Economia

Roberto Freire: País começa a abandonar agenda negativa

Freire diz que País começa a abandonar agenda negativa e defende aliança democrática para 2018. Para o presidente do PPS, os "extremos políticos" têm que ser combatidos

O presidente do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), afirmou que o Brasil, aos poucos, volta a ter uma “relativa estabilidade”, e que o governo de transição ganhou força após a Câmara dos Deputados rejeitar o pedido de investigação da PGR (Procuradoria Geral da República) contra o presidente Michel Temer. Ele observou que esse fato coincide com a reversão da crise econômica e a reorganização da sociedade em torno de um projeto político para 2018.

“O Brasil está vivendo uma relativa estabilidade. Depois da negativa da Câmara dos Deputados em conceder autorização para a investigação do presidente da República nos termos da PGR [Procuradoria-Geral da República], temos um presidente que readquiriu certa força e que garante uma certa estabilidade. Isso coincide com dois fenômenos que começam a ocorrer e que ajudam a termos mais otimismo com a transição até 2018, nas eleições gerais: a recuperação da economia e a saída do País de uma pauta negativa por conta dos malfeitos praticados por políticos”, disse (veja aqui o vídeo).

Ao analisar os índices econômicos que apontam a superação da recessão deixada pelo lulopetismo, o parlamentar ressaltou que o País começa a sair do “fundo do poço”.

“No campo econômico temos alguns sinais positivos da retomada [da economia]. São sinais que dizem que já atingimos o fundo do poço e agora parece que estamos saindo. Retomando, ainda de uma forma não desejável porque seria importante um ritmo maior de recuperação, mas com certa constância. Os dados da economia estão se sucedendo e isso é muito importante”, afirmou.

Aliada a retomada econômica, Roberto Freire disse que a sociedade brasileira começa a deixar a pauta negativa, criada pela corrupção que assolou a nação durante os 13 anos de desgoverno petista, e começa a se preocupar politicamente com 2018.

“A sociedade brasileira está saindo de uma pauta negativa. De uma agenda da indignação, uma justa indignação, por conta das malfeitorias, do desmantelo, da corrupção e do emblema da Lava-Jato, que terá continuidade, mas que hoje não é mais a única temática e agenda da sociedade brasileira. Começa a se ter a política. Começa a surgir a movimentação política para 2018. Começa a se falar em alternativas e de candidaturas que podem existir”, analisou.

Extremos

Freire chamou atenção, no entanto, para o surgimento de “extremos políticos” que precisam ser combatidos.

“Estamos vendo as forças derrotadas pelo impeachment tentando se articular. Não sabem ainda se com o ex-presidente, um nome novo ou com outro partido. Importante levar em consideração que é uma articulação profundamente antidemocrática. São apoiadores da sanguinária ditadura de [Nicolás] Maduro. Eles têm descompromisso total com a democracia. Por outro lado, toda uma intensa mobilização, em função do desastre que foi o governo PT, de uma direita que cresce em torno de uma postura e visão também profundamente antidemocrática. De um candidato que apoia ditadura, defende tortura e torturadores. Evidentemente isso é uma demonstração cabal de total descompromisso com a democracia”, afirmou.

Alternativa

O deputado ressaltou que diante desta polarização é preciso debater uma alternativa com todas as forças comprometidas com a democracia no País.

“Para combater isso cabem às forças democráticas, como o PPS e tantas outras que estão na arena política brasileira, discutir a construção de uma alternativa para evitar os dois extremos, com o Brasil retomando o desenvolvimento e uma sociedade mais solidária”, defendeu.

Aliança democrática

O presidente do PPS chamou atenção para o artigo do senador Cristovam Buarque (DF) “Aliança para Salvar Brasília” (veja aqui), que trata da importância da realização de alianças republicanas com o objetivo de defender interesses da sociedade.

“Uma análise muito interessante sobre a realidade de Brasília que se aplica até com maior propriedade na atual conjuntura nacional. O PPS deve procurar uma articulação e grande aliança com outras forças democráticas exatamente para produzir uma alternativa. O artigo de Cristovam merece ser lido porque traz uma excelente reflexão”, sugeriu.

 

 

 


Miriam Leitão: Nó fiscal e político faz governo elaborar Orçamento para 2018 que não valerá

O governo se debruça sobre as contas de um Orçamento para 2018 que não valerá, porque, enquanto não for aprovada a nova meta, ele tem que seguir o que está na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou seja, o déficit R$ 129 bilhões. Ontem foi divulgado o pior déficit fiscal para o mês de julho em 21 anos. O governo teria que aprovar a nova meta de R$ 159 bilhões para fazer o Orçamento com os novos parâmetros.

O presidente Temer está viajando para a China, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está concluindo a nova denúncia contra o presidente, a delação do doleiro Lúcio Funaro está nas mãos do ministro Fachin, o presidente da Câmara está no governo, e a presidência da Câmara está com o deputado Fufuca. Assim está o Brasil. O presidente, antes de sair de viagem, afirmou que “querem” parar o Brasil, referindo-se às agruras vividas pela sua administração. Não é o primeiro a tentar confundir governo e país.

No caso do Orçamento, tem que ser cumprido o prazo de 31 de agosto, amanhã, para o envio das contas do ano que vem, mas sem a nova meta aprovada será necessário enviar novo Orçamento depois, com o déficit de R$ 159 bilhões.

O nó também atinge a meta de 2017. Vence hoje o prazo para a negociação entre o governo e a Cemig. Na semana passada, em entrevista que me concedeu, o ministro Dyogo Oliveira disse que o leilão das hidrelétricas que foram da Cemig continuava marcado, mas que até o dia 30 de agosto continuaria conversando com a Cemig. Hoje, o presidente da empresa, Bernardo Alvarenga, vai falar com o ministro. O argumento é que as usinas não poderiam ter sido tiradas da companhia pela ex-presidente Dilma porque o contrato tem cláusula de renovação automática. O governo disse que poderá negociar desde que a Cemig pague pela renovação e apresente uma proposta firme. A meta de 2017 depende de desembrulhar essa confusão.

Os apuros do governo na área política são responsabilidade única do presidente Temer. A reunião com Joesley Batista, o que se conversou naquela noite, os outros indícios de ilícitos precisam ser investigados. Por isso o procurador-geral afina as suas últimas flechas para dispará-las. Temer mediu forças uma vez e venceu. Agora, na nova denúncia, terá que passar por tudo isso novamente.

Já o buraco fiscal no qual o país entrou é resultado da desastrosa administração Dilma. Ela jogou o país numa crise que, por sua natureza, não se resolve em curto prazo. Criou-se uma dinâmica que demora a ser revertida. A recessão provocou uma perda de arrecadação que o governo calcula em R$ 150 bilhões. O déficit de julho divulgado ontem foi de R$ 20 bi. O governo tem tentado impedir a ampliação do rombo usando receitas extraordinárias, mas elas escondem a real situação das contas.

O gráfico abaixo foi elaborado pela consultoria Rosenberg Associados e mostra a evolução das despesas e das receitas do governo federal, excluindo o que é extraordinário. Saem da conta, por exemplo, a capitalização da Petrobras, que transformou dívida em receita em 2010, e o pagamento das pedaladas em 2015, que pressionou os gastos. Houve uma alta muito forte das despesas, principalmente as obrigatórias, como a Previdência. A arrecadação ainda não deu sinais de recuperação. Os gastos discricionários, os que o governo pode mexer, caíram 16% nos sete meses deste ano em comparação com o período do ano passado, R$ 25 bilhões a menos. O maior corte foi no investimento: 48%. O desajuste foi iniciado no governo passado, mas o governo Temer não conseguiu sair dele.

 


Luiz Carlos Azedo: O abismo ao lado

A situação é mais ou menos como a de uma família que começa a vender tudo o que tem para pagar as dívidas, mas não reduz os gastos de forma a compatibilizá-los com a renda familiar

A divulgação do deficit primário das contas do governo dos últimos 12 meses (até julho) acendeu uma luz vermelha no mercado. O rombo é de R$ 183,7 bilhões, muito acima da nova meta fiscal que o governo pretende aprovar no Congresso, de R$ 159 bilhões. Segundo o Tesouro, o resultado negativo se deve à frustração de receitas na ordem de R$ 7,4 bilhões. O corte de R$ 3 bilhões na despesa mensal não foi o suficiente para compensar a perda de arrecadação menor, razão pela qual o resultado primário de julho ficou R$ 4,5 bilhões abaixo do programado. Diante desse quadro, resta ao Ministério da Fazenda mexer com as despesas obrigatórias, principalmente as da Previdência, para trazer os gastos do governo para dentro da meta prevista.

A aprovação da reforma da Previdência, porém, continua no telhado, porque a base governista vende caro o apoio ao presidente Michel Temer. Às voltas com uma reforma política polêmica, cujo objetivo é garantir a reeleição do maior número de deputados e senadores, o Congresso emite sinais de que começa a se descolar do Palácio do Planalto e a atuar com maior autonomia, de olho em 2018. Pelos corredores da Câmara, por exemplo, os deputados choramingam as promessas não cumpridas pelo governo, em troca de rejeição da denúncia contra Michel Temer. O clima tumultuado da sessão do Congresso de ontem mostra bem a qualidade do ar que se respira nas duas Casas.

É nesse cenário que todos esperam a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da República. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já avisou ao presidente Michel Temer que o ambiente na Câmara não é bom. Além de refugar a reforma da Previdência, parte da base começa a chantagear o Palácio do Planalto. Tudo indica que a denúncia virá na primeira quinzena de setembro, ou seja, no apagar das luzes do mandato de Janot. A não ser que o relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Édson Fachin, não homologue a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, enviada ontem ao STF.

De acordo com investigadores, Funaro trata das suspeitas de que o presidente teria cometido obstrução de Justiça. Para o Ministério Público Federal, o diálogo do presidente com Joesley Batista, um dos donos da JBS, mostraria a suposta concordância de Temer com o pagamento de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao próprio Funaro, para que eles não fechassem acordo de delação.

Os dois principais pilares de sustentação do governo Temer são a credibilidade da equipe econômica e a base parlamentar robusta. Ambos sofrem desgastes por causa da fricção política originada pela Lava-Jato. Entretanto, o maior problema do governo é a gravidade da crise social causada pelo desemprego, que chegou a 13% no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na semana passada. São 13,486 milhões de desempregados. O governo não sabe o que fazer com isso, pois a economia não cresce o suficiente para reduzir o índice de desemprego.

Investimentos
Todos os sinais são de que os investimentos privados estão com o freio de mão puxado e assim continuarão até o desfecho das eleições de 2018. A única possibilidade de mudança no cenário é a implementação do programa de privatizações do governo, que foi anunciado sem uma modelagem jurídica que dê segurança aos agentes econômicos. Passada a euforia inicial do mercado de ações, todos continuam com as barbas de molho. As previsões para o desempenho do Produto Interno Bruto do segundo trimestre aproximaram-se do 0%. O consumo das famílias fechará o ano com avanço de 0,9% e as exportações, de 0,7%.

A reação do governo é uma espécie de mais do mesmo: estimular o consumo das famílias do jeito que pode. Mas isso tem pouco impacto nos investimentos porque a capacidade ociosa das indústrias ainda é muito grande. O governo liberou R$ 42,8 bilhões das contas inativas do FGTS e vai lançar mão de R$ 16 bilhões do PIS-Pasep para aposentados com 65 anos (62 anos, no caso das mulheres), a fim de injetar mais dinheiro na economia. São quase R$ 60 bilhões, uma quantia nada desprezível. Mesmo assim, a economia deve continuar devagar. Qual é o problema? O governo promove reformas da economia sem fazer o dever de casa.

A situação é mais ou menos como a de uma família que começa a vender tudo o que tem para pagar as dívidas, mas não reduz os gastos de forma a compatibilizá-los com a renda familiar e, assim, sair do vermelho para o azul. Sem fazer um ajuste fiscal que corte na própria carne, o que inclui a Previdência e os gastos de custeio e pessoal do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a venda dos ativos da União não vai resolver o problema das contas públicas. Será apenas um grande fim de festa, com muita ressaca no dia seguinte.


Samuel Pessôa: Gasto com os rentistas é alto, mas muito menos do que se diz por aí

O gasto do tesouro com serviço da dívida pública que é a renda dos rentistas, é muito muito menos do que se diz por aí

Na Semana passada, discuti as diversas meias-entradas que fazem com que o gasto público seja muito elevado. Argumentei que o inferno somos todos nós.

De uma forma ou de outra, há programas públicos que nos favorecem individualmente. A soma de todas essas distorções produz um Estado disfuncional. Não serve ao público e não consegue pagar suas contas. A dívida pública cresce ilimitadamente.

Houve comentários à coluna lembrando meias-entradas que esqueci. Por exemplo, a isenção de pagamento de impostos para as igrejas. Bem lembrado.

Outro desconforto comum dos leitores com a coluna é o tratamento dirigido aos juros da dívida pública. Por que não se trata de uma meia-entrada?

Apesar de ser uma conta salgada, o pagamento de juros da dívida pública não é uma meia-entrada. A característica da meia-entrada é ser um favorecimento na forma de lei. A dívida é salgada porque os juros são elevados. E esses são elevados porque a inflação é elevada.

É comum argumentar que seria melhor combater a inflação com maiores compulsórios e maiores controles diretos de crédito. Já praticamos os maiores compulsórios do mundo, e o mercado de crédito é supercontrolado.

Evidentemente a redução do crédito subsidiado —este sim uma bela meia-entrada— ajudará em muito a reduzir o custo de rolagem da dívida pública.

Finalmente há uma incompreensão da sociedade do real custo de rolagem da dívida pública.

Quando o setor público capta recursos, essa dívida é contabilizada como receita de capital. No vencimento, a recompra —quitação— da dívida é contabilizada como gasto de capital.

É comum o sindicato dos auditores fiscais considerar que a rolagem da dívida pública constitui um item do gasto público. Entretanto, a norma contábil não obedece ao conceito econômico.

Como sabemos desde o clássico "Valor e Capital", de John R. Hicks, "renda é o máximo valor que um indivíduo pode consumir durante uma semana e mesmo assim ter, no final da semana, o mesmo nível de riqueza que ele tinha no início".

A receita da captação da dívida não é renda, pois ela gerou um passivo, diminuindo a riqueza. E, analogamente, a recompra de títulos de dívida pública (a quitação) não é gasto, pois o Tesouro devolve ao público um recurso que nunca fora seu.

Segue desse conceito econômico que a renda que um indivíduo recebe por carregar um título público no seu portfólio —e que o governo gasta na gestão da dívida pública— é dada pelos juros pagos, líquidos da correção monetária e líquidos do Imposto de Renda que incide sobre a correção monetária (lembre que o IR sobre aplicações financeiras incide sobre o juro nominal e que parte do juro nominal, a correção monetária, não é renda).

Assim, para uma dívida de 70% do PIB e um juro nominal de 10% com inflação de 4% e alíquota de IR de 15%, temos: o juro nominal será de 7% do PIB; o juro real será de 4% do PIB; e o juro real líquido de IR sobre a inflação será de 3,6% do PIB. Ou seja, o gasto do Tesouro com serviço da dívida pública, que é igual à renda dos rentistas, será de 3,6% do PIB.

Está longe de ser um gasto pequeno, mas está igualmente distante dos valores exorbitantes que se divulgam por aí.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

 


Míriam Leitão: Tempestade política  

O Brasil pode ter uma tempestade política perfeita. O conceito, importado do inglês, perfect storm, nasceu na meteorologia e foi para a economia. No nosso caso, pode ir para a política. O governo Temer, por seus defeitos e sua herança, vai desgastar a ideia das reformas e ordem fiscal. O PT falsifica os fatos recentes. Aumentou o risco da saída populista que poderá levar ao colapso da dívida pública.

O ministro Henrique Meirelles disse que o eleito em 2018 pode ser um candidato reformista. Isso é mais desejo do que realidade. governo Temer não conseguiu ainda entregar ao país um horizonte de equilíbrio fiscal e algum conforto econômico. Houve apenas pontos de alívio com a queda da inflação e dos juros. Mas o desemprego é muito alto, e a crise fiscal pode ficar mais aguda nos próximos meses, com a paralisação de serviços essenciais. Então, o caminho de reformas e de tentativa de controle de gastos será apontado como o culpado pela crise.

Em parte, o governo Temer paga o preço dos seus erros. O maior deles foi aquela noite do Jaburu. A revelação da conversa com Joesley Batista aumentou sua impopularidade. Os que apontavam seu governo como regular passaram a considerá-lo ruim ou péssimo. No Congresso, sua blindagem custou caro. Ele estava na ofensiva, hoje está na defensiva nas negociações da coalizão. Os projetos que envia são desvirtuados e ele é capturado por qualquer lobby. Sua base hoje é de alto custo.

Por outro lado, o PT ficou, ao sair do governo, em uma situação confortável. Líderes do partido dizem, sem ruborizar, que o desemprego foi criado por Temer. Apostam no fato de que o brasileiro médio não acompanha as estatísticas com o cuidado do público especializado. A escalada do desemprego começou antes e foi detonada pelas decisões tomadas no governo Dilma. No fim de 2014, eram 6,4 milhões de desempregados, em maio de 2016, quando ela foi afastada pela primeira vez, já eram 11,4 milhões. A máquina de destruição de emprego foi ligada no governo dela.

Dilma provocou uma ruptura na área fiscal. Encerrou 16 anos de ajuste. A dívida pública escalou, depois de ficar anos estabilizada em torno de 50% do PIB. Hoje está em 73% e subindo. Uma política econômica populista que aumente os gastos provocará uma crise de confiança em relação à dívida.

Na campanha, o PT jogará sobre o governo Temer tudo o que houve de ruim nos últimos anos. Essa é a estratégia que o partido vem desenvolvendo. Vai dizer que os problemas são causados pela tentativa de pôr ordem nas contas públicas. Isso asfaltará o caminho para o populismo, seja de que tendência for. A extrema-direita também pode usar esse discurso populista com solução simplista de impor a “ordem”. O populismo é uma doença que pode ocorrer à esquerda ou à direita. O risco desse caminho é que ele provocará uma crise da dívida, que leva, inevitavelmente, à devastação econômica.

Para agravar a tempestade política, o país vai para uma campanha com regras escolhidas de afogadilho, em tentativa dos políticos de proteger seus mandatos. A cada dia surge uma ideia nova. E péssima. Distritão, distritão com voto em legenda, semipresidencialismo. Cada uma das ideias tem contradições e erros técnicos que a ciência política tem apontado. O distritão é sistema antiquado e significa abandonar o proporcional que atravessou a história do Brasil, sem qualquer garantia de corrigir seus defeitos. O distritão com voto em legenda é um híbrido incompatível. Ou bem é voto único não transferível ou bem é voto legenda distribuído aos candidatos da lista. O semipresidencialismo, pelo qual conspiram o presidente, Michel Temer, e o presidente do TSE, Gilmar Mendes, transforma o Brasil no que ele nunca foi: um grande Portugal. Na semana passada, o relatório da deputada Shéridan Oliveira evitou o pior, mas ninguém sabe o que sairá do Congresso. Nem os políticos. Eles estão improvisando.

Isso torna a eleição de 2018 uma grande incógnita. Com regras mal feitas, erros de Temer, temporada aberta de populismo e crescimento da dívida pública, está se formando uma tempestade. O país precisará de muita sabedoria para atravessar momento tão perigoso.

 


Luiz Carlos Azedo: Reserva do barulho

A venda bilionária de uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, para companhias asiáticas, estaria por trás da extinção da reserva

O líder do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Trípoli (SP), anunciou que apresentará à Casa Civil da Presidência da República uma solicitação para que sejam sustados os efeitos do Decreto nº 9.142, divulgado ontem, que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), liberando para exploração mineral área localizada entre o Pará e o Amapá. Para Trípoli, além do evidente risco ambiental, a medida foi tomada sem uma discussão adequada, não tendo recebido o aval de importantes setores relacionados ao tema. Por trás do pedido, também há uma reação dos militares contra a medida, adotada sem muita discussão dentro do governo.

Trípoli quer debater os riscos da medida com todos os atores envolvidos, inclusive os ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia e da Justiça. Há áreas indígenas demarcadas na região que podem sofrer com a extinção da Renca. “Ao desbloquear essa área, de 47 mil km², abre-se precedente para que outros locais sejam explorados de maneira predatória e inconsequente”, argumenta o tucano. A área estava protegida desde o governo do presidente João Figueiredo. Depois do Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum” e da Cúpula da Terra no Rio, que inaugurou as negociações globais para o Acordo do Clima, analistas veem a decisão como um retrocesso inexplicável, um surto a la Trump, que não tem nada a ver a como a política ambiental e os acordos internacionais assinados pelo Brasil.

A medida faz parte de um programa de privatizações lançado pelo governo sem muito planejamento nem regras claras, com propósito de sinalizar para o mercado o avanço de uma reforma liberal da economia, que ainda requer modelagem consistente para não cair no vazio e encalhar em intermináveis batalhas judiciais, além de dar munição para a oposição petista. A extinção da Reserva Nacional do Cobre (Renca) vem sendo planejada desde março, quando o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, indeferiu os títulos protocolizados desde 1984 pleiteando ocupação de áreas dentro da reserva, mas manteve os requerimentos minerários (autorizações de pesquisa, concessões de lavra, permissões de lavra garimpeira e registros de licença) anteriores à criação da reserva.

Com isso, o governo pretende intensificar a exploração mineral numa área de pré-cambriano da Amazônia, considerada de grande potencial, utilizando técnicas modernas de pesquisa geológica. Esse período se estende da formação da Terra, há cerca de 4,6 bilhões de anos, até ao início do Período Cambriano, cerca de 440 milhões de anos atrás, quando os animais de carapaça dura apareceram pela primeira vez em abundância. Representam 88% do tempo geológico, nos quais apareceram os fósseis, os oceanos, a Lua, muitos minerais, a oxigenação, a formação de algumas vidas multicelulares e as placas tectônicas.

Cobiça

O maior defensor da reserva foi o almirante Gama e Silva, que liderou os estudos na área. Em 1969, após a descoberta de Carajás, o geólogo Décio Meyer descobriu o complexo alcalino-ultramáfico do Maraconaí, o que deu início a outras expedições de pesquisa entre os rios Jarí e Paru. Em 1981, a British Petroleum (BP) requereu direitos de exploração de cobre na região. Chefe do Grupo Executivo do Baixo Amazonas, Gama e Silva temia que Daniel Ludwig, do Projeto Jarí, dono de ações da BP, pretendesse dominar e internacionalizar a região. Conseguiu, porém, que o Conselho de Segurança Nacional vetasse a concessão dos alvarás da BP.

Hoje, as unidades de conservação e terras indígenas ocupam 80% da área, o que libera apenas 20% para exploração mineral. Há unidades federais (três) e estaduais (quatro) na Renca, mas o que impediu a pesquisa geológica na região foi a inércia do governo federal, que praticamente abandonou os estudos. Sabe-se, porém, que há na área enormes reservas de ferro, manganês, nióbio, níquel, cobre, ouro e petróleo. O assunto mais polêmico é o nióbio, que já chegou a ser relacionado até com o mensalão, após o empresário Marcos Valério afirmar na CPI dos Correios, em 2005, que o Banco Rural havia conversado com o ex-ministro José Dirceu sobre a exploração de uma mina na Amazônia.

Em 2010, um documento secreto do Departamento de Estado americano, vazado pelo site WikiLeaks, incluiu as minas brasileiras de nióbio na lista de locais cujos recursos e infraestrutura são considerados estratégicos e imprescindíveis aos EUA. A venda bilionária de uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, para companhias asiáticas, supostamente estaria por trás da extinção da reserva.

Em 2011, um grupo de empresas chinesas, japonesas e sul-coreanas fechou a compra de 30% do capital da mineradora com sede em Araxá (MG) por US$ 4 bilhões. O fato é que 98% das reservas conhecidas no mundo estão no Brasil, que responde atualmente por mais de 90% do volume do metal comercializado no planeta, seguido pelo Canadá e Austrália. Nossas reservas são da ordem de 842 milhões de toneladas e as maiores jazidas conhecidas se encontram nos estados de Minas Gerais (75% do total), Amazonas (21%) e em Goiás (3%).


Luiz Carlos Azedo: Será o fim do patrimonialismo?

Não houve ainda o grande debate sobre a gestão dos ativos públicos para reduzir a dívida e os impostos, custear investimentos em infraestrutura, fortalecer a democracia e combater a corrupção

A emblemática privatização da Casa da Moeda, anunciada ontem pelo governo, vai muito além da desmobilização de seu patrimônio e concessão de serviços. É a joia mais antiga da coroa do nosso velho patrimonialismo. Fundada em 1694, em Salvador, por Dom Pedro II de Portugal, foi criada para cunhar moedas de ouro de circulação exclusiva no Brasil. Desde então, é responsável pela produção do meio circulante brasileiro e de outros produtos de segurança, como passaportes com chips e selos fiscais. O complexo industrial, localizado em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, por exemplo, é um dos maiores do gênero no mundo, com três fábricas da empresa (de cédulas, de moedas e gráfica); na antiga sede no Campo de Santana, no Rio de Janeiro, inaugurada em 1868, hoje funciona o Arquivo Nacional.

Dois dias depois de anunciar a privatização da Eletrobras, uma gigante estatal com receita de R$ 60,7 bilhões e 24 mil empregados — com 13 subsidiárias, 178 empresas e 223 usinas hidrelétricas —, o governo anunciou um Programa de Parcerias de Investimento (PPI) no qual 57 novos ativos foram disponibilizados, entre aeroportos, ferrovias, portos e rodovias. Segundo o ministro da secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco, o objetivo é “enfrentar a questão do emprego e da renda”. O governo não sabe ainda quanto pretende arrecadar com os novos leilões, mas estima que representarão R$ 44 bilhões em investimentos. O objetivo é elevar as receitas num momento de arrecadação fraca e deficit fiscal de R$ 159 bilhões.

Na prática, foi anunciada ontem a decisão política de se desfazer do patrimônio, sem que tenham ficado muito claras as regras do jogo. Não houve uma prévia discussão no interior da equipe econômica da modelagem das privatizações. O modelo será selvagem, como aconteceu com o programa do primeiro-ministro russo Boris Yeltsin, ou cercado de garantias institucionais, como nas privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso? As duas experiências ocorreram na década de 1990 e servem de paradigma para investidores do mundo inteiro quando se trata de lidar com os chamados países emergentes.

O programa reabre a discussão sobre o patrimonialismo no Brasil. O conceito foi criado por Max Weber, filósofo e sociólogo alemão, e adotado por alguns dos chamados intérpretes do Brasil, como Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936) e Victor Nunes Leal (Coronelismo: enxada e voto, 1948). Em 1978, o tema foi retomado com a reedição da obra de Raymundo Faoro Os donos do poder, a formação do patronato brasileiro (1958), que mostra as dificuldades em separar o patrimônio público dos bens privados para a construção de um Estado moderno, baseado no respeito aos preceitos legais.

Privatizações
A crise do Estado de bem-estar social na Europa e o chamado “Thatcherismo” coincidiram, no Brasil, com a crise do modelo nacional desenvolvimentista, que proporcionara o chamado “milagre brasileiro” no auge do regime militar. Após a vitória conservadora no Reino Unido, em 1979, a primeira-ministra Margaret Thatcher privatizou a maior parte do setor público, contra a opinião dos trabalhistas e a mobilização dos sindicatos, que acabaram derrotados depois de uma greve de mineiros que durou mais de um ano. Nos meios intelectuais, o debate sobre as privatizações emergiu como uma espécie de saída para a crise de financiamento do setor público e superação do patrimonialismo em meio à luta pela democratização do país. Mas morte de Tancredo Neves, em 1985, de certa forma, frustrou uma reforma liberal.

Agora, a Operação Lava-Jato repôs esse debate na ordem dia. A passagem do PT pelo poder, economicamente intervencionista e estatizante, exacerbou o fisiologismo, o clientelismo e o patrimonialismo. A presidente Dilma Rousseff foi afastada do poder, mas seus aliados permaneceram no controle das estruturas de governo, a começar pelo PMDB, cujas práticas patrimonialistas dispensam apresentação. Doutrinariamente, caberia ao PSDB liderar a retomada do debate sobre as privatizações, mas o que está acontecendo é outra coisa. Foi o núcleo peemedebista ligado ao presidente Michel Temer que resolveu desatar o nó das privatizações.

Como se dará esse processo? Essa é a grande indagação no mercado, porque as regras não estão claras. Na Rússia, as privatizações selvagens de Yegor Gayder, ministro de Boris Yeltsin, transformaram burocratas comunistas em magnatas capitalistas da noite para o dia. Putin virou um novo czar da Rússia ao pôr ordem no processo, com apoio da classe média generalizada que surgiu da restauração capitalista. No Brasil, a recessão impediu a consolidação da chamada nova classe média, lançada ao desemprego e à falência, mas a retomada do crescimento pode viabilizar isso. É uma aposta para 2018 se a reforma do Estado avançar na administração direta e na Previdência e os investimentos vierem. Muitos desses investidores são africanos, árabes, russos e chineses, que gostam de jogo bruto. Não houve ainda o grande debate sobre a gestão dos ativos públicos para reduzir a dívida e os impostos, custear investimentos em infraestrutura, fortalecer a democracia e combater a corrupção e o mau uso do patrimônio do Estado. Ele pode ser abortado por privatizações a toque de caixa.


Luiz Carlos Azedo: Descida da ladeira

Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado, a sucessão de 2018 vai para a rua.

É bom o Palácio do Planalto verificar os freios, porque começou a descida de uma sinuosa ladeira, que pode ser suave se o trem não descarrilar numa das curvas que nos levam às eleições de 2018. Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o governo não tem os votos mínimos para aprovar a reforma da Previdência no plenário. Defende a reforma, mas a prioridade dos integrantes da base do governo, depois de salvarem o presidente Michel Temer do afastamento, é cuidar da própria eleição. “Hoje, nós não temos voto para aprová-la, e eu estou deixando bem claro isso entre os líderes”, disse.

A reforma precisa de 308 votos dos 513 deputados para ser aprovada no plenário da Câmara. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), apesar de amplamente negociado e com consistência técnica, nunca teve apoio suficiente para ser aprovado. Estava chegando perto disso quando foi anunciada a delação premiada do empresário Joesley Batista, que gravou Temer numa conversa no Palácio do Jaburu e descarrilou, para usar a linguagem ferroviária. A prioridade do governo mudou, passou a ser salvar o presidente da República à custa da negociação de cargos no governo e distribuição de verbas para a banda mais fisiológica do Congresso.

Passado o sufoco, o Palácio do Planalto deparou-se com uma nova realidade. A eleição de 2018 está logo ali para os deputados. Eles voltaram do recesso assustados com o desgaste político causado pela votação que rejeitou a denúncia do Ministério Público contra Michel Temer e mudaram de prioridade: em vez de reformas necessárias, que consideram impopulares, mudanças nas regras do jogo das eleições para garantir seus mandatos. Como? Com o “distritão”, que dispensa o voto de legenda e maiores composições partidárias, e o “fundão” de R$ 3,6 bilhões, com o qual poderão formar seus exércitos eleitorais, já que os partidos estão cada vez mais desgastados e com lideranças queimadas. Não é à toa que muitos senadores acompanham com lupa a reforma, pois concorrerão à Câmara e não ao Senado, por falta de apoio para disputar eleições majoritárias.

Maia registrou a insatisfação da base do governo após uma reunião com os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, além de deputados líderes de bancada na Câmara. A pauta foi o desajuste fiscal do governo, que havia hasteado a bandeira da austeridade e aprovado a Lei de Teto de Gastos, sobre a qual ainda repousa a credibilidade da equipe econômica. Politicamente correto, o presidente da Câmara destacou a importância da reforma: “A mais estruturante, a mais definitiva, aliás, a única definitiva”.

Não será fácil garantir os votos porque a maioria dos deputados está de olho mesmo na reforma política, com seu “fundão” de R$ 3,6 bilhões para gastar nas eleições. A comissão especial da Câmara que analisou a reforma política concluiu ontem a votação do relatório, que agora seguirá para análise do plenário. Emenda à Constituição, a proposta também deve passar por dois turnos e obter em cada um o apoio mínimo de 308 dos 513 deputados. Se for aprovada, seguirá para o Senado. Essa é a prioridade, que promete ainda algum barulho, porque a repulsa da sociedade aos políticos só aumentou. É que as mudanças para valerem nas eleições de 2018 precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado até 7 de outubro. E esse trem tem preferência de tráfego.

Sucessão
Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado (Meirelles anunciou ontem a necessidade de o Congresso aumentar a meta de deficit para R$ 159 bilhões neste ano e no próximo), a sucessão de 2018 vai para a rua. Tucanos se bicam no ninho com dois candidatos paulistas, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria. Ambos estão em campanha aberta para atrair o PMDB e o DEM como aliados. As chances de alguém voar do ninho para outra legenda não é pequena.
Lula já pôs a caravana na rua faz tempo, mas sua campanha é híbrida: trata-se de uma blindagem contra a Operação Lava-Jato e, ao mesmo tempo, uma alternativa de poder. À sombra de Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad se movimenta para ser o “regra três” ou virar vice de Ciro Gomes (PDT), o que parece ser o plano B do ex-presidente da República se for impedido de disputar as eleições pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Hoje, quem polariza com Lula é Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que ocupa o espaço do chamado “partido da ordem” com um discurso de extrema-direita. À esquerda, Marina Silva tenta domar a Rede e recuperar o espaço que ocupava há duas eleições. Álvaro Dias, do Podemos, já está em campanha, e outra estrela do Senado, o senador Cristovam Buarque (DF), colocou o seu nome à disposição do PPS para disputar a Presidência.


Míriam Leitão: Emergência fiscal  

A culpa é do presidente Temer. Ele fez o que não se faz. Até quinta-feira, o debate em torno da meta estava restrito ao presidente e à equipe econômica. Ele resolveu chamar os políticos, entre eles os do centrão, aos quais deve sua permanência no governo. Um presidente refém de políticos resolve compartilhar com eles uma decisão dolorosa como a fiscal. Agora o risco é termos dois anos de R$ 170 bilhões.

A equipe econômica quer elevar o déficit para R$ 159 bilhões este ano e no próximo. Já é muito. Já é imenso. Mas a pressão dos políticos é para ampliar gastos em ano eleitoral. Se o presidente Temer bater o martelo nesse descalabro, entregará ao país um número muito pior do que o pior momento do governo Dilma.

O Brasil vive a mais grave crise fiscal de que se tem notícia. Ela surgiu pelos erros no manejo da política econômica, mas tem também razões antigas. O rol de equívocos cometidos pelos governantes é enorme, com destaque para o governo Dilma. A mudança da meta é só o atendimento da emergência, mas há limites para números negativos.

Se subir o déficit para R$ 170 bilhões nestes dois anos, Temer não terá feito avanço algum para diminuir o rombo, que chegou a R$ 111 bilhões em 2015 e atingiu R$ 159,5 bi em 2016. A ideia original era reduzir esse dado com um esforço adicional a cada ano. A revisão para R$ 170 bi, se acontecer, mostrará que Temer cedeu novamente para agradar aliados políticos.

O desafio do país é reorganizar as contas públicas enfrentando obstáculos que, pelo olhar de hoje, parecem intransponíveis. Se o governo não fizer uma cirurgia profunda, vai se repetir o mesmo episódio dos últimos dias, em que ministros da Fazenda e Planejamento vão se debruçar sobre as contas com o governante da vez, vão dizer que a receita é insuficiente, vão propor cortes, e os órgãos do governo constatarão que não podem funcionar com tão pouco dinheiro. Os políticos dirão que precisam de recursos para atender às suas bases, e alguém terá a ideia de cobrar mais impostos. Haverá reação e o argumento de que a carga tributária é alta demais e os serviços, insuficientes. Será suspensa a ameaça de mais impostos ou cumprida apenas parcialmente.

Estamos presos nesse nó. Até recentemente, no segundo governo Fernando Henrique e no primeiro governo Lula, o esforço era para cumprir a meta de superávit primário. Durante o governo Dilma, esse superávit caiu, passou do zero, foi para o negativo e explodiu no começo do segundo mandato, quando ela foi obrigada a pagar os gastos que havia escondido nas operações com os bancos públicos, as pedaladas. De lá para cá, o país não conseguiu acertar o passo.

Na busca das razões do descontrole é preciso estabelecer a causa mais emergencial: o país foi jogado numa recessão, criada aqui dentro por erros dos governos do PT, e, como em todo o processo de encolhimento do PIB, há queda forte de arrecadação. A receita caiu mais do que os 10% de PIB per capita que o país perdeu em dois anos e meio.

O presidente Temer está por tempos demais na política para saber que o certo era tomar uma decisão técnica e depois chamar os políticos e convencê-los da gravidade. Abrir uma decisão amarga com os políticos é montar a armadilha que vai prender o que resta deste infeliz mandato. E pior: agrava a crise do país.

Houve momentos, no passado, de desequilíbrio grande entre receita e despesa, mas os economistas tinham dificuldade de contabilizar porque era no período da hiperinflação. A inflação alta, terrível para o país, facilitava a vida do administrador público. Arrecadar antecipadamente e pagar depois permitia ao governo ter uma receita criada pela própria inflação.

Desde o início do real não se vê um descontrole como esse. Há erros de raízes profundas, como as benesses concedidas ao Judiciário ou as distorções da Previdência, e outras que nasceram do principal erro do governo Dilma, de desprezar o ajuste fiscal como se fosse um discurso da “direita”. O equilíbrio fiscal é a base sobre a qual se constrói o projeto que o país escolher. Sem ele, vivemos assim nesse sufoco diário como no governo Temer.

* Míriam Leitão é jornalista

 


Luiz Carlos Azedo: O mundo de Neymar  

As democracias do Ocidente precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e renovar a política.

O Paris Saint-Germain contratou o atacante Neymar Júnior no maior negócio da história do futebol. A rescisão com o Barcelona custou € 222 milhões (R$ 812 milhões). O dono do clube é Nasser Ghanim Al-Khelaifi, de 43 anos, cuja ambição é ganhar a Liga dos Campeões. O dinheiro vem do fundo de investimentos Catar Sports, controlado pelo emir do Catar, Tamim ben Hamad Al Thani, ex-dirigente da Autoridade de Investimento do Catar, o fundo soberano do país. Antes de investir no clube parisiense, Al-Khelaifi era presidente do grupo de mídia “beIN”, canal esportivo que arrebatou os direitos de transmissão de grandes torneios. Chegou ao comando do PSG em 2011, após a compra do clube francês.

O Catar é um emirato absolutista, comandado pelos Thani desde o século XIX. Foi um protetorado britânico até conquistar a independência, em 1971. Desde então, tornou-se um dos estados mais ricos da região, devido às receitas do petróleo e gá. Tem uma população de 1,9 milhão de habitantes, dos quais apenas 250 mil são árabes. Os demais são trabalhadores estrangeiros: indianos, nepaleses, paquistaneses e filipinos, principalmente. Chanceler supremo, o emir possui o poder exclusivo de nomear e destituir o primeiro-ministro e o Conselho de Ministros, que é a autoridade executiva suprema no país. Doha, a capital do Catar, sede da rede de televisão Al Jazeera, é um paradigma da moderna arquitetura urbana do Oriente e um dos principais centros financeiros do mundo. O pequeno e rico Catar quer ser um polo da economia do conhecimento no mundo.

Recentemente, a Arábia Saudita, Egito, Barein, Emirados Árabes Unidos, Líbia, Iêmen e Maldivas cortaram os laços diplomáticos com o Catar. A justificativa dos países é que o emirato daria suposto apoio ao terrorismo, devido às relações do emir com a Irmandade Muçulmana e o Hamas, considerados uma ameaça às demais monarquias do Golfo Pérsico. O emir do Catar usa a mesma estratégia do rei Addulla II, da Jordânia, que mantém boas relações com o Hamas para os palestinos não desestabilizarem seu próprio regime. A compra do Paris Saaint-Germain e sua transformação na maior potência esportiva da Europa é uma grande jogada de marketing. Curiosamente, a camisa do clube é patrocinada pela Emirates Airlines, que chegou a cancelar seus voos na crise, e não pela Catar Airways, uma das companhias aéreas que mais cresce no mundo.

Corrida mundial
O Catar é um dos paradigmas de gestão para a nova escola de formação de dirigentes partidários, administradores públicos e executivos de empresas estatais da China. Outro paradigma é Cingapura, a cidade-estado da península da Malásia, com 5 milhões de habitantes, que tem um governo forte, experiente e altamente qualificado, apoiado por um serviço especializado civil e um sistema de educação com ênfase na realização e na meritocracia. O parlamento é controlado pelo Partido da Ação Popular, que governa o país com mão de ferro desde a independência. Catar e Cingapura participam da corrida mundial para reinventar o Estado, da qual a China pretende fazer parte, em meio à disputa com os Estados Unidos pelo controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Levam a vantagem de não terem que lidar com a crise da democracia representativa e o colapso do Estado de bem-estar social do Ocidente.

Não é o caso da França, de Emmanuel Mácron. O presidente francês rompeu a bipolaridade da política francesa do pós-guerra, derrotando a esquerda e a direita, com um discurso no qual propõe a reforma democrática do Estado e a reinvenção da economia francesa. “Parabéns, soube que trouxe boas notícias”, disse o presidente francês a Al-Khelaifi, o presidente do PSG, referindo-se à chegada do craque brasileiro. O ministro francês das Contas Públicas, Gérald Darmanin, celebrou a fortuna do jogador, por causa dos impostos que vai pagar na França: “É melhor que pague aqui em vez de pagar em outro lugar”, afirmou.

Neymar deixou o Barcelona num momento em que cresce a campanha pela independência da Catalunha, de forte tradição republicana. Há um plebiscito convocado pelo parlamento local para 1º de outubro, mas que não é reconhecido pelo governo da Espanha, que atravessa um dos seus piores momentos. As democracias do Ocidente precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos governamentais, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e, principalmente, renovar a política. Como no Brasil de Neymar.


Samuel Pessôa: Dançando na beira do abismo  

Em 15 maio, antes da divulgação da explosiva delação de Joesley Batista, o câmbio estava em R$ 3,1. No dia 1º de agosto, a cotação era idêntica.

Parece que a situação está calma. O mercado resolveu esperar o processo eleitoral de 2018.

Tudo se passa como se a dominância política tivesse dado um refresco. Eu mesmo acredito nessa tese.

Temer, com sua quase que ilimitada capacidade de gerir o Congresso Nacional, conseguiu administrar a crise produzida por seu descuido. Temer "is back in business".

Mas, como quase tudo na vida, cobra-se um preço. O preço está escondido, pois outras forças foram na direção contrária. A dinâmica muito favorável da economia mundial no último mês escondeu os custos econômicos do escândalo envolvendo Temer.

De abril a junho, houve surpresa desinflacionária na economia americana da ordem de um ponto percentual. No índice de inflação limpo dos componentes mais voláteis, como energia e alimentos, conhecido por núcleo da inflação, houve surpresa desinflacionária de 0,5 ponto percentual.

A menor inflação sinaliza que o processo de subida das taxas de juros nos EUA será mais lento do que havia sido previsto no fim de 2016.

Uma das características mais importantes da economia brasileira é ser muito escassa em capital. Nossa ridícula taxa de poupança produz juros reais aqui dentro muito elevados. Quando juros no resto do mundo são menores, nossa vida é mais fácil.

Adicionalmente a Europa apresentou neste ano crescimento mais robusto do que o previsto, o que mudou a visão do mercado com relação à diferença de crescimento estrutural entre a Europa e os Estados Unidos.

Ao longo do primeiro semestre, a economia americana, relativamente à europeia, veio com menor inflação e menor crescimento do que se imaginava. Consequentemente, a percepção passou a ser a de um euro mais forte do que se enxergava anteriormente em comparação ao dólar americano.

O enfraquecimento do dólar costuma ser favorável ao Brasil por meio da correlação inversa entre a moeda americana e a cotação de commodities que exportamos (outros fatores também influenciam o preço das matérias-primas).

O mecanismo de transmissão de uma crise de confiança derivada da política ocorre por intermédio do risco. A subida da percepção de risco induz desvalorização do câmbio, que, por sua vez, atrapalha o combate à inflação e a queda das taxas de juros.

De 15 de maio até hoje, o risco Brasil de dez anos subiu 0,3 ponto percentual. Não parece muito em razão do tsunami político de maio.

Meu colega do Ibre Livio Ribeiro mediu a parcela dos movimentos do risco Brasil nos últimos meses que se deve às nossas querelas internas e aquela atribuída aos movimentos na economia internacional. O resultado é que, se não tivesse havido a melhora do ambiente internacional, o risco Brasil teria aumentado 0,9 ponto percentual. Essa diferença de risco significa aproximadamente R$ 0,4 a mais no câmbio, o que é bastante substancial.

Nosso desequilíbrio fiscal avança. A cada mês que não aprovamos reformas, sancionamos aumentos de salários para a elite do funcionalismo e juízes vetam aumentos de impostos e impedem que o Tesouro sequestre legalmente renda de Estados que não pagam suas dívidas com a União, a dívida pública cresce.

O tempo corre.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP.

 


A nova base de Temer

A vitória (262 votos contra 227, 2 abstenções e 19 ausências) demonstrou que o presidente da República tem força para governar sem depender da cúpula tucana e outros aliados da antiga oposição

O resultado da votação de ontem na Câmara, que rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente da República, inaugura uma nova fase do governo Temer. O novo Centrão cobrará o preço do apoio com olho grande nas pastas sob controle do PSDB, cuja bancada rachou na votação da denúncia (22 votos contra, 21 a favor e 4 ausências). Mesmo que Temer seja magnânimo e resolva lamber as feridas da base, como deu a entender no pronunciamento de ontem à noite, nada será como antes. A vitória (262 votos contra 227, 2 abstenções e 19 ausências) demonstrou que o presidente da República tem força para governar o país até 2018 sem depender da cúpula tucana e outros aliados da antiga oposição, ainda que para isso tenha que negociar caso a caso as medidas que exigirem quórum qualificado.

Quem vacilou não estará inteiramente fora do jogo, quando nada porque há compromisso programático dessas forças com as reformas, principalmente a da Previdência, mas passará à condição de aliado de segunda classe. Os preferenciais são os que votaram “sim” na noite de ontem. A reforma da Previdência, que subiu no telhado, será uma espécie de rubicão. Se não for aprovada, o presidente da República será visto como uma espécie de “pato manco”, a expressão usada pelos norte-americanos para se referir aos presidentes sem apoio no Congresso. Aprová-la será a maior demonstração de que governo foi capaz de reagrupar a base.

A atual composição do governo Temer espelha as articulações e acordos feitos pelo presidente da República para isolar e afastar do poder a ex-presidente Dilma Rousseff. A maioria dos partidos aliados ao PT permaneceu no governo após o impeachment, mas o aliado principal de Temer passou a ser o PSDB, o que se reflete na ocupação de posições estratégicas na Esplanada dos Ministérios. A posição da metade da bancada tucana a favor da aceitação da denúncia, porém, terá como consequência alterar a relação do partido com Temer, reduzindo a influência da legenda.

Um ator importante nesse processo é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que em todos os momentos defendeu a posição de que o PSDB não deveria abandonar o governo. Entretanto, não moveu uma palha para obrigar os tucanos paulistas a votarem contra a denúncia. Quem trabalhou fortemente para rejeitar a denúncia foi o presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que atua para retomar o controle da legenda.

Se antes a hegemonia na base do governo era das forças que lhe defendiam a responsabilidade fiscal e as reformas, agora passou aos setores interessados em contingenciar ao máximo a Operação Lava-Jato e se viabilizar eleitoralmente por meio de liberação de cargos e verbas, ou seja, o velho toma lá da cá. A consequência é o descontrole dos gastos públicos. Será muito difícil o governo alcançar a meta fiscal deste ano, um deficit primário de no máximo R$ 139 bilhões, se a economia seguir lenta, como no primeiro semestre, e a arrecadação continuar decepcionante. Ainda neste mês o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deverá decidir se uma nova meta para 2017, mais acessível, que terá que ser submetida ao Congresso.

Lava-Jato

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, voltou à carga contra o presidente da República. Pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que inclua Michel Temer como investigado no inquérito que apura se integrantes do PMDB formaram uma organização criminosa para desviar recursos da Petrobras e de outros órgãos públicos. O pedido será analisado pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Fachin.

Assim, a Operação Lava-Jato continua sendo um espectro que ronda o Palácio do Planalto e a cúpula do PMDB. A investigação contra Temer no caso JBS foi congelada pela decisão da Câmara, mas será retomada quando a acabar o mandato. A poderosa coalizão formada para barrar a denúncia atuará no sentido de contingenciar a investigação, o que já vem acontecendo. Os sinais de inflexão na Lava-Jato vêm de todos os lados.

A “delação premiada” do publicitário Marcos Valério, já encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Polícia Federal, foi um sinal de enfraquecimento de Janot. A nomeação da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge sinaliza essa inflexão a partir do próprio Ministério Público.

No âmbito do governo, medidas administrativas foram tomadas para reduzir a equipe da Polícia Federal que atua em Curitiba e redistribuí-la para outros estados. A grande mudança, porém, será a substituição do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello Coimbra, que já arruma as gavetas e negocia a sucessão.