democracia

Seminário FAP || ‘País está ameaçado por este maluco’, diz Marta Suplicy sobre Bolsonaro

Em seminário realizado pela FAP, senadora fez duras críticas ao presidente e disse que a anestesia da população está acabando. O evento tem transmissão ao vivo pela página da FAP no Facebook: facebook.com/facefap

“Temos que defender o Estado de Direito e a democracia. Este país está ameaçado com este maluco”, disse a senadora Marta Suplicy referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro. Ela fez a declaração, neste sábado (24), durante a abertura do Seminário Desafios da Democracia: um programa político para o século XXI. O evento é realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculado ao Cidadania, na Casa do Saber, em São Paulo (SP).

“Estamos em um momento que nenhum de nós pensou algum dia na vida que fosse viver”, afirmou Marta. Ela disse que os reflexos da atual política resulta em “coisa esdrúxula”, mas, acrescentou, essa situação não é inesperada. “Todo mundo sabia que a pessoa eleita não era qualificada. Além de não qualificada, tem sério problemas emocionais. São dois fatores que, juntos, são muito perigosos para a democracia”, destacou ela.

De acordo com com a senadora, várias pessoas acharam que a postura de Bolsonaro, no início de seu mandato, poderia ser reflexo de que ele não havia percebido que a campanha tinha acabado. “Mudar de papel de uma hora para outra é difícil, mas, depois, fui percebendo que não era questão de papel, era de desequilíbrio, obsessão, paranoia”, acentuou, para acrescentar que o presidente age com “falta de respeito e de tolerância”.

A senadora citou, por exemplo, que a postura de Bolsonaro diante do quadro de queimadas na Amazônia tem relação com o histórico dele de desrespeito ao Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No início deste mês, o presidente exonerou o diretor do órgão, Ricardo Galvão, após discordar da divulgação de dados que revelam o aumento do desmatamento na floresta.

A falta de capacidade de Bolsonaro para ocupar o cargo da Presidência da República reflete também, segundo Marta, nas ações de políticas educacionais, externas e econômicas adotadas pelo atual governo. “Algumas grosserias estamos tolerando, mas não dá para ficarmos quietos”, frisou a senadora, ressaltando que ficou contente ao ver o país reagir, nesta sexta-feira (23), com panelaço contra o pronunciamento de Bolsonaro na TV sobre os incêndios na Amazônia. “A anestesia está acabando e a banalização não está sendo mais tolerada”, ressaltou ela.

A senadora destacou que a democracia precisa ser defendida. “Não estou de partido nenhum. Sou de muitos partidos hoje”, disse. “Temos muita coisa em comum nos partidos. Está na hora de pegarmos tudo que a gente discorda e pensar numa grande frente para enfrentarmos o que está aí. Se não nos unirmos, vamos perder a eleição daqui [de 2020] e de 2022”, alertou ela.


Alessandro Vieira: Precisamos de novas formas de representação política

O absoluto desencanto dos brasileiros com a sua representação política, que explodiu nos atos de rua em 2013, lançou sementes em diversas direções e seus frutos continuaram em expansão ao longo dos anos, fenômeno que, somado a um quadro agudo de crise econômica e moral, resultou em 2018 na maior renovação da história no Congresso Nacional.

Alguns dos frutos mais visíveis nesse processo são os movimentos de renovação, como MBL, Agora, Acredito, Livres, Bancada Ativista e Brasil 200. Todos eles, cada um ao seu modo, defendem a ocupação do espaço de representação política por pessoas que estão fora do esquema tradicional da política partidária.

Por conta do sistema eleitoral brasileiro, absolutamente engessado e arcaico, a participação no processo demandou o ingresso individual em partidos políticos, o que gerou um previsível potencial de atrito entre cúpulas partidárias que não demonstram o menor interesse na renovação política e parlamentares que representam diretamente este anseio popular.

Há partidos que abraçam com clareza os movimentos de renovação, caso do Cidadania23, que incluiu no próprio Diretório Nacional integrantes dos movimentos Agora, Livres e Acredito, e que está reconstruindo seu estatuto para incorporar a forma fluida de uma democracia mais aberta e participativa.

Outros, por outro lado, como PDT e PSB, preferem virar as costas para a renovação, chegando ao extremo de vetar novos ingressos de cidadãos vinculados aos movimentos, renegar cartas formais de compromisso mutuamente assinadas e ameaçar com expulsão supostos dissidentes.

Não surpreende, ainda que seja lamentável, a postura anacrônica desses partidos, comandados no velho estilo cartorial. Mas surpreende a postura do presidente do partido Novo, que não só endossou as reprimendas como ditou o que ele entende ser o único caminho: criar um novo partido político para cada posicionamento ou forma de pensar e seguir rigidamente as regras que o Novo adota.

Com todo o respeito, parece-me manifestação evidente de incompreensão do que nosso momento histórico exige. Não precisamos de novos partidos ou de novos caciques ditando regras. Precisamos de novas formas de exercer a representação política, cada vez mais próxima da sociedade, mais transparente e mais aberta ao diálogo com a diversidade de pensamentos e comportamentos existentes.

*ALESSANDRO VIEIRA, SENADOR DA REPÚBLICA (CIDADANIA-SE) E INTEGRANTE DO MOVIMENTO ACREDITO


Política Democrática online faz raio-x da pobreza na maior favela do Brasil 

Sol Nascente tem área equivalente a 1.320 campos de futebol do tamanho do que existe no estádio Mané Garrincha 

Cleomar Almeida 

A reportagem especial da sétima edição da revista Política Democrática online faz um raio-x da maior favela do Brasil. Sol Nascente está localizada na cidade-satélite de Ceilândia, a 35 quilômetros do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Vive uma explosão populacional sem precedentes na história, de acordo com estimativas da administração local.

» Acesse aqui a sétima edição da revista Politica Democrática online 

A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania. Sem infraestrutura básica para a população, Sol Nascente abriga 250.000 pessoas, segundo dados da administração de Ceilândia, a maior cidade-satélite de Brasília. Os moradores são castigados pela falta de serviços de segurança, educação e saúde públicas, por exemplo, conforme relata a reportagem.

Apesar de já ser a mais populosa do DF, a comunidade é a que mais recebe novos moradores de outras regiões do país. Em 2010, abrigava 56.483 pessoas e, naquele ano, só tinha menos habitantes que a Rocinha, no Rio de Janeiro, onde moravam 69.161 pessoas, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que deve realizar novo levantamento no próximo ano.

Devido à sua localização em um morro, segundo a reportagem, a favela carioca passou a ter dificuldade para novas explosões populacionais, após registrar surtos de crescimento nas décadas de 1970 e 1980 e no início dos anos 2000. Sol Nascente, que completou 19 anos no dia 11 de maio, tem uma área plana de 943 mil hectares, o equivalente a 1.320 campos de futebol do tamanho do que existe no Estádio Mané Garrincha. Ceilândia, onde fica a favela, terá 448.000 habitantes em 2020, aponta projeção da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) com base em dados do IBGE.

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Pedro Doria: A quebra da democracia

A instantaneidade da internet, ampliada pelos sistemas de recomendação, abalaram o mercado de ideias

Esta era difícil de imaginar uns meses atrás: Alex Jones, um dos mais rábicos teóricos da conspiração da neodireita on-line americana, deu para trás. “Vivi uma forma de psicose”, explicou, “e passei a acreditar que tudo era uma encenação. Minhas opiniões estavam erradas.” Jones construiu entre Facebook, Twitter e YouTube uma legião de seguidores de seus delírios, que incluíam o envolvimento de Hillary Clinton numa rede de pedofilia, que Barack Obama nascera no Quênia, e que os massacres de crianças em escolas não aconteciam, era tudo trabalho de atores. Sua glória foi entrevistar Donald Trump ao vivo. Olavo de Carvalho chegou a considerá-lo “a melhor fonte de informações sobre a política americana”. Perante um processo no qual está ameaçado a ter de pagar indenização na casa dos milhões, saiu-se com a psicose.

A história de Jones, somada a outros dois casos também desta semana, merece uma reflexão sobre o efeito das redes na democracia.

Uma investigação da Bloomberg revelou que, logo após o massacre da escola secundária de Parkland, na Flórida, um grupo de funcionários do YouTube procurou a chefia. Estava preocupado com o crescimento em audiência de vídeos raivosos como os de Jones. Quanto mais gente os via, mais o sistema de recomendação os recomendava. Bola de neve. Os executivos ouviram a preocupação e mandaram nada fazer. Ocorreu em fevereiro de 2018. Jones terminaria banido do YouTube em julho do mesmo ano, e a preocupação com a qualidade do conteúdo começou a aparecer no discurso oficial do sistema de vídeos do Google.

E calhou de, domingo último, Mark Zuckerberg publicar um longo artigo no qual pede maior regulamentação governamental. Zuck quer regras, preferencialmente uniformes e globais, para temas como propaganda política, privacidade, conteúdo que cause dano — pelo ódio que provoca, por crimes que incita. Ele sabe que o debate já está intenso, na União Europeia e em Washington, a respeito dos monopólios formados pelas redes sociais.

O problema é complexo. As redes sociais desmontaram uma premissa fundamental de todo debate liberal que tem origem no desenho das democracias. Elas abalam, nada menos, do que o argumento que sustenta a liberdade de expressão.


Os comunistas e o golpe de 1964 / Declaração de maio 1965 do PCB

A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura
Declaração de maio 1965 do PCB

(Voz Operária, Suplemento Especial, Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, maio de 1965)

Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro

O CC do Partido Comunista Brasileiro se reuniu no corrente mês de maio e, tomando por base o informe apresentado pela CE, fez uma análise da situação internacional, da situação nacional e da atividade do Partido, no período decorrido desde sua ultima reunião.

Assinala-se nesse período, com o acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1 de abril do ano passado, com a conseqüente deposição do presidente João Goulart e a instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista. Interrompeu-se assim, o processo democrático em desenvolvimento. As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido - sofreram sério revés. Modificou-se profundamente a situação política nacional.

As conclusões a que chegou o CC, após os debates, estão contidas na seguinte resolução:

1. As lutas do povo brasileiro desenvolvem-se num quadro de uma situação internacional caracterizada pelo fortalecimento das posições do socialismo, pelo Ascenso do movimento nacional-libertador e do movimento operário internacional, pelo crescimento das forças empenhadas na preservação e consolidação da paz mundial.

A política de paz realizada pela União Soviética e demais países socialistas, apoiada em seu avanço econômico, técnico e científico e inspirada no princípio da coexistência pacífica, penetra cada vez mais fundo na consciência de todos os povos. Desenvolve-se com vigor o movimento de emancipação nacional da Ásia, África e América Latina.

A conjuntura econômica dos países capitalistas mais desenvolvidos mantém-se, em geral, em ascenso. Aumenta o interesse, no campo capitalista, pela intensificação das relações econômicas com os países do campo socialista, o que amplia as condições objetivas da política de coexistência pacífica. Mas, simultaneamente, e em conseqüência também do continuado agravamento da crise geral do capitalismo, aguçam-se as contradições interimperialistas, que se manifestam especialmente na disputa de mercado e se refletem, com maior destaque, em posições assumidas pelo governo francês em sua política externa.

É nessa situação que o imperialismo, particularmente o norte-americano, intensifica suas atividades em diferentes regiões do mundo, empreendendo atos de agressão contra os povos que lutam pela libertação nacional. A situação internacional se agrava sensivelmente.

A intervenção no Congo por parte das forças ianques e belgas; a repressão da ditadura portuguesa às lutas do povo de Angola; a intervenção da Grã-Bretanha na Guiana Inglesa; as provocações da República Federal Alemã em torno de Berlim e a tentativa de organizar a Força Atômica Multilateral e criar um cinturão atômico nas fronteiras dos países socialistas – todas essas medidas constituem não apenas violações dos direitos dos povos, mas também novas ameaças à paz mundial.

Ante a firme resistência do povo do Vietnã do Sul, dirigido pela Frente Nacional de Libertação (Vietmin), o governo de Washington estende a sua agressão ao Laos e ao Camboja, bombardeia o território da República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte), ataca sua marinha mercante e de guerra. Para sufocar a luta do povo dominicano contra a reação e para defender os interesses dos monopólios ianques, desembarca tropas na República de São Domingos, utilizando a OEA para dar cobertura a essa monstruosa agressão.

A intensificação da agressividade do imperialismo norte americano expressa a orientação da chamada “doutrina Johnson” de esmagamento pela força dos movimentos democráticos e de libertação nacional. E tem também o objetivo de provocar guerras locais e limitadas, para impedir a distensão internacional, atendendo aos interesses dos círculos mais agressivos de Wall Stret e do Pentágono. Tais ações despertam, entretanto, os protestos e a revolta dos povos do mundo inteiro, inclusive do povo dos Estados Unidos. Contribuindo, assim, de um lado, para sério agravamento da situação internacional, concorrem de outro lado, para desmascarar cada vez mais o imperialismo norte-americano como opressor e explorador dos povos, como inimigo da paz, despertando novas forças para a luta em defesa dos povos oprimidos e contra as ameaças de nova guerra mundial.

Na América Latina, torna-se cada vez mais evidente o contraste entre a situação do povo cubano que, sob a direção de Fidel Castro, prossegue na construção vitoriosa da sociedade socialista, e a dos demais povos latino-americanos, que padecem sob a crescente exploração dos monopólios ianques.

Aumenta a miséria das massas trabalhadoras, aguça-se a crise de estrutura e crescem as contradições entre as forças progressistas de cada país e os monopólios norte-americanos. Em alguns países como Venezuela, Colômbia, Guatemala e São Domingos, as lutas antiimperialistas tomam a forma de luta armada. Os Estados Unidos, prosseguindo, embora, na política da “Aliança para o Progresso”, que visa em parte à realização de reformas limitadas em benefício das burguesias locais, não vacilam em intervir diretamente pela força, ou provocar golpes reacionários e apoiar governos ditatoriais, para assegurar e consolidar seu domínio espoliador. De março de 1962 para cá em sete países – Argentina, Peru, Guatemala, Equador, São Domingos, Honduras e Bolívia - além do Brasil, foram dados golpes de Estado, sob a orientação e com apoio do governo de Washington.

Nada disso impede, entretanto, que os povos da América Latina continuem avançando no caminho da democracia e da emancipação nacional. Na Argentina, os comunistas reconquistaram o direito de organizar-se e propagar suas idéias. O governo do Chile estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e outros países socialistas. O México mantém relações com Cuba, apesar da resolução em contrário da OEA. Entre as amplas massas, cresce o ódio ao imperialismo ianque e a determinação de lutar contra a reação interna. Na medida em que se unam e lutem, na medida em que fortaleçam sua solidariedade e sua ação conjunta contra o inimigo comum, os povos latino americanos serão tão invencíveis como o heróico povo irmão de Cuba, glória e exemplo para toda a América Latina.

2 – No Brasil, com de 1 de abril, assenhorearam-se do poder os representantes das forças mais retrógradas e antinacionais: agentes do imperialismo norte-americano, latifúndios e grandes capitalistas ligados aos monopólios ianques. Constituiu-se uma ditadura militar, reacionária e entreguista, sendo o governo de fato exercido por um grupo de generais a serviço da Embaixada dos Estados Unidos.

A submissão do país aos interesses dos monopólios norte-americanos assume proporções jamais vistas. Foi praticamente abolida a lei que limitava a remessa de lucros para o exterior. Realizou-se a negociata da compra do acervo da Bond and Share. Duplicou-se o montante do “Acordo do Trigo” com os Estados Unidos. Facilita-se a importação de produtos agrícolas norte-americanos. Adotou-se uma política de minérios de acordo com as exigências da Hanna Mining Co. Foi assinado o “Acordo sobre Garantias de Investimentos Privados”, que concede privilégios aos interesses norte-americanos e constitui sério atentado à soberania nacional. Missão militar ianque faz o levantamento aerofotogramétrico de nosso território. A política econômica e financeira é ditada pelo FMI.

A ditadura leva à prática uma política de inteira dependência ao governo dos Estados Unidos. Rompe relações com Cuba. Serve de instrumento e porta voz do Departamento de Estado na OEA. Toma posições contra os povos que lutam contra o imperialismo na Ásia e na África. Apóia a tirania de Salazar. Solidariza-se com a agressão ianque à República Democrática do Vietnã e com o brutal atentado à soberania do povo de São Domingos. Permite, sob o pretexto da realização de experiências científicas, a construção de base para foguetes e armas nucleares em território nacional.

Após as violências e arbitrariedades resultantes da aplicação do Ato Institucional, inclusive a mutilação do Congresso Nacional e de Assembléias Estaduais, prosseguem os inquéritos policiais-militares, com o objetivo de perseguir, prender e torturar milhares de cidadãos, desde trabalhadores e jovens estudantes até professores, magistrados, escritores, artistas, jornalistas, militares, padres católicos, parlamentares, pessoas, enfim, de todas as classes e camadas sociais. Sindicatos de trabalhadores continuam sob intervenção. É aprovada uma lei contra o direito de greve. Impede-se o livre funcionamento da Une e demais entidades estudantis.

Maiores sofrimentos e privações são impostos aos trabalhadores e a todo o povo. Elevam-se os impostos indiretos. Libera-se o preço dos produtos essenciais a alimentação popular. Nova lei do inquilinato determina a majoração dos aluguéis. Enquanto a carestia aumenta sem cessar, o reajustamento dos salários dos operários e dos vencimentos do funcionalismo público é contido em nível inferior ao da elevação dos preços. O salário mínimo subiu em apenas 57%, num período em que o custo de vida se elevou em mais de 90%. Aumenta o desemprego.

A política econômico financeira da ditadura também atinge os interesses da burguesia nacional, cada dia mais ameaçada pela concorrência imperialista. Reduzem-se as atividades comerciais e industriais. Acumulam-se os estoques nas fábricas. Cai a produção. As concordatas e falências aumentam em número e valor. Acentua-se o processo de desnacionalização da indústria brasileira.

A política da ditadura torna mais aguda as contradições que dividem a sociedade brasileira. Acentua-se a premência das reformas de estrutura.

Numa tentativa de ludibriar a Nação, a ditadura se mascara de reformista e chega a apresentar-se como revolucionária. Procura impingir como reforma agrária um “Estatuto da Terra” que, com exceção dos dispositivos limitadores da taxa de arrendamento – aliás, de difícil aplicação – não passa de um plano de colonização. Sua “reforma política” possui conteúdo nitidamente reacionário. Os projetos da Lei Eleitoral e de Estatuto dos Partidos Políticos visam de fato reduzir o número e impedir a organização de partidos políticos, transformam os partidos em organizações burocráticas subordinadas ao aparelho de Estado, ameaçam a representação proporcional, tornam praticamente impossível a representação das minorias. A exigência de maioria absoluta nas eleições para presidente da República e governadores de Estado golpeia o voto popular direto, transferindo para o Congresso e as Assembléias estaduais a escolha final dos eleitos.

Os interesses nacionais exigem a concretização de reformas efetivas na estrutura da sociedade brasileira que golpeiem o domínio do imperialismo sobre nossa economia e o domínio da propriedade da terra pelos latifundiários. A ditadura, que representa exatamente os interesses do latifúndio e dos monopólios imperialistas norte-americanos, não realizará essas reformas.

A política da ditadura fere os interesses da Nação. Aprofunda-se a contradição entre nosso povo e a minoria reacionária e entreguista que assaltou o poder. Essa contradição constitui, no momento, a expressão peculiar da contradição principal da sociedade brasileira, define a essência de todos os conflitos políticos, sobre eles atuando como fator determinante.

4. Começam a se ampliar e aprofundar as manifestações de resistência à ditadura e de oposição à sua política reacionária e entreguista.

Lutam os trabalhadores chegando a utilizar a arma da greve, em defesa de direitos conquistados e contra a redução de salários. Reativa-se no campo, embora lentamente, o movimento de sindicalização surge choques com os grileiros e as forças policiais, conflitos entre os assalariados do açúcar e os usineiros do Nordeste. Os estudantes se insurgem contra a lei 4464, em defesa da autonomia do movimento estudantil, na UNE, e das suas demais entidades. Os intelectuais se arregimentam contra o terror cultural e para exigir a restauração das liberdades democráticas e a retomada do desenvolvimento econômico do País. Amplos setores da burguesia nacional, principalmente através de entidades como a Confederação Nacional da Indústria, exigem modificações nos pontos básicos da política econômica e financeira, denunciam a desnacionalização da nossa indústria. Avoluma-se o repúdio da opinião pública às violências e arbitrariedades da polícia e dos encarregados dos inquéritos policiais-militares. Há manifestações do poder judiciário de condenação à essas violências e arbitrariedades, presos políticos são libertados. Partidos e correntes políticas se unem em torno da exigência de restabelecimento das liberdades democráticas e de realização de eleições livres.

Amplos setores sociais, que manifestaram apoio ou simpatia ao golpe, sentem-se ludibriados e prejudicados pela política reacionária e entreguista da ditadura, tendem a unir-se aos que a ela se opõem. Modifica-se, a favor das forças democráticas e patrióticas, a conjuntura que, em abril de 1964, favoreceu a reação e possibilitou a vitória dos golpistas. Estreita-se a base social da ditadura.

Essa situação leva ao aguçamento das contradições entre os golpistas e a instabilidade do governo. Insiste o Sr Castelo Branco em suas medidas de institucionalização da ditadura, procurando oculta-la através da fachada da “democracia representativa”. Mas persiste a pressão dos grupos da extrema direita no sentido da suspensão total dos direitos e garantias constitucionais, pela instauração de uma ditadura sem máscara. Apoiando embora, no essencial, a orientação reacionária e entreguista da ditadura, outros setores golpistas assumem posição de crítica à sua política econômico-financeira, procurando assim, capitalizar em seu benefício, para fins eleitorais o crescente descontentamento popular.

A intensificação da resistência e oposição de nosso povo à ditadura levará a que a sua instabilidade aumente, aprofundará a divisão entre os golpistas. Crises de governo e novos golpes militares podem ocorrer. Nesse caso, só a intervenção ativa das massas nos acontecimentos, levantando suas próprias bandeiras de luta, poderá impedir uma solução reacionária, com a simples substituição de golpistas no poder, e impor a retomada do processo democrático.

5. Desde o início, os comunistas se colocaram em posição e combate à ditadura. Através de entendimentos com partidos, correntes políticas e com personalidades, e, principalmente, através de nossas ações entre as massas, temos procurado participar ativamente do agrupamento das forças que contra ela lutam. Os fatos comprovam que este é o caminho acertado.

O objetivo tático imediato a alcançar, nessa luta, é isolar e derrotar a ditadura e conquistar um governo amplamente representativo das forças antiditatoriais, que assegure as liberdades para o povo e garanta a retomada do processo democrático interrompido pelo golpe reacionário e entreguista. Os comunistas se empenham no sentido de que tal governo seja o mais avançado possível, mas compreendem que a sua composição não poderá deixar de refletir o nível alcançado pelo movimento de massas e a correlação de forças existente no momento em que se constituir.

O êxito dessa luta dependerá fundamentalmente da unidade de ação de todas as forças, correntes e setores políticos que se opõem à ditadura. A formação dessa ampla frente de resistência, oposição e combate à ditadura será possível através da luta pelas liberdades democráticas, em defesa da soberania nacional, pelos direitos e interesses imediatos dos trabalhadores e do povo, pelo desenvolvimento de nossa economia, pelo progresso do País. A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura.

6. Nas circunstâncias atuais, a luta por eleições livres e nossa participação ativa em todas as campanhas eleitorais se revestem de enorme importância para fazer avançar as lutas pelas liberdades democráticas e pela conquista de um novo governo. Com essa compreensão é que devemos participar das eleições estaduais deste ano, das eleições estaduais e federais de 1966, além das que se realizam nos municípios. Particular importância possui os pleitos eleitorais em Estados como Guanabara, Minas Gerais, Goiás e Paraná, bem como as eleições municipais de Porto Alegre.

Ao participar ativamente das campanhas eleitorais, devem os comunistas ter em vista que elas se tornem, no processo de sua realização, um meio para aglutinar forças contra a ditadura, desmascará-la diante das massas, conquistar postos que sirvam para combatê-la e, afinal, derrotá-la. É, portanto, do interesse do proletariado e demais forças contrárias à ditadura lutar por eleições efetivamente livres, exigir a livre manifestação de todas as correntes políticas de oposição e o exercício do direito de propaganda sem censura, bem como lutar contra todas as discriminações políticas e ideológicas, oriundas do Ato Institucional ou de novas leis sobre incompatibilidades ou inelegibilidades, por maio das quais pretenda a ditadura riscar arbitrariamente, da lista de possíveis candidatos, todos os cidadãos que não mereçam sua confiança.

Os comunistas devem lançar-se com decisão e entusiasmo à campanha eleitoral do Estado e do município em que atuem, e cogitar, do desde logo do pleito de 1966, para o qual já se movimentam as várias correntes políticas. Devem ser o elemento unificador por excelência, capaz de encontrar, em cada caso concreto, a melhor maneira de unir as mais amplas forças contrárias à ditadura em torno de plataformas unitárias e de candidatos que mereçam a confiança popular.

É essencial dar à campanha eleitoral um caráter de massas, de luta firme pelas liberdades democráticas, de maneira a não permitir à ditadura utilizar-se das eleições para “legalizar” o poder usurpado. Nos casos em que este objetivo se tornar praticamente inviável, podem as forças de oposição à ditadura adotar o voto em branco, como meio de protesto contra a transformação do pleito numa farsa destinada a acobertar com uma espúria “legalidade” o governo do golpe de 1 de abril.
É fazendo da campanha eleitoral uma campanha de massas que será possível assegurar a realização de eleições livres e a posse dos eleitos e criar condições políticas para que possam governar.

7. No desenvolvimento da luta contra a ditadura, devemos utilizar as mais variadas formas. Cabe aos comunistas saber estimular a iniciativa das massas e encorajar a luta por todos os caminhos que favoreçam a retomada do processo democrático. Para tanto, devem ser utilizadas todas possibilidades legais, sem que isso se reduza à “legalidade” concedida pela ditadura. As massas devem ser estimuladas a não aceitar as restrições da ditadura aos seus direitos de reunião, de greve, de manifestação pública, de propaganda, etc. O ascenso das lutas poderá levar a choques violentos com a reação, inclusive a choques armados. É dever do Partido preparar-se e preparar as massas para tais eventualidades.

O esforço principal dos comunistas deve intensificar-se na intensificação do trabalho entre as massas, na defesa do fortalecimento de suas organizações, na organização e desencadeamento das lutas pelos seus direitos e reivindicações.

Seja qual for a forma que a luta contra a ditadura venha a assumir, a ação das massas constituirá sempre um fator decisivo, capaz de assegurar o avanço do processo político de acordo com os interesses do povo. É através da ação que o povo ganhará confiança em suas próprias forças. Através da ação é sempre possível alcançar êxitos parciais, por pior que seja a reação, êxitos que ajudarão a encorajar as próprias massas a reforçar suas organizações, estreitar sua unidade e avançar para ações cada vez mais vigorosas. É deve dos comunistas saber colocar-se no nível de compreensão das massas, para levá-las à ação e ganhá-las para as posições políticas de vanguarda.

A passividade frente à ditadura é o grande perigo que ameaça as forças populares e o nosso Partido. É nosso dever combatê-la, tendo em vista que decorre tanto da superestimação das forças dos golpistas, como das ilusões de que a ditadura caia por si mesma, minada pelas contradições que a dividem. È necessário compreender que nossa intervenção em qualquer crise de governo só poderá ter resultado positivo na medida em que formos capazes de mobilizar massas. Isso significa que devemos ser vigilantes, saber acompanhar os acontecimentos, mas que o mais importante, o premente, o decisivo é o nosso trabalho de massas, nosso esforço constante para nos ligarmos às massas, esclarecê-las, despertá-las, mobilizá-las para a ação, organizá-las e uni-las.

8. A fim de ganhar as massas para a ação, é indispensável saber levantar as reivindicações mais sentidas de cada setor da população. Devemos intensificar as lutas pela revogação do Ato Institucional, a anulação aos atentados aos direitos individuais resultantes de sua aplicação, pela libertação dos presos políticos, pela solidariedade aos perseguidos e suas famílias, pela anistia geral, pela liberdade e autonomia para os sindicatos de trabalhadores, entidades estudantis e demais organizações populares; contra o terror cultural, pela liberdade de cátedra.

Outro elemento mobilizador de massas é a luta contra a política econômico-financeira da ditadura, política de carestia, de elevação de impostos, de desvalorização forçada do cruzeiro em relação ao dólar, de redução do salário real. Devemos ter a maior iniciativa junto a outras forças e lutar por melhores condições de vida para os trabalhadores, contra a carestia e o desemprego, em defesa dos direitos conquistados, a legislação do trabalho e da previdência social. Participar de forma ativa e unitária das eleições sindicais e procurando, ao mesmo tempo, organizar os trabalhadores nos locais de trabalho.

Importância particular tem as lutas das grandes massas trabalhadoras do campo contra a exploração do latifúndio e pela reforma agrária, por suas conquistas e reivindicações imediatas, especialmente pela aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural, garantia ao acesso e à posse da terra, regulamentação e baixa da taxa de arrendamento.

Devemos dar maior atenção às reivindicações específicas das mulheres. É de grande valor sua participação na luta em defesa da paz, contra a carestia, pelas liberdades democráticas, pela solidariedade aos presos e perseguidos políticos, pela anistia.
Merece todo apoio a luta do funcionalismo público e autárquico em defesa dos seus direitos e reivindicações, em especial o reajustamento de vencimentos.

A política entreguista da ditadura fere os sentimentos patrióticos das mais amplas camadas do nosso povo, que poderá ser mobilizado para a luta em defesa da soberania nacional, contra as concessões aos monopólios norte –americanos e à submissão do Brasil ao governo de Washington, contra ratificação pelo Congresso do Acordo sobre Garantia dos Investimentos Privados. As sérias ameaças que pesam sobre as empresas estatais, em particular a Petrobrás, possibilitam ampla mobilização de massas em sua defesa.

A luta pelo progresso do País, contra a política econômico-financeira que desnacionaliza a indústria nacional, que leva à estagnação econômica, que nega recursos às obras públicas, ao desenvolvimento econômico do Nordeste (SUDENE) e do Norte (SPEVEA), à instrução do povo e ao desenvolvimento cultural, à pesquisa científica – permitirá a mobilização de amplos setores da população.

Por sua vez, a agressão militar dos Estados Unidos no Vietnam e, agora à República de São Domingos exige que se intensifique a luta pela paz, contra a política de guerra do governo norte-americano, pela autodeterminação dos povos, pela solidariedade aos povos agredidos, contra o envio de soldados brasileiros para o exterior. É dever dos comunistas encontrar formas novas que permitam na atual situação reorganizar e ampliar a luta pela paz em nosso País. A luta permanente pela solidariedade ao povo cubano e pelo restabelecimento com o governo de Cuba deve ser intensificada com a realização do Congresso Latino-Americano de Solidariedade à Cuba e pela libertação dos povos.

9. ´E intensificando nossa atividade entre as massas, nas fábricas, fazendas e escolas, nas grandes concentrações populares, que poderemos forjar a ampla frente única de luta contra a ditadura. Dando especial atenção à formação da frente única pela base, devemos realizar entendimentos com personalidades, correntes e partidos políticos, com todos os que se opõem às forças reacionárias que usurpam o poder.

À medida que aumenta a instabilidade da ditadura, que cresce a ação das massas populares, as várias forças políticas, na defesa de seus interesses, cuidam do futuro imediato e da eventualidade da substituição do governo, procurando o caminho a ser trilhado de acordo com os objetivos de cada um. Como representantes do proletariado, devemos apresentar nossa própria visão tática, buscando ganhar para ela as forças aliadas.

Ao mesmo tempo em que intensificam a luta pela derrota da ditadura e a conquista de um governo representativo das forças que a ela se opõem, têm os comunistas como perspectivas a conquista de um governo nacionalista e democrático, capaz de iniciar e levar adiante as reformas de estrutura, aproximando nosso povo dos objetivos da atual etapa da revolução brasileira. É com essa perspectiva que os comunistas se colocam à frente das massas, indicando o caminho que conduz à solução dos problemas brasileiros e se empenhando para que o proletariado, através do fortalecimento da sua unidade e organização e da aliança com os trabalhadores do campo, passe a exercer papel hegemônico no processo revolucionário.

10 Ao examinar a situação do Partido e os novos problemas que devemos agora enfrentar, o CC coloca em primeiro lugar a necessidade de levar adiante e aprofundar o processo autocrítico em que nos encontramos e que deve ser coroado com a realização do VI Congresso.

O CC saúda a preocupação crítica e autocrítica que se manifestou em todo o Partido em busca dos nossos erros e das causas que contribuíram para o revés sofrido, preocupação em que vê saudável espírito revolucionário de amor ao Partido e de ardente aspiração pela elevação do nível ideológico de suas fileiras.

A fim de estimular esse processo autocrítico, damos conhecimento ao Partido das principais conclusões a que pôde até agora chegar o CC, na análise que fez dos acontecimentos relacionados com a vitória do golpe de 1 de Abril, a respeito das falhas e erros da atividade dos comunistas.

A vitória do golpe militar pôs à descoberto muitas de nossas mais sérias debilidades. Fomos colhidos de surpresa pelo desfecho dos acontecimentos e despreparados não apenas para enfrentá-los, como também para prosseguir com segurança e eficiência em nossa atividade nas novas condições criadas no País. Revelou-se falsa a confiança depositada no “dispositivo militar” de Goulart. Também falsa era a perspectiva, que então apresentávamos ao Partido e às massas, de uma vitória fácil e imediata. Nossas ilusões de classe, nosso reboquismo em relação ao setor da burguesia nacional que estava no Poder, tornaram-se evidentes. Cabe-nos analisar o processo que nos levou à semelhante situação.

Resultado de uma árdua batalha política e ideológica, a linha aprovada pelo V Congresso constituiu-se em poderoso instrumento revolucionário que permitiu ao Partido estreitar suas ligações com as massas e participar ativamente da vida política, contribuindo de tal maneira para o avanço do processo revolucionário que contra nosso Partido se levantaram raivosos os inimigos da revolução. Mas, desde a posse de Goulart, que se deu como resultado de um compromisso da burguesia nacional com as forças reacionárias, preocupados em lutar contra a conciliação começamos a nos afastar da linha política. Esse processo culminou nos últimos meses do governo Goulart, quando de fato abandonamos a luta pela justa aplicação da linha.

Era sem dúvida indispensável combater com firmeza a política de conciliação. Foi justa nossa posição contra o Plano Trienal e contra a negociata de Bond and Share. E foi devido à luta contra a política de conciliação que fracassaram as tentativas reacionárias de abril e outubro de 1963, quando Goulart pretendia, a pretexto de atacar a direita, tomar medidas para conter o avanço do movimento popular. Conduzimos, entretanto, a luta contra a conciliação de forma inadequada.

Nossa atividade em relação ao governo de Goulart era orientada, na prática, como se sua política fosse inteiramente negativa. Desprezávamos seus aspectos positivos de grande importância, como, em sua política externa, a defesa da paz, da autodeterminação dos povos, do princípio de não intervenção, o desenvolvimento das relações diplomáticas e comerciais com os países socialistas, e, sua política interna relativo respeito às liberdades democráticas, o atendimento de reivindicações dos trabalhadores. Nossa oposição ao governo adquiria o sentido de luta contra um governo entreguista, com o objetivo principal de desmascará-lo perante as massas.

Atuávamos considerando a luta contra a conciliação como a forma concreta pela qual devia ser combatido, nas condições então existentes, o maior inimigo do nosso povo – o imperialismo norte-americano. Semelhante posição política só poderia levar ao desvio do golpe principal, transferindo-o para a burguesia nacional. Ao invés de concentrar o fogo da nossa luta contra o imperialismo norte-americano e seus agentes internos, nós dirigíamos nossos ataques fundamentalmente contra a política de conciliação, atingindo o imperialismo quase só em conseqüência desses ataques. Daí a despreocupação em combater agentes descarados do imperialismo norte-americano como Lacerda e Ademar. Daí a despreocupação com as manobras e articulações do próprio imperialismo, com a intensificação de sua agressividade contra os povos por ele dominados. Daí a subestimação do perigo de golpe de direita, considerado mero espantalho para amedrontar as massas. Concentrando nosso fogo no governo, exigíamos medidas cada vez mais avançadas, sem levar em conta nossas próprias debilidades e a fraqueza do movimento nacionalista e democrático, bem como a efetiva correlação de forças sociais que então existia, o que põe a nu a persistente influência do subjetivismo em nossa atividade.

Deixamos de lado o fato de que o próprio avanço do processo democrático ameaçava os privilégios dos monopólios estrangeiros, dos latifundiários e da grande burguesia entreguista, que ainda possuíam fortes posições. Uma falsa avaliação da realidade não nos permite ver que a correlação de forças sociais, nos últimos meses do governo Goulart, tornava-se dia a dia, menos favorável às forças nacionalistas e democráticas. Uniam-se os reacionários e entreguistas, que conseguiam atrair para seu lado amplos setores da burguesia nacional e da pequena burguesia urbana, descontentes com a situação e que não concordavam com as crescentes ameaças ao regime constitucional vigente. As forças da direita armavam-se e preparavam aceleradamente o golpe.

Em princípios de 1964, quando Goulart, movido por seus próprios objetivos políticos, procurou aproximar-se das forças populares, acentuou-se, em nossa atividade, o afastamento da linha política do V Congresso. Subestimamos a importância que tinha para o povo brasileiro a realização das eleições e não cuidamos de aplicar a Resolução Eleitoral aprovada pelo CC, ao mesmo tempo em que estimulávamos o golpismo continuista de Goulart. Ao invés de alertar as massas e convocá-las à luta contra a ameaça de um golpe de direita, claramente revelada na ação de Lacerda, Ademar e seus sustentáculos militares, lançamos a nota da Comissão Executiva de 27-3-64, na qual, ao lado da reivindicação de formação imediata de um novo governo, que “pusesse termo à política de conciliação”, transferimos o centro de ataque para o Parlamento, exigindo a reforma constitucional e ameaçando o Congresso. “O plebiscito – dizia a nota – deverá ser convocado pelo Congresso ou, no caso de omissão, protelação ou recusa deste, pelo próprio Poder Executivo”. Permitíamos, desta forma, que a defesa da legalidade fosse utilizada pelas forças da reação para enganar amplos setores da população e arrastá-los ao golpe reacionário. E na prática abandonávamos a orientação tática contida em nossa linha política.

Na raiz de nossos erros está uma falsa concepção, de fundo pequeno-burguês e golpista, da revolução brasileira, a qual se tem manifestado de maneira predominante nos momentos decisivos de nossa atividade revolucionária, independentemente da linha política, acertada ou não, que tenhamos adotado. É uma concepção que admite a revolução não como um fenômeno de massas, mas como resultado da ação de cúpulas ou, no melhor dos casos, do Partido. Ela imprime à nossa atividade um sentido imediatista, de pressa pequeno-burguesa, desviando-nos da perspectiva de uma luta persistente e continuada pelos nossos objetivos táticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da hegemonia do proletariado.

O exame autocrítico dos nossos erros e a análise de suas causas mais profundas constituem fator decisivo na luta pela justa aplicação de nossa linha política.

10. Com a vitória do golpe militar e a implantação da ditadura reacionária e entreguista, nosso Partido enfrenta uma nova situação e novos problemas. As tarefas de sua construção, sob todos os aspectos, assumem importância decisiva. Devemos dedicar os maiores esforços à recuperação das Organizações de Base e à criação de novas, principalmente nas empresas, fazendas e escolas, e seu fortalecimento político, ideológico e orgânico, capacitando-as a cumprirem suas pesadas tarefas.

É indispensável que todo o Partido adquira a convicção de que cabe aos comunistas um papel de vanguarda na luta para derrotar a ditadura, o que exige espírito revolucionário, desprendimento e capacidade de sacrifício. Se devemos combater o aventurismo, a pressa pequeno-burguesa, precisamos também compreender que a inércia política não é menos prejudicial à causa da Revolução. Nas condições atuais, só cumpriremos nosso dever se formos capazes de fazer de nosso Partido a força organizadora e dirigente do movimento pela reconquista das liberdades democráticas. Isto requer de cada militante grande sentido de responsabilidade e não menor combatividade.

Mais de quarenta anos de atividade já mostraram que só poderemos intervir com êxito nos acontecimentos na medida em que nos mantivermos unidos, procurando aplicar com firmeza a orientação traçada pelo Comitê Central e demais órgãos dirigentes, lutando sem vacilações em defesa do centralismo democrático, pela direção coletiva e pela mais rigorosa disciplina. É na unidade política, orgânica e ideológica do Partido que reside sua força.

Apoiados na ciência do proletariado, na doutrina invencível do marxismo-leninismo, no internacionalismo proletário, nas resoluções do movimento comunista internacional, contidas nas Declarações de Moscou de 1957 e 1960, saberemos dirigir com êxito a luta histórica do nosso povo pela completa emancipação nacional, pela paz, a democracia, o progresso e o socialismo, pela vitória mundial do comunismo.

Maio de 1965

(Voz Operária, Suplemento Especial, Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, maio de 1965)


Sérgio Gonzaga de Oliveira: A retomada do Desenvolvimento Econômico (I)

Democracia não deve ser um regime político baseado em práticas puramente eleitorais, desvinculada das condições objetivas da sociedade. Na verdade, a democracia pressupõe a existência de determinados direitos e liberdades básicas para que possa ser exercida com integridade. Dentre esses, os direitos sociais são fundamentais. Salário digno, previdência social, saúde, educação, habitação e tantos outros não podem ser relegados a um segundo plano. É muito difícil o exercício da cidadania quando os indivíduos vivem no limite da sobrevivência. Embora o Bolsa Família seja um programa importante para retirar da miséria absoluta milhões de brasileiros não é possível imaginar que um valor básico de R$ 85,00 e máximo de R$ 195,00 por mês irá transformar essas pessoas em cidadãos perfeitamente integrados à democracia. E direitos sociais não surgem do nada. Pelo contrário, exigem que a economia tenha atingido um patamar mínimo de produção e distribuição de renda.

Adicionalmente, o conceito atual de desenvolvimento econômico inclui obrigatoriamente a preservação do meio ambiente. Devemos lembrar que o ambiente natural é a fonte onde os humanos vão buscar alimentos, matérias primas e energia que lhes são tão necessários. A destruição do meio ambiente atinge mortalmente a economia. Os exemplos são cada vez mais alarmantes.

Cansamos de ler e ouvir que o Brasil é um país “emergente” ou “em desenvolvimento”. Até o início dos anos 80 do século passado, pelo menos em termos de crescimento econômico, era verdade. Entretanto, a partir daí, até nossos dias, o cenário mudou muito e para pior. Registra o economista José Luis Oreiro, em artigo recente, que entre 1930 e 1980 crescemos em média 6,32%aa e entre 1981 e 2013, apenas 2,55%aa. Se computarmos os cinco últimos anos de crise e baixo crescimento, o número cai ainda mais. Considerando o aumento populacional no período, esse número é lamentável. Alguns surtos de crescimento foram observados nos anos 90 e na primeira década do novo século, mas não foram suficientes para alterar a média geral muito baixa. São praticamente quatro décadas perdidas. Enquanto ficamos patinando, países como a Coréia do Sul, China, Austrália, Nova Zelândia e vários outros cresceram muito e estão a caminho de se tornarem desenvolvidos.

A questão do desenvolvimento não é trivial. Deveria ser uma preocupação constante de todos aqueles que lutam contra a injustiça social. Na verdade os que mais sofrem com a falta de produção, emprego e renda são os 50% da população de renda mais baixa que vivem nas regiões mais pobres e nas periferias das grandes cidades. Para esses, falta tudo: salário, alimentação, vestuário, saneamento básico, saúde, habitação e muito mais. É uma vida miserável e sem perspectiva. Do ponto de vista da cidadania, essa situação é uma tragédia.

A experiência mostra que quando se pretende estabelecer um projeto de desenvolvimento, é relativamente fácil reunir meia dúzia de economistas, advogados, engenheiros, sociólogos e outros acadêmicos para listar as principais medidas a serem tomadas para levar o projeto adiante. Alias é o que têm feito os partidos políticos de quatro em quatro anos, sem grandes resultados. Essa prática burocrática e eleitoral é a principal razão pela qual os projetos de desenvolvimento nos últimos quarenta anos no Brasil não vão adiante. Um projeto de desenvolvimento, principalmente em um ambiente democrático, precisa, antes de tudo, ser um projeto político. Deve ser construído, item a item, simultaneamente à formação de uma frente política capaz de levá-lo adiante. Sem essa configuração, perde-se tempo.

Ao pretendermos que o desenvolvimento seja inclusivo, distribuindo renda e respeitando o meio ambiente, estamos definindo que essa frente política, além de democrática, deve ser progressista. Por outro lado, para que possa ser efetivado com sucesso, deve ser majoritária. Uma frente política majoritária, democrática e progressista, construída em torno de um projeto de desenvolvimento, deveria ser hoje uma aspiração de todos os brasileiros. Não se deve limitar a participação das forças políticas nesse projeto, indicando a priori quem pode ou não pode tomar parte. Certamente as forças mais retrógradas, internas ou externas, que apostam no atraso social, de onde tiram suas eventuais maiorias eleitorais ou vantagens econômicas, não sentarão a mesa para negociar. Ao contrário, farão uma forte oposição. E o acordo político passa por negociações às vezes muito duras e difíceis. Soluções burocráticas foram tentadas nas últimas décadas, como o Programa Avança Brasil, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e “Uma Ponte para o Futuro”. Os resultados, como eram de se esperar, têm sido irrelevantes.

A experiência internacional tem indicado que um acordo político dessa natureza resulta em um conjunto coerente de ações estratégicas, planejamento estatal e participação do capital privado. Os recursos financeiros necessários são extremamente elevados para que o desenvolvimento possa ser alcançado, em um prazo razoável, sem a participação do setor privado. Os escassos recursos do Estado devem ser reservados para as áreas onde a alternativa privada não é viável, para setores estratégicos ao próprio desenvolvimento e para a segurança nacional. Muitos dos investimentos necessários só podem ser efetivados pelo Estado, já que não têm retorno financeiro suficiente para atrair o capital privado. É o caso, por exemplo, da educação e saúde de populações de baixa renda ou investimentos em tecnologias básicas e adequadas aos recursos produtivos brasileiros. Talvez a maior contribuição do Estado ao desenvolvimento seja o planejamento e a coordenação dos planos e projetos estratégicos acordados.

No Brasil, a atual fragmentação das forças políticas e sociais e a falta de um projeto de desenvolvimento comum leva a uma virtual paralização do Estado. Pior do que isso, os grupos privados e corporativos mais organizados “canibalizam” a máquina estatal, destroem sua capacidade operacional e fragilizam as finanças públicas. A desorganização do Estado se reflete em toda a economia. Os consumidores se retraem e adiam as compras. Os fabricantes diminuem a produção. O setor privado reduz os investimentos em novas unidades produtivas ou aplica somente quando consegue taxas de lucro muito altas para compensar as incertezas. O desenvolvimento econômico cessa ou avança em ritmo muito lento, imobilizando o país. Estamos nessa situação há quase quatro décadas. É angustiante.

Em resumo, os problemas podem ser econômicos, mas a saída é necessariamente política. A solução para esse impasse é um movimento político que mude as expectativas negativas que os agentes econômicos e a população em geral têm em relação ao futuro do país. Sabemos que a construção desse projeto não é uma tarefa simples, mas certamente é necessária. Dificilmente uma força política sozinha, por mais bem intencionada que seja, conseguirá levá-lo adiante. De qualquer forma, a compreensão da importância e da natureza do problema é um primeiro passo para sua superação.

Para provocar o debate pretendo, num próximo artigo, tentar esboçar um diagnóstico da situação atual, tomando por referência as variáveis básicas dos modelos que buscam entender a dinâmica da economia capitalista no longo prazo.
_________________________
(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)


Luiz Sérgio Henriques: A filósofa e o autocrata

Agnes Heller adverte que a democracia liberal é nossa única chance de sobrevivência

Talvez não seja vezo, vício, muito menos viés o que tem garantido no debate corrente a fortuna do termo “ideologia”, especialmente no seu mau sentido, aquele segundo o qual, se não formos capazes de um esforço severo e constante, terminaremos por ver o mundo com lentes deformadas ou mesmo de ponta-cabeça. A acreditarmos em Agnes Heller, filósofa de sólida formação marxista e há décadas influenciada pelo liberalismo político, passamos rapidamente de uma sociedade de classes para uma sociedade de massas, em que, se as classes obviamente não desapareceram, foram fortemente redefinidas e deixaram de ser percebidas como o motor único ou mesmo principal do comportamento político.

Neste contexto de massas, ideologias tóxicas de novo tipo, manipuladas por aventureiros, tomam a cena, insuflam atitudes irracionais e servem de escora para modalidades inéditas de tiranos e tiranias. As palavras de Heller, registradas por Le Nouvel Observateur e reproduzidas por O Globo, provêm de um dos vários laboratórios atuais dessas perigosas experiências, a sua Hungria natal. Nela, com efeito, Viktor Orbán, personagem com quem nos familiarizamos já no primeiro dia do ano, com sua presença na posse do novo presidente, radicaliza o projeto de democracia iliberal, oposto ao liberalismo não democrático que, segundo ele, assinalaria uma Europa extenuada, sem cultura e sem alma, termos afins aos do nosso ministro das Relações Exteriores.

A “democracia cristã” do autocrata húngaro nada tem que ver com grupos e correntes da mesma denominação que, no segundo pós-guerra, reuniram partes muito expressivas de eleitores influenciados pelo catolicismo, muitas vezes em confronto aberto, mas institucionalmente regulado, com setores do mundo laico, fossem eles liberais ou socialistas. Conflitos ásperos à parte, a velha democracia cristã incorporava amplos contingentes populares à vida do Estado democrático, vitalizando-o e tornando-o mais representativo, transformando-o, por conseguinte, na arena por excelência da disputa política civilizada. Nessa arena preciosa, resultado de longo e cruento percurso histórico, o conflito, então, poderia ser produtivo para todos, tal como provado por décadas de políticas de bem-estar social que não se restringiram à Europa ou aos Estados Unidos de Roosevelt, mas deixaram marcas por toda parte, até no Brasil.

A nova “democracia cristã”, ao contrário, gostaria de generalizar ideias fora de lugar e de tempo – ideologias, exatamente –, como, em particular, o recurso demagógico a egoísmos nacionais e a extremado conservadorismo de valores. O primeiro de tais recursos choca-se, evidentemente, com os traços de uma época em que o gênero humano, provavelmente pela primeira vez, deixa de ser construção mais ou menos abstrata dos filósofos e passa a ser realidade imediata para cada indivíduo, em qualquer canto que esteja. Difícil contornar essa evidência apontando o dedo contra “globalistas”, uma vez que cada país se vê às voltas com fenômenos de todo tipo que escapam às próprias fronteiras. A interdependência, por isso, é o horizonte do nosso tempo para o bem ou, certamente, para o mal, se não soubermos construir os instrumentos capazes de governá-la.

O conservadorismo de valores assenta-se, no caso de Orbán, e não só nele, numa religião singularmente reativa aos processos de modernização e secularização, além de amputada da dimensão solidária e fraterna que nos acostumamos a encontrar nos fatos religiosos. Não há aqui nem sombra de períodos marcados pelo ecumenismo ou pelo “diálogo” com os não crentes, mas, ao contrário, espírito de cruzada a ser invocado na perspectiva de uma guerra de civilizações. Imigrantes são mal-vindos, as religiões que trazem maculam a pureza dos valores locais, o multiculturalismo próprio de uma vida cosmopolita deve ser desprezado. E não é complicado, para demagogos, explorar ressentimentos incrustados no senso comum e produzir tiradas em série contra o “politicamente correto”, denunciado como insuportável “ditadura” de minorias, quando, nos casos melhores, ele é sinal de atenção e reconhecimento de sujeitos e realidades antes invisíveis.

Viktor Orbán, como dizíamos, não está só no mundo. Pertence a uma galeria de personagens autocráticos que pouco a pouco passaram a fazer parte das nossas preocupações cotidianas. Alguns deles, mais agressivos, certamente por agirem em contextos de tradições democráticas mais frágeis, chegaram a concretizar os elementos iliberais com que sonharam. Outros, como Trump ou Salvini, mesmo implementando políticas regressivas, veem-se constrangidos ou limitados por aquilo que se tem chamado de “regras não escritas da democracia”, as quais, materializando amplo consenso em torno das instituições, impedem que as liberdades morram, para aludir ao livro conhecido de Levitsky e Ziblatt. E não se entende muito bem por que o Brasil, segundo palavras recentes do presidente Bolsonaro, deva se aproximar de países, como esses, ideologicamente vizinhos. Só haveria perdas reais e ganhos imaginários, a não ser que a realidade passe a ser percebida de cabeça para baixo.

A voz da outra Hungria, a de Agnes Heller, adverte-nos que a democracia liberal é a nossa única chance de sobrevivência, ainda que nem todas as suas promessas tenham sido cumpridas nem tenham sido exploradas todas as dimensões da liberdade. Mas nenhuma hipótese de mudança social poderá doravante cancelar o regime de liberdades “liberais”, ao contrário do que políticas puramente classistas do passado admitiram e promoveram, com resultados em geral negativos ou até catastróficos. E não há “populismo dos povos” a ser contraposto ao “populismo ideológico” dos grupos de extrema direita. Mas essa é uma outra frente de combate ideal que se deve travar no âmbito dos progressistas. Incessantemente, aliás.

 


Política Democrática: ‘Crise ética decorre da democracia’, diz Manoel Martins Araújo

Professor de Direito Constitucional afirma que crise é também de crescimento e de amadurecimento do regime

Cleomar Almeida

O professor de Direito Constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense) Manoel Martins Araújo diz que a crise ética da sociedade decorre da própria democracia. “E temos, nos instrumentos da democracia, as ferramentas para sua superação”, afirma, em artigo publicado na quinta edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

» Acesse aqui a edição de fevereiro da revista Política Democrátia online

“Lembremos que a crise decorre da constatação e repulsa pela sociedade da odiosa prática delitiva da corrupção, deletéria dos recursos do Estado tão importantes para a satisfação de necessidades básicas da população”, escreve ele, para continuar: “Aquilo que antes era sabido, mas digamos, tolerado, passou a ser repudiado pela sociedade e combatido pelas instituições competentes pela adequada aplicação da lei”.

Na avaliação do autor, os avanços democráticos, principalmente no acesso às informações e na circulação das ideias, ampliando o controle social, são os ingredientes subjetivos da crise: a sociedade repele a cultura da impunidade, rechaçando, também, a corrupção. “O nó górdio está no fato de que a sociedade, não obstante o funcionamento eficiente do Judiciário e do Ministério Público, não acredita que as nossas instituições políticas serão capazes de enfrentar o desafio de dar um basta à impunidade”, ressalta.

A crise, de acordo com Araújo, também é de crescimento e de amadurecimento da democracia. “ E resultará, ao que tudo indica, na depuração do nosso ordenamento jurídico e político, adequando as ansiedades da sociedade a institutos que, hoje, desafiam os princípios do Estado Democrático de Direito”.

O professor observa também que a discussão sobre o foro privilegiado segue em conflito com o princípio da isonomia. “Tal instituto aparentemente desafia tal princípio, sempre suscitando críticas à sua instituição”, diz. “As constituições democráticas, na verdade, adotam como princípio a vedação à instituição de juízos especiais ou de exceção, admitindo-se o foro privilegiado como garantia ao exercício de funções cujos titulares devem ser protegidos contra ações políticas que podem ter, nos julgamentos judiciais, mecanismo de pressão”, pondera.

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José Eduardo Faria: Democracia e resiliência constitucional

Está a nossa democracia consolidada para resistir a aventuras populistas e bonapartistas?

Acusada desde sua promulgação de conter altíssimo número de artigos, a Constituição brasileira não é extensa por incúria de seus autores. Escrita depois de 20 anos de uma ditadura militar, é compreensível que ela fosse bastante generosa em matéria de direitos individuais e sociais, a ponto de um ministro do STF ter afirmado que a Carta “só não traz a pessoa amada em três dias; fora isso, quase tudo está lá”.

A repulsa à ditadura também explica por que os constituintes recorreram à figura jurídica das cláusulas pétreas, para preservar liberdades públicas contra a aprovação de emendas constitucionais que tentassem limitá-las. Mas com isso impuseram suas concepções de poder às gerações futuras, suprimindo-lhes a prerrogativa de definir os direitos e o regime político que poderiam considerar adequados. Pelo mesmo motivo, os constituintes consagraram, ainda, um modelo de Estado e um padrão de regulação econômica que havia sido adotado em larga escala nas décadas seguintes ao pós-guerra.

Na época da Constituinte, porém, esse modelo e esse padrão já estavam em declínio, por causa da transterritorialização dos mercados, que privou os Estados de parte de suas funções legislativas e levou a um crescente policentrismo decisório no plano mundial. Para se adaptarem a essas mudanças, entre 1989 e 1999 dois terços dos países vinculados à ONU reformaram suas Constituições.

Com isso, o Brasil acabou ficando com um padrão de governabilidade travado, quando comparado com o padrão de outros países emergentes. Quanto mais extensa é uma Constituição, mais reduzidas são as esferas de decisão das maiorias parlamentares e da discricionariedade dos dirigentes do Executivo e maior é a tendência de judicialização das políticas públicas.

Sob a justificativa de deter a judicialização e destravar a governabilidade, a Constituição tem sido objeto de várias propostas de enxugamento, mediante a transferência de matérias por ela regulada para a legislação ordinária. Durante a campanha eleitoral, o vice do candidato eleito chegou a propor uma Carta escrita por “notáveis” e submetida a um plebiscito. Tolices à parte, as críticas suscitam questões importantes.

Uma diz respeito ao número de normas constitucionais que vão além da definição das regras do jogo, tratando, por exemplo, de políticas púbicas. Discutida por Cláudio Couto e Rogério Arantes em instigante artigo, a questão merece destaque porque, como uma proposta de emenda constitucional exige duas votações na Câmara e outras duas no Senado, com a aprovação de três quintos dos parlamentares em cada votação, os constituintes acabaram amarrando as gerações futuras a decisões não propriamente constitucionais, mas de interesse de parlamentares e corporações.

No caso específico da implementação e execução de políticas públicas, esse quórum é elevado e o processo de emendamento é lento ante a velocidade em que hoje se se sucedem os acontecimentos econômicos num mundo em que decisões são tomadas em tempo real. Além do mais, esse processo exige do Executivo capacidade de articulação parlamentar e eleva os custos políticos para a construção de coalizões, o que leva a concessões espúrias e irracionais.

Nas contas de Couto e Arantes, o número de artigos da Constituição que tratam de políticas públicas chega a 30,7% do total de dispositivos – é a maior proporção de todas as Constituições brasileiras. Quando uma Constituição contém muitos dispositivos sobre políticas públicas, ela “atrai para si a política governamental e a política cotidiana, já que seus dispositivos terão grande sobreposição com as questões que são objeto da disputa política entre os partidos, entre o governo e a oposição e entre os diversos grupos de interesse presentes na sociedade e no Estado”, afirmam eles.

Outra questão diz respeito aos efeitos de uma reforma constitucional. Evidentemente, toda Constituição tem, em face das transformações econômicas, sociais e culturais, de estar aberta a revisões. A ideia de que seja modificável não colide com sua vocação para a estabilidade – ao contrário, é condição para que o texto constitucional possa durar, sem perder efetividade.

Quando uma Carta não consegue combinar estabilidade e flexibilidade, ela tende a enrijecer, desconectando-se da realidade, ou a ser excessivamente flexível, gerando insegurança jurídica. Em 30 anos a Carta foi emendada 105 vezes. Desse total, 54,5% das emendas incorporaram novas normas à Constituição e só 2,6% revogaram normas originais. Ou seja, quase dois terços das emendas ampliaram um texto que já nasceu extenso.

Mais importante ainda, esse crescimento se deu basicamente nas matérias que envolvem políticas públicas, e não nas matérias relativas às instituições e funções de garantia do Estado. A dúvida levantada por Couto e Arantes em seu artigo, escrito antes das eleições, era saber se o candidato Jair Bolsonaro, com seu discurso flagrantemente antissistema, tinha noção do que falava sobre reforma constitucional.

Ou seja, a dúvida era saber se seu discurso reformista se circunscrevia apenas às políticas públicas constitucionalizadas, propondo sua revogação para assegurar agilidade à gestão governamental, ou se também envolvia alterações nas regras do jogo político e supressão de direitos. A literatura comparada revela que Constituições extensas e bastante modificadas por emendas tendem a durar. Também mostra que sua extensão tem que ver mais com questões institucionais do que de políticas públicas.

Pelo que disse antes das eleições, classificando certos dispositivos constitucionais como “amarras ideológicas”, o novo presidente parece que não se contentará apenas com reformas nos dispositivos relativos a políticas públicas. Por isso o importante não é somente saber se a Constituição continuará mantendo a resiliência demonstrada em 30 anos de vigência, mas, também, se a democracia brasileira está consolidada para resistir a aventuras populistas e bonapartistas.

*Professor titular da Faculdade de Direito da USP e professor da Fundação Getúlio Vargas


Portal do PPS: Reconhecimento internacional de Guaidó dá novo rumo à luta contra ditadura Maduro, diz Freire

Dualidade: Guaidó se autodeclara presidente da Venezuela e ganha apoio internacional

O presidente do PPS, Roberto Freire, disse que o reconhecimento internacional e o apoio da população à Assembleia Nacional e Juan Guaidó, que se autodeclarou presidente da Venezuela, nesta quarta-feira (23), dará novo rumo à luta contra ditadura de Nicolás Maduro.

“O reconhecimento internacional e o apoio do povo à AN [Assembleia Nacional] e seu presidente [Guaidó] novo rumo terá a luta contra a ditadura de Maduro”, escreveu Freire em seu perfil no microblog Twitter.

O Brasil foi um dos primeiros países na América Latina a reconhecer Guaidó como presidente interino da Venezuela. Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru também condenaram o regime de Nicolás Maduro.

Freire disse ainda na rede social que não foi apenas a instalação da dualidade de poder na Venezuela, mas que “começaram os movimentos e conflitos para uma futura – que pode estar mais próxima do que aparenta – decisão do impasse político entre a ditadura de Maduro e a democracia da AN”, o Parlamento venezuelano de maioria oposicionista.

Em nota pública (veja aqui), o PPS reconheceu Guaidó como presidente interino da Venezuela e afirma que “ele tem a legitimidade democrática necessária para superar a crise política que vigora há bastante tempo” na Venezuela.

Além de apoiar Guaidó, o partido “alerta que a solução do impasse venezuelano tem que ser resolvido pelo seu povo, de forma democrática e livre, e não por qualquer tipo de intervenção externa”.

 


Cristovam Buarque: Populistas versus humanistas

Para enfrentar a crise ambiental, não bastam a cidadania e a democracia, inventadas para administrar cidades. Será preciso criar um sentimento de “planetania”, que vá além da cidadania, e uma prática de “humanocracia”, que vá além da democracia

Dificilmente um prefeito convence seus eleitores a elevar hoje o preço da gasolina, para evitar que o nível do mar suba no final do século. Ainda que tivessem solidariedade com as próximas gerações, os eleitores sabem que o problema climático é planetário, não é provocado apenas pelos carros de sua cidade.

Com seus interesses locais e visão de curto prazo, o eleitor de um país não representa a humanidade, de hoje e do futuro. Promessas de emprego, renda e consumo no presente representam melhor a vontade dos eleitores do que a ideia de salvar a Terra no futuro. Por isso, quando os governantes elaboram pactos internacionais, eles têm dificuldades em ratificar e cumprir essas decisões por seus eleitores, na hora em que os sacrifícios ficam conhecidos.

O mesmo ocorre com outros problemas do mundo global, como a imigração. O fechamento de fronteiras atrai mais apoio do que a proposta de aceitar imigrantes. Os eleitores não gostam de sacrifícios para proteger o meio ambiente, nem medidas de abertura de fronteiras para receber imigrantes que vão ocupar suas ruas, seus empregos, suas escolas. Para o eleitor, “nós” representa a família, a cidade ou o país, não a humanidade e o planeta.

Daí a dificuldade em obter simpatia popular para acordos como de Paris, sobre meio ambiente, e o de Marrakech, sobre migração, assinados por presidentes nacionais que serão substituídos por novos presidentes, quase sempre com ideias contrárias, quando os eleitores elegem populistas nacionalistas. A democracia, nacional e imediatista, não tem visão de longo prazo, nem é solidária internacionalmente: não é humanista.

Mesmo autores que falam dos riscos da democracia analisam a fragilidade do regime democrático na ótica dos problemas internos dos países, e não pelo fato de que a democracia não oferece solução para os problemas contemporâneos, globais e de longo prazo. Para estes autores, os problemas da democracia decorrem da maneira como líderes e partidos agem em suas disputas internas; não porque o Planeta e a Humanidade se transformaram em temas políticos, não mais apenas filosóficos, ainda que os eleitores não captam o novo sentimento e a nova lógica. A democracia ficou atrasada em relação aos avanços tecnológicos e sociais em escala global. Os limites nacionais das regras democráticas não permitem cuidar, de maneira plena, dos limites da ecologia, nem da expansão da migração.

Por isso, o debate político não está mais entre as velhas “direita” e “esquerda”, mas entre utópicos humanistas e populistas pragmáticos. E estes tendem a ganhar, até quando a pedagogia da catástrofe transformar o eleitor provinciano em um humanista. Mas quando isto acontecer, já pode ser tarde.

Para enfrentar a crise ambiental, não bastam a cidadania e a democracia, inventadas para administrar cidades. Para cuidar desse Novo Mundo será preciso criar um sentimento de “planetania”, que vá além da cidadania, e uma prática de “humanocracia”, que vá além da democracia. Mas o futuro visível não nos permite prever um eleitor globalizado em uma democracia planetária. A “humanocracia” vai exigir respeitar o voto do eleitor local e imediatista, mas sob um escudo humanista, contando com valores éticos universais que pairem acima das decisões eleitorais nacionais e imediatistas: o equilíbrio ecológico, a sobrevivência das espécies, a sustentabilidade do processo produtivo e de consumo, a solidariedade humana, independentemente da nacionalidade.

 


Oscar Vilhena Vieira: A função moderadora

A recomposição da autoridade do STF é essencial para a saúde da democracia

Vem de longe a desconfiança das elites políticas brasileiras na democracia liberal. Nossa primeira Constituição, outorgada por Pedro 1º, inspirada na restauração Francesa de Luís 18, conferiu ao imperador um papel de tutela sobre o sistema político. Além da função de chefia do Executivo, ao imperador caberia o exercício do Poder Moderador, que deveria incessantemente velar imparcialmente pela independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes (artigo 98, Constituição de 1824), o que jamais ocorreu.

Com a proclamação da República, a função moderadora, como propunha Rui Barbosa, deveria passar a ser exercida não mais por uma pessoa, mas pelo império do Direito. Ao garantir a supremacia da Constituição, o Supremo Tribunal Federal limitaria os poderes políticos, "contra os excessos do mandonismo em todas as suas violências ou trapaças".

Como sabemos, o transplante do modelo constitucional norte-americano não triunfou. Para Raymundo Faoro, "a missão política que [o Supremo Tribunal Federal] deveria representar estava destinada a outras mãos, alimentadas de forças reais e não de papel". Foram os militares e não o Supremo que, de fato, se ocuparam de dar a última palavra na solução de nossas crises políticas ao longo da República.

Alfred Stepan, emérito estudioso de nossos militares, aponta nada menos do que nove intervenções entre 1889 e 1964. Esse "intervencionismo patológico", nas palavras de Stepan, indicam para a consolidação de um novo "padrão moderador", pelo qual as elites civis, quando incapazes de resolver seus próprios conflitos no marco da institucionalidade constitucional, buscavam apoio de setores militares para desestabilizar adversários ou manter-se no poder. Foi assim em 1889, 1910, 1922, 1930, 1945, 1954, 1955, 1961 e, finalmente, 1964, quando os militares decidiram não mais se limitar a arbitrar disputas e se lançaram ao exercício do poder, sem intermediários.

Com a debacle do regime militar, marcado por uma forte crise econômica, hiperinflação, escândalos e descontrole na administração das estatais, além da mácula dos crimes contra a humanidade, o país se reconstitucionalizou. A eterna desconfiança entre as elites políticas levou, no entanto, à adoção de uma Constituição extensa e detalhista. Ao estamento jurídico e especialmente ao Supremo Tribunal Federal foram transferidos enormes poderes para zelar pela integridade da Constituição e pela estabilidade do regime.

A transferência da função moderadora dos militares para o Supremo, de fato, começou ainda no processo de transição, quando os ministros do tribunal foram chamados a decidir —informalmente— quem deveria tomar posse como Presidente da República, em face do impedimento de Tancredo Neves ("História Oral do Supremo", FGV).

Nos últimos 30 anos o Supremo paulatinamente consolidou sua posição de guardião da Constituição, exercendo também, em diversas ocasiões, a função moderadora, como nos impeachments de Collor e Dilma.

Com o acirramento dos conflitos políticos, a partir de 2013, o Supremo foi tragado para o centro da crise. Sua fragmentação, conflitos internos e outras idiossincrasias têm contribuído para que as "vivandeiras alvoroçadas" se voltem novamente para os militares, para que reassumam a função moderadora. A recomposição da autoridade do Supremo é mais do que nunca essencial para a saúde de nossa democracia constitucional; só cabe aos próprios ministros restabelecê-la.

*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.