desmatamento Amazônia

Simone Tebet em comissão especial do Impeachment | Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Simone Tebet defende teto de gastos e desestatização de empresas

Karine Melo*, Agência Brasil

A defesa da manutenção do teto de gastos no país foi um dos destaques da candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, durante sabatina promovida pelos jornais O GloboValor Econômico, e rádio CBN, nesta quinta-feira (25).

Tebet classificou a medida como “única âncora fiscal que sobrou”, mas ressaltou que a regra precisa ser aperfeiçoada. “Eu garanto a vocês, se não fosse o teto, mesmo ele sendo completamente furado, o orçamento secreto não seria só de R$ 19 bilhões, seria muito mais que isso. Ele [o teto de gastos] é a única âncora fiscal que sobrou. Precisa ser melhorada, pode ser aprimorada sim, mas é a âncora que nós temos”, reforçou acrescentando que a área de Ciência e Tecnologia, em um eventual governo dela, ficará fora do teto.

A presidenciável voltou a criticar o orçamento secreto que avaliou, pode ser “o maior esquema de corrupção do planeta Terra". Diante disso a candidata garantiu que, caso eleita, dará total transparência às chamadas emendas de relator. Tebet também defendeu transparência por parte de sua equipe ministerial e no uso do cartão corporativo.

Desestatizações

Declaradamente contrária à privatização da Petrobras, a candidata afirmou que, se eleita, não quer “privatizar por privatizar” as empresas públicas. “O Brasil está precisando de posicionamentos centrados, não é oito ou 80, não é ser totalmente a favor de todas as privatizações ou ser estatizante”, disse.

Tebet defendeu manter empresas que prestam serviços importantes à população e privatizar empresas como Eletrobras, Valec Engenharia, Construções e Ferrovias e a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), responsável prestar serviços na área de projetos, estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento da infraestrutura, da logística e dos transportes no país.

Terras

A presidenciável disse ser favorável à demarcação de terras indígenas, desde que a medida tenha como base um estudo antropológico. "Sou contra a invasão dessas áreas antes, seja por uma lado, seja por outro". Ao falar sobre Meio Ambiente a emedebista prometeu políticas para o "desmatamento ilegal zero na Amazônia". Até o fechamento desta reportagem não constava mais nenhuma agenda de campanha da candidata para hoje.

*Texto publicado originalmente na Agência Brasil.


Reserva extrativista | Foto: reprodução/ Nanda Melonio/Flickr

Sob pressão do agro, extinção de reserva vira bandeira eleitoral na Amazônia

Pedro Papini , Bettina Gehm, Naira Hofmeister e Fernanda Wenzel*, Brasil de Fato

O piloto conduz o barco rio acima até avistar a casa que está buscando. Ao perceber que há gente na propriedade, baixa o tom de voz e evita se aproximar da margem para não ser visto. Quem olha a cena de longe pode ter a falsa impressão de que ele entrou ilegalmente na Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, uma unidade de conservação em Rondônia criada para proteger de invasores as famílias que vivem da extração da seringa, da castanha, do açaí e de outros frutos da Amazônia.

Mas nesse território que se estende pela área de três municípios, inclusive a capital Porto Velho, essa lógica se inverteu. Dali, do meio do rio, Rodrigo* vê a casa que ajudou os pais a construírem ser utilizada por grileiros como base para a destruição da floresta que antes complementava o sustento familiar. "Eu tô com raiva, tô com ódio", desabafa, constatando que a roça de macaxeira do pai e os pés de frutas nativas como cupuaçu e abacaxi cultivados pela mãe foram substituídos por bois e tratores.

Em 2018, o casal de extrativistas decidiu fugir do local depois que a casa foi alvejada com tiros de arma de fogo enquanto eles trabalhavam. Antes disso, em duas ocasiões, os cadeados que trancavam as portas foram trocados durante sua ausência.

Desde então, a situação só piorou: de acordo com dados do governo do Estado, já há 765 fazendas dentro da unidade de conservação. E a proximidade das eleições acirra mais os ânimos: "Politicamente, não interessa ao Estado proteger a reserva, que é a mais visada pelos políticos de Rondônia [para extinção]", analisa Aidee Torquato, ex-promotora do Ministério Público Estadual, que esteve à frente de muitas ações para impedir o fim da área verde.

Na Resex Jaci-Paraná tudo funciona com o sinal contrário. Quase 30 anos após sua criação, há mais pasto do que floresta por lá — embora a lei proíba a pecuária dentro da unidade de conservação. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 55,3% dos seus 191.234 hectares já foram transformados em capim.

Apenas dois moradores tradicionais resistem em seus terrenos, mas a população de bovinos cresce exponencialmente sob a proteção dos órgãos oficiais do Estado, que faz, inclusive, o controle de vacinação do rebanho ilegal contra febre aftosa. Enquanto o filho de extrativistas precisa falar baixo e olhar sempre para os lados, evitando ser visto, os invasores criam associações, fazem lobby e erguem faixas pedindo "regularização fundiária". E o poder público está do lado deles.

"A gente tem que parabenizar essas pessoas que estão trabalhando, ralando, com a mão calejada. Esse é o bandido? Não, eu acho que esse é um herói, deveria ter recebido um prêmio", defende Evandro Padovani, que até março de 2022 era o secretário de Agricultura de Rondônia — dias depois da declaração dada à reportagem ele deixou o cargo para concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSC (Partido Social Cristão). Em 2018, terminou a disputa como suplente, concorrendo com o slogan "Padovani da Agricultura", que segue ativo em suas redes sociais e deve ser novamente sua plataforma eleitoral.


Evandro Padovani, que até março de 2022 era o secretário de Agricultura de Rondônia, defende publicamente os agricultores que invadiram ilegalmente a Resex / Otávio Lino

Em 2021, o governador Marcos Rocha (União Brasil), que se elegeu na esteira do bolsonarismo e busca mais quatro anos de mandatocontrariou pareceres da própria Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e da Procuradoria Geral do Estado e enviou para a Assembleia Legislativa um projeto de lei que praticamente acabava com a Resex. O texto, aprovado sem votos contrários pelos parlamentares — dos 24, 17 votaram a favor do projeto e sete se abstiveram — diminuiria em 90% a área da Resex, de 191 mil para 22 mil hectares.

A tentativa de redução da Resex foi freada apenas pelo Judiciário, que considerou a lei inconstitucional — mas parte do estrago já estava feito. "Medidas como essas vão fomentando cada vez mais a invasão, porque dão a ilusão de que em algum momento essas pessoas vão ser regularizadas", diz Paulo Bonavigo, biólogo e presidente da Ecoporé, uma organização sem fins lucrativos que luta pela proteção do meio ambiente em Rondônia.

A Resex Jaci-Paraná é uma das unidades de conservação onde o desmatamento mais cresce no Brasil, conforme números do Inpe. Não por acaso, está localizada no estado amazônico que mais destruiu suas florestas. "Por causa do agronegócio, Rondônia sempre teve um movimento conservador e antiambiental muito forte. A eleição de Bolsonaro legitimou esse discurso e empoderou ainda mais os invasores", explica Paulo Bonavigo.

O próprio presidente já teceu elogios à atuação dos deputados de Rondônia, estado que virou um balão de ensaio para as políticas de desregulamentação ambiental patrocinadas pelo governo de Jair Bolsonaro. Por isso, o risco é que a extinção de Jaci-Paraná abra um precedente perigoso para as outras áreas protegidas da Amazônia, cuja preservação é essencial para evitar o avanço do aquecimento global.

"O último relatório do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês] mostra que a Amazônia está perdendo o poder de fazer o equilíbrio climático, de resgatar o carbono da atmosfera", destaca Txai Suruí, liderança indígena de Rondônia que em 2021 capturou a atenção de importantes chefes de Estado ao discursar na tribuna principal da COP 26, a Conferência Mundial do Clima.


"A Amazônia está perdendo o poder de fazer o equilíbrio climático", destaca Txai Suruí / Otávio Lino

"Essa destruição passa também por comunidades que sempre viveram da floresta e agora estão sofrendo [com invasões e expulsões]”, completa Txai, também coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que trabalha na defesa dos povos indígenas e do meio ambiente há 30 anos.

Peixe grande, peixe pequeno

Dona Cláudia*, mãe de Rodrigo, não teve tempo nem de sentir o gosto dos abacaxis que estavam começando a brotar quando ela e o marido, Roberto*, tiveram que sair fugidos da casa na beira do Rio Jaci-Paraná. A horta com couve, pimenta, cebola e outros temperos também ficou para trás, junto com uma boa parte da saúde de seu Roberto, que nunca se adaptou à vida em Porto Velho, para onde foram após escapar dos invasores.

"Era um monte de homem chegando armado. O trator veio na frente abrindo a estrada, tirando madeira. A casinha ficou lá, tava toda pintadinha", lembra o idoso.

Assim como eles, a maioria das cerca de quarenta famílias de extrativistas que viviam na Resex Jaci-Paraná quando ela foi criada, em 1996, foi embora por conta das ameaças — realidade que se materializa nas casas abandonadas dentro da reserva. "A gente não vivia em paz, estava sempre assustado. Escutava pau caindo, eles abrindo mato, derrubando para plantar capim para o gado", conta Isabel*, que também se viu obrigada a largar a floresta às pressas, deixando para trás a máquina de costura e a casa de farinha. "A minha vida foi só em seringal. Eu nunca morei na cidade, assim como tô agora. Eles tiraram meu sossego, minha paz."


Na Resex Jaci-Paraná, é possível ver algumas das casas abandonadas pelos extrativistas expulsos por fazendeiros / Otávio Lino

Para Gustavo*, a ameaça chegou uma década atrás, pela boca de um homem armado: "O peixe maior é costume engolir um monte de menor", disse o invasor.

Sabedor de seu direito àquela terra, garantido por lei, Gustavo foi ao Ministério Público, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), à delegacia ambiental, ao governo do Estado. Mas enquanto era mandado de um órgão público para o outro, viu as invasões ganharem corpo. Sem apoio, teve que deixar seu lote e passou a viver de favor. "Eles entraram como se fossem um bando de bicho, devorando tudo, vieram com trator, com caminhão. Hoje você só vê capim e boi berrando. Mais nada", recorda.

Rebanho ilegal cresce 300% em sete anos

Documentos oficiais do governo do Estado mostram que em janeiro de 2022 havia 174.406 cabeças de gado na área protegida — número quase 300% maior do que o registrado em 2015, quando foi feito o primeiro levantamento do rebanho ilegal na Resex.

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Parte desses animais abastece diferentes frigoríficos de Rondônia, inclusive aqueles pertencentes a grandes empresas que se comprometeram publicamente a não comprar animais de áreas desmatadas ilegalmente. No ano passado, o jornal estadunidense The New York Times revelou que bois criados na reserva foram comprados por frigoríficos da JBS, Marfrig e Minerva. No caso da JBS, a mesma prática já havia sido denunciada anteriormente pelo ((o))eco e pela Anistia Internacional.

A JBS afirma que essas publicações tinham erros metodológicos e que demonstrou, em cada um dos casos, a regularidade de suas compras. No caso da Marfrig, flagrada pela reportagem do The New York Times buscando gado dentro da Resex, a empresa disse que o erro foi da transportadora que embarcou os animais.

Já a Minerva argumenta que a falta de transparência sobre a movimentação do gado impede o monitoramento da origem dos animais desde o nascimento. Como o gado costuma passar por duas, três ou mais fazendas antes de chegar ao frigorífico, as empresas ficam sujeitas a manobras dos produtores que "lavam" o gado de Jaci-Paraná em fazendas regulares no entorno da reserva. Confira a íntegra das respostas das empresas aqui.

Impedir que os animais criados ilegalmente dentro da Resex chegassem aos consumidores, garantindo lucros para os pecuaristas irregulares, foi uma das maiores brigas de Aidee Maria Moser Torquato ao longo dos 18 anos em que esteve à frente da Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público de Rondônia (MP-RO). Para isso, ela adotou a estratégia de pressionar a Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do estado (Idaron) para que tomasse medidas concretas contra o rebanho ilegal.


Governo de Rondônia fecha os olhos para a ocupação ilegal da reserva para criação de gado / Otávio Lino

O órgão é responsável por garantir que os animais sejam vacinados contra a febre aftosa, por isso sabe quem são os pecuaristas e detém informações preciosas sobre o fluxo comercial entre criadores e frigoríficos. A agência, inclusive, emite os documentos que autorizam o trânsito dos animais de uma fazenda para outra e dessas para os abatedouros.

Caso se abstivesse dessas tarefas, sob a alegação da irregularidade dos bovinos dentro de uma reserva extrativista, o Idaron estrangularia a cadeia que fomenta a grilagem.

Mas as recomendações de Torquato foram solenemente ignoradas pelas autoridades do governo do Estado. "Como o Idaron faz vista grossa e não denuncia quem invadiu a Resex? Como emite a Guia de Trânsito Animal sem questionar a origem do gado? Isso só interessa a quem está lá produzindo gado e enriquecendo", lamenta a ex-promotora, que se aposentou em 2020.

A reportagem entrou em contato com o Idaron, com a Sedam e o gabinete do governador Marcos Rocha, mas não obteve retorno.

A carne produzida nos municípios que abrangem a Resex Jaci-Paraná é exportada, principalmente para Hong Kong, região autônoma da China, mas também para o Egito, Rússia, Itália, Alemanha, Suiça e Dinamarca e outros 37 países.

Para Ivaneide Bandeira Cardozo, a Neidinha Suruí, coordenadora de projetos da Kanindé, quem compra essa carne também tem sua parcela de culpa na tragédia socioambiental da Amazônia. "Há uma guerra do setor econômico contra a natureza, contra os povos indígenas, contra os extrativistas, e essa guerra destrói o planeta. Nós só vamos parar essa devastação quando o mercado internacional der um basta."


"Nós só vamos parar essa devastação quando o mercado internacional der um basta", diz Neidinha Suruí / Otávio Lino

Governo desobedece a Justiça

Desde 2004, já houve pelo menos três decisões judiciais determinando a saída dos invasores da Resex Jaci-Paraná, a restauração da vegetação nativa e o pagamento de multas por parte dos grileiros, mas elas tampouco tiveram efeitos. "O Estado nunca cumpriu", lembra Torquato.

A exceção foi o período entre 2011 e 2013, em que o hoje ambientalista da Ecoporé Paulo Bonavigo esteve à frente do órgão estadual responsável pela proteção das unidades de conservação do estado e tentou forçar a retirada do gado da área por meio de bloqueios nas estradas de acesso à Resex. O objetivo era impedir a entrada de novos animais e de qualquer insumo à atividade agropecuária. A pressão dentro e fora do governo, no entanto, acabou minando a iniciativa e o levou a deixar o cargo. "Às vezes vinha um assessor de deputado me procurar, ou mesmo advogados ligados a políticos, querendo achar uma brecha legal para manter a invasão", conta.

Em um estado que tem o agronegócio como carro-chefe da economia, a luta contra a Resex Jaci-Paraná virou bandeira eleitoral. A Assembleia Legislativa do Estado já tentou extinguir ou reduzir a unidade de conservação quatro vezes: em 2014, 2018, 2020 e em 2021, cujo ponto de partida foi um projeto de lei do governador do Estado.

"Essa pauta de redução de unidades de conservação é uma bandeira eleitoral em Rondônia há muitos anos", explica Paulo Bonavigo, da Ecoporé, que acredita que este ano não será diferente. "Se você pensar que há cerca de 1.600 famílias vivendo ilegalmente dentro da Resex Jaci-Paraná, isso já é quase voto o suficiente para eleger um deputado."

Por isso, não surpreende que, a 12 quilômetros de onde Rodrigo chora a casa que um dia foi sua, mas ainda dentro do perímetro protegido de Jaci-Paraná, João Marcelo da Silva faça planos de se candidatar a vereador mirando no voto dos grileiros. Ele é presidente da Aparar (Associação dos Pequenos Agricultores Rurais do Assentamento Renascer), que representa invasores assumidos: "Quando chegamos aqui sabíamos que era reserva", admite. "Só que todo mundo precisava dum pedaço de terra para manter o sustento", justifica.


"Quando chegamos aqui sabíamos que era reserva", admite João Marcelo da Silva, presidente da Aparar / Otávio Lino

Silva exibe uma faixa com os dizeres "Nós queremos o zoneamento e a regularização fundiária da área da Resex Jaci-Paraná" e acredita que a regularização dos grileiros será o trampolim para sua candidatura. "Antes de deitar tem que fazer a cama", brinca. Trânsito na política oficial Silva já tem — segundo ele, foi a seu pedido que a prefeitura de Porto Velho mandou a retroescavadeira que consertava a estrada dentro da área invadida.

Embora os defensores do fim da Resex argumentem que quem está lá são pequenos produtores rurais, os dados do Idaron mostram que entre os invasores da unidade de conservação há pelo menos 21 fazendeiros com mais de mil cabeças de gado — em alguns casos, os rebanhos somam quase três mil animais, enquanto a média em propriedades familiares obtida pelo último censo agropecuário do IBGE é de 80 cabeças por propriedade em Rondônia.

"Nas investigações do Ministério Público detectamos empresários de outros ramos que exploram pecuária dentro da Resex, mas também laranjas. Pessoas que possuem o gado em seu nome, mas que não têm condição financeira para isso", conta Aidee Torquato. "Já aconteceu de identificarmos uma cabeleireira com 500 cabeças de gado, por exemplo."

"A gente vê desmatamentos de quase 1.000 hectares de uma hora pra outra, e isso exige muito dinheiro, então não são pessoas com pouca renda que foram invadindo essas áreas", salienta Paulo Bonavigo, da Ecoporé.

Vitória do atrevimento

José Maria, um dos fundadores da Organização dos Seringueiros de Rondônia e principal liderança extrativista do Estado, ainda guarda as fotos tiradas em 9 de março de 1996, quando foi realizada a assembleia de criação da associação de extrativistas de Jaci-Paraná. Na imagem, cerca de trinta pessoas, a maioria homens, olham sorridentes para a câmera. Em outro retrato, Zé Maria e um companheiro tomam banho em um rio ainda cercado pela floresta densa, imagem rara atualmente dentro da área.

A extensão do estrago é o principal argumento de quem quer o fim da reserva. "A floresta a gente tem que cuidar enquanto ela não foi derrubada. Depois que derrubou, não adianta", argumenta Padovani.

Mas a Justiça brasileira não aceita a teoria do fato consumado – de que a retirada dos invasores é inútil porque o desmatamento já aconteceu – como justificativa para a perpetuação de crimes ambientais. O desembargador Miguel Monico Neto, do Tribunal de Justiça de Rondônia, reforça esse entendimento: "Seria uma vitória do atrevimento. Vamos premiar a ilegalidade?", questiona o magistrado, que votou contra o projeto de redução da Resex na sessão que declarou a iniciativa inconstitucional.

"Juridicamente, não existe fato consumado quando o assunto é a proteção do meio ambiente. O que é ilegal é ilegal e tem que ser recuperado", frisa Torquato, que desenvolveu, junto com técnicos do MP, um cálculo para cobrar indenizações pela perda de biodiversidade — dinheiro que poderia ser aplicado em programas de recuperação ambiental.

A justificativa de quem quer entregar a Resex aos invasores tampouco encontra respaldo na ciência e na experiência prática, já que a floresta já provou que é capaz de se recuperar pelo simples abandono da área. Apenas na Amazônia, pesquisadores identificaram 7,2 milhões de hectares passíveis de recuperação, o equivalente a 60% da meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris, de recuperar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. É quando se encerra o período que a ONU (Organização das Nações Unidas) designou como a "Década da Restauração" para inspirar e apoiar governos, empresas e sociedade civil a promoverem iniciativas de recuperação florestal em todo o mundo.

"Ao contrário do discurso do governo, a gente acredita que dá para recuperar a Resex, reflorestar, devolver aos seringueiros que foram expulsos e desenvolver com eles projetos de reflorestamento", defende Neidinha. "A gente tem que devolver para a floresta aquilo que tiramos dela e só assim que a gente vai conseguir reverter essa crise pela qual estamos passando", acrescenta Txai Suruí.

*Por questão de segurança, os nomes dos entrevistados foram modificados.

*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado x2.


Alexandre Saraiva: “É preciso destruir maquinários de garimpeiro e desmatador"

Em podcast publicado na manhã desta sexta-feira (21), ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas fala sobre o comércio ilegal de madeira na Amazônia

João Rodrigues, da equipe da FAP

 A extração ilegal de madeira na Amazônia é o tema principal da edição número 36 da revista Política Democrática Online, lançada na última semana pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

O episódio 33 do podcast da Rádio FAP analisa o comércio ilegal de madeira na Amazônia, destacando os principais pontos da matéria de capa da RPD Online deste mês de outubro com o ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas Alexandre Saraiva.

Confira um trecho da entrevista, disponível na íntegra neste link.




Avanço do desmatamento na Amazônia causa alerta no governo

O aumento da taxa de desmatamento da Amazônia a partir de 2014 acendeu o sinal amarelo no governo federal, que convocou nesta quarta-feira e quinta representantes da academia, de governos estaduais e da sociedade civil para discutir formas de combater a perda da floresta, a fim de cumprir a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030.

Na semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou uma atualização para cima da taxa de desmatamento observada entre agosto de 2014 e julho de 2015. Dados preliminares do Prodes, o sistema de monitoramento por satélite do Inpe que apresenta a taxa oficial do desmatamento do ano, anunciados em novembro do ano passado apontavam que haviam sido perdidos 5.831 km² de floresta, o que já seria uma alta de 16% em relação a agosto de 2013 e julho de 2014. O aperfeiçoamento da análise mostrou que o corte raso atingiu 6.207 km². O aumento real foi de 24%.

Este é o maior valor desde 2011 e mostra uma tendência de alta perigosa. A partir de 2008, o desmatamento da Amazônia apresentou quedas sucessivas, chegando ao menor valor em 2012 – 4.571 km². De lá para cá, ocorreram algumas altas e baixas, mas a taxa ficou em torno de 5.000 km². É a primeira vez que volta a passar a barreira dos 6 mil. E a expectativa é que a tendência de alta continue.

“Estou preparada para isso”, disse ao Estado Thelma Krug, diretora do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, sobre a nova taxa do Prodes deste ano.

O anúncio preliminar do período de agosto do ano passado a julho deste ano deve sair em novembro, mas dados de outro sistema do Inpe, o Deter, que observa a Amazônia em tempo real, dão sinais de que o crescimento deve ter se mantido. O Deter lança alertas que orientam a fiscalização e neste ano eles compreenderam uma área 16% maior que no ano anterior.

Grandes áreas

Ao apresentar esses dados no seminário de ontem em Brasília, o Inpe apontou que voltaram a ocorrer grandes polígonos de desmatamento, que tinham ficado mais raros nos últimos anos. Com o avanço dos mecanismos de comando e controle desde 2008, a derrubada de grandes porções de floresta foi diminuindo, porque é muito mais fácil de ser detectada por satélite e pela fiscalização. Os cortes passaram a ocorrer em menores áreas, o que era uma explicação para a dificuldade de reduzir ainda mais a taxa total.

No consolidado de 2014, 69% dos desmatamentos tinham ocorrido em propriedades de até 50 hectares. Em 2015, essa faixa passou a representar 59% dos cortes. Já áreas entre 100 e 500 hectares, que em 2014 tinham sido responsáveis por 15% do desmatamento, em 2015 abocanharam 20%.

Thelma, que está coordenando a nova fase do plano de combate ao desmatamento (PPCDAM), reconhece que têm ocorrido problemas na fiscalização desde 2014. Cortes no orçamento atingiram o Ibama e ela acredita que houve uma “percepção de falta da presença do Estado na Amazônia”, mas diz que houve uma sinalização do governo Temer de que vai voltar a apoiar a fiscalização e o controle.

Segunda ela, a nova fase do PPCDAM vai trazer um novo eixo de atuação: instrumentos econômicos para incentivar o produtor a não desmatar. E um esforço de fiscalização mais concentrado nas áreas que mais têm sofrido com o desmatamento: florestas públicas que não têm destinação, terras privadas e assentamentos rurais.

Encruzilhada

Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), um dos representantes da sociedade civil no seminário, afirmou que se a alta se confirmar, o País estará diante de uma encruzilhada.

“Ou toma ações definitivas para acabar de uma vez com o desmatamento, criando alternativas inclusive para o corte legal, como novas formas de rendimento, ou vamos ver essa retomada da perda da Amazônia com um agravante que não tínhamos antes”, disse

Ele se referiu ao aquecimento global. “Desmatamento e mudança do clima combinados trazem seca e causam um processo extra de degradação que pode mudar mais rápido o clima na região, afetando até mesmo a principal fonte de PIB do Brasil, que é o agronegócio”, explicou.

O Ipam ofereceu um conjunto de seis ações que poderiam ajudar a zerar o desmatamento: criar salvaguardas mais criteriosas para obras de infraestrutura na região; implementar o Código Florestal; agir nos assentamentos; implementação do PPCDAM; agir nas florestas públicas não destinadas e criar sistemas financeiros inovadores para a conservação da floresta.

Sobre os assentamentos, destacou que hoje cerca de 30% do desmatamento ocorre neles. “Está concentrado em uma parcela deles e ocorre tanto pelas mãos do assentado quando por terceiros. É preciso criar uma política de reforma agrária, com assistência técnica e mecanismos inovadores para que eles consigam viver da terra e não migrem para o que chamamos de ‘agronegocinho’”, disse Moutinho.

Assim como Thelma, ele lembrou o papel das áreas sem destinação. “Temos mais de 70 milhões de hectares na Amazônia nessa situação. É quase a mesma área total que foi desmatada ao longo dos anos na Amazônia. Elas são objeto de grilagem. Destiná-las para um uso sustentável ou transformá-las em unidades de conservação é o modo mais rápido de frear o avanço sobre essas áreas”, defendeu.

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.


Fonte: cidadessustentaveis.org.br