Raul Jungmann: Contraterrorismo stalinista

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Projeto bolsonarista cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista, sob supervisão do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)

Raul Jungmann / Capital Político

“Que os nossos amigos saibam que quem tentar erguer a mão contra a vontade do nosso povo, contra a vontade do partido de Lenin, será impiedosamente esmagado e destruído”.

Corria ao ano de 1937, época dos grandes expurgos na União Soviética, e o sombrio autor da frase, Laurent Béria, era chamado pelo ditador Stalin de “meu Himmler” – um dos líderes do partido nazista e psicopata.

Béria tornou-se conhecido por comandar a NKVD, a polícia política de então, por sentir prazer sádico na tortura e de espancar e violar mulheres e garotas. O Comissariado do Povo Para Assuntos Internos, a NKVD, era a extensão do ditador, diretamente subordinada a ele, e um verdadeiro Estado dentro do Estado soviético. Sua principal tarefa era administrar o terror em campos de concentração, tortura e supressão de adversários ou ex-aliados do regime.

Oito décadas depois, um PL no Brasil – o de número 1565, de autoria do deputado Victor Hugo, tenta (re) criar, entre nós, um órgão similar, através de uma Autoridade Nacional Contraterrorismo, dos Sistema Nacional de Contraterrorismo e da polícia de igual nome.

Como na NKVD, a Autoridade subordina-se diretamente ao chefe da nação, possui mandato para acessar toda e qualquer informação, sigilosa ou não, além de dados de qualquer um de nós brasileiros.  O órgão que se quer criar invade competências de polícias, governos estaduais, órgãos de controle e até das Forças Armadas.

Fragmenta a estrutura de coordenação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), idem o Sistema Brasileiro de Inteligência e passa ao largo do controle do Congresso Nacional. Reintroduz o excedente de ilicitude nos moldes e na extensão rejeitados anteriormente pelo Poder Legislativo.

Mais grave, propõe codificar crimes com tal amplitude, que torna quaisquer manifestações públicas, alvos de ação da Autoridade Nacional Contraterrorismo, em um claro atentado aos direitos e garantias constitucionais e aos direitos políticos.

Não por acaso, 10 associações representantes de policiais civis, militares e federais se posicionaram contra, com críticas contundentes ao projeto de lei. Idêntico protesto partiu do Judiciário e do Ministério Público, em razão da proposta afastar o controle jurisdicional e restringir o papel de fiscalização legal do MP.

Não se discute a necessidade de combater o terrorismo e já existe uma Lei para esse fim – a 13.260/2016. Porém, o projeto de lei de Victor Hugo é um atentado irreversível ao estado democrático de direito. Não deve, nem pode prosperar.

*Raul Jungmann é ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

Fonte: Capital Político
https://capitalpolitico.com/contraterrorismo-stalinista/

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