prefeitura de Salvador, de 2013 a 2018, e depois se elegeu deputado. Os dois romperam porque Neto não queria que ele aceitasse o ministério. Roma ainda não decidiu, porém, se enfrentará seu ex-aliado ou se disputará uma vaga para retornar à Câmara dos Deputados. 

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-vai-enfrentar-debandada-de-ministros-em-2022,70003804712


Ensaios, caminhos e meios da História em novo livro de Vinícius Müller

Editada pela FAP, nova obra “A História como presente” reúne 46 ensaios e será lançada em evento online no dia 6 de agosto, às 19h

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Marca da história brasileira desde o Império, a centralização excessiva do Estado é ainda vista como “responsável pela má distribuição dos recursos e consequentemente dos determinantes do desenvolvimento regional”. Esta hipótese, porém, carrega o paradoxo de que apenas um Estado altamente centralizado seria capaz de inverter esse cenário. “Nada mais enganoso”.

Confira o vídeo do webinário!



A avaliação é do historiador e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) Vinícius Müller, que se afasta do que chama de “turva visão”, criadora de narrativas exageradamente amparadas no comportamento do governo federal. Por isso, ele observa a importância dos municípios para o desenvolvimento.

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“É na ponta do sistema, ou seja, no município, que se revela e se manifesta de modo mais concreto a relação entre os indivíduos e o exercício da cidadania. Nesta relação que se encontra boa parte do segredo do desenvolvimento ou de seu contrário, o subdesenvolvimento”, escreve ele.

Lançamento virtual

A análise consta do novo livro “A História como presente: 46 pequenos ensaios sobre a História, seus caminhos e meios” (240 páginas), de autoria de Vinícius Müller. Editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, a obra será lançada em evento on-line da entidade, no dia 6 de agosto, das 19h às 20h30. Está à venda na internet.

Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e do Centro de Liderança Pública (CLP), Müller reúne na obra textos escritos por ele entre setembro de 2017 e junho de 2020, divididos em 12 capítulos. Todos eles publicados na Revista Digital Estado da Arte, hospedada no portal do jornal O Estado de S. Paulo.

“Os textos, com algumas poucas exceções, não foram em princípio pensados e escritos para que formassem um corpo único e coerente entre si. Ao contrário, refletiam antigas preocupações e leituras que, ao calor dos acontecimentos, foram sendo rememoradas e refeitas”.

“Além da dicotomia”
Em um de seus ensaios, o autor sugere que o debate sobre o desenvolvimento “deve ir além da dicotomia entre ‘centralização e descentralização’ para alcançar níveis mais sofisticados de questionamentos”. Por isso, na avaliação dele, deve-se ampliar o olhar para os contextos locais.

Segundo Vinícius Müller, itens fundamentais ao desenvolvimento econômico e ao exercício da cidadania se encontram no entendimento do cotidiano das cidades. “Saneamento básico, educação, oportunidade de trabalho e geração de riqueza, habitação, acesso à saúde e segurança são, no mínimo, tão capitais ao desenvolvimento quanto debates sobre proteção à indústria ou taxas de juros”, analisa.

“Faltam-nos trabalhos sobre os municípios que superem seus isolamentos e nos revelem de forma mais orgânica e integrada como a riqueza, a desigualdade, a cidadania, os direitos e o desenvolvimento estão mais vinculados ao modo como as regiões se comportaram do que aos desígnios do poder central”, afirma, em outro trecho do livro.

 O autor se sustenta em estudos como o da historiadora econômica Anne Hanley, norte-americana especializada em História do Brasil e pesquisadora com amplo trânsito na academia brasileira (The Public Good and the Brazilian State: Municipal Finance and the Provision of Public Services in São Paulo, Brazil 1822-1930).

Alberto Aggio assina o assina o prefácio do livro de Vinícius Müller. Ele vai participar de debate virtual de lançamento da obra. Foto: Flávia Pulino

“Antagonismo explicativo”
Historiador e professor aposentado da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Aggio assina o prefácio e vai participar de debate virtual de lançamento da obra. Segundo ele, Vinícius Müller “convida o leitor a ultrapassar uma visão modelar que, por décadas, gerou um apego a explicações e hipóteses calcadas no antagonismo como elemento explicativo da história do país”.

Em outro trecho, ao analisar a obra, destaca a questão de desenvolvimento levantada pelo autor. “Trata-se de ver na hipertrofia do Estado na história brasileira não um modelo de afirmação ou condenação, mas uma história eivada de ambiguidade ou mesmo um paradoxo que acabou gerando um labirinto para as forças políticas que buscam estabelecer projetos de futuro para o país”, ressalta.

O editor-chefe do Estado da Arte e responsável pela apresentação da obra, Eduardo Wolf, diz que “Vinícius Müller acertadamente recusou o ilusório do extremismo, aceitou o desafio do complexo tempo que nos coube viver e encontrou o caminho do meio”.

“Um exemplo nada óbvio disso o leitor encontrará no artigo ‘Pelo fim da ética do enfrentamento’, em que Müller fornece com discreta convicção sua aposta: ‘falta-nos a construção de uma ética que nos reorganize’”, diz Wolf. Ele também vai participar do debate online de lançamento do livro.

“Caminho incontornável”
Segundo o editor, o historiador não recorre a uma grande doutrina política vista como salvadora. “Não passa lições acerca do mercado ou das relações produtivas para ordenar em novos princípios as sociedades humanas; nada disso: é de um novo modo de valorar nossa relação com o outro que precisamos, e repassar a experiência histórica é caminho incontornável”, afirma.

Toniol: “Livro que nos faz olhar para os ecos da história de um país em vertigem”. Foto: Unisal/Divulgação

Na avaliação do antropólogo e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Rodrigo Toniol, os 46 ensaios que compõem o livro não carregam as marcas das análises de conjuntura, apesar de refletirem o presente.  “Inclusive, talvez esta seja a razão pela qual muitos dos textos aqui incluídos tenham antecipado debates que apenas meses ou anos mais tarde tenham ganhado fôlego no debate público mais amplo”, diz.

“Este é um livro que nos faz olhar para os ecos da história de um país em vertigem. Certamente isso não desfaz a gravidade dos fatos, mas é capaz de transformar o modo como nos relacionamos com eles”, assevera Toniol.

Além de dividir seu tempo com aulas e palestras, Vinícius Müller também é autor de “Educação básica, financiamento e autonomia regional: Pernambuco, São Paulo e Rio Grande do Sul” (Alameda, 280 páginas).Serviço

Lançamento virtual de livro
Título: A História como presente: 46 pequenos ensaios sobre a História, seus caminhos e meios” (Vinícius Müller)
Data: 6/8/2021
Horário: das 19h às 20h30
Onde:  Portal, página no Facebook e canal no Youtube da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Realização: Fundação Astrojildo PereiraLeia também:

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TSE desmente Bolsonaro e diz que PF 'nunca' comunicou fraude nas eleições

Presidente disse em programa de rádio que relatório da instituição levantava suspeita de invasão das urnas eletrônicas

Monica Bergamo / Folha de S. Paulo

O Tribunal Superior Eleitoral voltou a contestar, na madrugada desta quinta (5), declarações feitas por Jair Bolsonaro sobre a vulnerabilidade do sistema eleitoral.

presidente afirmou, em um programa da rádio Jovem Pan, que o próprio TSE teria reconhecido que um hacker invadiu seu sistema interno. A admissão teria sido feita em um inquérito da Polícia Federal
De acordo com Bolsonaro e o deputado, isso mostraria a fragilidade das urnas eletrônicas.

O inquérito, no entanto, não conclui que houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.

De acordo com a Corte, "o próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude".

Em uma nota, o tribunal afirma que o episódio, que ocorreu em 2018, ​"foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova".

Segundo o tribunal, "o acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu".

Cabe ainda acrescentar, diz a nota divulgada pelo TSE, "que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado".

O tribunal volta a reiterar "que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração".

E é taxativo: "Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições".

Em sua participação no programa da rádio, Bolsonaro reagiu ao fato de ser agora investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TSE por 11 crimes e chegou a afirmar: "Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado".

Leia a íntegra da nota divulgada pelo TSE:

"Em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno, ocorrido em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral esclarece que:

1. O episódio de 2018 foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova.

2. O acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu.

3. Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado.

4. Cabe reiterar que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração. Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições.

5. O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude.

6. De 2018 para cá, o cenário mundial de cybersegurança se alterou, sendo que novos cuidados e camadas de proteção foram introduzidos para aumentar a segurança de todos os sistemas informatizados."


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/08/tse-desmente-bolsonaro-e-diz-que-pf-nunca-comunicou-fraude-nas-eleicoes.shtml


Luiz Carlos Azedo: A marcha inglória

Bolsonaro está pedindo para ser impedido de disputar as eleições ou mesmo ser afastado do cargo, por atitudes que atentam contra o Estado de direito democrático

Talvez o título mais adequado da coluna fosse A marcha da insensatez, inspirado no livro quase homônimo da escritora Barbara W. Tuchman sobre decisões erradas dos governantes, contra seus próprios interesses, pelos mais diversos motivos, como na Guerra de Troia, na reforma protestante, na independência dos Estados Unidos e na Guerra do Vietnã. Sempre houve momentos em que a razão foi impotente diante da ideologia e dos interesses mais mesquinhos. Parece ser o que está acontecendo no país, sob o protagonismo do presidente Jair Bolsonaro, que tenta impor sua vontade ao Congresso e ao Judiciário, ou apenas criar um pretexto para lançar o país num abismo político-institucional.

Em razão de seus sucessivos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), com acusações sem provas contra o sistema de votação em urna eletrônica, o que já havia provocado uma dura reação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes acolheu notícia-crime encaminhada por unanimidade por aquela Corte ao Supremo Tribunal Federal (STF), e decidiu incluir o presidente Jair Bolsonaro no chamado inquérito das fake news. A apuração levará em conta os ataques feitos pelo presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país. O inquérito foi aberto em março de 2019, pelo então presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, para investigar notícias fraudulentas, ofensas e ameaças aos integrantes da mais alta magistratura do país.

Nas suas lives, entrevistas e postagens nas redes sociais, segundo a decisão de Moraes, Bolsonaro pode ter cometido um rosário de crimes: calúnia (art. 138 do Código Penal); difamação (art. 139); injúria (art. 140); incitação ao crime (art. 286); apologia ao crime ou criminoso (art. 287); associação criminosa (art. 288); denunciação caluniosa (art. 339); tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito (art. 17 da Lei de Segurança Nacional); fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (art.22,I, da Lei de Segurança Nacional);incitar à subversão da ordem política ou social (art. 23, I, da Lei de Segurança Nacional); dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral (art. 326-A do Código Eleitoral).

O ministro Moraes presidirá o TSE nas eleições. O presidente da República está pedindo para ser impedido de disputar as eleições de 2022 ou mesmo ser afastado do cargo, por atitudes que atentam contra o Estado de direito democrático, ao desafiar à legislação vigente e aos ministros do Supremo. Não se sabe se o presidente da República vive uma crise de ansiedade, por causa do peso das suas responsabilidades, do mau desempenho do governo e da perda de popularidade, o que pode levar a um surto psicótico, ou se faz um audacioso cálculo político, para precipitar uma grave crise institucional antes das eleições, diante da ameaça de derrota eleitoral cada vez mais iminente, isto é, uma virada de mesa.

Conjuntura
Diante de tanta subjetividade envolvida nas atitudes do presidente da República, o melhor a fazer é examinar os cenários e a correlação de forças que podem nos conduzir ao desfecho dessa crise entre Bolsonaro e a maioria dos integrantes do Supremo. Como na Teoria da Relatividade, porém, o tempo da Justiça não é o mesmo da política e da economia. O ambiente internacional não é favorável a um golpe de Estado no Brasil, principalmente durante o governo do presidente Joe Biden, nos Estados Unidos, país com o qual temos relações amplas, históricas e multifacetadas. Há sim, no mundo, uma onda autoritária, mas somos um país do Ocidente. Bolsonaro vive às turras com os chineses; a Rússia não é uma parceira privilegiada do governo brasileiro, embora o presidente da República tenha certa simetria política com o líder russo Vladimir Putin.

No plano interno, Bolsonaro perde o apoio do stablishment econômico e institucional, que também não está interessado no “quanto pior, melhor”. Sua política econômica garroteia as possibilidades de recuperação eleitoral, porque o cobertor está curto: a atividade econômica se recupera, mas a inflação provoca elevação de juros e freia a geração de empregos; o governo tenta implementar uma política de compensação social, mas sacrifica os contratos, pedalando os precatórios, o que cria insegurança jurídica e reduz investimentos privados. No plano político, tornou-se prisioneiro do Centrão, que vai apoiar o governo até as eleições; o projeto de reeleição, não necessariamente, depende da situação eleitoral de cada estado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-marcha-ingloria