equipe econômica

Lei de autonomia do Banco Central deve resultar em juros mais baixos, avalia Jorge Jatobá

Em artigo na revista Política Democrática Online, economista defende independência da maior instituição monetária do país

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (EUA) Jorge Jatobá vê como positiva lei que classifica o Banco central como autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”. É o que ele diz em artigo publicado na revista Política Democrática Online de março.

Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

“Espera-se que, com a formalização em lei da independência do Banco Central, possamos ter também taxas de juros mais baixas em comparação com os padrões históricos”, assevera o economista.

Juros mais baixos

De acordo com ele, maior confiança diminui riscos que se expressam em juros mais baixos. “A política monetária exercida pelo Banco Central, em harmonia com a política fiscal, poderá também moderar os ciclos econômicos e reduzir o desemprego”, acredita.

No artigo da revista Política Democrática Online, Jatobá diz que a história ensina que banco central sem autonomia poderia sofrer fortes pressões do presidente de plantão. Isto, segundo ele, para financiar gastos públicos via emissão de moedaou quantitative easing ou para baixar a taxa de juros artificialmente em desalinho com que a macroeconomia ditaria ser a taxa de juros de equilíbrio.

“Poderia também ser instado a intervir de forma mais agressiva do que o faz, eventualmente, para evitar desvalorizações sucessivas do real perante o dólar, desestabilizando a taxa de câmbio e comprometendo reservas em moedas estrangeiras”, assevera.

Prejuízo

O Banco Central, de acordo com o artigo na revista da FAP, precisa de credibilidade junto aos atores econômicos e ser capaz de ancorar, pela confiança que inspira no mercado, a inflação em torno do centro da meta. “Um banco central sem credibilidade seria prejudicial à economia”, alerta.

Jatobá lembra, na revista Política Democrática Online, que um argumento contra a independência do banco central muito usado durante campanhas eleitorais é de que sua autonomia, com mandatos para presidente e diretores, submeteria o interesse público aos do sistema financeiro.

No entanto, de acordo com o economista, essa tese “não tem apoio na experiência de dezenas de bancos centrais independentes ao redor do mundo”. “Presidentes de bancos centrais têm de conhecer bem o funcionamento, os mecanismos e os meandros do sistema financeiro, quer seja egresso dos quadros da instituição, ou não”, afirma.

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Em artigo na revista Política Democrática Online de março, cientista política analisa frustração de promessas liberais

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) intervém cada vez mais na economia e escanteia Paulo Guedes, de acordo com o cientista político Leandro Machado, que cursa mestrado em administração pública pela Universidade de Harvard, em artigo na revista Política Democrática Online de março.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

A revista tem periodicidade mensal. É produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

De acordo com o analista, a imagem de Bolsonaro como liberal foi construída no período eleitoral, apesar de seu histórico como deputado federal e o viés nacional desenvolvimentista comum entre militares.

“Com Bolsonaro, guiado pelo guru da economia Paulo Guedes, os caminhos seriam outros. Era tanta admiração por Guedes que o futuro presidente jamais ousaria contrariá-lo”, lembra. “Quase deu certo. Logo no começo de 2019, começaram as negociações pela Reforma da Previdência”, acentua.

Sonhos frustrados

No artigo da revista Política Democrática Online, Machado ressalta que Bolsonaro até aprovou a criação da carteira de trabalho verde e amarela, com benefícios aos empregadores. “Só que, com as crises políticas, a Reforma da Previdência sofreu derrotas no Congresso, frustrando os sonhos de Guedes e dos liberais”, observa.

Daí em diante, de acordo com o cientista político, “Bolsonaro só decepcionou a turma do Posto Ipiranga”. “Ao contrário da promessa, o presidente meteu o bedelho em tudo na Petrobras e, ao contrário das promessas de campanha, vetou qualquer iniciativa de vender três empresas estatais: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e, claro, Petrobras”, assinala.

Na contramão das promessas, conforme lembra Machado, Bolsonaro até criou uma nova estatal, a Nav. “Isso sem contar outros pontos defendidos por políticas liberais – Bolsonaro completa o bingo do que não deveria fazer. A começar por um princípio básico: o liberalismo se pauta pela liberdade política e moral. Bolsonaro defende a ditadura há anos e lotou os ministérios com outros militares que pensam como ele”, analisa.

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Adriana Fernandes: Negociação pelo Refis é a mais nova batalha da equipe econômica

Se no auxílio pesava o lado dos pobres na balança, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força

A negociação do novo parcelamento de débitos tributários é a mais nova batalha no campo econômico em Brasília após a votação da PEC do auxílio emergencial em conjunto a um grupo de medidas fiscais.

A aprovação de um projeto de parcelamento de dívidas tributárias já estava devidamente contratada no Congresso desde 2020, mas o Ministério da Economia vinha segurando o seu avanço para não perder o controle e abrir uma brecha para uma renegociação ampla.

O problema para Guedes é que a pandemia piorou e a pressão ganhou um reforço de peso do presidente do SenadoRodrigo Pacheco.

A hora chegou. 

Logo depois da sua eleição, no início de fevereiro, Pacheco já havia pedido o Refis ao ministro. Guedes respondeu que seria melhor esperar a reforma tributária e começou a discutir uma ampliação do programa aberto de transação tributária, que prevê negociação direta com os contribuintes com base na capacidade de pagamento.

Não resolveu. Com a PEC aprovada, não está dando mais para segurar a pressão pelo Refis que sempre aparece pelo menos a cada três anos nas últimas duas décadas.

A reforma tributária não vai andar como se fala oficialmente (muitos parlamentares nem acreditam nela até 2022) e o Refis é hoje considerado mais importante para o cenário atual de pandemia e queda do PIB, como aconteceu com o auxílio emergencial, que não pode esperar a ampliação prometida do programa Bolsa Família.

Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, foi escalado por Pacheco para ser o relator e o diálogo foi aberto nessa semana. De partida, Guedes quer limitar o Refis a débitos de 2020 e à lista de setores mais afetados.

Botou seus limites para iniciar as negociações. O posicionamento do ministro é uma tentativa de freio de arrumação muito semelhante às contrapartidas fiscais buscadas na PEC, mas, quando a discussão no Congresso esquentar, o negócio é outro com o Centrão em peso querendo o Refis. O Senado quer uma tramitação rápida para votação direta no plenário.

A questão é que tipo de Refis vai sair do Congresso? A dificuldade maior no Brasil é que foram tantos os programas especiais de parcelamento de débito (levantamento da Receita Federal aponta um total de 40 desde 2000) que se acabou criando por aqui o fenômeno do contribuinte “devedor contumaz”, aquele que deixa de pagar os tributos sempre à espreita do próximo. 

Para a Receita, que tem que arrecadar e financiar as despesas, esse é o pior dos mundos. Os Refis constantes também desestimulam o contribuinte que paga em dia. A publicação pelo Estadão nesta sexta-feira de reportagem sobre as negociações em curso para o Refis gerou esperança para muitos empresários, que estão esperando o programa, mas também críticas de que o Congresso está penalizado os que pagaram os tributos em dia, em prol de “caloteiros”, reforçando uma concorrência desleal.

Esse tipo de posicionamento mostra o tanto que os sucessivos Refis foram nocivos para o País e quanto o assunto é sensível. Agora, que a crise maltrata o setor produtivo e as pessoas físicas que perderam renda, argumentos desse tipo não fazem muito sentido.

É por essa razão que mais do nunca é importante impor limites que impeçam que o novo programa abarque o parcelamento de dívidas passadas que nada tem a ver com a pandemia permitindo mais “boiadas” na área tributária, como foi a confirmação pelo Congresso esta semana do perdão da dívida das igrejas ao isentá-las do pagamento da CSLL. Uma renúncia de R$ 1,4 bilhão com aval do presidente Jair Bolsonaro.

O dilema mais uma vez é a situação de fragilidade das contas públicas. Com a movimentação, que antecipa mais uma queda de braço entre o mundo político e a equipe econômica, o novo Refis já entrou ontem no radar do mercado financeiro como mais um risco fiscal a ser monitorado. Se no auxílio, o outro lado da balança era o mais fraco, os pobres, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força. 

Não por acaso o assunto de ponta entre os especialistas em contas públicas, que estão pensando na fase pós-covid-19, é justamente a necessidade de aumento dos impostos - tema hoje travado no debate nacional. Na Webinar do Estadão e do Ibre-FGV desta semana, a avaliação dos economistas é que ele vai voltar mais cedo ou mais tarde. Vale muito conferir o debate.


Fernando Exman: A dura vida da equipe econômica na Câmara

Seja qual for o futuro presidente, cenário será desafiador

Segue indefinida a disputa pela presidência da Câmara, corrida encabeçada pelo blocão do líder do PP, Arthur Lira (AL), nome preferido do Palácio do Planalto, e o grupo do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os próprios envolvidos no duelo alertam: quem se arriscar a cravar um prognóstico do resultado da eleição está mal informado ou deliberadamente mal-intencionado, querendo passar uma visão distorcida da realidade para influenciar o jogo. Já se pode projetar sem medo de errar, contudo, que o cenário será desafiador para a equipe econômica, seja qual for o vencedor.

Nas últimas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem aproveitado eventos públicos para reiterar seu plano de voo. Enquanto tenta abrir espaço na agenda legislativa para a tramitação das reformas, trabalha para dar um impulso definitivo à votação de propostas que visam melhorar o ambiente de negócios, como o projeto que garante autonomia ao Banco Central, marcos regulatórios setoriais capazes de atrair investimentos e a nova Lei de Falências. Dia sim outro também, insiste em destravar as privatizações de Eletrobras, Correios, Porto de Santos e PPSA, a estatal que representa a União nos contratos de partilha do setor de petróleo - uma pauta louvável consagrada nas urnas em 2018, mas que até agora não emocionou os congressistas.

Para conseguir abrir espaço abaixo do teto de gastos, integrantes da equipe econômica reforçam a necessidade de se implementar a tal agenda “3D”, composta por iniciativas que desobrigam, desvinculam e desindexam o Orçamento. São ações que já estão sob a análise do senador Márcio Bittar (MDB-AC) e podem até prosperar no Senado, mas enfrentam resistências de autoridades do próprio Executivo, na oposição e entre parlamentares da base aliada na Câmara. Bolsonaro em pessoa já as descredenciou num passado não tão remoto. O presidente ameaçou dar um cartão vermelho para quem defendesse não assegurar a reposição da inflação para a Previdência e o salário mínimo, mas acabou guardando-o no bolso depois que o assunto deixou as manchetes dos jornais.

A ideia, no entanto, nunca foi abandonada totalmente. Na percepção de integrantes do Centrão, Bittar está disposto a enfrentar os debates mais impopulares e até mesmo incluir em seu relatório medidas que podem causar preocupações no mercado, como fez quando defendeu usar recursos dos precatórios para ajudar o governo a erguer um programa social que substitua o Bolsa Família.

O relator do Orçamento e da chamada PEC do Teto de Gastos também estaria disposto, de acordo com interlocutores, a defender a tributação de lucros e dividendos ou prever o fim de isenções tributárias. Em outras palavras, aceita resolver os problemas do governo tanto do lado das receitas quanto no das despesas, desde que tenha respaldo dos partidos aliados, do Ministério da Economia e, principalmente, do Planalto. Com razão, temeria ser abandonado no plenário. A articulação entre os líderes governistas tem um histórico de desencontros.

Isso vem ganhando corpo no Senado, porém na Câmara Guedes ainda não tem total apoio do Centrão para adotar medidas impopulares. Ele mesmo sabe disso, embora espere e torça para que o bloco abrace sua pauta, até como suposta estratégia para limpar a imagem de fisiologismo. Um influente parlamentar do grupo, no entanto, mostra que esse sonho não será fácil e já alerta que muitas das articulações mais fiscalistas conduzidas pelo ministro com Maia não reverberam entre os deputados governistas.

Inspirada pela frase de Bolsonaro segundo a qual sua administração não vai tirar nada do pobre para dar ao paupérrimo, a própria base aliada não quer aprovar qualquer iniciativa que acarrete perdas aos que estiverem da classe média para baixo na pirâmide sócio-econômica. “Em tempo algum”, sublinha um influente líder.

Não se trata, portanto, apenas de um problema de “timing” da política, como o ministro da Economia costuma falar, ou uma preocupação pontual dos parlamentares com as eleições municipais.

O problema de Guedes é que até mesmo o presidente Jair Bolsonaro resiste a algumas das suas ideias. Assim, um presidente da Câmara eleito com um empurrão do Planalto não iria assumir uma postura contrária à defendida pelo chefe do Poder Executivo, em favor do ministro. Ele certamente estaria disposto, inclusive, a tentar provar ao mercado que pode garantir estabilidade e previsibilidade aos agentes econômicos, mesmo sem atender todas as demandas da equipe econômica.

Do outro lado, o presidente Rodrigo Maia tem sido cada vez mais pressionado a decidir quem será seu candidato na disputa. Dependendo do nome escolhido, Guedes terá mais ou menos espaço para conversar, por exemplo, a respeito da criação de um novo imposto sobre transações financeiras ou de medidas que contrariam interesses setoriais e são consideradas fundamentais pela ala liberal do governo. Baleia Rossi (MDB-SP) já se mostrou aberto a tratar de uma nova CPMF, diferentemente de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Ex-ministro do Desenvolvimento, Marcos Pereira (Republicanos-SP) é interlocutor frequente do setor produtivo e sensível às queixas do empresariado.

O grupo político de Maia também tem negociado com a oposição, que possui cerca de 130 votos na Câmara e pode influenciar a eleição - sobretudo se votar unida. Isso quer dizer que um candidato deste campo pode ter que acolher algumas das bandeiras da esquerda, o que tem gerado na equipe econômica o receio de que as privatizações podem continuar empacadas.

A campanha ganha corpo e tudo o que Bolsonaro não quer é ver Maia fazendo seu sucessor. A sinalização do presidente de que pode se filiar a algum partido em março, caso não consiga mesmo viabilizar a criação do Aliança pelo Brasil, deve entrar nessa equação e acabar desequilibrando o jogo. Isso pode favorecer um candidato governista, mas está claro que não é garantia de que Guedes terá uma vida mais fácil a partir de fevereiro.


Elio Gaspari: Bolsonaro desceu do palanque

Presidente trombou com a ekipekonômica, mas mostrou caminho para aprovar reforma da Previdência

Pelo andar da carruagem, a reforma da Previdência será aprovada. Numa revelação surpreendente feita durante uma entrevista aos repórteres Carlos Nascimento, Débora Bergamasco e Thiago Nolasco, o presidente Jair Bolsonaro pôs na mesa uma nova idade mínima para o acesso às aposentadorias e abriu o caminho para que ela passe a girar em torno de seu eixo principal, a “fábrica de desigualdades” exposta pelo ministro Paulo Guedes: “Quem legisla e julga tem as maiores aposentadorias e a população, as menores”.

Durante a campanha, Bolsonaro repetiu que a idade mínima do projeto mandado por Michel Temer era perversa. O anúncio da nova idade resultou numa trombada com a ekipekonômica. Resta saber quem manda e quem é capaz de fazer um projeto que passe pelo Congresso.

Bolsonaro defendeu de forma convincente a mudança na lei que permite a posse (não o porte) de armas. Afinal, em 2005, um plebiscito rejeitou a proibição da venda de armas de fogo. Felizmente, ele não comparou trabucos a automóveis, como faz o ministro Augusto Heleno.

O Bolsonaro da entrevista pareceu mais leve que o do palanque de mármore de Brasília. Ainda assim, disse que “hoje em dia o poderio das Forças Armadas americanas, chinesas e soviéticas alcança o mundo todo”. Como ele acha que com o seu governo o Brasil “começa a se livrar do socialismo”, alguém precisa avisá-lo de que a União Soviética se acabou em 1991.

O PODER DE PAULO GUEDES
Falta ao poderoso ministro Paulo Guedes um pé no Planalto. Parece detalhe, mas há dois tipos de ministros, os que têm sala no Palácio (Augusto Heleno, por exemplo) e os que não têm.

Quem está no primeiro grupo checa se o presidente está livre, toma o elevador e vai à sua sala. Quem não está precisa marcar hora ou arriscar-se a uma espera.

É claro que Guedes verá Bolsonaro sempre que isso for necessário, mas, por enquanto, a burocracia palaciana revela que nos primeiros cem dias de governo ele participará da reuniões do ministério às terças-feiras e de cinco encontros de “alinhamento”, sempre com outros colegas.

A trombada ocorrida na sexta-feira entre o que diz Bolsonaro e o que pensa a ekipekonômica mostra que faltam conversas. Isso na melhor das hipóteses, porque pode estar faltando disciplina. Choque com a ekipekonômica na primeira semana de governo é coisa nunca vista.

Os ministros com sala no Palácio têm um acesso informal ao presidente e essa circunstância cria um tipo especial de convivência. Para o bem, produz eficácia, para o mal, intrigas. É mais fácil se desviar de uma bola nas costas estando perto do juiz.

SANTAS PALAVRAS
Pode-se achar o que se queira do discurso de posse de Paulo Guedes, mas é impossível discordar de seu diagnóstico sobre os bancos públicos:

“Eles se perderam nos grandes programas, onde piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro.”

A BIC DE TEREZA
A caneta Bic de Tereza Cristina, ministra da Agricultura, tem mais tinta que a da maioria dos ministros civis.

O SAMBA DE ARAÚJO
O grande ausente na posse do chanceler Ernesto Araújo foi o escritor Oswald de Andrade (“Tupi or not tupi”). Quando o diplomata pediu a seu colegas que lessem mais José de Alencar e menos o New York Times, poderia ter feito uma ressalva, recomendando sua obra de ficção. Nela há um negro endiabrado sendo chamado de “bugio”, mas ficção é ficção.

Há um outro Alencar, político, deputado, ministro da Justiça e escravocrata convicto. Ele chamou a Lei do Ventre Livre de “iníqua e bárbara”. Isso em 1871, seis anos depois do fim da Guerra Civil que acabou com a escravidão nos Estados Unidos.

Alencar criticava o “fanatismo do progresso” e advertia: “A liberdade e a propriedade, essas duas fibras sociais, caíram desde já em desprezo ante os sonhos do comunismo.”

“Toda lei é justa, útil, moral, quando realiza um melhoramento na sociedade e representa uma nova situação, embora imperfeita, da humanidade. Neste caso está a escravidão.”

“Se a escravidão não fosse inventada, a marcha da humanidade seria impossível.”

Alencar sustentava que o Estado não deveria se meter a legislar sobre a relação trabalhista da escravidão.

O MITO DE ARAÚJO
Noves fora José de Alencar, o chanceler Araújo deu-se a comentários sobre figuras míticas, valendo-se do rei português d. Sebastião. Com sua erudição, poderia ter associado Jair Bolsonaro a uma centenas de outras figuras.

D. Sebastião era meio pancada, sumiu na batalha de Alcácer Quibir (1578) e, como tinha horror às mulheres, foi-se embora sem deixar descendência. Disso resultou na anexação de Portugal pela Espanha por 60 anos.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acha que os condenados na primeira instância do Judiciário devem ir para a cadeia sem direito a recurso.

O que o cretino não entende é por que o ministro Sergio Moro quer enviar ao Congresso uma emenda constitucional assegurando e prisão dos condenados na segunda instância.

Como juiz, Moro defendia esse procedimento e o tema está na pauta do Supremo Tribunal Federal para o dia 10 de abril.

Como é impossível que o Congresso aprove a emenda em tão pouco tempo, Eremildo ficou com a impressão de que a iniciativa seja uma pressão inútil. Até porque, o tribunal sempre poderá julgar a mudança inconstitucional.

A APPLE MANCOU
A queda do valor da Apple foi atribuída pelo mercado a uma retração dos compradores chineses.

Algo pior pode vir por aí. Depois de ter mudado os hábitos de consumo com os iPhones e os iPads, a Apple está mancando no novo mercado de aplicativos e de assistentes digitais que recebem ordens por comandos de voz.

Esses equipamentos têm o tamanho de um pequeno pote. Entre outras coisas, processam mensagens, ligam luzes, tocam músicas, registram ordens de compras e a cada dia expandem sua capacidade. O Echo da Amazon e o Google Home dominam o mercado, enquanto o HomePod da Apple está bem atrás. Steve Jobs não deixaria isso acontecer.

WITZEL NO PALANQUE
O governador Wilson Witzel ainda não desceu do palanque. Quando ele disse que o país precisa de “estabelecimentos prisionais destacados, longe da civilização, precisamos ter a nossa Guantánamo”, ofendeu a geografia e, tendo sido juiz, massacrou o Direito.

A prisão americana de Guantánamo não fica longe da civilização. Está a 899 km de Miami e a 65 km de Santiago de Cuba. Quando o presidente Bush resolveu mandar terroristas para lá, o que ele queria era mantê-los fora do alcance da Constituição dos Estados Unidos. A Corte Suprema cortou-lhe as asas.

TEMER PERDEU
O pente-fino determinado pela Casa Civil para o reestudo das últimas medidas tomadas pelo governo de Michel Temer é o preço que ele pagará por ter apostado no escurinho do fim de mandato para disseminar um testamento.

Deu o mau exemplo nomeando protegidos para a direção de agências reguladoras e acabará enrascado em maluquices de escalões inferiores.


Claudia Safatle: A reforma da Previdência ou o caos

"É cortar, cortar e cortar", dizem fontes do novo governo

Aprovar a reforma da Previdência no primeiro semestre de 2019 é a prioridade do presidente eleito, Jair Bolsonaro. A importância desse prazo pode ser detectada no comentário de um dos economistas da transição: "Ou aprovamos a reforma da Previdência até junho ou será o caos", disse. Por mais que se possa considerar essa afirmação um exagero de retórica sustentado na suposição de que esse será o período da lua de mel do mercado com o novo governo, o fato é que os agentes econômicos internos e externos estão à espera da reforma. Sua aprovação será um sinal de determinação e sustentação política do governo decisivo para a expansão dos investimentos no país.

Sem novos investimentos, a recuperação da economia terá vida curta, minando a confiança e o emprego. Este seria o início de um processo de deterioração das expectativas que fatalmente enfraqueceria o governo de Bolsonaro.

Técnicos da transição foram despachados para o Rio de Janeiro, na semana passada, para se inteirar da proposta de reforma elaborada por especialistas em Previdência Social sob a coordenação de Arminio Fraga. O ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos enviou ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, um projeto completo e inovador de previdência que está sendo avaliado, juntamente com algumas outras propostas. Os emissários de Guedes conversaram com Paulo Tafner, um dos autores da proposta.

À reforma da Previdência se seguem dois outros objetivos que compõem o plano de voo para a economia: a redução da conta de juros com o uso das receitas de privatizações para abatimento da dívida do setor público; e a reforma do Estado, centrada na busca de um modelo menor e mais eficiente.

Por onde se olha, há sobreposições de estruturas e tarefas, diagnosticam os assessores recém-chegados na transição. Um pequeno detalhe confirma essa visão mais geral. Para tratar das empresas estatais há a secretaria das estatais do Ministério do Planejamento, uma área que também cuida do tema no Ministério da Fazenda e o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), ligado à Presidência da República, com um conselho e uma secretaria.

Ao reformular as estruturas do Estado, o governo poderá economizar de 20% a 30% dos gastos com cargos de confiança ou comissionados. Atualmente são mais de 23 mil cargos que recebem DAS (Diretoria e Assessoramento Superiores) ou funções comissionadas do Poder Executivo.

Para consertar o forte desequilíbrio fiscal, é crucial investir na reforma da Previdência, hoje o maior gasto do Orçamento. São R$ 591,45 bilhões em pagamento de benefícios, que devem gerar déficit de R$ 201,6 bilhões este ano só no regime geral (RGPS), segundo dados oficiais divulgados ontem pelo Ministério do Planejamento. Considerando a previdência do servidor público, esse déficit sobe para a casa dos R$ 300 bilhões.

Em seguida vem a conta de juros da dívida consolidada do setor público e a folha de pessoal da União. Nos últimos 12 meses até outubro, os juros nominais somaram R$ 401 bilhões (5,9 % do PIB) e a folha de salários consumiu cerca de R$ 300,6 bilhões (4,4% do PIB).

O déficit nominal, que inclui a conta de juros, alcançou R$ 488,8 bilhões (7,2% do PIB).

Os três gastos - benefícios previdenciários, juros e salários - estão na mira da nova gestão. "É cortar, cortar e cortar", enfatizou um assessor do futuro ministro da Economia, que adiantou: "Não dá mais para fazer remendos. Agora temos que ir na raiz dos problemas".

O drama dos "rombos" nas contas públicas é que a dívida bruta - compreendida por governo federal, INSS e governos estaduais e municipais - superou os R$ 5,24 trilhões e cresce a uma trajetória explosiva. Atualmente, a dívida equivale a 77,2% do PIB. Cabe ao novo governo interromper o crescimento e reduzir o endividamento como proporção do PIB para evitar o desastre de um "calote" futuro.

O Ministério da Economia está sendo montado segundo a perspectiva da reforma do Estado. Ele será resultado da fusão de três ministérios (Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio). Deverá comportar de quatro a seis secretarias, e isso eliminará as estruturas triplicadas. Ampliará substancialmente o raio de poder do futuro ministro Paulo Guedes, que terá sob a sua área de domínio todas as receitas e despesas da União.

O que norteia esse trabalho é, segundo assessores da área de gestão, construir de forma incremental os pilares do novo sistema econômico baseado nos princípios liberais. A ideia é trabalhar com o conceito de "equilíbrio geral", no qual os processos vão sendo construídos de forma a um ajudar na sustentação do outro.
Em outras palavras, a reforma da Previdência se combina com um processo de privatização que se complementa com as reformas administrativa e tributária, que reduz o peso do Estado sobre as empresas e as famílias. E essas etapas vão se alimentando de um crescimento mais firme da economia.

Os governos tentaram de tudo após a democratização para colocar o Brasil nos trilhos do crescimento econômico sustentável. Avançou em um período, mas regrediu em outro. Buscou-se todos os tipos de atalho com intervenções exacerbadas. A carga tributária subiu a patamares asfixiantes - de 26,7% do PIB em 1995 para mais de 32% do PIB atualmente - para dar conta do acelerado crescimento do gasto público. Não foi suficiente e, então, recorreu-se ao aumento do endividamento para financiar as despesas, deixando a dívida chegar a níveis perigosos.

Resta tentar um caminho ainda não explorado: cortar a despesa pública para que ela seja financiada por uma carga tributária compatível com o resto do mundo, reduzir o tamanho do Estado e abrir a economia.

A equipe econômica do presidente eleito avalia que "pela primeira vez na história o país terá o governo com uma agenda claramente liberal". Até então, medidas de cunho liberal foram adotadas de forma pontual, mais por necessidade do que por convicção. Uma dúvida é se e por quanto tempo Bolsonaro comungará das mesmas ideias de Paulo Guedes.


Samuel Pessôa: O poder das corporações empresariais

No fim de abril, o Executivo enviou ao Legislativo a medida provisória 777, que redesenha o papel do setor público no financiamento do investimento. O objetivo era retirar da concessão de crédito do BNDES o subsídio público.

A TLP (Taxa de Longo Prazo), que balizará o juro da concessão de empréstimos, será, para o mês de liberação do crédito, a remuneração da nota do Tesouro Nacional série B, a famosa NTN-B, de cinco anos. Ou seja, o BNDES cobrará pelo empréstimo o custo de captação do Tesouro.

Isso não significa que não poderá haver subsídio. Somente que o subsídio será definido pelo Congresso Nacional e será custeado diretamente pelo Tesouro, tornando a política de subsídios transparente no Orçamento, como as demais políticas públicas.

Segundo cálculos de Manoel Pires, somente em 2015 os subsídios do BNDES custaram R$ 57 bilhões aos contribuintes! A bagatela de dois programas Bolsa Família.

A TLP trata-se de uma verdadeira revolução nas nossas instituições. O modelo anterior supunha que os elevados juros por aqui justificavam o subsídio público na concessão de crédito ao investimento em capital físico.

Essa conclusão está errada. Os empresários argumentam que precisam competir com países cuja taxa de juros é menor. Se não houver o subsídio público, o negócio não se viabiliza. A suposição desse argumento é que um produtor de fogão, por exemplo, compete com os produtores de fogões do resto do mundo. Muito intuitivo, mas errado.

Se nós somente produzíssemos fogões e, em razão dos juros mais elevados, nosso produto fosse caro no mercado internacional, ocorreria a desvalorização do câmbio, que restituiria a rentabilidade da indústria de fogões.

O produtor nacional de fogões compete com todos os demais produtores aqui localizados em todos os setores. A competitividade média da economia brasileira em comparação ao resto do mundo é ajustada pelo câmbio. E, em um regime de câmbio flexível, esse ajuste é mais simples.

Evidentemente, é natural que os setores mais intensivos em capital apresentem no Brasil menor desenvolvimento em razão do maior custo de capital. Não há justificativa para o subsídio: se algo é mais caro por aqui, tem que ser menos empregado. Qual é a surpresa?

O subsídio somente se justifica para aqueles investimentos que apresentam retorno para a sociedade maior do que o retorno privado. Exemplos: infraestrutura de mobilidade urbana, saneamento básico, investimento em inovação tecnológica, entre outros.

Nelson Barbosa, ex-ministro da presidente Dilma e agora meu colega neste espaço às sextas-feiras alternadas, notou que o atual governo ainda não pautou o tema da elevação da progressividade dos impostos.

Segundo Nelson, o silêncio da equipe econômica sobre o tema da progressividade dos impostos "é revelador de quem ela representa". Dado que, em 13 anos à frente do Executivo nacional, o governo anterior nunca pautou o tema, sou forçado a considerar que o atual governo representa, segundo Nelson, os mesmos interesses que o governo petista representava. De qualquer forma, Nelson poderia ter um pouco mais de paciência antes de tirar suas conclusões: um ano é bem menos tempo do que 13.

Vale lembrar que a MP 777 elimina mecanismo histórico de concentração de renda no Brasil. Surpreende que Nelson Barbosa não a apoie. Que interesses ele representa?

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

 

 


Roberto Freire: Sinais de confiança

Mesmo com todos os problemas que enfrenta e ainda distante de superar uma grave crise econômica, o Brasil parece caminhar de forma segura rumo à estabilidade. Os sinais são claros de que, sob o comando do presidente interino Michel Temer, o país começa a viver um momento de retomada da confiança como resultado do círculo virtuoso iniciado a partir da admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara e no Senado e do começo do governo de transição. Depois de tanta instabilidade e da desconfiança gerada nos últimos anos, as perspectivas passaram a ser mais otimistas.

Um bom exemplo é o Índice de Confiança do Empresariado Industrial (ICEI), divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que subiu pelo terceiro mês consecutivo e alcançou 47,3 pontos em julho. A marca é mais de dez pontos superior à registrada em julho do ano passado (37,2 pontos), o que sinaliza um otimismo maior dos empresários brasileiros em relação ao desempenho do setor e da economia do país. Além disso, a expectativa para os próximos seis meses também melhorou, chegando a 52,3 pontos (ante 42 pontos do mesmo período de 2015).

Outro dado interessante é a estimativa do resultado da economia neste e no próximo ano calculada pelo Boletim Focus, do Banco Central. Os dados apresentados no início desta semana apontam para uma retração de 3,25% do PIB em 2016 (antes era de 3,30%) e um crescimento de 1,10% em 2017. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, também melhorou suas projeções na revisão do relatório “Perspectiva Econômica e Global”, calculando uma retração de 3,3% do PIB brasileiro neste ano (ante 3,8% da última estimativa) e uma leve aceleração de 0,5% no ano que vem.

A confiança gerada pelas ações da equipe econômica do novo governo também aumenta o otimismo, inclusive com a aprovação de projetos importantes do ajuste fiscal no Congresso Nacional. No início da semana, o Ibovespa atingiu o maior patamar desde maio de 2016, com mais de 56 mil pontos, fechando o nono pregão consecutivo do mercado acionário brasileiro em alta. Os papéis preferenciais da Petrobras, tão vilipendiada pela corrupção desenfreada do lulopetismo, se valorizaram muito nas últimas semanas, principalmente em função de uma gestão mais séria e competente da empresa.

Não se trata de mera onda de confiança que se espraia apenas nos mercados, muito pelo contrário. Essa confiança é um reflexo de uma sensação de maior otimismo que parte da sociedade brasileira, como atesta a mais recente pesquisa do Datafolha. De acordo com o levantamento, mais de 50% da população avalia que a permanência do presidente Temer no cargo é melhor para o país. O instituto também mediu a expectativa dos brasileiros em relação ao desfecho do processo de impeachment, cuja votação no Senado deve ocorrer em agosto, e nada menos que 71% dos entrevistados entende que haverá o afastamento definitivo da petista.

Apesar de todas as notícias positivas e da evidente retomada da confiança na recuperação econômica do Brasil, é fundamental termos a consciência de que os muitos e graves problemas do país ainda estão longe de ser resolvidos. O desafio é grande, as dificuldades serão enormes e não se sai da maior recessão da história brasileira em um passe de mágica. O caminho é longo e o percurso não será fácil.

Os brasileiros precisam continuar mobilizados para transmitir o seu recado de forma inequívoca: o Senado tem de aprovar o afastamento definitivo de Dilma para que o país não sofra com retrocessos e possa virar essa página e começar a escrever um novo capítulo de sua história. No dia 31 de julho, a sociedade tem mais uma chance de ocupar as ruas e demonstrar seu apoio ao impeachment e às investigações da Lava Jato, além de defender as instituições republicanas. Aos poucos, estamos recuperando a confiança e a autoestima em um novo Brasil. O próximo passo é retomar o crescimento e dar um salto de qualidade rumo ao futuro. (Diário do Poder – 21/07/2016)

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


Cristiano Romero: Uma oportunidade para o Estado encolher

Uma das contrapartidas dos Estados na renegociação de suas dívidas com a União será a privatização de empresas estatais. O governo do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, concordou em privatizar a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Goiás, por sua vez, aceitou vender a Celg, a distribuidora de energia do Estado.

O processo de venda das estatais estaduais será conduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma exigência do governo federal. O banco, como se sabe, tem expertise no assunto, tendo sido responsável pelas privatizações realizadas nos governos Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

“O BNDES já está trabalhando intensamente nisso [na privatização da Cedae]”, informou ao titular desta coluna o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Os governadores concordaram que o BNDES seja o coordenador do processo”, revelou, conforme antecipou ontem o Valor PRO, o serviço de informações em tempo real do Valor.
União negocia com todos os Estados a venda de estatais

A equipe econômica está negociando com todos os Estados a venda de empresas estatais. A privatização é parte do esforço para melhorar a situação fiscal do setor público, principal vulnerabilidade da economia brasileira neste momento. A medida tem um efeito colateral importante: com a desestatização, a tendência dos setores onde as estatais atuam é ter mais eficiência. Privatizar é, também, uma forma de reduzir drasticamente os incentivos à corrupção.

Na renegociação anterior das dívidas estaduais, em 1997, adotou-se o mesmo compromisso, muitas empresas foram vendidas, mas ainda existe um bom par delas em vários Estados. A severa crise fiscal é uma oportunidade histórica para o Estado brasileiro desistir de vez de sua atuação empresarial, passando a concentrar-se em atividades típicas de sua atuação, como educação, saúde e segurança.

O governo fluminense, na gestão de Marcello Alencar (1995-1998), tentou privatizar a Cedae, mas esbarrou em questões regulatórias – a disputa entre Estados e municípios quanto à competência sobre os serviços de saneamento básico -, na resistência de grupos políticos e no corporativismo dos funcionários. No ano passado, o tema veio à baila na Assembleia Legislativa.

Além do compromisso com a venda de ativos, os Estados concordaram com sua inclusão na proposta de emenda constitucional que limita a correção das despesas públicas à inflação do ano anterior e com a não concessão, por 24 meses, de aumentos reais aos salários do funcionalismo público. O ministro Henrique Meirelles explica que a Constituição assegura aos servidores a reposição do poder de compra (isto é, a inflação), mas alguns governadores entendem que é possível dar reajustes abaixo da variação da inflação.

“Não podemos impedir o que está previsto na Constituição, mas o fato é que, com essa regra, o crescimento real (acima da inflação) dessa despesa será zero. Muitos Estados vinham concedendo reajustes muito acima da inflação”, contou Meirelles.

Considerando-se apenas oito Estados (SP, RJ, MG, RS, SC, PR, BA e GO), o Distrito Federal e a prefeitura de São Paulo, a despesa com pessoal e encargos saltou de 3,7% para 5,2% do PIB entre 2008 e 2015. O investimento desses entes caiu, no mesmo período, de 0,8% para 0,5% do PIB. A despesa corrente (o gasto com educação e saúde, por exemplo) teve que encolher: de 4,7% para 3,8% do PIB.

Um aspecto muito importante da reunião dos governadores com a equipe econômica foi a concordância quanto à necessidade de adesão de todos os Estados à renegociação, mesmo daqueles que estão situação razoável, como o Espírito Santo. “Coloquei na reunião que ou fechávamos um acordo com todos ou não seria possível fazer apenas com alguns. Todos entenderam que era importante resolver a questão não só das dívidas, mas também da questão fiscal dos Estados”, revelou o ministro.

A adoção do teto de evolução das despesas é crucial porque, de 1997 a 2015, observa Meirelles, as despesas da União cresceram 6% ao ano em termos reais. Tomando-se o período em que os governos Lula e Dilma decidiram adotar a chamada “Nova Matriz Econômica” – de 2008 a 2015 -, o gasto avançou 14,5% acima da inflação acumulada. No mesmo período, a despesa total saltou 51% em termos reais, forçando o Tesouro Nacional a elevar a dívida pública em R$ 2,2 trilhões.

“Aprovada a emenda constitucional que fixa o teto, no ano que vem teremos zero de crescimento real”, previu Meirelles. De 2004 a 2015, a despesa primária (que não inclui os juros da dívida) do governo central saltou de 15,6% para 19,5% do PIB. O governo espera, com o teto, diminuí-la em dois pontos percentuais do PIB em três anos.

O ministro da Fazenda confirmou que, em 2017, o setor público consolidado (União, Estados e municípios) deve apresentar um novo déficit primário. Acredita, porém, que o saldo negativo vai baixar ao longo do tempo. O cálculo é o seguinte: Meirelles aposta que, à medida que as iniciativas na área fiscal comecem a ser aprovadas e implementadas, o setor produtivo voltará a confiar na política econômica, o que ajudará a destravar as decisões de investimento, impulsionando a atividade econômica. A retomada do PIB, por seu turno, aumentará a arrecadação, auxiliando o ajuste fiscal.

Talvez, muitos ainda não tenham se dado conta, mas a imposição de um teto para as despesas acabará por tornar realistas os orçamentos públicos. Diante do teto, caberá aos governantes, em negociação com o Congresso e as assembleias legislativas, estabelecer as prioridades do gasto público. Hoje, pode tudo e o resultado é inflação, carga tributária e dívida pública crescentes, asfixia do setor privado e por conseguinte dos investimentos, baixo crescimento e baixa qualidade dos serviços públicos. (Valor Econômico – 22/06/2016)


Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras
E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

Fonte: pps.org.br