covid-19

Vinicius Torres Freire: Mãos limpas contra a Covid-19 e a banana suja de Bolsonaro

Brasil pode ter epidemia mais lenta que a europeia, mas Bolsonaro é risco

Neste domingo (15), é possível que mais de mil brasileiros estejam doentes de Covid-19. O número de casos confirmados talvez chegue a uns 150, mas muito mais gente já com sintomas ainda não terá recebido um diagnóstico.

Pelos registros oficiais, o começo da epidemia no Brasil anda no mesmo ritmo visto nos países europeus maiores, afora a Itália. Não parece bom, mas uma reação inteligente e solidária ao alerta pode atenuar a progressão da doença. Enquanto o governo nos dá bananas sujas pelas mídias sociais, podemos manter as mãos limpas na vida real.

O Brasil ainda está a duas ou três semanas de chegar à situação atual dos grandes países da Europa. Não precisamos repetir seus erros, apesar da doença sinistra do nosso desgoverno.

Campanhas educativas maciças e restrições à aglomeração de pessoas podem ao menos colocar um freio na epidemia. Em países asiáticos que tomaram tais atitudes, a velocidade do adoecimento foi de um terço da europeia (ou menos). Nem foi preciso adotar algo parecido com o toque de recolher à beira de lei marcial que se viu em certas regiões da China e que se vê agora na Itália.

Para começar, é preciso adotar as medidas de higiene recomendadas pelos médicos, que de tão simples parecem tolas, mas vão salvar muita vida. Lavar as mãos, manter-se isolado em caso de sintomas ruins etc., não apenas limita a proliferação do novo coronavírus mas diminui também outras contaminações, como a da gripe.

No Japão e em Hong Kong, agora e no surto de Sars (2003), a limpeza escrupulosa ajudou a derrubar pela metade ou em até 70% os casos de gripe. Menos gente lotando hospital, por qualquer motivo, significa que haverá mais recursos para tratar dos doentes graves e dos mais pobres.

Conversas com epidemiologistas brasileiros, pessoas inteligentes e muito qualificadas, indicam que o Brasil terá de aprender com as medidas asiáticas de restrição. Educação, higiene, solidariedade e controle organizado e inteligente de aglomerações são providências que atenuam a epidemia, ao que se sabe até agora.

A fim de aplicar tal receita, é preciso comunicação esperta dos achados da ciência, das melhores práticas médicas e sanitárias, além de serenidade e pacificação de ânimos. Não é a atitude da liderança do país.

Jair Bolsonaro começou a semana passada, crítica, dedicado ao seu programa de golpeamento e desordem institucionais, degradação que promove de modo intenso desde o início do ano.

Ocupava-se de promover a marcha de suas falanges contra os outros Poderes; afirmou sem provar que houve fraude na eleição que venceu. Desdenhava do risco da epidemia, com a ignorância atroz de costume, repetindo como um sabujo idiotices de Donald Trump.

Na quinta-feira (12), em discurso em cadeia nacional, tratou da doença apenas para dizer de modo frio e incompetente que os recursos para tratamento de saúde eram limitados. No mais, se dedicou a passar recados para suas falanges fanáticas, demonstrando outra vez qual a sua prioridade.

A zoeira ideológica atroz ficou ainda mais evidente no fim da semana, quando o presidente fazia arruaça em torno da notícia que uma TV americana trumpista deu sobre seu teste de Covid-19.

O país discutia o que fazer da epidemia e da economia, em meio a um ambiente político-parlamentar destroçado pelo bolsonarismo, o que ameaça o restante de governabilidade.

Enquanto isso, Bolsonaro dava bananas nas mídias sociais.


Demétrio Magnoli: Com coronavírus, Itália vive sua hora mais sombria e lei marcial ameaça se tornar 'novo normal'

Governo italiano se tornou a primeira democracia a mimetizar a ditadura chinesa

No início, a China ocultou as informações sobre a epidemia e reprimiu os médicos que tentavam dar o alerta. Depois, isolou por meios militares 40 milhões de habitantes de Hubei. Agora, a Itália imita a China – e os dois governos, o ditatorial e o democrático, ganham aplausos da Organização Mundial de Saúde (OMS). A lei marcial será, logo, o “novo normal”?

Semanas atrás, Matteo Salvini, o líder da Liga, convocou o vírus para sua campanha anti-imigração. O fraco governo italiano de Giuseppe Conte respondeu ao clamor da extrema-direita ignorando o avanço da doença, que se espalhava silenciosamente. Consequência do catastrófico equívoco original: a Itália tornou-se a primeira democracia a mimetizar a ditadura chinesa, ameaçando encarcerar cidadãos que se moverem para outras cidades.

A trajetória repetiu-se no Irã. O regime camuflou a ampla difusão das infecções até girar 180 graus, advertindo que usará “a força” para conter deslocamentos no Ano Novo persa.

Trump inverteu o percurso, girando no sentido anti-horário. No começo, capturando a covid-19 para legitimar suas políticas xenófobas, fechou as fronteiras a qualquer viajante proveniente da China. Na sequência, diante da turbulência financeira que complica sua reeleição, escreveu no muro da Casa Branca que o vírus é “uma gripe comum”. Bolsonaro repetiu a mensagem embusteira do mestre, sem se dar conta de que ela seria revertida outra vez, dando lugar à perversa proibição de viagens entre Europa e EUA para barrar o “vírus estrangeiro”.

Nosso Ministério da Saúde (MS), uma das ilhas de competência no oceano da estupidez federal, não cede aos cantos concatenados da negligência e da paranoia. Como o ministério alemão, orienta-se pela máxima de que o pânico é ainda mais letal que o vírus. A estratégia de medidas graduais —da educação sanitária à redução de interações sociais em áreas críticas, e daí ao eventual auto-isolamento em clusters de infecção— implica uma aposta esclarecida na responsabilidade dos cidadãos.

A persuasão é a escolha democrática, que funciona; a polícia, a opção autoritária, que fracassa. Na China, não houve a alardeada contenção geográfica, pois milhões deixaram Hubei na hora do surto pioneiro, para as férias de Ano Novo. Mesmo assim, as taxas de letalidade nas demais províncias, onde o governo recomendou auto-isolamento, foram muito menores que as de Wuhan, submetida aos comandos totalitários. A lei marcial mata, disseminando o pavor que empurra multidões gripadas aos hospitais, implode os sistemas de saúde e vitima médicos e pacientes.

Israel determinou quarentena compulsória a todos que, sem sintomas, entrarem no país. Pateticamente, o governo de Netanyahu insinua que a população do exterior é suspeita de contágio – mas a do interior não. A Alemanha, pelo contrário, promete não fechar fronteiras. Nosso MS também orienta-se pela contenção focalizada, evitando reações indiscriminadas. A Itália e os EUA – felizmente, nesse caso – não são aqui.

O diretor-geral da OMS evitou criticar o regime chinês pelo criminoso ocultamento mas elogiou a “coragem” do isolamento militar de Hubei. Sua bússola é a política, não a epidemiologia: a OMS almeja tornar-se, finalmente, parceira da China. A coerência no erro o conduz a festejar a lei marcial italiana, sugerindo que o mundo siga o exemplo de um governo sem rumo. A depressão econômica provocada pelo pânico produzirá incontáveis vítimas entre os pobres, frutos do colapso de renda e de moléstias não tratadas. Essas vidas perdidas não chegarão às tábuas estatísticas.

A pandemia do Covid não é fake news. A notícia falsa é que os polos do debate situam-se entre a complacência e a lei marcial: de fato, a segunda nasce no solo arado pela primeira. Conte disse que a Itália atravessa sua “hora mais sombria”. É verdade – e por culpa dele.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


José Márcio Camargo: De volta ao paraíso

Suspender ou flexibilizar o teto fatalmente levará a uma reversão da trajetória de queda dos juros

Na semana passada, o Congresso derrubou o veto do presidente Bolsonaro ao projeto que aumenta o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de ¼ para ½ do salário mínimo. Segundo o Ministério da Economia, isso significa um aumento de gasto obrigatório de R$ 20 bilhões em 2020 e R$ 217 bilhões em dez anos, o que tornaria impossível o cumprimento do teto para o crescimento do gasto público. Uma decisão em total desacordo com as necessidades do País.

No final de 2019, o governo enviou ao Congresso três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que, em conjunto com a PEC da Regra de Ouro, caso aprovadas, criariam condições para a redução dos gastos obrigatórios do governo e tornariam o teto do gasto sustentável. A derrubada do veto ao aumento do limite do BPC faz com que a aprovação dessas propostas seja uma condição necessária, mas talvez não suficiente, para a manutenção do teto.

A pandemia da covid-19 é uma emergência que vai requerer recursos públicos e, portanto, redução de outras despesas para que o teto seja respeitado. Este é um dos objetivos do teto dos gastos: criar na sociedade brasileira (população, Legislativo e Executivo) a cultura de ordenar e definir prioridades no processo orçamentário. As quatro PECs que estão no Congresso viabilizam essas escolhas ao diminuir os gastos obrigatórios. A opção seria suspender ou flexibilizar o teto, como já sugerem alguns analistas. Por que não adotar essa alternativa?

Um importante objetivo do teto é criar condições para uma redução estrutural das taxas de juros da dívida pública brasileira, que, por décadas, estavam entre as maiores do mundo. Por que a existência do teto atingiria esse objetivo?

Para respeitar o teto, os gastos públicos terão de permanecer constantes em termos reais até 2026. Ou seja, todo aumento de receita terá de ser alocado para reduzir o déficit primário, ou a dívida pública, ou a carga tributária. Portanto, qualquer crescimento real do PIB vai, eventualmente, levar a uma redução da dívida como proporção do PIB. Afinal, se o PIB cresce, crescem as receitas tributárias e, como os gastos estão constantes, eventualmente vão sobrar recursos para diminuir a dívida.

Como a relação entre a dívida pública e o PIB é o principal indicador de solvência do País, a existência de um teto é uma garantia de que o grau de solvência do Brasil vai melhorar no futuro. Quando isso acontecer, a demanda pelos títulos públicos e, portanto, seus preços deverão aumentar, com a consequente queda das taxas de juros.

Mas os investidores só conseguem lucrar com suas aplicações financeiras se forem capazes de antecipar os movimentos dos preços dos ativos. Ou seja, se a expectativa dos investidores é de que os preços dos títulos vão aumentar no futuro, a melhor estratégia é comprar hoje e esperar os preços aumentarem para vender no futuro. Com a antecipação do movimento, o resultado é um aumento dos preços e queda nas taxas de juros no presente.

Não deve ter sido por simples coincidência que as taxas médias de juros reais pagas pelos títulos do governo brasileiro mostraram forte redução (de 21% ao ano para 5% ao ano) desde que o teto para o crescimento do gasto público foi aprovado, em dezembro de 2016.

Suspender ou flexibilizar o teto retira a restrição para o crescimento do gasto público e destrói este mecanismo automático de ajuste, o que fatalmente vai levar a uma reversão da trajetória de queda dos juros que ocorreu nos últimos três anos e meio. E, com juros mais elevados, aumenta a probabilidade de uma volta da recessão. Um tiro no pé.

Também não foi coincidência que, após a derrubada do veto ao aumento do BPC, uma decisão que mostra total irresponsabilidade do Congresso, as taxas de juros dos títulos públicos subiram acentuadamente. Um indicador eloquente do que poderá estar à frente caso o teto seja flexibilizado ou suspenso: a volta do paraíso dos rentistas!

* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos


Banco Central

Míriam Leitão: Uma superterça na economia

O problema da epidemia do covid-19 na economia é saber quais os instrumentos apropriados para lidar com uma crise como esta

Na economia também foi uma superterça. O movimento de ontem no mercado americano mostrou o tamanho da crise provocada pelo novo coronavírus. O Fed fez uma reunião de emergência e cortou os juros. As bolsas subiram e depois despencaram. A ação foi entendida não como um estímulo, mas como alerta. Mais cedo, a Austrália também havia cortado os juros. E a Malásia. Houve casos na Argentina e no Chile. O FMI avisou que talvez não faça o encontro de abril. O Banco Central brasileiro soltou nota indicando futuros cortes. O Banco Mundial anunciou linha para auxiliar os países a enfrentaram os efeitos da crise, e o G7 fez uma reunião para discutir o que pode ser feito. Os BCs europeu e inglês defenderam medida para equilibrar a economia. No Japão, informou-se que os Jogos Olímpicos podem ser adiados.

O grande problema da epidemia do covid-19 é quais são os instrumentos econômicos apropriados para lidar com uma crise como esta. A produção está caindo não por uma desaceleração clássica, mas porque há falta de peças e componentes. O consumo está encolhendo porque as pessoas suspendem reuniões e evitam lugares públicos. Os instrumentos convencionais não funcionam.

A revista “Economist” usou um título recente que define o momento: “Globalização em quarentena.” A reportagem tratava de um assunto específico, mas o título reflete de forma ampla o momento de separação entre países, controle de fronteiras, redução da circulação de mercadorias. O fechamento de fábricas na China afetou países em série e isso terá impacto sobre a economia mundial.

Estão sendo revistas no mundo inteiro as previsões de crescimento. Do Brasil, só ontem, a consultoria Capital Economics cortou a projeção de crescimento em 2020 de 1,5% para 1,3% e o Goldman Sachs cortou de 2,2% para 1,5%. Outras instituições estão esperando o resultado do PIB de 2019, que sai hoje, para voltar a fazer contas.

A OCDE cortou a projeção do PIB mundial em meio ponto, para 2,4%, no melhor cenário, de impactos mais localizados na China. No pior, a desaceleração chegará a 1,5%, com a epidemia espalhando pela Ásia, Pacífico e hemisfério Norte. As estimativas da China sofreram o maior corte, de 5,7% para 4,9%. Para o Brasil, foram mantidas em 1,7% este ano e 1,8% no ano que vem.

A entidade explicou que o vírus atingiu a economia em várias frentes. As medidas de contenção levaram a quarentenas, restrições de viagens e fechamentos de espaços públicos. Pelo lado da oferta, fábricas ficaram fechadas, serviços deixaram de ser fornecidos com impactos nas cadeias de suprimento. Pelo lado da demanda, houve queda da confiança, redução do turismo e de serviços de educação e entretenimento.

A economia chinesa hoje representa mais de 15% do PIB mundial, mais de 10% do comércio e 9% do fluxo de turistas. Por isso, a desaceleração do país preocupa e terá efeitos em cascata. Os países exportadores de commodities serão afetados. Para se ter uma ideia, a China importa quase 60% de todo o alumínio vendido mundialmente, mais de 50% do cobre e quase a metade do níquel.

Se na China há falta de informação sobre o tamanho real da paralisação no país, aqui no Brasil entidades setoriais têm feito sondagens para medir os impactos econômicos do coronavírus. O presidente da Abinee, que representa o setor de eletroeletrônicos, Humberto Barbato, explica que o problema é que algumas informações são consideradas estratégicas pelas companhias.

— Ninguém quer mostrar o seu nível de estoque. É uma informação guardada a sete chaves porque pode demostrar vulnerabilidade. Nossa melhor expectativa é que a China consiga superar a crise neste mês de março e volte a produzir plenamente em abril— explicou.

Os segmentos de telefonia celular e computadores têm sido os mais afetados dentro do setor de eletroeletrônicos no Brasil, pela falta de peças e componentes. E não há outros fornecedores disponíveis no mundo para se importar. Até porque é preciso um período de testes que minimizem o risco das fábricas brasileiras.

O maior problema sempre será a proteção da vida humana e a luta para vencer um vírus que ainda não está sob o controle dos médicos e dos cientistas. Ainda se aprende a cada dia sobre sua capacidade de dispersão e letalidade. Enquanto isso, a economia mundial oscila entre o pânico e a incerteza.