Eleições

O Estado de S. Paulo: Câmara rejeita distritão para 2018

Plenário da Câmara derrubou proposta que estava sendo debatida havia meses; 205 deputados foram favoráveis à matéria, mas eram necessários 308 votos

Isadora Peron, de O Estado de S. Paulo

Em votação que encerrou uma discussão de meses, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema, chamado de proporcional, para o distritão nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o distrital misto. A proposta de emenda à Constituição teve 205 votos favorá- veis, mas, por se tratar de uma PEC, eram necessários 308 para sua aprovação. Votaram contra o texto 238 deputados. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso Nacional neste ano.

O plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema – chamado de proporcional – para o “distritão” nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o “distrital misto”.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) não foi aprovada porque não atingiu o mínimo de 308 dos 513 votos. Foram 238 deputados contrários à alteração – 205 votaram a favor e houve uma abstenção. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso neste ano.

A votação de ontem encerrou uma discussão de meses em torno da reforma política. Sem consenso, líderes da Câmara tentaram por diversas vezes aprovar a PEC, mas não conseguiram chegar a um texto de consenso.

Partidos como PMDB, PP e PSDB eram a favor da mudança do sistema eleitoral, mas resistiam a apoiar a criação de um fundo para financiar campanhas políticas. PT, PC do B e PDT apoiavam o fundo público (que chegou a ser cogitado em R$ 3,6 bilhões), mas recusavam a proposta do distritão.

O Estado revelou em julho que deputados do PMDB, PSDB e de ao menos oito partidos do Centrão haviam feito um acordo para incluir o distritão na reforma política – a medida foi apontada como uma maneira de assegurar a reeleição dos principais líderes a fim de se manter o foro privilegiado em meio ao descrédito com a classe política causado por escândalos revelados pela Lava Jato.

“O distritão, na verdade, é um ‘detritão’”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), ontem, durante a votação. “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso”, afirmou o líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA).

Hoje, no sistema proporcional, para um deputado se eleger, é necessário calcular seu número de votos combinado com a quantidade de votos dados ao partido ou à coligação. Se o distritão fosse aprovado, o sistema de escolha de deputados federais, estaduais e vereadores nas duas próximas eleições se tornaria majoritário e seriam eleitos os candidatos mais votados. No distrital misto, o eleitor vota duas vezes: uma vez nos candidatos e outra em nomes de uma lista apresentada pelo partido. O distritão já havia sido rejeita- do pela Câmara em 2015.

“Esse debate foi muito difícil, tortuoso. Temos um sistema fragmentado e, talvez, seja o grande drama da representação partidária no Congresso. A PEC não conseguiu apoio necessário”, disse o deputado Betinho Gomes (PSDB-PE).

Coligação. Após rejeitar a mudança do sistema eleitoral, o plenário passou a discutir, já na madrugada de hoje, a PEC que trata do fim das coligações nas eleições proporcionais e da criação de uma cláusula de desempenho dos partidos.

O presidente da Câmara em exercício, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), afirmou, exaltado, que levaria a votação até o fim. “Ligue, mande buscar seus deputados em casa. Aqui tem 360 deputados (à 0h30). Eu falei que ia votar até seis horas da manhã. Vou cumprir o que eu falei, porque é meu dever cumprir. Palavra é palavra”, disse. A sessão, no entanto, foi encerrada pouco depois da 0h30 e a votação foi adiada.

Os deputados tentaram apro- var requerimento para retirar a PEC de relatoria da deputada Shéridan (PSDB-RR) de pauta, mas o pedido foi rejeitado. Ao todo, os deputados ainda tinham de analisar oito destaques ao texto. A principal mudança foi proposta pelo PPS para que o fim das coligações passasse a valer em 2020, não em 2018.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que é a favor do fim das coligações, ironizou o adiamento da votação. “O fim da coligação é a única iniciativa positiva da mal chamada reforma política.” Após Ramalho anunciar que a votação seria retomada hoje, parlamentares protestaram e disseram que a reforma seria feita pelo Supremo Tribunal Federal. Para que as mudanças passem a valer em 2018, elas têm de ser aprovadas até 7 de outubro.

Debate “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso Nacional.” Weverton Rocha (PDT-MA).

 

 


Demétrio Magnoli: 'Adeus, Lula' é um filme sobre implosão, separação e pulverização

"Adeus, Lenin!", filme satírico de Wolfgang Becker, ilumina o deslocamento psicológico causado pela queda do Muro de Berlim nos alemães orientais idosos, cujas referências cotidianas estavam todas definidas pelo "socialismo real". As confissões de Palocci, uma explosão fatal na imagem pública de Lula, pedem um roteiro sobre a orfandade da esquerda brasileira, que não se preparou para viver sem seu patrono de quatro décadas.

Palocci é um furacão de categoria máxima. Nos bons tempos, antes do "mensalão", disputava com Dirceu a condição de sucessor de Lula –e tinha a preferência do próprio Lula. O ex-ministro da Fazenda, porém, não possui a têmpera de Dirceu ou dos "apparatchiks" do núcleo duro lulista, como Delúbio e Vaccari. Ele desconhece a "omertà", o código de honra que bloqueia a estrada da delação. Por isso, começou a falar, convertendo-se subitamente de "herói do povo brasileiro" (segundo o congresso do PT paulista) em traidor "calculista, frio e simulador" (segundo Lula).

Lula e os seus creem que a política está acima de tudo, inclusive dos tribunais. A tese tem alguma verdade: as implicações judiciais das confissões de Palocci permanecem turvas, mas suas consequências políticas são devastadoras. A sentença do traidor sobre o "pacto de sangue da propina" tem maior potencial destruidor para a candidatura de Lula que as sentenças de Moro sobre um certo tríplex ou um célebre sítio. Palocci fecha um ciclo histórico no qual a esquerda não precisou se ocupar com os problemas cruciais da unidade e do rumo ideológico.

O projeto do PT reuniu as heterogêneas correntes da esquerda, oferecendo um leito comum para sindicalistas, movimentos sociais, militantes católicos da "teologia da libertação", castristas de diversos matizes e grupúsculos trotskistas. Lula serviu como traço de uma unidade que jamais derivou de consensos sólidos nos planos dos valores, da doutrina ou das estratégias. Na falta desse mastro, nada deterá a fragmentação em curso, ainda que venha a ser disfarçada sob o rótulo de uma "frente popular" de partidos e movimentos. A candidatura Haddad, plano B do lulismo, pode até evitar o naufrágio da nau petista, mas carece de força gravitacional para restaurar a moldura unitária que se despedaça.

O lulismo garantiu a unidade por meio da virtual supressão da divergência ideológica. No percurso, a curva decisiva foi a chegada de Lula ao Planalto, que cancelou o já rarefeito debate de ideias no interior do PT. Dali em diante, as correntes petistas engajaram-se na ocupação de cargos no aparelho de Estado, enquanto os "intelectuais de esquerda" aceitaram a humilhante tarefa de justificar tanto as oscilações de rumo do governo quanto as pútridas alianças do capitalismo de compadrio patrocinadas por Lula. O ex-presidente carrega a culpa direta pelo "pacto de sangue" confessado por Palocci, mas a responsabilidade política espraia-se muito além dele, até doutos acadêmicos que nunca se beneficiaram do vil metal.

Unidade e ausência de debate ideológico –as duas coisas estão ligadas como as lâminas de uma tesoura. O lulismo salvou a esquerda das forças centrífugas provocados pela discussão de temas como o lugar das empresas estatais, a produtividade da economia, a curva de sustentabilidade fiscal, a qualidade dos serviços públicos, o imperativo da reforma política. Lula construiu uma cápsula encouraçada, isolando a esquerda num santuário. A prova de seu sucesso está à vista de todos, nos artigos vexatórios dos "companheiros de viagem" que ainda defendem a política econômica dilmista ou celebram a calcificação ditatorial do regime venezuelano.

"Adeus, Lula" é um filme sobre implosão, separação, pulverização. Depois de Palocci, a unidade está morta. Com sorte, do desfecho ressurgirá o debate estancado. Ergamos um esperançoso brinde ao traidor.


Luiz Carlos Azedo: A contradição principal

O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia

A nó da política brasileira é a contradição principal do governo Temer, que opõe uma equipe econômica capaz de tirar o país da recessão e apontar um horizonte de retomada gradual do crescimento, com inflação controlada e juros mais confortáveis, ao núcleo político no Palácio do Planalto, cada vez mais desmoralizado pelo envolvimento de seus principais integrantes na Operação Lava-Jato. Essa contradição se aprofundou ontem, com a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, desta vez pelos crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa.

Dois ministros (Moreira Franco e Eliseu Padilha), dois ex-ministros (Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves), dois ex-deputados (Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures), um empresário (Joesley Batista) e um executivo (Ricardo Saud) foram denunciados, acusados de arrecadarem mais de R$ 587 milhões em propina. Esses recursos teriam sido desviados da Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.

O empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, e o executivo Ricardo Saud, ambos delatores da Operação Lava-Jato, estão entre os denunciados, mas somente pelo crime de obstrução de Justiça. Ontem, Janot pediu a transformação da prisão temporária de ambos em prisão preventiva e foi atendido pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas essa não é a grande preocupação. O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia num apartamento de um amigo em Salvador. Mais de R$ 51 milhões em malas e caixas repletas de notas de R$ 50 e R$ 100.

Janot lançou a segunda flecha contra Temer em seus últimos dias no cargo de procurador-geral. Sustenta que “diversos elementos de prova” apontam que o presidente tinha o “papel central” na suposta organização criminosa. A denúncia acusa Temer, Henrique Alves e Eduardo Cunha de serem os responsáveis pela obtenção de espaços para o grupo político junto ao governo do PT, graças à influência que detinham sobre a bancada do PMDB da Câmara. “Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas”, afirma.

Segundo a PGR, o esquema utilizou transferências bancárias internacionais, na maioria das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis, em movimentações sucessivas com o objetivo de distanciar a origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira, com sede no exterior, para tentar controlar e ludibriar normas de ética, conduta e boa governança em empresas (práticas da chamada compliance) e dificultar o trabalho dos investigadores.

“Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”, acusa Janot.

No mesmo barco

No começo de seu governo, quando surgiram as primeiras denúncias contra os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, o presidente Temer traçou uma espécie de círculo de giz para proteger a equipe: disse que as investigações não eram motivo para afastamento dos auxiliares, mas que não hesitaria em fazê-lo caso se tornassem réus. Acontece que o presidente da República também foi denunciado. E agora, se Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, acolher a denúncia, o que deve acontecer? Temer tem a blindagem constitucional, e a Câmara pode também não acolher a segunda denúncia e sustar as investigações até o fim do seu mandato, como aconteceu na primeira. Mas não tem como impedir que seus ministros virem réus.

A contradição entre uma política econômica exitosa e esse processo contínuo de desmoralização do governo não deve se resolver antes das eleições de 2018. Por mais que o Palácio do Planalto suba o tom contra Janot, esse argumento cairá por terra a partir da próxima semana, uma vez que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumirá o cargo na segunda-feira. Depois da decisão tomada pelo STF, que não acolheu a suspeição arguida por Temer contra Janot, será muito difícil dar um cavalo de pau nas investigações. Ou seja, a crise ética evoluirá para mais uma discussão na Câmara sobre a aceitação ou não da denúncia.


José Serra: Sistema melhor e mais barato

O voto distrital misto pode representar a grande saída para o impasse brasileiro

Há muito insisto na tese de que o sistema eleitoral vigente é uma usina de impasses. Na sua fornalha, queimam-se montanhas de dinheiro público. Indomável e desagregador, o sistema ganhou impulso centrífugo adicional com a rejeição da cláusula de barreira pela Justiça. A fragmentação na Câmara avançou. Hoje temos 35 partidos registrados e devemos chegar a 50 no ano que vem. Um despropósito.

Ainda que a dispersão fosse menor, a competição entre correligionários em imensos distritos – que são os Estados – corrói a unidade dos partidos e os enfraquece em seu papel essencial: agregar as correntes de opinião, organizando-as, hierarquizando-as e estabelecendo processos de negociação e solução de conflitos, tudo com o objetivo de atender, na forma de programas de governo, as demandas majoritárias da sociedade.

Num sistema mais funcional, as legendas efetivas são em número suficiente para acomodar as minorias relevantes, mas não tão grande que impeça a maioria de tocar programas de governo. Um bom sistema deve se equilibrar entre dois objetivos contraditórios: ampla representatividade e governabilidade.

Nosso sistema eleitoral não faz nada disso. A sua tendência tem sido a de incentivar a dispersão, a pretexto de ampliar a representatividade. Só se submete a alguma lógica coletiva se for cevado continuamente com nacos da renda e do patrimônio estatais. Nem se tivesse sido feito por encomenda, serviria tanto para reforçar nosso histórico vezo patrimonialista e corporativista.

Vivemos uma longa fase de retração e estagnação na economia, decorrente de nossa incapacidade de melhorar a qualidade do gasto público e segurar sua expansão, bem como de superar nossa histórica má distribuição de renda, riqueza e oportunidades. Não sou determinista, mas é preciso reconhecer que o colapso fiscal do Estado e seus revezes éticos, embora não inevitáveis, foram decorrência estrutural de nossas instituições políticas. É preciso reformá-las.

O problema é que o mosaico partidário engendrado pelo próprio sistema se mostra incapaz de operar essa transformação no rumo exigido pela sociedade. Mais um indicador de que tal sistema mal representa e pouco decide.

Uma das tentativas de solução é o chamado distritão. Porém, ao eleger os mais votados sem observar a proporcionalidade, o distritão poderia contribuir para a extinção do último traço de racionalidade do atual modelo, que, com todos os seus defeitos, ainda é capaz de contemplar os partidos com representação correspondente ao seu eleitorado. No distritão, haveria o risco de os Estados se transformarem numa arena hobbesiana, despartidarizada. Seria a luta de todos contra todos. Uma caça ao voto, um tumulto de vontades sem ideias.

É difundida a ideia de que, no distritão, a maioria dos deputados se reelegeria. Mas isso é duvidoso: não se pode tomar as votações obtidas no sistema atual como parâmetro do que ocorrerá no novo sistema. As mudanças de regras serão profundas e as estratégias dos partidos, dos candidatos e dos eleitores também mudarão. Os melhores jogadores numa quadra de vôlei não serão necessariamente vitoriosos no jogo de basquete. Além disso, é preciso considerar que o distritão poderá contribuir para enfraquecer ainda mais os fiapos de unidade programática que restaram nos partidos. Uma Câmara saída do distritão poderia contribuir para o colapso definitivo da governabilidade. Poucos eleitos se cingirão a compromissos partidários.

Felizmente, temos uma opção factível e muito superior ao estado de coisas atual: o voto distrital misto, que pode representar a grande saída para o impasse. Trata-se de um sistema eleitoral bom e muitíssimo mais barato, que racionaliza a disputa, ao pôr em confronto apenas um candidato de cada partido na mesma circunscrição. Cada eleitor escolherá duas vezes: um candidato do seu distrito e uma legenda partidária. O programa do partido passará a ser o grande tema da campanha, que deixará de ser personalizada em milhares de candidatos. Livre da algazarra dessa multidão de pleiteantes, os eleitores, postos a decidir entre poucos, terão mais chance de avaliar as propostas partidárias. Previamente à disputa, as agremiações serão obrigadas a se mobilizar e a escolher seus candidatos em processos que convergirão para prévias ou outros mecanismos que, no longo prazo, vão legitimar e enraizar os diferentes partidos.

No distrital misto, o caciquismo é enfraquecido, na medida em que, nos distritos, candidatos forçados pela cúpula têm chances muito menores de darem certo. O eleitor pode, inclusive, se dar ao luxo de não votar em um candidato imposto pelo partido no distrito, mas continuar dando seu voto ao partido de sua preferência na segunda cédula.

Diferentemente do que se imagina, no distrital misto a regra é o respeito à proporcionalidade. No fundo, as eleições nos distritos, que correspondem à metade das cadeiras, já são uma lista aberta. E a proximidade entre eleitos e eleitores aumentará muito a responsabilidade dos deputados, que estarão no foco de uma população geograficamente concentrada e, por isso, muito mais apta a cobrar desempenhos e resultados.

Uma outra dimensão essencial é a econômica. A população quer “moralizar” as eleições? Um grande passo é reduzir custos de campanha. A proximidade e a redução do número de candidatos permitirão a volta das campanhas feitas na sola do sapato, olho no olho. A despesa máxima por deputado eleito será várias vezes menor do que no sistema atual.

Finalmente, com os recursos da tecnologia da informação hoje disponíveis, a divisão dos distritos deixa de ser um desafio técnico. É perfeitamente possível desenhar, rapidamente, distritos livres da ingerência dos partidos, eliminando o risco do chamado gerrymandering. Essa atribuição será do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O eleitor quer isto: um sistema eficiente, bom e barato. Façamos a sua vontade.

*José Serra é senador (PSDB-SP)

 


Folha de S. Paulo: Prisão de delatores terá consequências graves, diz ministro da Justiça

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, 67, se diz "surpreso" com o que considera falta de preparo dos procuradores que fizeram a delação da JBS. Para ele, a prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud trará "consequências graves" para o caso.

Camila Mattoso, da Folha de S. Paulo 

Torquato assumiu o cargo em maio logo após as revelações feitas pelos delatores da empresa, o que levantou suspeitas de que poderia tentar influenciar a Lava Jato. Três meses depois, classifica a afirmação como "ridícula".

Em entrevista à Folha, ele confirma a mudança no comando da Polícia Federal, mas evita adiantar nomes.

Diz ainda ser "chocante" a descoberta dos R$ 51 milhões em dinheiro vivo em um "bunker" ligado a Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Lula e Temer.

*
Folha - Como o sr. avalia a prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud?
Torquato Jardim - Terá consequências graves para a credibilidade do processo. Razoável presumir que depoimentos e provas fiquem sob suspeição de manipulaç?o pelos agora presos. O MPF por certo será ainda mais cuidadoso e minucioso ao examinar os fatos e os documentos pertinentes

O senhor considera o caso da JBS como uma vergonha?
Não é uma vergonha. A delação é um instituto novo no Brasil. O que me surpreende é que haja vazamento. Isso quebra a dignidade do instituto. Outra coisa que não foi aprendida é a técnica de interrogatório. Basta ver cinema, que um interrogador experiente sabe ler os olhos, as narinas, a movimentação de boca, as carótidas, a respiração, tudo é indicativo de estado de espírito.
Não é possível, não seria razoável admitir, que esses dois delatores e outros mais tenham enganado tão bem tantos, tanto tempo. Agora foram pegos no tropeço. O triste, além de todas as consequências jurídicas para quem foi envolvido, é que a delação esteja sendo colocada em prática por pessoas que não se preparam para essa tarefa.

Isso joga suspeita sobre o Ministério Público?
Suspeita é uma palavra muito forte. Prefiro crer que houve só pouco preparo profissional de quem atuou.

Defende a anulação dos benefícios dos delatores?
Não me cabe opinar.

O senhor acha correto o empresário Joesley Batista ter imunidade?
Faz parte do acordo, não é? Se vai continuar, é o Ministério Público que vai decidir.

'Enquanto houver bambu, lá vai flecha', frase dita pelo procurador-geral Rodrigo Janot. O senhor acha que tem mais bambu ou mais flecha?
Não sou índio, nunca usei flecha. Tem uma ali decorando o gabinete. Essa aqui machuca, as outras eu não sei.

O sr. acha que há clima para uma segunda denúncia contra o presidente Michel Temer?
Isso é de competência exclusiva do procurador-geral.

Um aliado de Temer, Rodrigo Rocha Loures, é filmado com uma mala de dinheiro (R$ 500 mil, da JBS). É possível não vincular isso ao presidente?
Não tem nada a ver. Nem a denúncia consegue fazer a relação. É mera ilação. Eu diria até indigna com o presidente.

Qual é a data de anúncio do novo diretor da Polícia Federal?
Não há.

Quem são os três nomes que sr. disse ter para substituir Leandro Daiello?
Não são.

E qual o papel do general Sérgio Etcghoyen, ministro do gabinete de Segurança Institucional, nessa escolha?
É conselheiro do presidente, pode opinar em todos os assuntos que o presidente pedir.

A Polícia Federal cometeu erros na Lava Jato?
Não que eu saiba.

A troca no comando tem a ver com algum erro cometido?
Não.

Tem a ver com o quê?
Com a transição natural da vida. O delegado [Leandro] Daiello está há sete anos no posto, trabalho excepcional. Ele próprio já disse que quer deixar o posto, que quer tirar férias e se aposentar.

O governo procura um nome alinhado para que as operações diminuam?
Não existe essa hipótese.

É possível desenvolver projetos considerando que o senhor é o terceiro a sentar nesta cadeira na Justiça em um ano?
É razoável que haja ceticismo, mas não quer dizer que não possamos definir uma política nacional de segurança pública, como política de Estado, e, portanto, que transcenda governos.

Três anos e meio de Lava Jato e a PF encontra R$ 51 milhões em espécie ligados ao ex-ministro Geddel Vieira Lima. Não choca?
Claro que sim. Pelo tempo, que não foi possível esgotar a investigação, e terá todo o apoio do governo e do Ministério da Justiça, nunca houve e nem haverá intenção de inibir o trabalho da PF.
E que estejam acontecendo casos ainda dessa dimensão, que é chocante. Choca a cidadania, choca qualquer um.

O momento é de pânico no Palácio do Planalto com a prisão de Geddel?
Não. Nenhuma relação de causa e efeito.

Há relatos de pressão do governo nesse caso. O senhor foi chamado para tentar intervir na operação?
Especulação.

O senhor esteve com o presidente Temer um dia após a apreensão, não foi para falar desse assunto?
Não comigo.

O procurador Rodrigo Janot disse que o seu ministério está atrapalhando acordos de cooperação com outros países.
A nota do Ministério da Justiça é extremamente didática e qualquer pessoa com mínimo de boa alma e boa compreensão tê-la-á entendido muito bem. Quem assina acordos internacionais é o Estado brasileiro. Ninguém está atravancando nada.

O presidente foi gravado duas vezes em um ano (por Joesley e pelo ex-ministro Marcelo Calero). Falta segurança institucional ao governo?
Não sei.

O que o senhor acha dos encontros de Temer fora da agenda?
Não existe encontro fora da agenda. O presidente é presidente sete dias por semana, 24 horas por dia.

É defensável um presidente encontrar um investigado tarde da noite em sua casa?
Não há problema algum.

O senhor chegou como quem iria salvar o presidente do processo no TSE e quem poderia frear a Lava Jato. Acha que conseguiu mudar essa imagem?
Essa sempre foi uma assertiva completamente ridícula e eu nunca me preocupei com ela.

Raquel Dodge, nova procuradora-geral, indicada por Temer, terá o mesmo trabalho do senhor, de tentar mudar a imagem em relação a freio à Lava Jato?
Isso eu não sei. Pergunte à doutora Raquel. O Ministério Público continuará sendo Ministério Público. O que varia é o método operacional. Quem poderá falar é a doutora Raquel.

O senhor não foi à pré-estreia do filme da Lava Jato. Algum motivo?
Não. Eu gosto de ficar em casa à noite.

A direção do filme diz que é uma trilogia. Com tantos fatos, o senhor acha que precisaria de quantos?
Depende. A história da família Gambino [do filme O Poderoso Chefão] foi contada em três episódio do Coppola. Todos necessários. Depende de quem escreve e de quem conta.

As decisões do STF de libertar investigados não são uma forma de frear a Lava Jato?
Não. "Bad people make a good law". São cinco palavras mágicas do direito constitucional libertário. Gente ruim faz bom direito. O bandido ajuda a construir o direito constitucional.

É possível acabar com a corrupção?
Depende. A corrupção começa a acabar quando um pai ou a mãe tirar da cama o filho preguiçoso para ir à escola e mandá-lo para fazer prova, em vez de deixar o filhinho dormindo e pedir atestado médico para justificar a falta.

O senhor tem viajado muito. Pretende ser candidato a alguma coisa?
Eu seria candidato à presidência do Atlético Mineiro se em Minas estivesse meu título eleitoral.

O governo fez promessas a deputados para barrar a primeira denúncia contra Temer. Qual é a conta que o presidente deixou para o senhor pagar?
Nada nos envolve e não sei do que se trata.

 


Luiz Carlos Azedo: Aposta na reforma

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud

O presidente Michel Temer reuniu ontem, para um almoço, uma espécie de estado-maior das reformas política e da Previdência: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE); os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles: da secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco; da Justiça, Torquato Jardim; e da Integração Nacional, Hélder Barbalho; além do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que virou uma espécie de ministro sem pasta, como articulador de bastidores no Congresso.

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, sobre a atuação do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações da delação premiada da JBS. O caso pôs na berlinda o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas uma semana no cargo para fazer a tão anunciada segunda denúncia contra Temer, baseada na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Janot corre o risco, porém, de ver a primeira denúncia, já rejeitada pela Câmara, ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (ST¨F), o que significará uma espécie de saída pela porta dos fundos da Procuradoria-Geral.

Janot pediu a prisão dos três protagonistas de sua desgraça: Joesley, Ricardo e Marcelo. Não havia outra saída, uma vez que, se não o fizesse, alimentaria as especulações de que tinha conhecimento das tratativas entre Marcelo e Joesley. Não bastou desovar, nessas últimas semanas, as denúncias que mantinha na gaveta, contra o PP, o PMDB, o PT e o PSDB. No próximo dia 18, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumirá o cargo e dará um freio de arrumação na instituição, num momento crucial para a Lava-Jato. A velha guarda da PGR, que comemora a saída de Janot, jamais imaginaria uma situação como a atual. A preocupação agora é com o retrocesso que a trapalhada pode provocar nas relações entre o MP e os poderes da República, inclusive com a perda de vantagens e regalias.

Ofensiva

Para reagrupar sua base política no Congresso, fragilizada desde a primeira denúncia, Temer aposta na votação da reforma política e na aprovação da reforma da Previdência. Como se sabe, não houve votos suficientes para afastar o presidente da República, mas a operação para rejeitar a renúncia na Câmara desarrumou a base do governo. O Palácio do Planalto prometeu mundos e fundos para os parlamentares que garantiram o mandato de Temer, mas não entregou os cargos e as verbas que havia prometido. Temia-se, inclusive, que a segunda denúncia pudesse fomentar retaliações dos parlamentares insatisfeitos. Até as velhas desconfianças em relação à lealdade de Maia, o presidente da Câmara, estavam brotando nos jardins do Palácio do Jaburu, a residência de Temer.

Agora, mudou a correlação de forças. Parlamentares da base acuados pela Lava-Jato ganharam mais coragem para atacar Janot, as investigações e defender a inocência de Temer. A narrativa de que a Lava-Jato e as delações premiadas são uma excrescência jurídica ganharam vida nova a partir da conversa de Joesley e Saud, motivando um pedido de instalação de CPI contra a JBS. Além disso, a sensível mudança no ambiente econômico, com indicadores positivos de que a recessão acabou e o país lentamente está retomando o crescimento, encoraja os governistas a passarem à ofensiva. Temer voltou da China com o discurso afiado e não é à toa que o ministro da Fazenda foi chamado para o almoço de ontem.

O raciocínio é aquele mesmo da campanha eleitoral de Bill Clinton contra George Bush, que havia vencido a Guerra do Golfo, em 1991, e resgatado a autoestima dos americanos perdida após a derrota no Vietnã. Era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Mas esse tipo de análise não se aplica a uma economia que saiu da recessão, mas não recuperou ainda a capacidade de investimento e de geração de emprego necessárias para reverter a impopularidade do presidente da República, que é igual à de Dilma Rousseff à época da aprovação do impeachment.

Para reverter a impopularidade de Temer e tornar possível o surgimento de uma candidatura competitiva do Palácio do Planalto, a economia precisa crescer a taxa maiores. Isso não é possível com o atual deficit público, cuja meta foi aumentada de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões. Para isso, é preciso aprovar a reforma política, blindando os grandes partidos e seus caciques com vantagens estratégicas que impeçam um desastre eleitoral, e a reforma da Previdência, que, tanto vai reduzir o deficit sem cortes ainda mais drásticos no Orçamento da União, quanto sinalizar aos investidores que o rumo de modernização da economia traçado por Temer foi consolidado. O problema é que essa insegurança dos investidores decorre também do cenário que está sendo armado para as eleições de 2018 e não apenas dos tropeços do governo Temer até aqui.


Valor Econômico: Maia costura acordo para votar reforma política

Sob o comando do presidente da República em exercício, Rodrigo Maia (DEM-RJ), as articulações para viabilizar a votação da reforma política avançaram na semana passada e a proposta deve começar a ser votada amanhã no plenário da Câmara, que tem suas sessões conduzidas interinamente pelo deputado André Fufuca (PP-MA).

Marcelo Ribeiro, do Valor Econômico

O próprio PP, que foi o principal responsável por emperrar a tramitação da matéria na terça-feira da semana passada, cedeu às investidas de Maia - que chegou a deixar o Palácio do Planalto e ir ao plenário da Casa para interceder a favor da reforma na quarta-feira - e entrou no acordo para tentar tirar a proposta do papel.

Os parlamentares correm contra o tempo para aprovar alguns pontos da reforma, que, para entrarem em vigor nas eleições de 2018, precisam passar pelo crivo dos deputados e dos senadores até 7 de outubro. Esta semana é considerada decisiva, pois o prazo já está apertado, por conta do feriado.

Outra questão que pode atrapalhar os planos de Fufuca e Maia de votarem a reforma nessa semana é a resistência de algumas legendas de analisarem isoladamente o fim das coligações partidárias e o estabelecimento da cláusula de desempenho, se não for fechado um acordo prévio sobre o sistema eleitoral. Quem emperra o avanço é o PR e o PRB, que são as legendas que mais se beneficiam com o atual sistema.

"Houve acordo para votar a reforma, mas ainda é preciso aparar algumas arestas", afirmou o líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), ao Valor.

Na avaliação de Lira, a proposta relatada pela deputada Shéridan (PSDB-RR) que proíbe as coligações tem tantos problemas quanto a de Vicente Cândido (PT-SP), mas será votada primeiro por apresentar menos resistência.

Lira adiantou que apresentará um destaque referente à cláusula de desempenho. Na proposta original, a tucana sugere que, na legislatura seguinte às eleições de 2018 tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos que conquistem 1,5% dos votos válidos, em pelo menos 9 Estados, com no mínimo 1% de votos válidos em cada um deles. O destaque do PP vai propor que a linha de corte seja mais rígida e que as legendas só tenham acesso aos benefícios se conseguirem 2,5% dos votos válidos, em ao menos 14 Estados.

O PT, que chegou a ser apontado como obstáculo para que a votação fosse adiante, sinalizou nos últimos dias que, dada a urgência de se pautar a proposta, está menos resistente e com disposição para aprovar alguns pontos para que a reforma saísse do papel.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Violência e desemprego

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha

O referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil, rejeitada por quase dois terços dos eleitores, em 23 de outubro de 2005, é um dos fenômenos mal estudados da política nacional. A derrota da proibição do comércio de armas e munições foi resultado de uma reviravolta na opinião pública, ocorrida num prazo de 20 dias. No começo, 80% dos cidadãos apoiavam a proibição; quando foram apurados os votos, 63% (59,1 milhões de eleitores) votaram não; 36,6% (33 milhões de eleitores), sim. A frente parlamentar vitoriosa foi coordenada pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury (PTB), um político em decadência, e pelo polêmico deputado Alberto Fraga (então PFL-DF), coronel reformado da Polícia Militar.

A chamada “bancada da bala” derrotou toda a elite política do país, ou seja, os líderes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o alto clero e os mais importantes representantes da sociedade civil, como a OAB, por exemplo, sem falar nos artistas e intelectuais que aderiram à campanha. O “não” venceu em todos os estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Acre e Roraima, onde a opção recebeu cerca de 87% dos votos. O melhor desempenho do “sim” foi em Pernambuco e no Ceará, com pouco mais de 45% dos votos.

De acordo com o TSE, a abstenção foi de pouco mais de 21% dos 123 milhões de eleitores registrados. Os números se mostraram semelhantes ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2002, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos derrotados na consulta popular, se elegeu pela primeira vez. Somente 20,45% dos eleitores deixaram de votar. O direito à autodefesa e a fragilidade da segurança pública fizeram a cabeça dos cidadãos, num país em que eram assassinadas a tiros 108 pessoas por dia.

Na verdade, o cotidiano violento da população falou mais alto, num país no qual se estimava a existência de 17 milhões de armas em poder de civis. Estatísticas do governo de São Paulo, no ano anterior, revelaram que 5% das vítimas de homicídios ocorridos no estado foram casos de latrocínio (morte seguida de roubo); os demais, execuções. Uma década depois do plebiscito, a violência aumentou: o Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 homicídios em 2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos registrados em 2003.

A média de 29,1 para cada grupo de 100 mil habitantes também é das maiores já registradas na história do país, e representava uma alta de 10% em comparação à média de 26,5 de 2004. Os números são do Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP). A pesquisa confirmou que jovens negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas. Os homicídios representam cerca de 10% de todas as mortes no mundo, e, em números absolutos, o Brasil lidera a lista desse tipo de crime, mesmo considerando países em guerra civil, como Afeganistão, Iraque e Síria.

Humores

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha, embora seja fundamental para reduzir os indicadores de violência, haja vista, por exemplo, a situação da crise de segurança no Rio de Janeiro, onde os indicadores vinham melhorando (redução de 33,3% de mortes por homicídio, de 48,1 para 32,1 por mil habitantes), até que o governo fluminense entrou em colapso.

O país tem 13,3 milhões de desempregados, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A redução foi de 0,8 ponto percentual em comparação ao trimestre de fevereiro a abril (13,6%), mas é irrisória, diante do fato de que a melhora foi proporcionada pela informalidade e não pela criação de vagas de carteira assinada, como era esperado. Ao comparar com o mesmo trimestre de 2016, 1,5 milhão de trabalhadores ficaram desempregados.O número de trabalhadores com carteira assinada manteve-se estável em 33,3 milhões frente ao trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre de 2016, a queda foi de 1 milhão de pessoas (2,9%).

O volume de empregados na informalidade, ou seja, sem carteira assinada, cresceu 4,6%, para 10,7 milhões de pessoas. Isso significa que 468 mil pessoas ingressaram no mercado de trabalho na informalidade (em um ano, a alta ficou em 5,6%, com 566 mil pessoas inseridas). O contingente de trabalhadores por conta própria aumentou em 351 mil, para 22,6 milhões de pessoas (1,6%), na comparação trimestral.

Há uma correlação entre os índices de desemprego e os indicadores de violência, embora não seja a única. Há que se considerar, por exemplo, o fator educação; sem falar na questão da legalização do aborto, cujo impacto nos indicadores de violência são comprovados. Desemprego e violência mexem com os humores do eleitor. Nesse aspecto, é bom lembrar o que houve no referendo das armas.


O Estado de S. Paulo: Caciques tucanos têm desaprovação maior que a de Lula

Aécio, Serra, Alckmin e FHC têm imagem mais desgastada que a do petista; João Doria é menos rejeitado entre todos políticos tucanos analisados

Daniel Bramatti, Gilberto Amendola e Pedro Venceslau, O Estado de S. Paulo

A pesquisa Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas revela que quatro dos principais caciques do PSDB – Aécio Neves (MG), José Serra (SP), Fernando Henrique Cardoso (SP) e Geraldo Alckmin (SP) – têm hoje a imagem mais desgastada que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Também tucano, o prefeito de São Paulo, João Doria, está em situação mais confortável: é o que aparece mais bem colocado entre os políticos avaliados pela pesquisa. Ainda assim, sua taxa de desaprovação (53%) é bem maior que a de aprovação (19%).

Condenado em um processo e réu em outras cinco ações relacionados à Operação Lava Jato, Lula é desaprovado por dois terços da população, enquanto um terço o vê de forma favorável. Já a desaprovação aos caciques tucanos varia entre 73% e 91%.

O maior desgaste é o de Aécio, que teve 48,4% dos votos na eleição presidencial de 2014 e hoje tem seu desempenho desaprovado por nove em cada dez brasileiros – resultado que o coloca em situação de empate técnico com o presidente Michel Temer (93%) e o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (91%), que está preso desde outubro de 2016 e já foi condenado na Operação Lava Jato a 15 anos por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Logo a seguir aparece o senador e também ex-candidato a presidente José Serra, que foi ministro de Relações Exteriores no governo Temer durante nove meses. Serra é mal avaliado por 82% da população, segundo o Ipsos. FHC e Alckmin são desaprovados por 79% e 73%, respectivamente.

A pesquisa não revela os motivos da rejeição aos políticos. Mas a desaprovação a Aécio teve um salto a partir de junho, quando ele foi acusado pela Procuradoria-Geral da República de receber recursos ilícitos do grupo JBS. Na época, o tucano chegou a ser afastado do mandato de senador por decisão liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

Serra e Alckmin, cuja desaprovação também aumentou nos últimos meses, foram envolvidos em delações na Operação Lava Jato. O primeiro é alvo de inquérito por suposto recebimento de recursos ilegais da Odebrecht, e também foi acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de receber doações da JBS via caixa dois. Já o atual governador paulista foi citado por delatores da Odebrecht como beneficiário de recursos ilícitos.

Serra afirma que suas campanhas sempre foram feitas dentro da lei. Alckmin também nega irregularidades.

‘Mito’. Para o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, a desaprovação aos líderes do partido se soma a uma “rejeição à classe política em geral”. Sobre o fato de Lula estar em situação um pouco melhor, Goldman disse que o ex-presidente “tem ainda certa dose de mito, um grau de sentimento popular, e isso abranda a rejeição dele”.

Para cientistas políticos ouvidos pelo Estado, a pesquisa Ipsos mostra o quão imprevisível está o quadro político para as eleições de 2018. “O imprevisto é o provável”, afirmou Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. “A situação está tão confusa e o desgaste de lideranças tradicionais é tão grande que fica muito difícil fazer qualquer tipo de previsão. Nesse contexto, abre-se espaço para aventureiros que, hoje, estão fora do radar eleitoral. Talvez o discurso antissistema se transforme em uma vantagem eleitoral.”

Já a também cientista política Maria do Socorro Braga, da USP, relaciona o baixo índice de aprovação dos políticos à Operação Lava Jato. “No começo, era algo que parecia apenas atingir o PT, mas depois, com o tempo, a sociedade entendeu que os problemas estavam disseminados por outras legendas.”

Para Marco Antônio Teixeira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), até políticos que se apresentaram como novidade “acabaram se desgastando rapidamente, porque, pelo menos aparentemente, repetem hábitos da ‘política velha”. Já o professor de Direito Constitucional Oscar Vilhena (FGV) disse que “a bola está com o eleitor”. “A pesquisa mostra uma necessidade de reconstrução e renovação, mas será que o cidadão está realmente pronto para ela?”

 


'Alckmin é o primeiro da fila no PSDB para disputar a Presidência em 2018', diz Tasso Jereissati

Presidente interino do partido afirma que convenção nacional tucana vai abrir espaço para cabeças-pretas 'de mentalidade'

Por Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

O senador Tasso Jereissati (CE), presidente interino do PSDB, revelou ao Estado que não pretende disputar a presidência do partido no dia 9 de dezembro, quando ocorrerá a convenção nacional tucana. A ideia, diz ele, é abrir espaço para um nome que seja "cabeça-preta de mentalidade". O dirigente também afirmou que o governador Geraldo Alckmin é o primeiro na fila para disputar a Presidência da República em 2018. Sobre o fato de o senador Aécio Neves (MG) continuar como presidente licenciado, foi taxativo: "O presidente do partido sou eu e só eu".

O senhor pretende disputar a presidência do PSDB na convenção do partido marcada para dezembro?
Não. Faço questão de conduzir o processo com bastante isenção. Por isso, não devo ser candidato à presidência do PSDB. Defendo que seja um nome novo, alguém da nova geração e com mensagem mais fresca.

Quais nomes se encaixam nesse perfil?
São muitos nomes bons na Câmara, Senado e entre os prefeitos. Se eu falar de algum específico, isso acabaria ferindo ou esquecendo alguém. A quantidade de quadros novos que está surgindo no partido me entusiasmou a fazer esse movimento.

A ideia é que um “cabeça-preta” assuma o comando do PSDB e lidere o partido em 2018?
Um cabeça-preta de mentalidade. Não estou excluindo ninguém.

O que deve mudar no estatuto?
Encarreguei o deputado federal Carlos Sampaio (SP) de organizar um grupo para discutir o novo estatuto. Ele está começando a trabalhar nisso esta semana.

A atual direção executiva nacional do PSDB tem um perfil muito parlamentar. Deve ocorrer alguma mudança na configuração?
A gente sente que há muita distância dos prefeitos. Eles estão na ponta do partido e vivem o dia a dia. Defendo que haja uma participação dos prefeitos, talvez com mais de um na executiva. Deve ter também uma participação dos presidentes regionais.

Desde a fundação do PSDB, em 1988, nunca houve uma disputa de teses em convenção nacional. Ficou essa fama de partidos de caciques. Isso deve mudar?
A disputa é de ideias. Ao longo desse período (até dezembro) serão discutidas ideias e teses. Em paralelo, teremos o novo estatuto e programa do partido. Se não tiver um nome de consenso (para a presidência), então vai ter disputa. Tudo pode acontecer. Sempre tem a primeira vez.

Há vários grupos se aproximando do partido, como o MBL. Qual o objetivo disso?
Estamos abertos. Queremos receber a influência de todos esses movimentos que estão nascendo por aí, que são influenciados pelas redes sociais. Vamos conversar com todos. São muito importantes na formação de opinião pública. Temos que estar antenados com todos.

Avalia disputar o governo do Ceará?
Não pretendo mais voltar ao Executivo. Também defendo a renovação no Ceará. O ideal é um processo de renovação lá também.

Qual é a sua relação com o governador Camilo Santana, do PT?
A relação pessoal é ótima. Nossas posições políticas são diferentes, especialmente no plano nacional. Mas ele é uma pessoa bem intencionada.

Quer dizer que, no Ceará, o PSDB não vai fazer um discurso antipetista, como o do João Doria, em 2018?
Nem no Ceará nem no Brasil. Não é o nosso estilo. Existem no partido várias nuances e o João Doria representa uma delas. Mas na média do PSDB, o discurso que queremos levar para a convenção não é anti, é pró.

Então o PSDB não deve polarizar com o PT?
Essa política de nós contra eles é um desserviço para o Brasil. Além de dividir, traz violência, desrespeito e intolerância. É um péssimo sinal para democracia.

O grupo de tucanos que defendem a permanência do PSDB no governo federal deve tentar emplacar um nome na convenção de dezembro?
Essa discussão de ficar ou sair está vencida no partido. Agora é olhar pra frente.

Acredita que essa bandeira do parlamentarismo vai mobilizar a militância do PSDB?
Vou me empenhar para quem sim. Acredito no parlamentarismo há muitos anos. Essas crises políticas que têm afetado a vida do brasileiro desde a redemocratização têm provado que o presidencialismo de cooptação (termo usado em vídeo mea-culpa do partido criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) está falido, quebrou.

Os quatro ministros do PSDB no governo podem ser considerados da cota pessoal do presidente Michel Temer?
Não acredito em cota pessoal. As posições do PSDB no Congresso em relação às reformas e projetos importantes para o País não mudam um milímetro pelo fato de ter ou não ministro. A presença deles no ministério não tem influência na nossa posição política, nem na agenda de reconstrução do partido. A agenda do governo pode ser uma e a do partido outra. As agendas podem divergir.

A convenção vai marcar prévias para escolher o candidato à Presidência da República?
Se não chegarem a um consenso sobre o candidato, terá prévia.

O senhor esteve na quinta-feira (24) com o governador Geraldo Alckmin em Brasília. Qual foi a pauta?
Alckmin é uma das lideranças mais importantes do partido há muito tempo. Trocamos ideias sobre o futuro do partido.

O governador é hoje o nome mais bem posicionado para disputar o Palácio do Planalto em 2018?
Sim. Ele é o primeiro da fila.

E o João Doria?
Ele também é um quadro. Foi eleito prefeito no primeiro turno e está credenciado para disputar qualquer cargo neste País, mas dentro do partido o Alckmin está à frente.

O que precisa mudar no PSDB, um partido considerado de caciques?
É preciso fazer uma autocrítica. Em alguns setores estamos distantes do que a população quer da política. Temos que ir para a rua e ver onde temos que melhorar. A militância do PSDB está desencantada com a política. A política ainda é a base da democracia.

O senhor tentou entregar o cargo de presidente interino várias vezes, mas o Aécio não aceitou. Por quê?
Eu não queria assumir a presidência do PSDB. Assumi em uma emergência, como coisa temporária. Não fazia parte do meu plano de vida.

Mas o fato é que até dezembro o partido continua tendo dois presidentes, um alinhado com Temer e outra com posição mais independente...
O presidente de fato do PSDB sou eu, e só eu. Isso foi acertado graças ao desprendimento do Aécio.

 


Marco Aurélio Nogueira: A reforma que não cabe em si

 

Ou reformamos a política (cultura, condutas, valores) ou é melhor deixar como está. Enquanto candidatos e postulantes a candidato cruzam o País em busca de cacife e visibilidade, no dia a dia da política o desacerto é grande. Fala-se muito, esclarece-se pouco.

É a reforma política, essa musa maltratada, menina dos olhos e objeto de desejo dos operadores políticos, que ressurge sempre que as brechas se fecham. Tratada como cataplasma universal, antídoto contra os males que afligiriam partidos, parlamentares e eleitores, funciona entre nós como um alarme de repetição. Ao se aproximarem as eleições, ele dispara. Alega-se que é para “salvar a política” e “resgatar o sistema”, mas na verdade o sangue ferve para que se ache um jeito de arrumar dinheiro com que financiar campanhas e facilitar a (re)eleição dos interessados.

Com isso, a agenda nacional é invadida por uma sucessão caótica de soluções salvacionistas para “melhorar a política”. O quadro fica tão confuso que se chega ao ponto de concluir que o melhor talvez seja deixar tudo como está para ver como é que fica.

Há duas maneiras de pensar as relações entre reforma e política. Falamos em “reforma política” quando queremos propor que as regras do jogo sejam modificadas para que respondam melhor às exigências da sociedade, sempre dinâmica e mutante. E devemos falar em “reforma da política” quando quisermos postular que o modo como se faz política precisa ser alterado.

Essas duas maneiras deveriam caminhar juntas, alimentando-se reciprocamente. O postulado institucionalista, bastante em voga, prega que condutas e valores são fortemente influenciados pelas instituições: as regras fazem o ator, mediante restrições, condicionamentos e incentivos. Isso, porém, nem sempre é verdade, ou não é verdade absoluta.

Sistemas concebidos para permitir a equilibrada representação das distintas propostas políticas – como ocorre com os sistemas eleitorais proporcionais – não levam a que necessariamente todas as propostas se façam representar, caso os mais fortes ajam de forma predatória ou degradem as disputas eleitorais. O voto distrital, por exigir a concentração dos votos em territórios determinados, promove uma inflexão localista e desestimula a discussão política geral, mas não impede que os partidos apresentem candidatos ideológicos e convidem os eleitores a fugir da província. Nenhum sistema incentiva a corrupção, e a maioria deles cria dificuldades para que ela se expanda. Mas a corrupção pode crescer de forma exponencial, caso alguns germes não tratados ganhem força na sociedade, no meio político ou administrativo.

O sistema político brasileiro não parece funcionar bem. A “classe política” não se mostra preparada para lidar com os novos tempos. É atrasada. Há partidos em excesso, constituídos como projetos pessoais, graças a uma legislação permissiva. Isso dá sentido a cláusulas de desempenho, que podem coibir a formação oportunista de legendas inconsistentes. O sistema se reproduz e funciona, mas entrega pouco à sociedade, não produz resultados nem consensos, ou seja, precisamente aquilo que é vital para a democracia. Não surpreende que os cidadãos não o valorizem.

O problema a resolver nesta fase crítica da vida nacional não é de natureza sistêmica. Não tem que ver com regras. O presidencialismo, entre nós, criou uma tradição para si, e não será sua substituição por uma modalidade de parlamentarismo que fará com que tudo passe a funcionar melhor. Dizer que o parlamentarismo ajudará a que se construam partidos melhores é algo que merece ao menos a dúvida cautelar. Podemos trocar o voto proporcional pelo distrital, e acordarmos no dia seguinte com os mesmos políticos e as mesmas práticas de sempre. Reduzir o número de partidos e rever a legislação que os regulamenta injetará maior racionalidade ao sistema e reduzirá a fragmentação parlamentar, mas não produzirá obrigatoriamente partidos melhores e decisões mais equilibradas nem eliminará a mixórdia programática e a pobreza de ideias.

Não há reforma política que possa reduzir o nível de desentendimento em que se vive hoje, tanto no âmbito do antagonismo político imediato quanto no âmbito social mais amplo. Está difícil imaginar como é que o País encontrará eixo.

Na sociedade civil, coração ético do Estado, a intolerância só faz crescer, quase não há mais ação comunicativa, ainda que as redes sejam a praia dos falantes. Aí dorme o problema principal, pois, sem um ativismo democrático que articule interesses e pressione por um futuro melhor, pouco haverá de correção de rumos e recuperação do Estado.

Poucos percebem que a democracia perde qualidade não tanto porque o sistema político derrapa, mas porque os cidadãos democráticos não conseguem se articular entre si. Os liberais democráticos não se projetam, a esquerda moderada e a centro-esquerda são inoperantes e a esquerda “pura”, radicalizada, é prisioneira de seus fantasmas e idiossincrasias, esperneia e joga palavras ao vento, mas pouco faz. Tais vetores da democracia estão se distanciando da sociedade, perdendo a credibilidade conquistada ao longo da democratização do País.

Sem energia mediadora e disposição para que se alcancem zonas consistentes de entendimento, poderemos fazer a mais bem bolada reforma política, que pouca coisa mudará. Em suma, ou reformamos a política (a cultura, as condutas, os valores) ou é melhor deixar tudo como está. A reforma de que necessitamos poderá ser beneficiada por ajustes pontuais, mas só terá como se completar se vier acompanhada de cidadãos mais bem educados politicamente, capazes de se fazerem representar por uma “classe política” mais qualificada em termos intelectuais e ético-políticos.

Avanços políticos substantivos estão associados a como as relações sociais se reproduzem, à estrutura produtiva, à qualidade da cidadania, às interações entre governantes e governados. Em que medida o sistema político pode responder por tais avanços é algo sempre em aberto.

 


Luiz Carlos Azedo: Um partido pra chamar de meu

O PMDB abduziu o PT e transformou a legenda em bagaço de laranja. Agora, a mesma coisa pode acontecer com o PSDB, que está à beira da implosão

A dialética do processo político brasileiro, digamos assim, será ditada por duas tendências que se fortalecem na medida em nos aproximarmos da eleição: o enfraquecimento do governo Temer, de um lado, e o surgimento de candidaturas mais ou menos competitivas de outro. Duas já estão postas: a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a de Jair Bolsonaro (PSC). A única alternativa possível para o presidente Temer reverter essa tendência e não ficar isolado e moribundo no fim de seu mandato é apoiar uma candidatura forte o suficiente para reagrupar sua base e gerar uma nova expectativa de poder.

Essa é a operação em curso no Palácio do Planalto, mas passa por uma definição do PSDB em relação ao candidato da legenda, que hoje se digladia em torno de dois nomes: o governador Geraldo Alckmin, que seria o candidato natural, e o prefeito de São Paulo, João Doria, que entrou em campanha aberta, atropelando o seu criador político. Como o PSDB é uma variável sobre a qual Temer não tem controle, o presidente e os aliados começaram a meter a colher na luta interna dos tucanos, o que pode não ser uma boa ideia, mas nada impede que dê certo. Essa é a magia da política.

Em razão do poderio político e econômico do governo de São Paulo, o governador paulista ocupa o vértice de um sistema de poder controlado pelos tucanos, que passa pela estrutura partidária, mas é ancorado nos governadores, senadores, deputados federais e prefeitos da legenda. Por essa razão, como nas eleições de 2006, quando o senador José Serra (PSDB-SP) foi preterido, será muito difícil deslocar a candidatura de Geraldo Alckmin, ainda mais porque as alternativas que lhe restariam seria disputar uma vaga ao Senado ou ficar no cargo até o fim do mandato. Ocorre que a candidatura que empolga os aliados do PSDB no governo Temer é a de Doria.

Essa é a questão por trás da polêmica sobre o recente programa do partido, que ensaiou uma autocrítica em relação à Operação Lava-Jato e certa posição de apoio crítico ao governo Temer, cuja frase síntese é “O PSDB errou”. O eixo político do programa foi a crítica ao “Presidencialismo de cooptação”. O resto é detalhe.

No período imediatamente anterior à elaboração do programa, houve a votação do pedido de afastamento de Temer para a investigação da denúncia contra o presidente da República, que rachou a bancada do PSDB. Logo após, um caloroso encontro do presidente Temer com Doria, em São Paulo, sem a presença de Alckmin. Depois, uma afetuosa conversa de Doria com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a acalorada visita a Salvador, a convite do prefeito ACM Neto (DEM), na qual o prefeito paulista transformou a ovada que levou de um manifestante numa fortificante gemada política.

Novo bloco
A movimentação do prefeito Doria sinalizou para Temer e seus aliados do DEM a possibilidade de se antecipar à convenção do PSDB e iniciar as articulações para fazer de Doria o grande candidato de centro democrático, num movimento no qual a ala tucana que apoia o governo ameaça deixar o partido, da mesma forma como estão trocando o PSB pelo DEM os políticos dessa legenda que apoiam o governo.

Há duas alternativas: a primeira é a incorporação de Doria e todos os dissidentes pelo DEM; a segunda, o surgimento de um novo partido, que teria Doria como candidato, aproveitando a estrutura de um dos partidos aliados. Há vários, de médios a pequenos, à esquerda e à direita do PSDB, à disposição das manobras de Temer. Para Doria, poderia ser a melhor alternativa para não desconstruir a imagem de representante do novo na política, com o puro e simples ingresso no PMDB. Além disso, pode funcionar como um xeque-mate no alto tucanato.

Tudo isso ocorre em meio a uma reforma política feita sobre medida para mudar deixando tudo como está. Trata-se de mais uma faceta do nosso “transformismo” político, no qual recentemente o PMDB abduziu o PT e transformou a legenda em bagaço de laranja. Agora, a mesma coisa parece que pode acontecer com o PSDB, que está à beira da implosão.

O fenômeno é característico de processos políticos nos quais os partidos se descolam das bases eleitorais e buscam se reposicionar com objetivo de manter ou voltar ao poder. Com o colapso de certas utopias e a formação de uma classe dirigente que detém o domínio político do Estado, não importam suas mazelas, as lideranças moderadas e conservadoras buscam absorver os quadros mais ativos de grupos aliados e, eventualmente, até antigos adversários.