Eleições

Merval Pereira: O pós-TRF-4

O anúncio de que o governo só colocará em votação a reforma da Previdência depois do carnaval, no dia seguinte ao término do horário de verão, não tem nada a ver com esses dois eventos, tem apenas uma razão: fingir que ainda existe uma esperança de aprovação após negociações no recesso parlamentar. Mas o que determinou mesmo a data foi o anúncio do julgamento do ex-presidente Lula em 24 de janeiro.

Com ele fora do páreo, é possível que alguns dos deputados recalcitrantes se encorajem, na esperança de que a reforma ajude a economia a melhorar e aumente a possibilidade de um candidato que reúna as forças políticas de centro.

Se a confirmação da sentença contra Lula não provocar grandes manifestações populares pelo país, como sonham os petistas e aliados, a campanha eleitoral ganhará outra dimensão.

O governo terá condições de reunir os partidos aliados em torno de uma candidatura, que tanto pode ser a do governador Geraldo Alckmin pelo PSDB, no caso de ele decolar nas pesquisas, ou outro do grupo que reúna as melhores condições de disputa, como 40% do tempo de televisão e apoio distribuído pelo país.

Sem Lula na cabeça de chapa, mesmo que ele lance um candidato de seu agrado, que parece hoje ser o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que, no entanto, não quer entrar nessa disputa, preferindo uma vaga quase certa no Senado, a briga ficaria mais fácil, na visão de governistas.

Isso na suposição de que o ambiente político ficaria menos radicalizado. Caso contrário, o cenário é imprevisível. O ex-ministro José Dirceu, solto aguardando recursos contra uma pena de mais de 30 anos, pretende incendiar o país a partir de Porto Alegre, conclamando a militância a uma reação que começaria no dia do julgamento de Lula no TRF-4 e se estenderia por outros cantos.

Mas da última vez em que tentaram tal manobra, não deu certo. E no Sul do país o ambiente político é antipetista, ainda que possa sair de lá o candidato a vice. O senador Roberto Requião, dissidente do PMDB do Paraná, estaria disposto a se filiar ao PT para se unir a Lula numa chapa de esquerda.

Só o tempo dirá qual será a capacidade de Lula de mobilizar movimentos radicalizados de protesto a seu favor. Enquanto isso, os governistas fazem contas para o caso de um cenário menos catastrófico, que permitiria a aprovação da reforma previdenciária e animaria a economia do país.

A reação do mercado financeiro ao adiamento foi ruim, e não há quem acredite na possibilidade de aprovação depois do carnaval. Se essa impossibilidade se confirmar, o cenário econômico pior ajudará uma candidatura de esquerda, seja o indicado por Lula, seja Ciro Gomes, do PDT.

A incógnita é Bolsonaro, que pode murchar com a saída da disputa de Lula, ou pode, como apontam algumas pesquisas, agregar a seu eleitorado uma parte de eleitores radicalizados do petista, sem marca ideológica. Outra que pode pegar petistas desiludidos ou em debandada é Marina Silva, da Rede.

Difícil avaliar a força de Lula para eleger um candidato, pois hoje a situação é bem diferente de quando ele tirou da cartola o nome de Dilma Rousseff, em 2010. Naquele momento Lula estava no auge de sua popularidade, o país crescendo a 7,5% ao ano, e ninguém conhecia bem aquela que viria a ser a primeira mulher presidente do país.

Na reeleição em 2014, com a Lava-Jato indicando um esquema de corrupção disseminado pelos governos petistas, o PT quase perde a eleição. O simbolismo do fracasso da indicação de Dilma por Lula pode afetar sua escolha para substituí-lo, embora as pesquisas mostrem uma tendência a segui-lo de boa parte de seus eleitores.

A aprovação da reforma da Previdência dependerá desse ambiente político pós-decisão do TRF-4.

 


Luiz Carlos Azedo: A anistia das urnas

Apesar da Lava-Jato, a candidatura de Lula tornou-se quase irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa de 2018 no tapetão

Quem quiser ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora do poder a partir de 2018 que trate de pisar no barro e deixar de lado os tapetes felpudos, porque a senha de que dificilmente o petista estará impedido de disputar as eleições por causa da Operação Lava-Jato foi dada ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que ainda é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse cenário cada dia que passa fica mais improvável, ainda mais com Lula na frente dos adversários em todas as pesquisas.

Ontem, Gilmar Mendes voltou à carga contra decisões judiciais que determinam a prisão preventiva — aquela aplicada antes de qualquer condenação judicial —, sobretudo nos processos da Operação Lava-Jato, e relativizou a jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, ameaça que paira sobre a candidatura de Lula à Presidência nas próximas eleições. O ministro fez palestra num seminário sobre ativismo judicial na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do qual participaram magistrados, procuradores, advogados e estudiosos do direito.

Mendes voltou a criticar os juízes federais de primeira instância e os procuradores da República, numa referência indireta à força tarefa da Lava-Jato em Curitiba: “A prisão em segundo grau, em muitos casos, especialmente no contexto da Lava-Jato, se tornou algo até dispensável. Porque passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com o objetivo de obter a delação. Sentença de primeiro grau, o sujeito continuava preso, confirmava-se a provisória, e com certeza no segundo grau ele começa a execução”, disparou.

A possibilidade de condenados começarem a cumprir penas após a condenação em segunda instância (por um Tribunal de Justiça estadual ou Tribunal Regional Federal) foi fixada pelo STF em fevereiro do ano passado com voto favorável, à época, de Gilmar Mendes. Mas, agora, o ministro pensa de forma diferente e diz que as prisões não são obrigatórias, ou seja, podem ser revistas pelo STF. Há duas ações em pauta no Supremo sobre o assunto.

Naquela ocasião, votaram contra a prisão em segunda instância os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Hoje, estariam a favor de rever aquela decisão os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o que inverteria o placar da votação. Na ocasião, além de Gilmar, que agora mudou de posição, foram a favor da prisão em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O sexto voto foi do falecido ministro Teori Zavascki.

A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN), que deverá ser a legenda de Jair Bolsonaro, lutam para retomar o rito pleno do “transitado em julgado” no chamado “devido processo legal” (isto é, só se admitir a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes), que muitos consideram responsável pela impunidade dos crimes de colarinho branco.

Ministro do STF mais articulado com os demais poderes, Gilmar Mendes ocupa uma espécie de “vácuo” nas relações institucionais deixado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, com o Congresso e com o presidente Michel Temer. E vem fazendo uma cruzada contra o que chama de “empoderamento” exagerado dos juízes federais e dos procuradores da República, em detrimento até das cortes superiores. Supostamente juízes e procuradores da Lava-Jato quereriam aniquilar a elite política do país.

Expectativa
Para muitos analistas, a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa eleitoral no tapetão. Essa interpretação, observados os rigores da lei, não faz o menor sentido. Mas, se olharmos para o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF), em março deste ano, veremos que é provável.

No caso da chapa PT-PMDB, a “abundância de provas” de abuso do poder econômico não serviu para condenação. Prevaleceu o critério político, de não causar mais turbulência institucional, o que seria inevitável com a cassação de Temer da Presidência e a convocação de eleições indiretas para escolha de um presidente com mandato tampão. Naquela ocasião, os ministros do STF Luiz Fux e Rosa Weber foram pela cassação da chapa, apoiando o relatório do ministro do STJ Herman Benjamin. Mas foram derrotados pelo presidente do TSE, Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do ministro Napoleão Maia, que contestou o relator, com apoio dos ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira.

 

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Luiz Carlos Azedo: Ponto de inflexão

Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada

Digamos que foi um bom acordo de cavalheiros o resultado da brevíssima conversa de ontem, em Limeira (SP), entre o presidente Michel Temer e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que deve assumir o comando nacional do PMDB no próximo fim de semana. “Será uma coisa cortês e elegante, como é do meu estilo e do estilo do governador”, como bem explicou Temer o desembarque do PSDB do governo federal sob comando de Alckmin, que é pré-candidato à sucessão presidencial. Ambos se encontraram para a entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida no interior de São Paulo, mas não avançaram em negociações sobre o futuro.

Aparentemente, há convergência entre ambos quanto a mais crucial das reformas propostas pelo governo Temer, a da Previdência. “Vamos fazer o possível e o impossível para poder aprovar. Teremos reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, que estão entusiasmados. Entusiasmados em nome do Brasil”, exagerou Temer, ao falar sobre o assunto. O planejamento do governo prevê uma maratona de conversas ao longo da semana com lideranças dos partidos que integram a base de apoio de Temer no Congresso Nacional.

Alckmin ainda não fala em nome do PSDB, mas não esconde seu apoio à reforma. Na sexta-feira, em entrevista à Mariana Godoy, fora explícito: “Eu sempre defendi um regime geral de Previdência Social. Não tem sentido você ter um regime de Previdência para quem é funcionário público e outro regime de Previdência para quem é funcionário da indústria, da agricultura, dos serviços, do comércio, nós sempre defendemos um regime geral de Previdência.” Do ponto de vista objetivo, aprovar a reforma da Previdência agora será melhor para quem vier a ser eleito presidente da República em 2018.

Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada, em razão dos desgastes já conhecidos e do desembarque do PSDB. Esse é o cardápio político do almoço deste domingo com os ministros e aliados e do jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No primeiro encontro, fará uma avaliação real da situação e iniciará consultas sobre a nova configuração do governo sem a presença do PSDB na Esplanada; no segundo, o assunto principal e a viabilidade ou não de alinhar a base com a aprovação da reforma.

A economia já mandou recados de que o otimismo ufanista dos governistas sobre a retomada forte do crescimento não se sustentará sem a reforma da Previdência: a Bovespa caiu, a previsão de crescimento do PIB deste ano continua abaixo de 1%. E a Lava-Jato permanece fustigando aliados próximos de Temer, que se livrou de duas denúncias do ex-procurador Rodrigo Janot para continuar no comando do barco, mas não tem condições de recolher os seus náufragos, como os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Ou seja, a crise ética continua sendo a variável predominante na avaliação popular sobre o governo; a economia não terá a menor condição de alterar esse peso da Lava-Jato sem a aprovação da reforma da Previdência, porque as projeções são de que, nesse caso, o crescimento do PIB em 2018 não passará de 2,5%.

O rei do Rio

O procurador regional da República José Augusto Vagos, da Lava-Jato no Rio de Janeiro, criticou duramente nas redes sociais o habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes ao empresário Jacob Barata Filho, que foi solto pela terceira vez. “Chega a ser constrangedor o acesso que esse acusado tem para obter decisão em último grau de jurisdição sem passar pelas demais instâncias, como se desfrutasse de um foro privilegiado exclusivo para liminares em habeas corpus, mesmo sendo acusado de destinar dezenas de milhões de reais aos maiores líderes políticos do Rio, como se isso constituísse crime de menor potencial ofensivo, crime de bagatela.”

Sem entrar no mérito da polêmica jurídica, o fato é que Barata é uma eminência parda da política fluminense e tem enorme poder político na antiga capital federal. Mas é uma ilusão achar que é o único empresário do setor de transportes urbanos que manda e desmanda numa assembleia legislativa e nas câmaras municipais. O padrão de mobilidade urbana do país é um contrassenso total (10% da população ocupam 90% das vias) e reproduz, em maior ou menor escala, a relação entre políticos corruptos e empresários inescrupulosos que os financiam.


Luiz Carlos Azedo: Oitenta votos

Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora

Enquanto o PSDB não sabe ainda o rumo que pretende tomar na reforma da Previdência, os deputados governistas fazem as contas dos votos que a proposta teria em plenário. “Hoje o governo tem 80 votos”, afirma categórico o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG). “Todo mundo é a favor das reformas, mas ninguém quer votar antes das eleições”, explica. O desfecho da reunião da Executiva do PSDB em Brasília, ontem, corrobora a avaliação. Os caciques do partido resolveram empurrar o assunto com a barriga. “Nós somos a favor da reforma, mas primeiro precisamos discutir qual reforma”, justificou o presidente interino, Alberto Goldman.

A posição da bancada do PSDB, que tem 49 deputados, é uma espécie de termômetro do comportamento dos aliados. Programaticamente, é um partido alinhado com a reforma da Previdência, e até considera uma “reforminha” a proposta do relator Arthur Maia (PPS-BA), que reflete a posição do governo, mas a bancada está hiperdividida e seu líder, Ricardo Trípoli (PSDB-SP), considera impraticável o fechamento da questão. “Em todas as bancadas, a maioria dos deputados está contra a votação neste ano”, justifica Trípoli, que participou da reunião da Executiva, que também contou com os deputados Sílvio Torres (SP), Eduardo Cury (SP), Giuseppe Vecci (GO) e os senadores Dalírio Beber (SC) e Flexa Ribeiro (PA).

O PSDB se prepara para a convenção da legenda, marcada para o próximo dia 9, na qual o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deverá ser eleito presidente do partido. Nesta semana, sinalizou que defenderá a saída dos ministros tucanos do governo, o que foi confirmado pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Na saída da reunião, ontem, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, deu a entender que o assunto não é assim tão pacífico. Categórico, disse que o partido “não rompeu com o governo”. Mostrou-se mais alinhado com Temer do que com Alckmin: “O PSDB não rompeu com o governo. O PSDB apoia o programa do governo. A participação ou não do PSDB no governo cabe ao presidente”.

Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo), Luislinda Valois (Direitos Humanos) e o próprio Aloysio Nunes (Relações Exteriores) defendem a permanência no governo. Não são poucos os aliados de Alckmin que consideram um acordo com Temer uma espécie de abraço de afogados. Por isso mesmo, a reunião dos dois é cercada de expectativas. Ao anunciar que não pretende se candidatar à reeleição, esvaziando assim articulações palacianas, Temer preparou o terreno para um eventual acordo com o tucano. É muito contraditória a posição do PSDB na questão da Previdência. Ao defender propostas mais arrojadas para combater o deficit previdenciário, fica sem uma boa justificativa para não votar numa proposta de reforma muito mais branda como a de Temer.

Preço a pagar
A polêmica sobre a reforma da Previdência faz um corte político que tem por pano de fundo as eleições de 2018. A maioria dos deputados acha que o desgaste da aprovação junto à opinião pública não valeria a pena, ainda mais para defender um governo que se enfraquece na medida em que o calendário eleitoral se aproxima. O presidente Temer não consegue reverter a impopularidade. Estão nesse balaio de gatos os deputados do PT e outras legendas de oposição e os parlamentares governistas mais sensíveis ao voto de opinião. Tudo porque o governo não conseguiu consolidar uma narrativa em relação à reforma que consolide a ideia de que serão eliminados os privilégios do setor público e não somente os benefícios dos trabalhadores assalariados que se tornaram insustentáveis.

Os políticos também estão com medo da opinião pública, de um modo geral. O envolvimento dos caciques dos grandes partidos na Operação Lava-Jato e a rejeição de duas denúncias contra Temer estão cobrando agora um preço alto. Ontem, a Bovespa despencou por causa da avaliação de que a Previdência não será aprovada. Entre os parlamentares, o assunto mais comentado era os vídeos do senador Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado e presidente do PMDB, batendo boca com uma passageira dentro de um avião. Quando parlamentares ficam com medo de andar de avião, a coisa desanda no Congresso.

 


Míriam Leitão: O trampolim

O governo Temer está desfazendo o que ele mesmo havia feito no BNDES. Avanços, como os que aconteceram na área ambiental, estão sendo revogados. O presidente do banco, Paulo Rabello de Castro, é pré-candidato à presidência, lançado pelo Partido Social Cristão, e está se utilizando da estrutura para viagens em que exibe um tom político. Este tipo de uso do banco é inédito.

Na semana passada, Paulo Rabello pediu para ser gravado em comunicado “aos benedenses”, diretamente do Amapá, reabrindo superintendências regionais que haviam sido fechadas pelo próprio governo Temer. Estava abraçado a um senador. As críticas ao BNDES sempre foram sobre a dimensão dos subsídios, os critérios de escolha dos beneficiários, a transparência dos empréstimos. Ser usado como trampolim por um declarado candidato é uma novidade. Neste ponto pode-se dizer que o governo Temer conseguiu mesmo inovar.

O BNDES, por ser um banco de desenvolvimento e gestor do Fundo Amazônia, sempre foi criticado por não ter políticas mais claras de preferência por atividades de menor emissão de gases de efeito estufa. Isso começou a ser corrigido na época da então presidente Maria Silvia, mas acerto no Brasil dura pouco.

O banco havia decidido que as atividades mais sustentáveis teriam um percentual maior de financiamento. Na área de energia, a preferência seria pelas novas renováveis. Assim, decidiu que nas hidrelétricas e térmicas só financiaria a metade do valor do investimento; em eólicas, 70%; e as usinas solares teriam 80%. Essa semana o BNDES anunciou que revogou essa regra de financiamento e agora todas as fontes passam a ter 80%. Isso iguala a térmica à solar. O papel de um banco de desenvolvimento é favorecer o novo e induzir políticas mais atualizadas. Uma fonte de alta emissão de gases de efeito estufa não pode ter o mesmo benefício daquela com baixa emissão. Para mostrar que o governo deixou de ter qualquer interesse em combate às emissões de gases de efeito estufa, será feito um leilão de térmica a carvão e o BNDES vai financiar em igualdade de condições com as demais fontes.

No começo do ano, o banco havia mudado a forma de atuar nos leilões de transmissão de energia. Fez uma oferta de financiamento a preços de mercado. O leilão foi um sucesso. Agora voltou atrás, e vai oferecer, de novo, os juros subsidiados.

Logo que assumiu, o governo Temer adotou algumas decisões certas na área econômica. Era um governo de duas caras. Escolheu uma boa equipe para o Ministério da Fazenda e Banco Central. Nomeou pessoas com reconhecida qualificação técnica para a Petrobras, Eletrobras e BNDES e deu aos gestores o direito de montar as diretorias sem indicações dos partidos da base. No Banco do Brasil nomeou um ex-funcionário, já testado também no setor privado. Na Caixa, fez uma escolha política. No núcleo político, o governo se cercou de pessoas que estavam envolvidas em suspeitas de corrupção. O resultado foi que a economia começou a melhorar. Petrobras e Eletrobras tiveram valorização de mercado e melhora dos seus indicadores de desempenho. O BNDES iniciou mudanças de organização interna e inovações nos critérios de atuação. Na área política, o governo passou a ser atingido por denúncias, como as que recaíram sobre Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, entre outros. Até que houve o estouro da crise do próprio Temer.

Com a saída da então presidente Maria Silvia, o novo presidente começou a desfazer as decisões tomadas. Ela havia fechado superintendências regionais, deixando só a de Brasília, porque eram foco de indicações políticas. O presidente-candidato criou sete superintendências regionais e disse que são “as primeiras". Na semana passada, ele gravou um vídeo em que aparece abraçado com um senador do Amapá.

— Levanta ela um pouquinho assim — diz Paulo Rabello, dirigindo quem estava gravando.

— Para pegar Fortaleza e a gente — explicou o senador Davi Alcolumbre, com quem estava abraçado e que o chama de “presidente Paulo".

— Senador Davi manda um recado para os nossos benedenses.

O tom político do vídeo é inequívoco. Se o governo Temer não se importa que o banco seja um trampolim, a Justiça Eleitoral deveria prestar atenção, a menos que queira que a eleição seja mesmo um vale-tudo.

 


Luiz Carlos Azedo: O choque de Alckmin

A deliberada distância do tucano em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para outro projeto de centro

Ao mesmo tempo que o PSDB lança um documento no qual propõe uma espécie de novo “choque de capitalismo”, para citar a expressão usada pelo falecido governador Mario Covas na campanha eleitoral de 1989, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ontem, deixou muito claro que defende a saída imediata do PSDB do governo Temer. Se fosse feita há uma semana, a declaração seria parte do tiroteio tucano; agora, não. Candidato único a presidente da legenda, com as desistências do governador de Goiás, Marconi Perilo, e do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), soa como uma espécie de aviso aos navegantes do rumo que tomará campanha eleitoral, mantendo distância regulamentar do presidente Michel Temer nas eleições de 2018.

Na campanha eleitoral de 1989, as teses de Covas causaram perplexidade no campo da centro-esquerda, que foi às urnas profundamente dividida, com seus principais partidos buscando a própria identidade. Numa eleição com 22 candidatos, Leonel Brizola (PDT), Luiz Inácio Lula da Silva (PTB), Roberto Freire (PCB) e até mesmo Ulysses Guimarães (PMDB) ironizaram as posições de Covas, que acabaram abduzidas por Collor de Mello (PRN), com um discurso forte de abertura da economia, reformas liberais e combate às mordomias da alta burocracia e dos políticos. A radicalização política levou Lula e Collor ao segundo turno, dois candidatos que poderiam ser chamados de outsiders. Ao contrário do que se imaginava, as teses de Covas eram até modestas diante das demandas da sociedade.

De certa forma, o documento do PSDB, intitulado “O Brasil que queremos”, faz um contraponto ao programa “Ponte para o futuro”, lançado pelo PMDB às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff e que serve de norte político para as reformas iniciadas pelo presidente Temer. A cúpula tucana defende que o Estado brasileiro deixe de ser “vetor de distribuição de privilégios e concentração de renda nas mãos de ricos e poderosos”. E propõe o fim do “capitalismo de compadrio”, com critérios e metas para concessão de subsídios, renúncias fiscais e benefícios tributários, além do acompanhamento periódico do orçamento público. “Em particular, o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos precisa ser reavaliado”. É um contraponto às práticas do PMDB e de outros aliados no governo.

O PSDB argumenta que o crescimento econômico é condição necessária para a redução das desigualdades e a geração de riqueza e renda — “Sem crescimento, os demais objetivos sociais e políticos ficam inviabilizados” —, mas fica no meio do caminho quanto à questão da redução do tamanho do Estado: “Nem máximo, nem mínimo, pois esse é um falso dilema, o Estado eficiente, musculoso, deve também recuperar sua capacidade de regulação, garantindo melhores serviços aos usuários e a necessária segurança jurídica para a realização dos negócios”. Coordenado pelo presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal, o texto afirma que o capitalismo é o sistema que “gera melhores condições” para a conquista de qualidade de vida, porém, manéêm o viés social-democrata ao fazer a ressalva de que o livre mercado, por si só, “não é capaz de assegurar distribuição mais equânime das riquezas produzidas e, assim, superar as desigualdades e a pobreza”.

Empecilho
No ninho tucano, Perilo e Tasso desistiram do comando do PMDB para viabilizar a candidatura de Alckmin, pondo um fim à disputa interna pelo controle da legenda, o que é um desfecho lógico diante da relação de forças internas. Ontem, ao inaugurar quatro novos andares do Hospital de Criança de Ribeirão Preto, Alckmin ensaiou o discurso para as eleições de 2018: “Nós precisamos tirar esse Estado pesado, ineficiente, das costas dos trabalhadores e dos empreendedores brasileiros. Não cabe no PIB o tamanho desse Estado que hoje acaba sendo um empecilho ao crescimento do país. De outro lado, um Estado que funcione, que seja eficiente, que tenha boas políticas públicas, que atenda aqueles que mais necessitem e que promova o desenvolvimento regional”, disse.

Aparentemente, apostará numa política econômica mais austera e liberal para consolidar sua candidatura, que vem sendo bem-sucedida internamente, porém, do ponto de vista eleitoral, não se revelou robusta o suficiente para se impor às demais forças do chamado campo democrático. A deliberada distância em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para o grupo palaciano articular outro projeto, no qual a centralidade seja do PMDB e não dos tucanos.


Luiz Carlos Azedo: Americanismo ou iberismo

A redemocratização do país não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as suas principais mazelas

A política brasileira tem três características dominantes: o clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo. Autores que estudaram o fenômeno, como Victor Nunes Leal, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, as atribuem ao colonialismo ibérico, que organizou o Estado brasileiro muito antes da formação da nação. Essas características antecedem a formação dos partidos políticos brasileiros, que surgiram com ideias mitigadas para que o atraso pudesse pegar carona no moderno e manter-se.

Para dar um exemplo, voltemos à Independência, que está às vésperas do bicentenário. O Brasil tornou-se um Império em 1822, e não uma República, em razão do projeto de reunificação da Coroa portuguesa e dos interesses dos senhores de escravos em manter o tráfico negreiro, só não anexando Angola porque a Inglaterra não deixou. Mas Dom Pedro I outorgou a Constituição de 1824, ou seja, de cima para baixo, com um viés liberal. A introdução no texto constitucional do princípio da propriedade privada — uma conquista das revoluções burguesas — foi feita com o objetivo de proteger o regime escravocrata. Conseguiu: a escravidão somente foi abolida em 1888. Um ano depois, as oligarquias regionais que haviam se amalgamado à política do Gabinete de Conciliação do Marquês de Paraná, contendo revoltas e revoluções separatistas e/ou republicanas, derivaram para o regime republicano sob influência positivista da Escola Militar da Praia Vermelha. O povo assistiu à proclamação da República “bestificado”.

Mas o velho iberismo domou a República agrarista com seu atavismo, por meio das fraudes eleitorais dos “coronéis” para se manter no poder, contra a emergência das camadas médias e trabalhadores urbanos. Acabou levando o regime café com leite ao colapso. A revolução burguesa se completou pela via das armas, com a Revolução de 1930 e, depois, em 1937, com o Estado Novo. O ditador que representava a política castilhista do Brasil meridional, Getúlio Vargas, manteve-se no poder e derrotou as elites paulistas graças à aliança com as oligarquias do Norte e Nordeste, que novamente emergiram como a força política decisiva na Segunda República. O velho iberismo manteve-se firme e forte, ou seja: o clientelismo eleitoral, o fisiologismo político e o patrimonialismo como via de enriquecimento e preservação do poder. O populismo de Vargas, a força política e eleitoral dominante nos grandes centros urbanos, também assimilou as mesmas práticas, levando-as para os meios urbanos.

A lanterna
Até que a crise de financiamento do Estado e a necessidade de avançar no processo de modernização, em plena guerra fria, levaram à radicalização política. Entre dois projetos de desenvolvimento distintos, a democracia brasileira também se foi de roldão. Os militares protagonizaram novo projeto de modernização; para legitimá-lo e se manter no poder, reconstituíram o velho pacto com as oligarquias conservadoras. O clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo sobreviveram num regime bipartidário cujo objetivo era institucionalizar o regime autoritário via “mexicanização” do país.

A redemocratização não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as principais mazelas, como aconteceu com o nepotismo nas carreiras de estado, de órgãos e de empresas públicas. O colapso do modelo de financiamento da política e dos partidos, via desvio de recursos públicos e caixa dois, com a Operação Lava-Jato, é resultante disso, num contexto de novo ciclo de modernização da sociedade brasileira com características hegemonicamente exógenas, decorrentes da globalização e de aceleradas mudanças tecnológicas.

É nesse cenário que nos deparamos com um novo projeto de “fuga para frente”, em contraposição às “utopias regressivas” à direita e à esquerda, do deputado Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda apostam no Estado como via de modernização no país. Sob a égide da ética na política, essa tendência busca um canal de expressão na política tradicional para participar da sucessão de 2018 e romper as muralhas do iberismo. Com ideias liberais pós-modernas, o novo americanismo se expressa pelas redes sociais, busca um candidato competitivo e um partido para chamar de seu. Lembra um pouco o aristocrático Carlos Maia e histriônico João da Ega, personagens de Eça de Queiroz, que seguem apressadamente, e sôfregos, a luz vermelha da lanterna do americano na escuridão da noite de Lisboa: “Ainda o apanhamos! Ainda o apanhamos!”.

 


Rogério Furquim Werneck: Instinto de sobrevivência

‘Atingidos’ compartilham da urgência de ‘ estancar a sangria’, procuram ficar sob a estrita proteção do foro privilegiado

A configuração da disputa presidencial tem sido fonte de grande apreensão. Entre a perspectiva de desmantelamento da política econômica em vigor, como vem sendo prometido por Lula, e a possibilidade de que o país fique ao sabor do primitivismo inconsequente de Jair Bolsonaro, cresce o clamor por uma união das forças políticas de centro.

Não falta quem pondere que, até por simples instinto de sobrevivência, os partidos de centro teriam de se aglutinar em torno de uma mesma candidatura. A verdade, contudo, é que as articulações nesse sentido vêm enfrentando dificuldades de toda ordem. E acumulam- se evidências de que, por mais forte que sejam seus instintos de sobrevivência, os partidos de centro podem perfeitamente não conseguir se acertar, em 2018, para dar apoio conjunto a um candidato a presidente que tenha boa chance de ser eleito.

Quando a resultante de um sistema de forças parece surpreendente, há que se indagar se não há outras forças importantes em jogo que não estão sendo consideradas. No caso, as forças que talvez não estejam sendo levadas em conta, devidamente, são as provenientes de uma aliança tácita, cada vez mais poderosa, fundada num mesmo temor que hoje perpassa, da esquerda à direita, as cúpulas de todos os partidos políticos de maior expressão: a preocupação com os desdobramentos da Lava- Jato e operações similares.

Desse temor, compartilham correligionários e adversários: Temer e Lula, grande parcela dos governadores e parte substancial dos membros do Congresso Nacional. Mais de 20% dos congressistas hoje enfrentam dificuldades com tais operações. E, é bom que se diga, não se trata do baixo clero. Estão aí incluídos boa parte dos parlamentares mais proeminentes do Congresso. Não há, portanto, como ter dúvidas sobre quão poderosa pode ser essa numerosa Confraria dos Atingidos pela Lava- Jato e Operações Similares, designação que talvez possa ser encurtada para Calajato.

A análise baseada no instinto de sobrevivência faz sentido. Mas é importante ter em conta a real natureza do instinto de sobrevivência que, de fato, vem pautando o comportamento de boa parte dos principais atores políticos envolvidos. O que os move não é a preocupação com a sobrevivência das forças políticas de centro e, sim, com sua própria sobrevivência, num sentido muito mais estrito e elementar: salvar a própria pele e escapar da Lava- Jato.

Veladamente, os “atingidos” compartilham da urgência de “estancar a sangria”, procuram permanecer sob a estrita proteção do foro privilegiado e acalentam a possibilidade de, quem sabe, conseguir se beneficiar de algum tipo de anistia ou de mudanças providenciais da legislação, na linha do que se mostrou possível na Itália, na esteira da efêmera Operação Mãos Limpas.

Ter a importância dessa confraria em conta ajuda a entender com mais clareza as atribuladas articulações políticas que vêm sendo ensejadas pela disputa eleitoral de 2018. Torna mais compreensível, por exemplo, a determinação com que Aécio Neves deu por findo seu curto período de resguardo para se desincumbir, com espantosa truculência, da missão de enterrar de vez o discurso constrangedor que vinha sendo ensaiado no PSDB, por Tasso Jereissati. Deixa também mais clara a real natureza das pressões “suprapartidárias” a que vêm sendo submetidos os tribunais superiores.

Com tantos atores políticos influentes primordialmente preocupados com a salvação da própria pele, o esforço para consolidação da uma coalizão ampla de centro, na disputa presidencial de 2018, promete ser bem mais difícil do que já seria. Inclusive porque, entre os mais gravemente atingidos pela Lava- Jato, vem ganhando força a convicção de que, a esta altura, o mais seguro, para salvar o próprio pescoço, parece ser apostar na vitória de Lula em 2018. É o que ajuda a explicar a revoada de caciques do PMDB para o campo lulista.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC- Rio

 


Luiz Carlos Azedo: Temer e o queremismo

A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot

Começa a ser urdido nos bastidores do Palácio do Planalto o projeto de reeleição do presidente Michel Temer, que já se movimenta como quem pretende ser candidato, quando nada para estancar o processo de desagregação do seu governo, que se acelerou ontem com o pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE). Um dos quatro tucanos no primeiro escalão de Temer, o parlamentar pernambucano chegou a anunciar sua saída do governo quando foi divulgada a gravação da conversa comprometedora entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, mas voltou atrás a pedido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, porém, saiu para valer.

A tese da candidatura à reeleição vem sendo defendida pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, como uma necessidade para segurar a base do governo e evitar a deriva antecipada de setores do PMDB e outros aliados para a campanha de candidatos da oposição, em razão da proximidade das eleições. Isso já aconteceu com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), engajado na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi à toa que o petista alertou o seu partido que os “golpistas” que o apoiarem nas eleições de 2018 serão recebidos de braços abertos nos seus palanques regionais.

Temer ainda não se convenceu inteiramente da ideia, mas resolveu fazer um esforço em várias frentes para melhorar a imagem do governo. A propaganda oficial trabalhará em três frentes: primeira, comparar os indicadores econômicos de quando assumiu com os do seu primeiro aniversário de governo, que são quase todos excelentes, diante da profunda recessão em que o país foi lançado no governo Dilma Rousseff; segunda, a manutenção dos programas sociais do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que será reajustado acima da inflação, conforme anunciou ontem o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra; terceira, a reforma da Previdência, que Temer voltou a defender, convencido de que enfrentar as corporações aumentará sua popularidade e criará condições de o país crescer a taxas acima de 3% no próximo ano, na avaliação de seus estrategistas, a premissa para o projeto eleitoral dar certo.

A tese audaciosa ganhou mais força com o desembarque do PSDB do governo, que estava previsto para a convenção de 9 de dezembro, mas acabou antecipado por Bruno Araújo. Temer não pretende esperar a deserção dos aliados para fazer a reforma ministerial. A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Temer obteve apenas 240 votos na votação, o suficiente para blindá-lo constitucionalmente, mas não para aprovar as reformas. Acontece que a reforma da Previdência é uma bandeira dos aliados que estão deixando o governo, o que permitiria atender a base fisiológica que barganha mais cargos no governo para aprová-la e, ao mesmo tempo, também negociar com os tucanos e outros aliados que deixaram o governo.

Um dos argumentos para convencer Temer a concorrer às eleições de 2018 é o fato de que o ex-presidente José Sarney, em 1989, virou saco de pancadas de todos os candidatos e não teve como se defender porque não disputava a reeleição. O próprio Sarney costuma avaliar que o governo, na pior das hipóteses, garantiria de 15 a 20% dos votos do primeiro turno para seu candidato. Temer teria oportunidade de se defender e capitalizar suas realizações. Não é uma ideia sem sentido, em razão do tempo de televisão e dos recursos do fundo partidário do PMDB, que teria, além do peso da máquina do governo a seu favor, grande capilaridade nos grotões do país.

Não colou

Mas sempre é bom lembrar o risco de a proposta não colar, como aconteceu com o movimento Queremista em 1945, cujo objetivo era defender a permanência de Getúlio Vargas na Presidência da República. O nome se originou do slogan utilizado pelo movimento: “Queremos Getúlio”. Naquela época, diante do esgotamento da ditadura do Estado Novo e do fim da II Guerra Mundial, as forças políticas que haviam se oposto ao regime iniciaram o ano reivindicando a redemocratização do país. Pressionado, Vargas comprometeu-se a realizar eleições e manteve-se numa posição dúbia em relação à possibilidade de se candidatar.

No fim de outubro, quando Vargas tentou substituir o chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, por Benjamin Vargas, seu irmão, a manobra acabou interpretada por seus adversários como um golpe para preparar a continuidade no poder. No dia 29, o alto comando do Exército, tendo à frente o ministro da Guerra, general Góes Monteiro, depôs Vargas da presidência, que em seguida foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.


Folha de S. Paulo: Para evitar descontrole, FHC e Goldman articulam chapa única em convenção

Para evitar o descontrole total do racha no PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador paulista Alberto Goldman, presidente interino do partido, atuam para garantir a formação de chapa única na convenção em dezembro.

Thais Bilenky

A chance de fracassarem é aventada pela primeira vez na história do partido, em meio à divisão que se explicitou na formação da ala que advoga pelo desembarque do governo Temer e aquela que defende a permanência.

O objetivo de FHC e Goldman é restringir a disputa à Executiva, composta por cargos como presidente, vices, secretário-geral e tesoureiro.

Candidato a presidente do PSDB, o governador de Goiás, Marconi Perillo, disse nesta segunda-feira (13) que "Fernando Henrique me consultou, isso já tinha sido feito por Goldman, se eu concordaria com uma chapa única. Sim, porque quero unidade."

Procurado, seu adversário, o senador Tasso Jereissati (CE), não se manifestou.

A convenção do PSDB terá duas etapas. Primeiro se elegerá a chapa para formar o diretório, composta por 177 titulares e 53 suplentes. Uma vez eleito, o diretório mais os deputados e senadores escolherão a Executiva.

Em geral, a convenção é mera formalidade e tanto diretório quanto Executiva e presidente são acertados previamente. Neste ano, membro da Executiva admitiu a possibilidade de duas chapas se apresentarem.

À Folha, Goldman disse que ambos os candidatos e outras lideranças concordam com a chapa única, mas está trabalhando para garanti-la, dada toda a indefinição. "Seria um desgaste muito grande termos duas chapas, não se pode negligenciar nada."

Além das dificuldades de se preencher chapa tão grande, o constrangimento de caciques em se posicionarem para um ou outro grupo geraria um clima de "vencidos versus vencedores", que aprofundaria o racha, dizem dirigentes tucanos.

Por isso, trabalha-se com a alternativa de o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ser aclamado presidente do PSDB.

A equipe de Perillo calcula que ele tenha maioria entre os delegados de Santa Catarina, Minas e Pernambuco, além de Goiás. Conta com o apoio dos governadores Pedro Taques e Reinaldo Azambuja para ampliar votos no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respectivamente.

Auxiliares reconhecem chance de derrota no Rio Grande do Sul e a divisão em São Paulo e Paraná.

Por sua vez, aliados de Tasso dizem ter os votos da Paraíba, Alagoas, Bahia, Rio, Paraná e boa parte do Rio Grande do Sul, salvo pela deputada Yeda Crusius, que se posicionou a favor de Perillo.

O peso de cada Estado é calculado por fatores como o número de diretórios municipais e sobretudo o tamanho das bancadas na Câmara e no Senado (conta em dobro).

A atual Executiva estima que terá cerca de 550 delegados para votar, sendo que São Paulo é o maior colégio eleitoral, seguido por Minas. Depois Goiás e Paraná estão embolados. Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul aparecem na sequência.

 

 


Luiz Carlos Azedo: A fortuna do príncipe

Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994

Um dos últimos capítulos do clássico O príncipe, de Nicolau Maquiavel, obra seminal da teoria política, parece escrito sob medida para as movimentações de bastidor dos líderes principais do PSDB na tentativa de construção de candidatura capaz de unificar forças de centro e derrotar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Jair Bolsonaro (PSC), que hoje polarizam as pesquisas eleitorais. Intitulado “De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir” (Quantum foruna in rebus humanis possit, et quomodo illis sit occurren dum), trata da relação entre as virtudes dos governantes e a sua fortuna (que tem mais a ver com as contingências do que propriamente com a sorte ou o acaso).

Para Maquiavel, o governante prudente se prepara para as adversidades. “Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os homens, com sua prudência, não podem modificar nem evitar de forma alguma (…) Esta opinião se tornou mais aceita nos nossos tempos pela grande modificação das coisas que foi vista e que se observa todos os dias, independentemente de qualquer conjectura humana. Pensando nisso algumas vezes, em parte, inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase.”

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, parece não seguir essa receita e não se cansa de dizer que a política é destino. De certa forma, as três eleições que perdeu — duas para a prefeitura de São Paulo (2000 e 2008) e uma à Presidência da República (2006) —parecem corroborar esse ponto de vista, pois as derrotas não o impediram de governar São Paulo por quatro mandatos, a primeira vez em razão da morte do governador Mario Covas (era o vice), e as outras três, porque foi eleito para o cargo (2002, 2010 e 2014).

Alckmin é o candidato do PSDB por ocupar a posição estrategicamente mais importante nas esferas de poder da legenda na administração do estado mais populoso e desenvolvido do país. Ao lado de Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, está entre os líderes tucanos menos afetados pela Operação Lava-Jato, o que parecia transformá-lo em mono-opção partidária às eleições presidenciais de 2018. O candidato natural seria o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do partido (obteve 51 milhões de votos em 2014, na disputa de segundo turno contra a então presidente Dilma Rousseff), mas acabou fora da disputa, em razão da delação premiada do empresário Joesley Batista. Entretanto, o destino prega mais uma peça ao governador paulista. Alckmin parece aquele príncipe retratado por Maquiavel que estava em franco e feliz progresso, mas corre o risco de ser arruinado.

Discordância
Maquiavel nos ensina que, variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, “serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância”. É mais ou menos o que está acontecendo com Alckmin, com o PSDB à beira da implosão em razão da disputa pelo controle da legenda com Aécio Neves, que apoia a candidatura do governador goiano Marconi Perillo, a presidente do PSDB, contra o senador Tasso Jereissati, candidato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador paulista.

Alckmin corre o risco de ser “cristianizado” nas eleições, porque outros caciques do PSDB paulista estão aliados a Aécio, principalmente o chanceler Aloysio Nunes Ferreira e o senador José Serra (SP), que já se articula para a sucessão paulista. Há um plano B em curso para as eleições: o apresentador de tevê Luciano Hulk, que negocia sua filiação ao PPS, com forte apoio de grupos empresariais liderados por jovens investidores formados nos Estados Unidos.

Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994, quando provou do mesmo veneno que usou contra Ulysses Guimarães, em 1989. Como dizia o bruxo florentino, “a sorte sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam”. Com Hulk, a grande novidade desse processo, porém, pode ser o surgimento de um certo “americanismo” na política brasileira, tradicionalmente prisioneira do velho iberismo fisiológico e patrimonialista.

Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/fortuna-do-principe/


Luiz Carlos Azedo: Tucanos em crise

A saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que, além de Aécio, outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda

É incrível a confusão no PSDB. Os tucanos não conseguem de entender. O racha no partido se aprofundou devido ao artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no domingo passado, no qual propôs o desembarque do governo em dezembro, e à proximidade da convenção nacional da legenda, marcada para dezembro. Candidato a presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE), que exercia o cargo interinamente, foi destituído ontem e substituído pelo ex-governador de São Paulo Alberto Goldman.

Tasso está em rota de colisão com o presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (PMDB-MG), que mais uma vez demonstrou poder de articulação e combatividade ao destituí-lo do cargo. Mostrou que ainda tem força, mesmo que desgastado por causa da Operação Lava-Jato. A ação, porém, foi brusca. Aécio reassumiu a presidência e designou Goldman seu substituto, para garantir isonomia na disputa pela presidência entre Tasso e seu adversário, o governador de Goiás, Marconi Perillo. A reação de Aécio foi uma resposta ao discurso de Tasso ao lançar sua candidatura, no qual reconheceu erros do partido e defendeu regras de compliance para os filiados.

Aécio já havia demonstrado capacidade de resistência ao conseguir apoio da maioria dos colegas para revogar, no plenário do Senado, a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que o afastara do cargo, dentre outras “medidas cautelares”. A decisão veio na sequência de uma vitória por 6 a 5 no próprio STF acerca da necessidade de o Senado dar a palavra final sobre decisões judiciais que impedem o exercício de mandato de senadores.

Ex-candidato a presidente da República que obteve 51 milhões de votos no segundo turno das eleições de 2014, Aécio é aliado do presidente Michel Temer e defende a permanência do PSDB no governo. Nos bastidores do Congresso, já havia demonstrado poder de articulação; agora, mostrou que ainda tem pleno controle do PSDB. De certa forma, a decisão foi um recado para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que pleiteia a vaga de candidato a presidente da República pelo partido.

Tudo indicava que a situação estava sob controle do governador paulista, mas a saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda. É o caso do senador José Serra (SP) e do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. Aécio sozinho não teria forças para destituir Jereissati. Ambos resistiram, por exemplo, à candidatura de João Doria a prefeito de São Paulo, com a qual Alckmin atropelou os demais tucanões paulistas.

Como se sabe, Doria se movimentou para ser o candidato do PSDB a presidente da República, logo depois de sua vitória nas últimas eleições municipais. Seus esforços foram frustrados pelo desgaste de sair candidato muito antes da hora e as demandas da capital que administra. Alckmin parecia absoluto, aliado a Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso. Foi surpreendido pela decisão de Aécio.

Reforma

O presidente Michel Temer reconheceu ontem a necessidade de uma reforma ministerial, mas disse que a fará no tempo certo. Havia uma perspectiva de fazê-la somente em abril do próximo ano, quando da desincompatibilização dos ministros que vão disputar a eleição, mas ela deverá ocorrer tão logo o PSDB decida se fica ou não no governo, ou seja, no começo de dezembro.

A reforma ministerial será balizada pela reforma da Previdência. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou que o governo vai mitigar a reforma para aprová-la. Para Temer, qualquer avanço na Previdência é lucro. Sinaliza a vontade de fazer a reforma e, ao mesmo tempo, reduz resistências.