clima

Cerrado teve 15% mais incêndios este ano que no mesmo período de 2020

Inpe registrou 35.846 focos de fogo na região neste ano, que aumentam degradação no bioma e ameaçam vazão de rios

Cleide Carvalho / O Globo

SÃO PAULO - As queimadas no cerrado aceleram a degradação da vegetação nativa e ameaçam a vazão de alguns dos principais rios brasileiros. Neste ano, de janeiro até dia 9 de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 35.846 focos de incêndio no bioma, 15% a mais do que no ano passado. É o maior número desde 2012. A professora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, uma das principais especialistas em cerrado no país, explica que o fogo degrada justamente as áreas preservadas, dificultando ainda mais o serviço hidrológico do ecossistema e reduzindo o volume de água dos rios.

AvançoAgropecuária já ocupa quase metade do Cerrado, diz monitoramento do MapBiomas

Os focos de incêndio se espalham por todas as regiões do país. Este ano, a maior quantidade de focos está nos estados do Tocantins (20%), Maranhão (18,6%), Mato Grosso (15%) e Minas Gerais (10,2%). Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento de queimadas do Inpe, afirma que a situação de 2021 ainda não está dada, pois setembro é o pior mês para ocorrência de incêndios.

Dados do Mapbiomas divulgados nesta sexta-feira alertam que 87% do fogo que atingiu o cerrado desde 1985 queimou exatamente áreas de vegetação nativa. Apenas 13% ocorreram em pastos ou áreas de agricultura, que ocupam quase metade do bioma.

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Além disso, 60% das áreas queimadas pegaram fogo mais de uma vez, o que prejudica ainda mais a recuperação. 

– Na Bacia do Paraná, que está em plena crise, temos apenas 21% de vegetação remanescente. Ainda que o Código Florestal permita desmatar até 80% das propriedades, é importante assinalar que a preservação de 20% não é suficiente para manter a conservação – diz Mercedes, acrescentando que outro rio abastecido pelo cerrado, o Paraguai, é o provedor de água do Pantanal.

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A cobertura de água natural no cerrado diminuiu 55% de 1985 para cá, o que significa a perda de 473 mil hectares. A queda foi compensada pela criação dos grandes reservatórios de hidrelétricas.

Para se ter uma ideia, o levantamento do MapBiomas mostra que, em 1985, 60% da cobertura de água do cerrado era natural. Em 2020, a situação inverteu: 70% da água superficial é de origem antrópica – pela ação do homem. A inversão se deve aos reservatórios criados por hidrelétricas.PUBLICIDADE

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Um estudo feito pelo hidrólogo Jorge Werneck Lima, pesquisador da Embrapa Cerrados e hoje diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), mostra que o cerrado responde por 90% da vazão do Rio São Francisco e mais de 100% da vazão dos rios Parnaíba e Paraguai, considerando as perdas durante o curso. Na Bacia Tocantins-Araguaia a contribuição atinge mais de 60%.  

No total, indica Lima, as águas do cerrado abastecem oito das 12 regiões hidrográficas do país, o que justifica o título de "caixa d'água" do Brasil atribuído ao bioma.

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O Mapbiomas identificou redução na superfície de água natural em todas as bacias entre 1985 e 2020, medida em hectares. A mais atingida foi a Bacia do Paraguai, com redução de 70%. No São Francisco, de 47%. Na Bacia Atlântico Leste, de 43% – nela estão entre os mais volumosos os rios de Contas, Jequitinhonha, Mucuri e Pardo, por exemplo. No Rio Paraná, a redução foi de 35% e, no Tocantins, de 10%.

A redução na vazão ameaça a geração de energia. Segundo Lima, cerca de metade da energia hidrelétrica produzida no país utiliza águas que vertem do cerrado. A maior das hidrelétricas é Itaipu, no Rio Paraná, com 57 grandes reservatórios, que enfrenta  a pior seca em 40 anos.

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O relatório de 2020 da Chesf, que administra oito das hidrelétricas instaladas no Rio São Francisco, como o complexo Paulo Afonso e a UHE Luiz Gonzaga, informa que, devido à longa estiagem, verificada desde 2013 na Bacia, tem recebido sucessivas autorizações do Ibama para reduzir a vazão dos reservatórios de Sobradinho e Xingó.

– É preciso usar e saber o que preservar. Monitorar, planejar e gerir de forma racional e inteligente. É preciso integrar os setores e colocá-los na mesa de discussões para ver o que é mais inteligente e possível fazer – diz Lima.

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Bráulio Dias, ex-secretário Executivo da Convenção de Diversidade Biológica das Nações Unidas e professor da UnB, chega a dizer que, se medidas não forem tomadas, o Brasil corre o risco de passar a ter rios intermitentes no cerrado, como ocorre no semiárido.

O agrônomo Edegar Oliveira, diretor de conservação e restauração de ecossistemas da WWF-Brasil, que integra a rede MapBiomas, afirma que o cerrado é estratégico por sua capacidade de funcionar como "esponja" para garantir a água dos rios e o desmatamento está em alta. Os alertas de desmatamento em agosto, por exemplo, cresceram 136% em relação a 2020.

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– O inferno astral do cerrado está muito pior este ano – resume.

Para ele, o contexto de negacionismo em que vive o Brasil impede que seja visto o impacto no desenvolvimento do país.

– Não é mais uma questão de médio prazo. O impacto no clima já está ocorrendo e não faz mais sentindo seguir nessa linha de degradação. Estamos escolhendo ir pelo caminho errado – diz ele.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/dia-do-cerrado-bioma-teve-15-mais-incendios-este-ano-que-no-mesmo-periodo-do-ano-passado-25193194


Permacultura: um caminho sustentável possível para o Cerrado

Conheça mais sobre as ideias inspiradas na própria natureza

Fabíola Sinimbu / Agência Brasil

Hoje (11) é Dia do Cerrado, em mais um ano de pandemia, que nos lembra diariamente o quanto estamos inseridos em um sistema além do ser humano e que é preciso cuidar de todos os aspectos desse sistema. A permacultura, um conceito criado ainda na década de 70, foi a ferramenta escolhida por muitos responsáveis pela preservação do que ainda resta do segundo maior bioma brasileiro.

O brasiliense Cláudio Jacinto é um deles e, há mais de 20 anos, mergulhou fundo no método criado pelos Australianos Bill Mollison e David Holmgren. Desde então, cuidar da terra, das pessoas e partilhar o que se produz de forma justa são princípios básicos na agenda do engenheiro florestal.

Ele conta que antes mesmo de entrar em contato com a permacultura já sentia uma necessidade de buscar mais igualdade social, mas não encontrava o caminho para isso. Foi na faculdade de engenharia florestal que teve contato com o conceito do que ele mesmo define como uma “metodologia científica para o planejamento de ocupações humanas sustentáveis”. Segundo ele, uma ciência baseada em conhecimentos de engenharia, ciências agrárias, arquitetura e inspirada por saberes tradicionais antigos para que seres humanos ocupem o planeta sem exaurir os recursos.

BIOMAS


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Cláudio explica que essa “cultura permanente” também considera que o ser humano é parte integrante de todo esse sistema e precisa ter suas necessidades atendidas, mas não da forma como acontece atualmente.

“É construir um modo de vida que seja sustentável, sendo que o conceito de sustentável é que o que eu faço hoje para construir a minha casa, para produzir a minha comida, para gerar e consumir a minha energia, para ter água disponível e ter um destino adequado para água utilizada, minimamente essas quatro necessidades básicas; sejam feitas de um modo que a geração futura e as próximas possam continuar fazendo do mesmo jeito”, explica.

A ideia é tão viável que muitas das soluções apresentadas pela permacultura são amplamente utilizadas em diversas áreas do conhecimento e apontadas como soluções para problemas ambientais como o aquecimento global. São ações como melhor utilização dos recursos naturais e locais na construção de habitações, substituição da monocultura por agroflorestas, diversificação da matriz energética por meio das fontes renováveis e melhor utilização do ciclo da água.

Com as ideias adquiridas em um curso extracurricular na universidade, Cláudio conseguiu criar a primeira disciplina de permacultura em universidade pública do país, dentro do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Brasília; passou a lecionar permacultura, e hoje mantém uma Organização Não Governamental que leva iniciativas permaculturais às comunidades mais carentes, por meio dos recursos provenientes de ações socioeducativas.

Água

Um dos projetos desenvolvidos por Cláudio Jacinto, em Brasília, foi a implantação da Unidade Demonstrativa de Permacultura do Jardim Botânico de Brasília. Uma réplica de uma casa de pau-a-pique, em formato hexagonal, inspirada nas colmeias das abelhas; que tem um sistema completo de abastecimento e tratamento da água.

O educador ambiental do Jardim Botânico de Brasília Lucas Miranda explica que além de cumprir a função de explicar a permacultura ao público que participa do circuito educativo, a unidade demonstrativa é uma vitrine para mostrar que é possível pôr em prática as ideias trazidas pela filosofia permacultural. “Ela é uma casinha, ela é superlinda, ela tem a estética assim muito bonita e ela, principalmente, fecha esse ciclo da água. Então, cuidar da água, o Cerrado é o berço das águas, então a gente cuidar da água já é muito importante”, diz.



Habitação

A arquiteta Talita Maboni também teve contato com o conceito ainda na faculdade, quando decidiu aprofundar os conhecimentos sobre a bioconstrução junto à comunidade quilombola Kalunga, que vive em Goiás. Em dois anos de convivência, ela aprendeu técnicas de construção com terra e bambu e, depois de formada, fundou um coletivo feminino com as arquitetas Natália Cortes e Marina Patury.

Quilombo Kalunga Tinguizal - Monte Alegre de Goiás
Quilombo Kalunga Tinguizal - Monte Alegre de Goiás - Talita Maboni / Agência Brasil

Juntas, elas desenvolvem projetos que buscam na natureza soluções para atender às necessidades humanas da melhor forma. “A bioconstrução nada mais é do que um resgate desses saberes. Claro, que hoje em dia a gente já introduz algumas tecnologias que vão aprimorar essas técnicas, que vão deixá-las mais eficientes”, explica Talita Maboni.

Segundo Lucas Miranda, além da inspiração na natureza e também no conhecimento buscado nos povos tradicionais, a permacultura também se preocupa em não criar excedentes, evitando um processo de desperdício, que ainda pode gerar poluição no meio ambiente.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, estima-se que mais de 50% dos resíduos sólidos gerados pelo conjunto das atividades humanas sejam provenientes da construção civil.

Preservação

No caso da Unidade Demonstrativa de Permacultura do Jardim Botânico, além de ter sido construída com paredes da pau-a-pique, uma técnica de construção tradicional do Brasil que utiliza a terra e o barro, elementos abundantes e que não geram poluição; a estrutura também resgatou elementos de resíduos da construção civil e integrou no sistema de tratamento sanitário. “A gente ainda intercepta esse lixo e dá um destino mais adequado do que o lixão, do que o aterro sanitário. Não deixa ele ser jogado no Cerrado de qualquer forma”, diz Miranda.

Jardim Botanico
Jardim Botanico - Lucas Miranda/ Agência Brasil

Impacto Ambiental

Para Talita Maboni, trabalhar com projetos que aplicam o conceito de permacultura por meio da bioconstrução é ir além da preservação ambiental, pois o patrimônio humano também pode durar muitos anos se as técnicas forem empregadas da forma certa. Talita diz que é preciso desmitificar a ideia de que bioconstrução é sinônimo de insalubridade ou pouca durabilidade. “É a forma mais rica que se tem pra construir. É você saber ocupar o espaço, saber olhar para ele e ver como vocês podem trabalhar em conjunto”, diz

Todas as soluções e ações propostas pela permacultura são possíveis de serem adotadas em qualquer lugar ou forma de vida escolhida pelas pessoas, segundo Cláudio Jacinto. “Eu acredito que todas as pessoas que têm a consciência ambiental podem colocar um pouquinho em prática sem precisar virar um permacultor que foi morar no mato e abandonou tudo e planta a sua própria comida”, explica e conclui “a permacultura propõe um novo jeito de fazer tudo que precisamos fazer para viver.”

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/permacultura-um-caminho-sustentavel-possivel-para-o-cerrado


O aquecimento global no limite: Brasil também paga caro pela devastação

Senado deve analisar, ainda em 2021, um projeto para incorporação às leis brasileiras de uma emenda ao Protocolo de Montreal

Nelson Oliveira / Agência Senado

Gás bastante utilizado em refrigeração, o hidrofluorcarbono (HFC) é um exemplo de solução que um dia se converte em problema. Aplicado em substituição a outros gases para diminuir os danos à camada de ozônio, acabou por contribuir para o efeito estufa, que impulsiona o aquecimento global e está provocando efeitos indesejáveis, como incêndios de grande proporção, derretimento de geleiras, aumento do nível dos oceanos e desertificação.

Com o objetivo de reduzir gradualmente a produção e utilização de gases não agressivos à camada de ozônio, mas causadores de efeito estufa, deverá chegar neste ano ao Senado um projeto para incorporação às leis brasileiras de uma emenda ao Protocolo de Montreal, o acordo que trata dos cuidados com a camada que nos protege da ação dos raios ultravioleta emitidos pelo sol. O PDC 1.100/2018 é uma das proposições da agenda que está sendo montada na Câmara dos Deputados para votação, antes que comece, em 31 de outubro, a 26ª Conferência do Clima, a COP 26, a ser realizada em Glasgow, na Escócia. Ali, representantes de quase 200 países vão discutir medidas mais ousadas e urgentes para manter o aquecimento global em no máximo 1,5 grau (ºC) em relação aos níveis pré-industriais. Se providências “ambiciosas” não forem adotadas, alertam os cientistas, a catástrofe climática pode se tornar irreversível e de efeitos totalmente inesperados.

Essa demanda por maior ambição e compromisso acompanhou a elaboração e divulgação do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), instância das Nações Unidas que subsidia as reuniões do Acordo do Clima, igualmente conhecido como Acordo de Paris.

Um dos objetivos do encontro é balancear as contribuições dos países, de modo a obter algum tipo de desenvolvimento que possa ser considerado sustentável.

DESMATAMENTO NO BRASIL


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O dilema gerado pelo HFC ilustra um dos muitos que acompanham o estabelecimento dos seres humanos sobre a Terra, principalmente a partir do forte desenvolvimento industrial iniciado ainda na primeira década do século 19. A cada solução encontrada para gerar energia, agilizar os transportes, aumentar a produtividade da agropecuária e tornar mais segura e confortável a vida das pessoas, uma penca de problemas foi surgindo, sendo a poluição do ar e dos rios a primeira a ser notada. Hoje se estendem a uma miríade de sequelas, entre as quais o excesso de plástico que segue para as águas do planeta ou se acumulam nos lixões, a redução da disponibilidade de água, a extinção de espécies — úteis a elas mesmas e à pesquisa de remédios para os seres humanos — e a liberação de patógenos causadores de epidemias.

Já não há mais dúvidas de que o atual nível de aquecimento está sendo causado principalmente por dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) resultantes das atividades humanas. Não se trata, como chegaram a defender alguns, de um novo ciclo climático. O mundo levou três milhões de anos para atingir um aquecimento global de mais de 2,5 graus. As emissões causadas pelo homem, como a queima de combustíveis fósseis e o corte de árvores, são responsáveis pelo aquecimento recente. Do 1,1 grau de aumento da temperatura média experimentado desde a era pré-industrial, o IPCC concluiu que menos de 0,1 grau se deve a forças naturais, como vulcões ou variações do Sol.

O apelo dramático do IPCC é pela redução drástica de emissões, de modo a não esgotarmos o que os pesquisadores chamam de “orçamento de carbono”, cerca de 400 giga toneladas de CO2 equivalente, medida de equiparação com outros gases de efeito estufa. Mesmo com metas ambiciosas, o cenário projetado pelo painel inclui um pico potencial de aumento da temperatura média de 1,6 grau entre 2041 e 2060, após o qual as temperaturas cairiam abaixo de 1,5 grau até o final do século, caso as emissões cheguem a zero grau em 2050, ou seja, o planeta seja capaz de absorver tudo o que for emitido, já que não se espera que o mundo simplesmente pare.

No Senado, o conteúdo do relatório, cuja versão definitiva foi divulgada em agosto, é motivo de preocupação. Nesta sexta-feira (10), o presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), Jaques Wagner (PT-BA), reuniu em debate virtual um grupo de personalidades e parlamentares para a avaliarem o diagnóstico e as recomendações lançadas pelo IPCC. 

Jaques Wagner: o modo de vida humano está afetando todo o planeta, com efeitos que podem durar centenas de anos (foto: Roque de Sá/Agência Senado)

O debate foi requerido pelo próprio Jaques Wagner e subscrito por outros 15 senadores. Ao pedir a sessão temática, ele classificou o relatório firmado por mais de 200 cientistas de diversos países como o documento mais abrangente e conclusivo já feito sobre a crise climática.

“O modo de vida do ser humano está afetando todo o planeta, com efeitos que já podem durar centenas de anos, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas a zero no dia de amanhã”, diz o senador no requerimento. 

Participaram do encontro, a embaixadora da COP26, Fiona Clouder; o químico David King, líder do Conselho Consultivo de Crise Climática e ex-assessor científico do governo do Reino Unido; a ativista ambiental sueca Greta Thunberg; o arcebispo de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo; a ativista ambiental, estudante de biologia e apresentadora Samela Sateré-Mawé, integrante da Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé (AMISM), que tem sede em Manaus (AM); e o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande. Este último é o articulador do movimento Governadores pelo Clima. O grupo propõe o modelo de governança Consórcio Brasil Verde, que pretende buscar recursos para financiar projetos destinados à redução das emissões e que incentivem a geração de energia renovável, de acordo com informe oficial do governo capixaba.

"O tema das mudanças climáticas é importante para o Brasil. Os estados querem ajudar o país a alcançar suas metas. A criação desse consórcio, que será gerenciado pelos estados, terá um fundo único para se apresentar de forma transparente às instituições internacionais e a outros países", declarou o governador, que participou em julho de reunião virtual com o enviado especial dos Estados Unidos para o clima, John Kerry.

Também participaram da audiência na CMA as senadoras Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Zenaide Maia (Pros-RN) e o senador Espiridião Amin (PP-SC). O evento foi aberto pela cantora baiana Margareth Menezes, que entoou os versos da canção Matança, de Augusto Jatobá, na qual são mencionadas 39 espécies vegetais brasileiras (um cipó e 39 árvores) e dois biomas: a Amazônia e a Mata Atlântica. O compositor avisa para o perigo da derrubada inclemente da vegetação.

Confira quais são os países que mais emitem carbono

Brasil está em 6º lugar.

(Clique no gráfico para ver os números)


Fonte: Climate Watch

Made with Flourish

Uma das dificuldades em reverter o quadro atual é que o aquecimento global se retroalimenta pela ação do próprio calor que, ao facilitar ou mesmo provocar incêndios e inibir o pleno funcionamento dos ecossistemas, acaba gerando mais emissão de gases ou inviabiliza a sua absorção. A lição que se tira é que, perturbados agressivamente, os mecanismos que propiciaram o desenvolvimento da vida na Terra, num período historicamente muito curto de 200 anos adquiriram potencial para revertê-la de paraíso em inferno.

“A coalizão global para emissões líquidas zero precisa crescer exponencialmente”, disse ainda em fevereiro deste ano o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembrando que esse é um objetivo “central” das Nações Unidas para 2021 e que, na ocasião, faltavam apenas nove meses para a COP 26, “marco crítico nos esforços para evitar uma catástrofe climática.”

Segundo ele, os países que representam 70% da economia mundial e 65% das emissões globais de dióxido de carbono já haviam assumido o compromisso com emissões liquidas zero até 2050, mas isso não era suficiente. Seria necessário que todos apresentassem contribuições mais ambiciosas, com metas claras até 2030, por meio de “planos claros e confiáveis, uma vez que palavras não são suficientes”.

Em uma economia global repleta de desequilíbrios acirrados pela pandemia, as concessões não deverão ser conseguidas muito facilmente na COP26. A liderança do processo, advertiu o secretário-geral da ONU, é das principais economias e membros do G20. Um dos caminhos é a eliminação do carvão até 2030 nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube no qual o Brasil tenta entrar, e em todos os outros países até 2040. Os investimentos em carvão e outros combustíveis fósseis (petróleo, por exemplo) devem ser redirecionados para a transição energética. Para abrir mão de continuarem apoiando seus esforços de crescimento em modelos predatórios, os países em desenvolvimento poderão contar com um aporte de US$ 100 bilhões anuais por parte dos países desenvolvidos. Além disso, doadores e bancos multilaterais de desenvolvimento devem dedicar metade de todo o seu apoio nesta área para projetos de adaptação e resiliência aos efeitos do aquecimento.

O Brasil está na tripla condição de país em desenvolvimento, explorador de petróleo e um dos maiores emissores de carbono (6º ou 5º lugar, dependendo de como se faz a conta), principalmente em razão do desmatamento, segundo a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araujo.

— O desmatamento equivale a 44% das nossas emissões. Se somado ao que emitem as atividades agropecuárias, temos 70% das nossas emissões na categoria das Mudanças do Uso da Terra — explicou a especialista durante audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA), em 20 de agosto. A reunião foi coordenada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), responsável por avaliar a política climática executada pelo governo Federal, com ênfase na prevenção e no controle de desmatamentos e queimadas nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, com o objetivo de identificar falhas, omissões e propor recomendações.

Eliziane Gama: senadora vai elaborar relatório sobre a política brasileira para o clima (foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Suely Araujo observa que o lugar do Brasil no ranking de emissões o deixa numa posição de grande responsabilidade e na obrigação de ir além do habitual.

— Os compromissos do Brasil, como o de outros países, são insuficientes. É preciso reduzir não só o desmatamento ilegal, mas também aquele para o qual se pode obter autorização, de modo que nos aproximemos do desmatamento zero. Este ano ainda devemos desmatar dez mil quilômetros quadrados na Amazônia, o que é muito ruim, quando deveríamos desmatar no máximo três mil [quilômetros] de acordo com a política climática — afirmou.

A analista do Observatório do Clima assinala o embaraço causado pelo que se convencionou chamar de “pedalada climática”: O Brasil refez sua contabilidade de emissões no ano-base de 2005, para cima, mas não alterou os percentuais de corte propostos originalmente ao Acordo do Clima, em 2015. Resultado: abriu espaço para continuar emitindo muito CO2, inclusive por meio do desmatamento. A questão está na Justiça.

— Não adianta apenas reativar a fiscalização, mas fazê-la dentro de um planejamento amplo que envolva a retomada de planos setoriais para a Amazônia e o Cerrado e a utilização de recursos de R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia que estão parados por implicância do governo Bolsonaro. A pressão tem de ser para o que o governo trabalhe, execute política públicas — sugeriu Suely Araujo.

A julgar pelas verbas orçamentárias planejadas e pagas, levando em conta apenas o Ministério do Meio Ambiente, a condução dessas políticas públicas tem destino incerto. Em 2021, os recursos destinada ao MMA são da ordem de R$ 2,9 bilhões, ou 0,1% do bolo destinado à área federal. Até o dia 8, haviam sido pagos R$ 1,6 bilhão, mas isso inclui restos a apagar de outros anos. A verba reservada a um fundo específico para programas relacionados à política climática é, percentualmente, ainda mais modesta: meros R$ 91,6 mil, ou 0,01% do orçamento da pasta.

Além da sentida desarticulação das áreas de fiscalização ambiental, que têm sido hostilizadas pelo atual governo, o país se ressente de estruturas e mecanismos que tornem mais dinâmico o trabalho de reduzir as emissões de carbono. Um desses instrumentos inclusive poderia carrear recursos externos ao Brasil, mas sequer está normatizado. Trata-se do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), mais conhecido como mercado de créditos de carbono. Ele está previsto na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (lei 12.187, de 2009) e é uma recomendação do Protocolo de Quioto, tratado internacional ratificado pelo Brasil. Está, portanto, há 12 anos esperando regulamentação — que poderá vir antes da COP26 — caso seja aprovado na Câmara dos Deputados e depois, no Senado, o Projeto de Lei (PL) 528/2021.

Conforme a Agência de Notícias da Câmara, o crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases que deixarem de ser lançados na atmosfera. Quem mantiver uma floresta em pé, fizer reflorestamento ou adotar qualquer medida que ajude a tirar carbono da atmosfera, poderá vender esse crédito para quem emite carbono — indústrias, projetos agropecuários ou de urbanização, por hipótese.

“Os títulos gerados serão negociados com governos, empresas ou pessoas físicas que têm metas obrigatórias de redução de emissão de GEE, definidas por leis ou tratados internacionais”, informa a mesma agência de notícias. O projeto em análise naquela Casa foi apresentado pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM).

Corremos contra o relógio

Estamos a caminho de atingir 1,5 grau de aquecimento mais cedo do que o previsto anteriormente.

Nos cenários estudados pelo IPCC, há mais de 50% de chance de que a meta de 1,5 grau seja atingida ou ultrapassada entre 2021 e 2040. Em um cenário de altas emissões, o mundo atingirá o limite de 1,5 grau ainda mais rapidamente — entre 2018 e 2037.

Se os países seguirem um caminho de altas emissões de carbono, o aquecimento global poderá subir para 3,3 graus a 5,7 graus acima dos níveis pré-industriais no final do século.

Em comparação, o mundo levou 3 milhões de anos para atingir um aquecimento global de mais de 2,5 graus. As emissões causadas pelo homem, como a queima de combustíveis fósseis e o corte de árvores, são responsáveis pelo aquecimento recente. Do 1,1 grau de aquecimento que vimos desde a era pré-industrial, o IPCC concluiu que menos de 0,1 grau se deve a forças naturais, como vulcões ou variações do Sol.

A terra pode parar de absorver CO2

O relatório do IPCC alerta para a possibilidade muito alta de que os sumidouros de carbono — a própria Terra e os oceanos — correm grande risco. Atualmente, eles absorvem mais da metade do dióxido de carbono que o mundo emite, mas se tornam menos eficazes na absorção de CO2 conforme as emissões aumentam. Em alguns cenários estudados, a terra deixa de ser um sumidouro de carbono e acaba se transformando em uma fonte, emitindo CO2 em vez de sugá-lo, o que pode levar a um aquecimento descontrolado. Já estamos vendo isso na floresta amazônica, devido a uma combinação de aquecimento local e desmatamento. Além de afetar os esforços climáticos mundiais, tal fenômeno representa riscos significativos para a segurança alimentar e hídrica dos países da região e pode levar à perda irreversível da biodiversidade.

O pior poderá vir

Muitas consequências das mudanças climáticas se tornarão irreversíveis com o tempo, principalmente o derretimento das camadas de gelo, a elevação dos mares, a perda de espécies e a acidificação dos oceanos. E os impactos continuarão a aumentar e se agravar à medida que as emissões aumentem.

A chance de passarmos dos pontos de não retorno, como o aumento do nível do mar devido ao colapso das camadas de gelo ou mudanças na circulação dos oceanos, não pode ser excluída de um planejamento futuro. A 3 graus e 5 graus, respectivamente, as projeções sugerem:

  • Uma eventual perda quase completa da camada de gelo da Groenlândia, que contém gelo suficiente para elevar o nível do mar em 7,2 metros.
  • Perda total da camada de gelo da Antártica Ocidental, que contém gelo equivalente para elevar o nível do mar em 3,3 metros.

Isso mudaria completamente a feição dos litorais em todos os lugares do planeta.

Estamos todos no mesmo barco

O relatório do IPCC mostra que nenhuma região ficará intocada pelos impactos das mudanças climáticas, com enormes custos humanos e econômicos que superam em muito os custos da ação. O sul da África, o Mediterrâneo, a Amazônia, o oeste dos Estados Unidos e a Austrália verão um aumento de secas e incêndios, que continuarão a afetar os meios de subsistência, a agricultura, os sistemas hídricos e os ecossistemas. As mudanças na neve, gelo e inundações de rios são projetadas para impactar a infraestrutura, transporte, produção de energia e turismo na América do Norte, Ártico, Europa, Andes e diversas outras regiões. As tempestades provavelmente se tornarão mais intensas na maior parte da América do Norte, Europa e Mediterrâneo.

Mais resiliência é a resposta ao estrago feito

Já induzimos tanto aquecimento no sistema climático que, mesmo com medidas rigorosas de redução de emissões, é certo que vamos enfrentar eventos climáticos extremos mais perigosos e destrutivos do que vemos hoje.

Conforme o IPCC, o sistema climático não responderá imediatamente à remoção de carbono. Alguns impactos, como a elevação do nível do mar, não serão reversíveis por pelo menos vários séculos, mesmo após a queda das emissões.

Uma das formas de nos contrapormos a isso é investir fortemente em resiliência, ou seja, na capacidade dos ecossistemas e dos seres humanos de recuperarem o equilíbrio depois de terem sofrido perturbações e danos, mas também de resistirem a agressões. Um sistema resiliente é capaz de absorver distúrbios, choques e ainda assim manter suas funções e estruturas básicas. Para isso é preciso converter a gestão ambiental convencional, que usualmente busca controlar mudanças em uma nova, que tenha capacidade de acolher as mudanças (lentas ou rápidas) dentro dos ecossistemas.

O modelo de comando e controle deve ser substituído pela cooperação entre agentes públicos e privados afetados pelas mudanças: governos, parlamentos, Poder Judiciário, usuários locais dos recursos, cientistas e membros da comunidade com conhecimento tradicional.

É preciso ter metas ambiciosas

Limitar o aquecimento global a 1,5 grau até o final do século ainda está ao nosso alcance, mas requer mudanças transformadoras, por meio de ações rápidas e de grande envergadura.

Mesmo com metas ambiciosas, o cenário projetado pelo IPCC inclui um pico potencial de 1,6 grau entre 2041 e 2060, após o qual as temperaturas caem abaixo de 1,5 grau até o final do século.

A quantidade total de carbono (o chamado orçamento de carbono) que podemos emitir para limitar o aquecimento a 1,5 grau é de apenas 400 gigatoneladas de dióxido de carbono (GtCO2) no início de 2020. Esse volume pode variar em 220 GtCO2 ou mais, levadas em consideração as emissões de outros gases de efeito estufa, como o metano. Presumindo níveis de emissões globais recentes de 36,4 GtCO2 por ano, em cerca de 10 anos o “orçamento” estará esgotado. Um dado que nos situa quanto à capacidade de reduzir o carbono: embora as emissões globais tenham caído devido à covid-19, elas voltaram a aumentar rapidamente.

Há que mudarmos hábitos

A forma como usamos e produzimos energia, fazemos e consumimos bens e serviços e administramos nossas terras terá de ser redefinida. Limitar os efeitos perigosos da mudança climática exige que o mundo alcance emissões líquidas zero de CO2 e faça grandes cortes nos outros gases de efeito estufa, como o metano. A remoção de carbono pode ajudar a compensar as emissões mais difíceis de abater, seja por meio de abordagens naturais, como o plantio de árvores, ou de abordagens tecnológicas, como a captura e armazenamento direto de ar.

Embora seja difícil atingir a meta de 1,5 grau — e isso vai exigir um gerenciamento das compensações — também há uma grande oportunidade: a transformação pode levar a empregos de melhor qualidade, benefícios para a saúde e para a vida na Terra. Governos, empresas e outros atores estão lentamente reconhecendo esses benefícios, mas é necessário agir com mais determinação, ousadia e rapidez.

Uma questão de compromisso

A mensagem do relatório é clara: esta é a década decisiva para limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau. Se coletivamente falharmos em reduzir as emissões na década de 2020 e zerar as emissões líquidas de CO2 por volta de 2050, limitar o aquecimento a 1,5 grau está fora de alcance. O IPCC entende que agora é hora de governos, empresas e investidores intensificarem suas ações na proporção e na escala da crise. Durante os últimos meses antes das negociações climáticas da COP26, em Glasgow, Escócia, é crucial que os países proponham metas de redução de emissões mais fortes para 2030 e se comprometam a atingir a neutralidade de carbono até a metade do século, se não antes. Esses compromissos precisam ser assumidos com as conclusões do relatório do IPCC em mente, para que haja chance de um futuro menos catastrófico.

Temos a ciência a nosso favor

Nossa compreensão do clima e da conexão dos eventos meteorológicos extremos com o aquecimento induzido pelo homem tornou-se muito sofisticada. Estão disponíveis dados observacionais, reconstruções paleoclimáticas aprimoradas, modelos de alta resolução, capacidade de simular o aquecimento recente e novas técnicas analíticas. Um estudo recente descobriu que o calor extremo (que se tornou pelo menos duas vezes mais provável como resultado da mudança climática induzida pelo homem) foi um dos principais impulsionadores dos recentes incêndios na Austrália, por exemplo. Outro estudo preliminar sugere que o recente calor extremo no noroeste do Pacífico dos EUA e Canadá seria "virtualmente impossível" sem as mudanças climáticas causadas pelo homem.

Os cientistas também descobriram que a influência humana é o principal motor de muitas mudanças na neve e no gelo, nos oceanos, na atmosfera e na terra. As ondas de calor marinhas, por exemplo, tornaram-se muito mais frequentes no século passado, e o IPCC observa que as atividades humanas contribuíram com 84% a 90% delas desde pelo menos 2006.

Todo esse arsenal de conhecimento e capacidade tecnológica de monitoramento será crucial para acompanhar a trajetória das mudanças climáticas e apontar caminhos para minorar os danos e fortalecer ecossistemas e comunidades humanas.

Mas para isso é preciso que os países garantam investimentos à continuidade e ao aumento das pesquisas, além de incentivarem o desenvolvimento de tecnologias e ouvir os cientistas na hora de formularem políticas públicas voltadas ao clima.

Uso da terra

A derrubada de cobertura vegetal mostra-se um dos aspectos mais danosos da relação do Brasil com seu meio ambiente, que acaba se refletindo historicamente em outros, como a ocorrência de incêndios, a redução da superfície das águas e a degradação dos rios por garimpos (ver matéria sobre garimpos no "Saiba mais").

Esses três temas foram abordados em relatórios amplos divulgados recentemente pela organização MapBiomas cobrindo o período de 1985 a 2020 a partir do processamento detalhado de imagens de satélites.

Nesses 36 anos, o Brasil perdeu 82 milhões de hectares de vegetação nativa, área equivalente a três vezes e meia o território do estado de São Paulo, principalmente para a agropecuária. A superfície de rios e outras fontes naturais de água foi reduzida em 7,6%, mas se observado apenas o período de 1991 a 2020, a perda dobra para 15,7%.

“O sinal mais assustador, mais preocupante, foi a perda de água nas várzeas. Essas áreas têm uma dinâmica de expansão e contração, mas nos últimos anos nós temos observado que a água não está expandindo mais”, disse o coordenador do Grupo de Trabalho de Águas do MapBiomas, Carlos Souza, durante o lançamento desse relatório específico.

“Essas pesquisas têm correspondência com os relatos de campo. Há escassez maior de água, maior intensidade do período de estiagem. Outro aspecto muito importante: a gente tem uma frequência e uma intensidade maior das queimadas em Roraima”, disse Haron Xaud, pesquisador da Embrapa naquele estado e líder do Projeto Terraamz.

A perda de água detectada pelo MapBiomas é circunstancialmente agravada, dependendo das condições metereológicas de curto prazo, o que está levando a prejuízos além do puramente ambiental, com fortes impactos na economia e na vida social. No momento, a diminuição do nível dos reservatórios de água para a abastecimento vai voltando a níveis da última grande crise hídrica. Isso porque o desmatamento na Amazônia prejudica o fluxo de umidade dos chamados rios voadores em direção ao Sudeste, conforme Pedro Luiz Cortês, professor do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo (USP), explicou na apresentação do relatório.

Os lagos das hidrelétricas estão do mesmo modo em níveis muito baixos, com sérios riscos ao fornecimento de energia elétrica, o que já repercute nas contas de luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou aumento no preço de cada 100 quilowatts hora de R$ 6,24, em junho, para R$ 9,49, em julho, aumento de 52,04%, mas já está previsto novo aumento de 15% em setembro. Para não causar um colapso na geração de oito usinas localizadas ao longo das bacias dos rios Tietê e Paraná, o governo determinou a retenção de água nos reservatórios das hidrelétricas, mas isso acabou levando à diminuição do volume da hidrovia Tietê-Paraná e, por conseguinte, do transporte de soja por aquele modal. Já estão previstas demissões no setor, sem contar a necessidade de desvio de parte substancial da carga das barcaças para rodovias, com aumento de custos e de poluição. Esta vai igualmente aumentar pelo uso de termoelétricas, que ainda por cima geram energia mais cara. Só no setor de transporte hídrico, estima-se prejuízo de R$ 3 bilhões, mas a seca combinada a geadas de um inverno incomum está prejudicando a própria safra de grãos, que não sairá ilesa este ano.

A crise hídrica e energética foi discutida na quarta-feira (8) em reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Lá, o representante da Aneel informou que a capacidade geral dos reservatórios das usinas hidrelétricas pode ficar abaixo dos 19% registrados na crise de 2014. Atualmente está em 28,8%. Segundo a Agência Câmara de Notícias, especialistas presentes na audiência disseram achar que "o governo agiu tarde diante da falta de chuvas".

Cerrado perdeu quase a metade de sua cobertura natural


Made with Flourish

Amazônia perdeu 44 milhões de hectares em 36 anos

Made with Flourish


O aspecto mais dramático dos relatórios do MapBiomas é o fogo, que não dá sossego em várias regiões e provoca cenas de horror pela visão de animais selvagens e domésticos calcinados, principalmente no Pantanal Matogrossense, mas também do desespero de ribeirinhos e fazendeiros. Segundo o MapBiomas Fogo, em 36 anos o Brasil queimou 1,7 milhão de quilômetros quadrados, ou cerca de 20% do território nacional, numa escala crescente. A cada ano, uma área maior que a Inglaterra foi afetada, sendo que 61% queimou duas vezes ou mais.

Ao contrário do que se poderia pensar, o fogo não afeta apenas o Pantanal, a Amazônia, o Cerrado e até a já bastante devastada Mata Atlântica. Bioma exclusivamente nosso, no qual imaginamos uma agropecuária de convivência passiva na região do semiárido, a Caatinga é palco de queimadas, hábito cultural arraigado nos brasileiros. Associado à criação de gado e caprinos, o fogo está degradando tanto o solo em vários estados nordestinos que o risco do aparecimento de desertos é altíssimo:

— A desertificação é causada por fatores climáticos, associados à degradação ambiental, como desmatamento, sobrepastoreio [pecuária acima do limite suportável], queimadas, práticas agrícolas inadequadas, que levam à perda do solo, à erosão e, consequentemente, à degradação grave e à desertificação — explica o doutor em meteorologia Humberto Barbosa, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). (ver entrevista na íntegra mais à frente).

Na reunião da CMA do dia 20, a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga (ISPN), Isabel Figueiredo, chamou a atenção para a urgência de se estabelecer um sistema de alertas de incêndios nesses biomas nos mesmos moldes do que já é feito na Amazônia.

— As áreas de vegetação aberta, como as do Cerrado, podem dar a impressão de que não absorvem carbono, mas as raízes profundas são muito úteis nessa tarefa — disse a pesquisadora.

Entre as medidas sugeridas à CMA para a redução nas emissões de CO2, a coordenadora do ISPN deu ênfase à ampliação do Manejo Integrado do Fogo (MIF), um conjunto de técnicas e práticas que visam, além de reduzir os incêndios, proteger regiões e territórios que são mais sensíveis, como as veredas, as matas e também moradias e lavouras.

— Hoje o ICMBio e o Ibama já utilizam o MIF em algumas unidades de conservação e terras indígenas, mas esse uso precisa ser ampliado para todas as áreas protegidas, pelo menos no Cerrado e no Pantanal. E para as áreas privadas. As reservas legais das fazendas também têm de ser manejadas, de modo que não queimem e o fogo passe eventualmente a uma área protegida. Até porque elas são também áreas protegidas.

O manejo tem como uma de suas providências a queima preventiva de trechos escolhidos no final da estação chuvosa e início da estação seca, sob a vigilância de brigadistas e em horários específicos, de maneira que o excesso de biomassa seja eliminado, evitando incêndios de grandes proporções e criando barreiras à progressão do fogo.

— O fogo é, sim, um aliado para reduzir incêndios no caso no Cerrado, do Pantanal. Isso já está bastante estudado, já tem uma série de artigos científicos mostrando os benefícios. A redução é de até 40% a mais nas emissões de carbono do que essa se essa mesma área fosse queimada no auge da seca, em setembro, outubro.

Segundo Isabel Figueiredo, há um projeto de lei parado na Câmara sobre o assunto desde 2018, apesar de requerimento de urgência assinado por todos os líderes, inclusive o agora presidente da Casa, Arthur Lira. Entre as mudanças propostas, O PL 11.276/2018 envolve mais gente na formulação e na estratégia do manejo e profissionaliza os brigadistas.

Do ponto de vista socioambiental, a pesquisadora enfatizou a premência de se reconhecer os territórios ocupados por povos indígenas, por comunidades tradicionais e agricultores familiares, por manterem grandes áreas de vegetação nativa em meio às suas áreas produtivas, o que é chamado tecnicamente de "mosaico".

— A gente pode observar nesses locais a continuidade dos ciclos de água, a fixação e a continuidade dos ciclos de carbono, além de outros processos ecológicos, como a conservação do solo, a polinização, a dispersão, os fluxos de biodiversidade. A FAO [braço da ONU para a alimentação] publicou recentemente um relatório mostrando evidências do papel fundamental dessas comunidades e desses povos indígenas na conservação da vegetação nativa e na manutenção de estoques de carbono no planeta inteiro — disse Isabel Figueiredo.

A argumentação dela encontra apoio numa das descobertas do MapBiomas Fogo: embora ameaçadas e, muitas vezes, invadidas, as terras indígenas estão entre as áreas que menos queimaram de1985 a 2020.

A representante do ISPN pediu também que seja feito um esforço para engajar a sociedade como um todo na questão do clima e da emissão de gases de efeito estufa, visto muitas vezes como um assunto distante dos cidadãos comuns que, a despeito disso, sentem na pele o aumento da temperatura local e a falta de chuvas.

— A gente pode estar muito próximo do momento a partir do qual o colapso se deu e já não se pode voltar. Essas informações ainda são mistério para a ciência e a gente precisa se antecipar. Ainda não é, não é ainda, mas a gente está quase lá — advertiu.

Na mesma reunião, Leonardo Gomes, diretor de Relações Institucionais do Instituto SOS Pantanal, deu um exemplo do que pode ser esse ponto sem retorno, ao citar estudo coordenado por José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.

— Levando em conta o cenário da pior seca dos últimos 50 anos em 2021, quando algumas regiões do Pantanal vão chegar próximo dos 40 graus de temperatura e 10% de umidade, é possível imaginar esse cenário ainda mais intensificado até o final do século, um cenário de muita preocupação, e até de desertificação de muitas áreas do Pantanal.

Se o Pantanal passar a abrigar desertos, não será por falta de aviso.


Entrevista com Ivan Anjo Diniz, coordenador da Rede Contra o Fogo



Projetos de lei relacionados às mudanças climáticas:

  • PL 11.276/2018: institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo;
  • PL 528/2021: institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), por meio do qual se dará a compra e a venda de créditos de carbono no país;
  • PL 191/2020: estabelece as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas;
  • PL 490/2007: estabelece que as terras indígenas serão demarcadas através de leis e, na prática, estabelece 1988 como o marco temporal para a ocupação de terras legalizáveis por comunidades indígenas;
  • PL 2.847/2021: amplia o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado nos municípios de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João da Aliança, para o estado de Goiás;
  • PDC 1.100/2018, com origem na MSC 308/2018: aprova o texto da Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal. A emenda prevê reduções graduais na produção e utilização de gases não agressivos à camada de ozônio (hidrofluorcarbonbos-HFCs), mas causadores de efeito estufa;
  • PDL 406/2019, com origem na MSC 600/2018: aprova o texto do Acordo de Cooperação Antártica entre Brasil e Chile, de 2013, com repercussão na proteção ambiental da Antártida.
  • Projeto de Lei (PL) 2159/2021: estabelece normas gerais para o licenciamento de atividade ou de empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz de causar degradação do meio ambiente.

Normas ambientais relacionadas às mudanças climáticas


Entrevista

Humberto Barbosa, pesquisador do Lapis/Ufal

“A mudança climática precisa integrar a agenda governamental”

Humberto Barbosa: desmatamento na Amazônia impacta clima global e regional (foto: EBC)

Professor associado do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), Humberto Barbosa é uma das principais referências no Brasil em recepção, processamento, análise e distribuição de dados de satélites para fins metereológicos. Graduado em 1995 no curso de Meteorologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), é mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), doutor em Ciência do Solo/Sensoriamento Remoto pela Universidade do Arizona (Uofa) e pós-doutor pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Além de outras colaborações em projetos internacionais voltados a estudos metereológicos, participou como editor e coordenador de capítulos do último relatório do IPCC sobre as mudanças climáticas, com destaque para o que trata da degradação dos solos.

Uma de suas mais importantes pesquisas resultou no livro Um Século de Secas, que amplifica a análise de problemas ambientais complexos, como desertificação e mudança climática em municípios do Semiárido brasileiro. O resultado é a constatação, por meio de uma metodologia própria, da convergência de vulnerabilidades ecológicas, socioeconômicas e institucionais que levam à falta de resposta desses municípios aos problemas ambientais em si. “A questão passa necessariamente pela agenda das políticas e deve ser direcionada à esfera local, onde cada município enfrenta os impactos crescentes da mudança climática”, opina Barbosa, que defende ainda uma participação mais efetiva do Poder Legislativo na definição dos rumos que o país deve adotar para cumprir suas responsabilidades com a limitação do aquecimento global.


Agência Senado — O IPCC fez aquele que foi o alerta mais contundente em toda a sua história no início de agosto. O senhor acha que a repercussão na imprensa, nos meios governamentais e na sociedade está altura do conteúdo do relatório?

Humberto Barbosa — Sim. Em 2019, eu participei da elaboração do relatório especial do IPCC sobre mudança climática e degradação das terras. Desde aquela ocasião, já percebi uma cobertura mais abrangente por parte da mídia brasileira e da comunidade científica. Porém, com relação à governança, percebo que a mudança climática ainda não integra a agenda governamental, com a dimensão que deveria, na definição das políticas. E aí eu incluo a participação da sociedade civil nesse processo de governança.

Nós fizemos uma pesquisa, que resultou no livro Um Século de Secas, na qual definimos uma metodologia para analisar a governança de problemas ambientais complexos, como desertificação e mudança climática, em municípios do Semiárido brasileiro. Identificamos uma convergência de vulnerabilidades (ambiental, climática, à desertificação, institucional), que quando associadas à vulnerabilidades socioeconômicas (pobreza, baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), insegurança hídrica e alimentar), resulta em falta de capacidade institucional desses municípios para lidar com esses problemas ambientais.

A questão passa necessariamente pela agenda das políticas e deve ser direcionada à esfera local, onde cada município enfrenta os impactos crescentes da mudança climática. Por exemplo, a perda de produtividade do solo, pois o Semiárido brasileiro já conta com 13% do seu território em processo de desertificação.

Agência Senado — Quais são, na sua opinião, as grandes novidades desse relatório? O que deveria nos deixar mais mobilizados, se é que tudo não é assustador na mesma medida?

Humberto Barbosa — Destaco dois pontos: em primeiro lugar, a parte do aumento do nível dos oceanos, que vão continuar mesmo se cumprirmos todas as metas previstas, de redução a zero nas emissões. E o processo irreversível de derretimento do gelo nas regiões polares e de derretimento do gelo nas geleiras das montanhas. Em segundo, a frequência e a intensidade dos eventos extremos, aumentando as áreas de inundações e secas, em várias regiões do globo.

Desde o último relatório de avaliação do IPCC em 2013, há evidências crescentes de que os furacões têm se tornado mais intensos e intensificados mais rapidamente do que há 40 anos.

O que deveria nos deixar mais mobilizados é o controle do desmatamento na Amazônia, pelo papel que ela exerce no clima regional e global. Vale lembrar que a Amazônia é responsável diretamente pelas chuvas na região Sudeste, que abriga, de longe, a maior parte da população, além dos principais setores econômicos.

Agência Senado — No papel de um estudioso dos processos de desertificação, como vê o avanço desse fenômeno no Brasil? O que pode ser feito para frear a marcha dos desertos?

Humberto Barbosa — O que pode ser feito é o manejo adequado dos recursos naturais, principalmente no Semiárido brasileiro e nas áreas subúmidas secas, que concentram o processo de desertificação no Brasil. A desertificação é causada por fatores climáticos, associados à degradação ambiental, como desmatamento, sobrepastoreio [pecuária acima do limite suportável], queimadas, práticas agrícolas inadequadas, que levam à perda do solo, à erosão e, consequentemente, à degradação grave e à desertificação.

Como vejo o avanço no Brasil: As áreas desertificadas, ou seja, com solos degradados de forma grave ou muito grave são um laboratório da possível expansão que pode ocorrer em outras áreas e que aumenta a fome da população que vive da agricultura de sequeiro. Então, é preciso conter os principais mecanismos dessa degradação, citados acima. Por outro lado, tem a questão ecológica, de perda da diversidade biológica, de muitas espécies que sequer foram exploradas pela ciência. É por isso que o aumento das áreas de conservação é necessário, para que possa garantir esse patrimônio biológico para as futuras gerações.

Ação de plantio de mudas para tentar combater degradação do solo na Caatinga (foto: Liliane Bello/Embrapa)

Agência Senado — Nas últimas semanas, uma série de estatísticas estarrecedoras têm sido divulgadas. É o fogo novamente no Pantanal, na Amazônia, em áreas do Cerrado e até na Mata Atlântica. Há dados também sobre a diminuição da superfície de cursos d’água e de lagoas. Dizem que “o Brasil está secando” e, no caso dos reservatórios usados para gerar eletricidade, há uma seca temporária gravíssima, até com risco de apagões. Para onde caminha o país?

Humberto Barbosa — São os chamados eventos extremos e temos chamado atenção, do ponto de vista climático, para o aumento na frequência e intensidade da seca, que influencia as próprias queimadas na Amazônia, é claro, associadaacabei de liberar e ia fazer à ação humana. Todos esses fatores estão interligados. Recentemente, publicamos um artigo, em um periódico internacional, sobre o aumento das secas extremas na Amazônia. Identificamos que, desde os anos 1970, esse fenômeno se tornou mais frequente e intenso na Amazônia. Agora, está para sair um novo artigo, no qual analisamos toda a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que segue um padrão similar. Ou seja: nas últimas décadas aumentou a quantidade de secas de intensidade extrema.

Nos últimos anos, toda aquela área do Rio São Francisco vem enfrentando degradação, com a mudança no uso e ocupação do solo, que inclui a conversão de terras para a agricultura, em detrimento da vegetação nativa.

Outra característica é que tanto a Amazônia quanto a Bacia do Rio São Francisco, principalmente no oeste da região Nordeste, têm aumentado a quantidade de queimadas, em razão justamente dessas atividades antrópicas, associadas ao próprio processo de mudança ambiental.

Agência Senado — Como avalia, do ponto de vista da sustentabilidade, projetos de distintos governos como a entrega de parques nacionais à iniciativa privada, a Usina de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco?

Humberto Barbosa — O Brasil já deveria ter se engajado efetivamente na agenda ESG [sigla em inglês para “boas práticas ambientais, sociais e de governança”]*, ou seja, uma agenda de políticas que atenda as demandas sociais e econômicas, mas tendo a sustentabilidade ambiental como diretriz. Nessa agenda, cabe a parceria público-privada, faz parte da governança, desde que seja efetivamente participativa. Foi isso que trabalhamos na pesquisa do livro Um Século de Secas, com relação à governança participativa das águas no Brasil. E vale lembrar que não é possível atender a uma agenda ESG sem investimentos fortes em educação, ciência, tecnologia e inovação.

(*) “Environmental, Social and Governance”.

Agência Senado — Assim como a maior parte dos países, o Brasil vinha tendo dificuldades de avançar com mais força e rapidez em direção a uma economia limpa e uma diminuição das emissões de CO2. Nos últimos anos, houve um rompimento desses esforços no discurso e na prática. Quais devem ser as consequências se o país quiser, em algum momento, retomar de fato seus compromissos com a desaceleração do aquecimento global?

Humberto Barbosa — Em primeiro lugar, retomar o papel de protagonismo ambiental que o Brasil sempre exerceu e cumprir as metas do Acordo de Paris. Em novembro vai acontecer a COP26, na qual haverá a negociação sobre a precificação do carbono. E isso é de grande interesse para o Brasil. O nosso maior problema com as emissões hoje, é conter o desmatamento/queimadas e boas práticas de produção agropecuária, que inclui a agricultura de baixo carbono.

Agência Senado — Individualmente ou como parte de algum grupo ou instituição, o senhor tem propostas de metas ou estratégias para cortes de emissão de carbono pelo Brasil. Em outros termos, quais as propostas de metas e estratégias a comunidade científica brasileira tem a apresentar aos governantes, lembrando que a COP26 será daqui a pouco, em novembro?

Humberto Barbosa — De forma geral, a comunidade científica tem chamado atenção para a retomada das políticas de proteção aos biomas brasileiros, principalmente Amazônia, Cerrado e Caatinga, sendo esta última a mais impactada pela mudança climática. A proteção desses biomas inclui monitoramento contínuo. A Caatinga, por exemplo, ainda não conta com um programa institucional de monitoramento de desmatamento, como o Prodes da Amazônia, que foi implantado em1988. São necessários também a fiscalização dos crimes contra o patrimônio ambiental brasileiro; o cumprimento das leis ambientais para coibir ações como desmate e queimadas; a valorização das comunidades indígenas e quilombolas, que exercem um papel importante nessa conservação e prospecção de espécies nativas desses biomas para fomentar econegócios nas comunidades, ou seja, promover a sustentabilidade com iniciativas inovadoras, que reduzam a pobreza.

Agência Senado — O relatório do IPCC fala da necessidade de se adotar metas ousadas, de se ter compromisso e efetividade na redução das emissões. Vê o Brasil com disposição e capacidade política para uma tarefa dessa envergadura?

Humberto Barbosa — O Parlamento brasileiro exerce um papel importante nesse processo, pois não só define as políticas como fiscaliza o cumprimento da legislação. Nesse sentido, com uma participação ativa dos parlamentares, é possível reverter a atual conjuntura ambiental brasileira. A capacidade política, nós já mostramos, em alguns momentos históricos, que tivemos, como a Constituição de 1988, que garantiu vários direitos socioambientais, em um momento em que ainda se falava muito pouco sobre esse assunto, em todo o mundo. A ECO-92 trouxe essa discussão da sustentabilidade para o Brasil, com os primeiros movimentos ambientalistas que contaram com a participação política. Então, temos expectativa de que a participação do Parlamento, nos próximos anos, recupere o papel histórico de protagonismo que exerceu em um passado recente.

Agência Senado — O que cabe a cada parte nessa tarefa desafiadora: setor público, setor privado empresarial e sociedade? Vale a pena pedir a pessoas que deixem de usar sacolinhas plásticas de supermercado ou isso não vai ter maiores consequências se a poluição de grandes fontes continuar acelerada e as fiscalização ambiental, desmantelada?

Humberto Barbosa — Mais uma vez, destaco a governança participativa, que envolve os três setores, para a gestão conjunta dos recursos naturais. Por exemplo, a questão da água, que requer uma adaptação de vários setores econômicos, para se ajustar a essa demanda contemporânea da mudança climática. A água se tornou uma commodity, que vai indexar as economias, sendo preciso iniciativas de conservação desse recurso natural, como um dos maiores ativos econômicos do futuro. No livro, discutimos amplamente esse processo, relacionado à mudança climática.

Agência Senado — A ciência avançou muito na detecção e no monitoramento de fenômenos climáticos e ambientais em geral, mas muita gente ainda duvida da palavra dos cientistas. E nos centros de decisão muitas vezes o apoio político e financeiro é negado à ciência. Com que forças, ela continuará a exercer seu papel?

Humberto Barbosa — O Brasil depende da ciência, para conseguir avançar em algumas áreas. Há a necessidade de ter a ciência como pauta das políticas públicas. O Brasil tem muitos problemas sociais e econômicos, de modo que a ciência, tecnologia e educação são primordiais para que o país ao menos recupere sua posição anterior.

Como autor de um relatório do IPCC, identificamos justamente essa necessidade de que países tropicais, como o Brasil e a África, pautem ações econômicas e decisões, em função do conhecimento científico que produzem. A agricultura tropical do Brasil é um exemplo de como a ciência fortaleceu essa área estratégica. Só a ciência pode ajudar nesse salto de competitividade, para superarmos as crises econômicas que enfrentamos, desde os anos 1970. É o caso da Embraer, que foi fundamental para o avanço da tecnologia espacial.

Agência Senado — A redução do aquecimento global é uma tarefa a ser compartilhada pelo conjunto das nações. O que pensa que pode ser realmente efetivo nesse concerto: ajuda financeira direta, programas de crédito de carbono, transferência de tecnologia?

Humberto Barbosa — A implementação e o cumprimento das metas do Acordo de Paris são o passo principal. Mas zerar as emissões até 2050 é o maior desafio dos países, que passa pelo investimento em uma matriz energética mais limpa, bem como na reestruturação do setor de transporte e da maneira como produzimos alimentos.

BIOMAS


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Saiba mais:


Reportagem: Nelson Oliveira Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy Edição de tratamento de fotos: Ana Volpe Infografia: Cássio Costa, Cláudio Portella e Diego Jimenez Arte da capa: Bruno Bazílio Veja mais Infomatérias

Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/09/o-aquecimento-global-no-limite


Desastres em todo o mundo podem estar interconectados

Relatório conclui que distintas catástrofes climáticas, pandemias e outras crises podem ser geradas e agravadas por mesmos fatores

DW Brasil

Uma onda de frio no Texas; uma nuvem de gafanhotos na África Oriental; um peixe da China que, depois de sobreviver à extinção dos dinossauros, em 2020 sucumbiu irreversivelmente aos seres humanos. Embora separados por fronteiras e oceanos, e afetando espécies individuais ou ecossistemas e comunidades inteiros, desastres como esses têm mais em comum do que se percebe ou se planeja.

Essa é uma conclusão-chave de um relatório publicado nesta quarta-feira (08/09) pela Universidade das Nações Unidas (UNU). Seus pesquisadores descobriram que algumas das piores catástrofes dos últimos dois anos se superpuseram, agravando-se mutuamente. Em diversos casos, foram impulsionadas pelas mesmas ações humanas.

"Quando a gente vê desastres no noticiário, eles costumam parecer distantes", comenta Zita Sebesvari, chefe de pesquisas da UNU e uma dos principais autores do relatório. "Porém mesmo os que ocorrem a milhares de quilômetros de distância muitas vezes estão relacionados entre si."

Três causas básicas afetaram a maior parte dos eventos contemplados na análise da UNU: a queima de combustíveis fósseis, má gestão de risco e a falha de dar o devido valor ao meio ambiente na tomada de decisões.

Algas, uma solução mágica para o clima?

Muitos dos eventos registrados estão relacionados a situações meteorológicas extremas. No Vietnã, uma cascata de nove tempestades separadas, chuvas pesadas e inundações devastaram o país em apenas dois meses. Um ciclone mortal, potencializado pela mudança climática, se abateu sobre Bangladesh em meio à pandemia de covid-19, enquanto trabalhadores cumpriam quarentena nos abrigos anticiclone.

Ocorrências como essas "se alimentam reciprocamente", explica o também coautor do estudo da UNU Jack O'Connor: se os abrigos de emergência estão sendo usados para proteger a população de intempéries e alojar pacientes de covid-19, menos cidadãos vão poder – ou querer – utilizá-los. Quem o faz, fica mais exposto ao coronavírus.

E então quando o ciclone chega, ele danifica os hospitais e interrompe as cadeias de fornecimento necessárias ao tratamento médico. "Não se configuram as medidas contra ciclones tendo em mente uma pandemia", nota O'Connor. "Mas é o tipo de coisa que vamos ter que começar a fazer."

DESMATAMENTO NO BRASIL


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O perigo dos eventos extremos compostos

O relatório da UNU chega uma semana após uma análise da Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrar que, nos últimos 50 anos, em média ocorreu um desastre de fundo meteorológico por dia – de furacões a secas –, matando 115 pessoas e causando perdas de 202 milhões de dólares.

Por outro lado, embora os humanos sigam queimando combustíveis fósseis e aquecendo o planeta, o saldo fatal do mau tempo extremo está diminuindo, principalmente graças aos avanços na previsão e nos sistemas de aviso precoce, os quais permitem aos governos evacuarem as populações das áreas em risco antes que as intempéries ocorram.

Assim, tormentas e enchentes devastadoras estão matando menos, porém deixando mais desabrigados. No entanto não está garantido que essa proporção vá se manter, à medida que o planeta se aquece e mais catástrofes se sobrepõem.

Segundo um relatório referencial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) publicado em agosto, provavelmente a influência humana já vem elevando a probabilidade de "eventos extremos compostos" desde a década de 1950.

Ondas de calor e secas concomitantes, por exemplo, são mais comuns por todo o mundo. Em algumas regiões observam-se tendências semelhantes de chuvas pesadas, tormentas súbitas ou incêndios.

Caso o planeta se aqueça 4 ºC acima dos níveis pré-industriais, as ondas de calor que costumavam ocorrer a cada 50 anos podem se tornar 39 vezes mais frequentes, segundo as projeções do IPCC. O aumento atual já é de 1,1 ºC. Embora os líderes mundiais tenham se comprometido a limitar o aquecimento a 1,5 ºC até o fim do século, suas presentes políticas miram antes o dobro dessa  marca.

Três exemplos: China, Austrália, Brasil

O relatório da UNU destaca três exemplos específicos de crises ecológicas estreitamente ligadas à mudança climática. Cerca de 25% da Grande Barreira de Coral da Austrália já se branqueou gravemente em 2020, e os recifes de corais se reduzirão em 70% a 90%, caso o aquecimento global chegue 1,5 ºC. Com um acréscimo de 2 ºC, praticamente todos os corais do mundo desaparecerão.

Embora a mudança climática seja o principal fator dessa ameaça, a resiliência de um recife também depende de agravantes como a poluição e a sobrepesca, lembra O'Connor, que em seu treinamento como cientista marinho teve ocasião de ver recifes de coral antes e depois do branqueamento.

"É como Procurando Nemo, cheio de cor e vida", compara, referindo-se ao popular filme de animação 3D. "Quando se visita um recife branqueado devido ao aumento das temperaturas oceânicas, toda a cor se foi, tudo fica branco. Mas não só isso: é como um cemitério, todos os animais foram embora."

Na Amazônia, centenas de milhares de hectares de vegetação foram queimados para satisfazer a demanda global de carne, tanto para transformar a mata em pastos como para plantar soja para alimentar o gado. Isso reduziu o volume de poluição carbônica que a floresta era capaz de absorver. Alguns estudos sugerem que o desmatamento e o aquecimento global acelerarão a extinção da vegetação até um ponto de guinada em que a floresta tropical se transformará em savana seca.

No rio Yangtzé, China, o peixe-espátula-chinês foi exterminado em 2020, após décadas de sobrepesca, poluição e a construção de diversas represas, isolando-os de sua área de procriação, corrente acima. Como no caso dos recifes de coral, a perda de uma espécie num ecossistema pode bastar para que todo o sistema entre em colapso.

Todos podem sair lucrando?

O resultado do relatório da UNU enfatiza como os tomadores de decisões podem se concentrar num punhado de "soluções win-win", em que todos saiam ganhando, a fim de prevenir desastres – como reduzir as emissões carbônicas ou planejar a infraestrutura com mais respeito pela natureza.

Tanto na Amazônia como no Yangtzé, observam os autores, governo e empresas alteraram as paisagens para explorar recursos economicamente valiosos, porém muitas vezes sem levar em conta os custos ambientais. O estudo também reflete sobre o custo de ignorar as conexões entre desastres e impor soluções que pioram outros extremos.

As represas que contribuíram para a extinção do peixe-espátula-chinês, por exemplo, geram energia hidrelétrica limpa, oferecendo uma alternativa à queima de combustíveis fósseis. Em alguns casos, o retorno talvez não valha a pena; em outros, políticas direcionadas podem compensar os danos. "Não podemos nos permitir mais adotar soluções míopes, que acabam saindo pela culatra mais tarde", exorta said O'Connor. "Precisamos fazer melhor."

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/desastres-em-todo-o-mundo-podem-estar-interconectados/a-59125593


Garimpo na Amazônia revolta indígenas, assusta estudiosos e mobiliza Senado

PL 490/2007 altera uma norma que tem quase 50 anos, o Estatuto do Índio (Lei 6.001, de 1973)

Nelson Oliveira / Agência Senado

Durante fala emocionada na Comissão de Meio Ambiente (CMA), a líder mundurucu Alessandra Korap descreveu como branca e barrenta a água do Rio Tapajós, curso d’água que nasce em Mato Grosso, banha parte do Pará e desagua no Rio Amazonas, em frente à cidade de Santarém, a cerca de 695 quilômetros de Belém. Contendo 6% das águas da Bacia Amazônica, a Bacia do Tapajós é mais uma área poluída e assoreada pelos garimpos que crescem vertiginosamente na Amazônia.

Realizada em 25 de agosto, a audiência pública debateu o projeto do marco temporal. O texto determina que índios só podem reivindicar as terras ocupadas por eles até 1988, ano de promulgação da Constituição. O PL 490/2007 altera uma norma que tem quase 50 anos, o Estatuto do Índio (Lei 6.001, de 1973). 

— A Funai não está do lado dos povos indígenas. Eles só querem saber de mineração, de madeira, de deixar o nosso rio sujo. A gente vê o Rio Tapajós, que é o mais lindo do mundo, infelizmente está sujo. Se você vai na beira do rio, principalmente entre Itaituba e Jacareacanga, a água é branca, branquíssima. A gente bota o remo e vê a lama que vem do garimpo — denunciou Alessandra.


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A denúncia mobilizou os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Confúcio Moura (MDB-RO), respectivamente presidente e vice da CMA. Confúcio se comprometeu a apoiar a causa dos índios e a “resistir bravamente ao projeto quando ele chegar ao Senado”. 

Wagner disse que ficou “contaminado positivamente” pelas palavras de Alessandra. O senador criticou a aprovação de propostas legislativas diretamente pelos Plenários do Senado e da Câmara, sem o exame aprofundado nas comissões temáticas, e classificou como “fundamental” combater a violência contra os índios. 

— Há uma corrida, uma marcha da insensatez no sentido de aprovar tudo sob o guarda-chuva da epidemia de covid-19. Estamos transformando o Plenário numa grande comissão. [...] Ninguém vive o drama da demarcação sem se envolver emocionalmente e tivemos aqui depoimentos contagiadores da alma.

O senador criticou também a atitude dos que se indiguinam com costumes absurdos no exterior sem se dar conta de que no Brasil querem impor um modelo de desenvolvimento e de vida:

— Desenvolvimento é desenvolvimento ou erniquecimento de alguns? Tudo é terra para mais gado ou mais ouro? Não estou dizendo que esses não sejam valores, mas a isso aí vamos na usura sem limites?

A participação de Alessandra foi seguida do depoimento do líder ianomâmi Davi Kopenawa, de Roraima. De acordo com ele, a mineração é um dos grandes males levados pelos brancos aos territórios dos povos originários, que continuam a ser invadidos e saqueados mais de 500 anos depois do descobrimento do Brasil:

— A sociedade [branca] veio atravessando o mar de canoa grande [caravelas] pra invadir o Brasil. Eu queria dizer o nome do homem que pisou as nossas terras, olhou e cresceram os olhos. O nome dele é Pedro Alvares Cabral. O povo indígena já estava aqui morando, vivendo, cuidando da terra para a neta, criando nossos filhos. O índio não é destruidor, não precisa desmatar muito como o branco faz. A natureza já criou muitas arvores boas e variadas. Eu pensava que o homem [branco] era inteligente, mas ele é inteligente pra outras coisas: destruir a terra, sujar a água, matar peixe e matar o povo indígena. Isso não pode ser assim, não!

Líderes Alessandra Korap e Davi Kopenawa em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (fotos: Pedro França/Agência Senado)

Cinco dias antes do debate, a CMA havia sido palco de outra discussão sobre os efeitos danosos da exploração de recursos naturais. Coordenada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a audiência analisou a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas (PNMC) e serviu para instruir o relatório que será levado à 26ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP26), em Glasgow, na Escócia.  Na cúpula, que termina em 12 de novembro, serão firmados os próximos passos para a implementação do Acordo de Paris, o mais importante compromisso multilateral para o clima em anos recentes.

Para avaliar a política climática sob responsabilidade do governo federal, identificar falhas e omissões e propor recomendações, a senadora convidou estudiosos e ambientalistas a analisarem a atuação do Poder Executivo na prevenção e controle de desmatamentos e queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. O resultado foi um conjunto de observações negativas, que traçam um cenário de devastação ecológica no rastro da desarticulação de atividades como o monitoramento e a fiscalização ambiental, além da repressão a desmatadores, grileiros, incendiários e garimpeiros.

Segundo o pesquisador do Instituto Socioambiental Antonio Oviedo, a mineração na Amazônia Legal degradou 39,6 mil hectares de terras públicas e privadas, sendo 8,7 mil (22%) somente em áreas indígenas, de 2017 a 2021. A destruição atingiu 20,9 mil hectares em unidades de conservação federal e 9,5 mil em terras fora de áreas de proteção. Os dados são do sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Deter dá suporte ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e demais órgãos ligados ao tema na fiscalização e no controle do desmatamento e da degradação florestal.


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Um problema ambiental normalmente não aparece sozinho; muitas vezes ocorre em paralelo ou em associação a outros. O desmatamento em terras indígenas da Amazônia Legal, por exemplo, alcançou 1,6 milhão de hectares entre 2009 e 2018, conforme dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), também operado pelo Inpe. Oviedo chamou a atenção da CMA para a aceleração da prática nos dois primeiros anos do atual governo (2019-2020): 44,9 mil hectares desmatados por ano, aumento de 100% em relação à média observada entre 2009 e 2018, de 22,4 mil hectares/ano.

Já as queimadas na região cresceram de 587,8 mil focos em 2018 para 1,1 milhão em 2020, segundo dados da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. Só de janeiro a agosto deste ano, os focos atingiram 337,8 mil, com crescimento de 20% em relação ao mesmo período de 2020.

— O desmatamento, em especial na Amazônia, puxa o crescimento das emissões brasileiras de gases de efeito estufa prejudiciais ao clima. São 968 milhões toneladas de dióxido de carbono, 44% do total das emissões do país — disse o pesquisador.

Oviedo cobrou “ações de fiscalização e controle que sejam capazes de fazer cessar os ilícitos e, assim, resguardar os povos indígenas e populações tradicionais”. Entre essas medidas estão a retirada de invasores e a retomada dos processos de demarcação das terras indígenas, além do “imediato cancelamento de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) sobrepostos a essas áreas”.

O pesquisador também defendeu a rejeição de dois projetos que, segundo ele, facilitam o desmatamento na Amazônia Legal. O PL 2.159/2021, em tramitação no Senado, muda as normas do licenciamento ambiental; E o PL 191/2020, em debate na Câmara, estabelece as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) e para o aproveitamento de recursos hídricos destinados à geração de energia elétrica em terras indígenas. O texto institui indenização aos índios pela restrição do usufruto de suas terras.

Confúcio Moura, Jaques Wagner e Eliziane Gama estão preocupados com a degradação do meio ambiente (fotos: Pedro França/Agência Senado, Geraldo Magela/Agência Senado e Edílson Rodrigues/Agência Senado)

Em evidência por causa dos 6 mil índios que acompanham em Brasília o julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a questão da exploração dos recursos minerais em terras indígenas ganhou mais amplitude na última semana de agosto, quando foram divulgados dados inéditos pela organização de pesquisa MapBiomas. Analisando imagens de satélites da Nasa com o auxílio de inteligência artificial, os pesquisadores constataram que a área ocupada pela mineração no Brasil cresceu mais de 6 vezes entre 1985 e 2020: de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares no ano passado. E boa parte desse crescimento se deu mediante a expansão na Floresta Amazônica.

Em 2020, três em cada quatro hectares minerados no Brasil se localizavam na região. A Amazônia concentra 72,5 % (149.393 hectares) de toda a área de mineração, incluindo a industrial e o garimpo, sendo que 101.100 hectares (67,6%) referem-se a garimpos.

Os dados também mostram que a quase totalidade do garimpo do Brasil (93,7%) concentra-se na Amazônia. No caso da mineração industrial, o bioma responde por praticamente metade (49,2%) da área ocupada por essa atividade no país.

A atividade garimpeira superou a área associada à mineração industrial em 2020: 107.800 contra 98.300 hectares, respectivamente. Enquanto o crescimento da mineração industrial se deu de forma gradual e contínua, a um ritmo de 2,2 mil hectares por ano entre 1985 e 2020, no caso do garimpo a situação foi bem diferente: o avanço, que era baixo entre 1985 e 2009, em torno de 1,5 mil hectares por ano, quadruplicou para 6,5 mil hectares por ano a partir de 2010.

Há uma outra diferença entre a mineração industrial e o garimpo, de acordo com os estudiosos do tema: embora não deixe de oferecer danos, como se viu nos acidentes em Mariana e Brumadinho (MG), a primeira está mais sujeita à fiscalização, em contraponto ao alto grau de informalidade da procura desenfreada por ouro, o mineral mais ambicionado pelos aventureiros. Enquanto a produção de ferro (25,4%) e alumínio (25,3%) respondem por metade da área de mineração industrial, 86,1% da área garimpada está relacionada à extração de ouro.

“Existe uma mensagem clara no governo estimulando essa atividade. Hoje nós temos garimpeiros que atuam na ilegalidade e que acreditam que o Estado não vai puni-los e que, mais do que isso, vai legalizar essa atividade hoje”, disse durante o evento virtual do MapBiomas o procurador da República Gustavo Kenner Alcântara.

 “O fato é o enfraquecimento mesmo dessas instituições como o IBAMA, até como a Agência Nacional de Mineração. Eles não têm recursos pra fazer as operações de fiscalização e ir em campo combater esse tipo de crime. A gente já sabe onde acontece esses crimes”, disse Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas.

Garimpo na terra ianomâmi e protesto de mulheres mundurucu contra a atividade ilegal (fotos: Bruno Kelly/Amazônia Real e Movimento Iperegayu)

"Pela primeira vez, a evolução das áreas mineradas é apresentada para a sociedade, mostrando a expansão de todo o território brasileiro desde 1985. Trata-se de dados inéditos que permitem compreender as diferentes dinâmicas das áreas de mineração industrial e garimpo e suas relações, por exemplo, com os preços das commodities, com as unidades de conservação e terras indígenas", afirmou Pedro Walfir, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador do Mapeamento de Mineração no MapBiomas.

Segundo ele, agora já se pode apontar quais são as lavras permitidas e quais são as não autorizadas:

"As que ocorrem dentro de terras indígenas e em unidades de conservação e áreas de proteção integral são, por princípio, ilegais".

Os dados dos satélites confirmam a razão das queixas dos líderes indígenas na Comissão de Meio Ambiente. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%. Nas unidades de conservação, o crescimento foi de 301%. Em 2020, metade da área nacional do garimpo estava em unidades de conservação (40,7%) ou em terras indígenas (9,3%). Conforme o MapBiomas, as maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território caiapó (7.602 hectares) e mundurucu (1.592 hectares), no Pará, e ianomâmi (414 hectares), no Amazonas e em Roraima.

Entre as dez unidades de conservação com maior atividade garimpeira, oito ficam no Pará. As três maiores são a Unidade de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós (34.740 hectares), a Floresta Nacional (Flona) do Amaná (4.150 hectares) e o Parque Nacional (Parna) do Rio Novo (1.752 hectares). E todos os dez municípios com maior área garimpada ficam no sul do Pará e norte de Mato Grosso, com Itaituba, Jacareacanga e São Félix do Xingu nas três primeiras posições.

"Os produtos da mineração são fundamentais para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Esperamos que estes dados contribuam para a definição de estratégias para acabar com as atividades ilegais e estabelecer uma mineração em bases sustentáveis respeitando as áreas protegidas e o direito dos povos indígenas e atendendo os mais elevados padrões de cuidado com a biodiversidade, solo e a água", afirmou Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas.


Veja trechos da audiência pública da Comissão de Meio Ambiente
com as lideranças indígenas Alessandra Korap e Davi Kopenawa



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Reportagem: Nelson Oliveira Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy Foto de capa: Garimpo ilegal na Terra Indígena Kayapó / Divulgação

Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/09/garimpo-na-amazonia-revolta-indios-assusta-estudiosos-e-mobiliza-senadores


Relatório aponta crise climática mais 'preocupante' para o Brasil

Essa é uma das conclusões do relatório Estado do Clima 2020 recém-publicado pela Sociedade Meteorológica Americana

Matt McGrath / BBC News

Informações preliminares neste início de ano já confirmavam que 2020 tinha batido recordes de temperatura no continente - além de ser um dos três anos mais quentes em todo o mundo. Agora, o relatório aponta que a diferença em relação a anos anteriores foi significativamente mais alta do que se pensava anteriormente.

Além de 1,9°C mais quente do que a média de longo prazo, a temperatura média em 2020 foi 0,5°C superior ao recorde anterior.

"Esse nível de diferença - que é grande - à média de longo prazo anterior é algo preocupante", comentou Robert Dunn, cientista climático sênior na Agência Britânica de Meteorologia.

Confira o relatório (em inglês)

"É algo a se prestar atenção, mas não são apenas as temperaturas que estão aumentando - são também os eventos extremos e as ondas de calor que estamos observando neste ano e vimos no ano passado. Estamos vendo isso ao redor do mundo."

Outros pesquisadores concordaram que a escala da onda recorde de calor na Europa é alarmante.

"A diferença em relação ao recorde anterior deve nos preocupar a todos", afirmou a professora de sistemas climáticos Gabi Hegerl, da Universidade de Edimburgo, que não está envolvida com o estudo.

"As temperaturas europeias são bem medidas e há registros delas desde o início da industrialização e até antes disso, a partir de evidências documentais e registros. Esse contexto de longo prazo reforça o quão incomum este calor é."

O calor registrado no continente europeu fez com que fossem observadas enormes diferenças das médias de temperatura de longo prazo - em países como Estônia, Finlândia e Letônia, a alta foi de 2,4°C, por exemplo, o que é considerado uma anomalia.


BIOMAS


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
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Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
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Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
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Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Brasil e América do Sul

O relatório também destaca a "ampla seca" vivida no ano passado na América do Sul, "claramente visível nas anomalias fortes e secas encontradas no centro de Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina".

"Uma região que claramente se destaca com uma anomalia seca severa é o Pantanal, que viveu sua pior seca em 50 anos, e mais de um quarto de sua área foi queimado", diz o relatório.

O texto também destaca que as chuvas ficaram abaixo do normal na maior parte do centro do continente sul-americano, incluindo os Andes e o Pantanal.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, o cientista Carlos Nobre explicou que a tendência é de que tenhamos, no Brasil, secas cada vez mais prolongadas e temporadas de chuvas mais curtas em grande parte do país - fenômeno que causa, neste momento, uma crise hídrica que ameaça o abastecimento de energia.

No mundo, de modo geral, as precipitações não foram baixas, em uma clara resposta ao excesso de calor. A total evaporação foi bem acima da média - e a umidade acabou tornando ainda pior a sensação de calor em algumas partes.

Seca
'Nosso clima mudou e provavelmente vai continuar a mudar a não ser que o motivador principal, os gases de efeito estufa, sejam contidos', diz cientista. Foto: BBC/Getty

Ártico

Outra região que está vivenciando um aquecimento veloz é o Ártico: as temperaturas em terra alcançaram novas altas preocupantes, 2,1°C acima da média registrada entre 1981 e 2010. As temperaturas chegaram ao nível mais alto desde o início dos registros, há 121 anos.

Juntos, os indicadores mostram o que um dos editores do relatório chama de "nosso novo normal" climático.

"Esse relatório acompanha de perto (as descobertas) do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU), que não poderia ser mais claro em suas mensagens", argumenta a especialista Kate Willett, também da agência climática britânica.

"Nosso clima mudou e provavelmente vai continuar a mudar a não ser que o motivador principal, os gases de efeito estufa, sejam contidos. O que estamos vendo já está exaurindo nossa sociedade e nosso ambiente."

A concentração de gases do efeito estufa também foi a mais alta já registrada, apesar de muitos países terem reduzido suas emissões por conta da desaceleração econômica causada pela pandemia.

E o nível global dos mares foi o mais alto já registrado, tendo aumentado pelo nono ano consecutivo.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-58337819


Cristovam Buarque: Réquiem ao Homo Sapiens

O homo sapiens é a mais surpreendente criação da natureza: capaz de inventar sapato e, 5.500 anos depois, deixar um bilhão de seus semelhantes descalços e outro bilhão se endividando para comprar mais do que consegue calçar. Neste período, deixou de jogar pedras com a mão e passou a fabricar bombas atômicas para jogá-las desde foguetes, com a mesma ética belicista do passado. Sua técnica agrícola passou da plantação manual no solo, para tratores robóticos e sementes manipuladas, mas no lugar de distribuir para quem tem fome, prefere jogar fora a comida que sobra do que podem comprar.

Capaz de contar centenas de milhões de votos em minutos, mas incapaz de tomar decisões que levem em conta os interesses de toda a humanidade do futuro. A natureza criou um animal que evoluiu na lógica ao ponto de manipular a natureza, mas demonstra ser incapaz de regular o uso de sua força de maneira sustentável e decente: um animal com inteligência, mas sem saber usá-la inteligentemente. 

O escritor Arthur Koestler parece ter razão com a hipótese de que o homo sapiens foi resultado de um erro de mutação, ao adquirir um cérebro com lógica que evolui, mas com uma moral que não evolui: a lógica da bomba atômica, a ética da política tribal. O resultado é que, para aumentar a produção, a racionalidade técnica provocou o aquecimento global, mas deixou a ética e a politica despreparadas para evitar a catástrofe. Para acertar, a mutação deveria ter impedido o surgimento da inteligência ou dado responsabilidade moral. 

Diferentemente dos insetos, que sem consciência da morte se organizam para a sobrevivência da espécie, o homo sapiens condena-se à extinção na busca de aumentar o tempo de sua vida pessoal com o máximo de riqueza e consumo. A maior maravilha criada pela natureza é uma espécie que marcha para o suicídio, ao usar o poder do cérebro lógico a serviço do individualismo com voracidade de consumir e ganância por lucro. 

A natureza que criou a inteligência é vítima dela, porque não é capaz de dominar sua própria força. É como se a evolução das espécies tivesse fabricado um animal que age com efeitos parecidos a um meteoro gigante vindo do espaço em direção à Terra. Outros meteoros estão a caminho há milhões de anos, mas o meteoro sapiens tem apenas 40.000 anos - menos 300, se levarmos em conta sua mutação para o homo sapiens industrial. 

A suspeita de que o homo sapiens é suicida parece confirmada pelo relatório das Nações Unidas que detalha as mudanças climáticas que aquecem o Planeta, com a consequente desarticulação da agricultura, elevação no nível do mar, extinção de animais. Apesar de que, há mais de 60 anos, a humanidade é alertada dos riscos, as políticas nacional e internacional não conseguiram até aqui barrar as catástrofes ecológicas e a desigualdade social em marcha. 

As mudanças climáticas mostram que voracidade de consumo, ganância de lucro, poder tecnológico, consciência da morte e política individualista conspiram contra o futuro da humanidade. Nada indica que o poder catastrófico em escala global será controlado pelo voto que reflete os interesses individuais e imediatos do eleitor, não do planeta e da humanidade. O homo sapiens, na sua forma industrial, parece caminhar para seu próprio fim.

Salvo se usar a biotecnologia e a inteligência artificial para promover nova evolução que fabrique um “neo-homo sapiens”, forte, inteligente e longevo, e deixe para trás bilhões de “neo-neandertais”, debilitados física e mentalmente, dessemelhantes e passíveis de extinção física, não apenas de exclusão social como atualmente. Se optar pela catástrofe ecológica da extinção ou pela catástrofe moral da ruptura da espécie, o atual homo sapiens e sua humanidade deixarão de existir. Koestler teria tido razão: por um erro de fabricação, o homo sapiens é a única espécie programada para o suicídio, afogado nos produtos de sua inteligência irresponsável. 

Felizmente, ainda há esperança de que a inteligência pode despertar sua própria irresponsabilidade moral, a falta de valores éticos comprometidos com a sobrevivência da espécie: o uso de tecnologia a serviço de todos buscando um desenvolvimento harmônico entre os seres humanos e deles com a natureza. Ainda há esperança, mas a história das últimas décadas parece dar razão a Koestler e justificar um réquiem ao homo sapiens. 

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o futuro da Educação

Texto original: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/08/4945483-artigo-requiem-ao-homo-sapiens.html


Com interferência humana, fogo se alastra em biomas brasileiros

Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica são os mais afetados por incêndios que se espalham na época mais seca do ano

Ana Lúcia Azevedo / O Globo

RIO - Visto do espaço, o Brasil é vermelho. Imagens de satélite revelam que o país arde com queimadas de Norte a Sul em todos os biomas, à exceção do Pampa. Agosto nem terminou e Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga já ultrapassaram o acumulado em relação ao mesmo período de 2020

Fogo: Pantanal volta a queimar e parque pega fogo em SP, com 'chuva de cinzas' em bairros próximos

O fogo se alastra por terras privadas, públicas, unidades de conservação e áreas indígenas. Focos de calor atingiram 113 unidades de conservação e 57 terras indígenas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica, nessa ordem, são os biomas mais afetados.

Esta é a época mais seca do ano e em 2021 o Centro-Sul do país enfrenta o agravamento de uma seca que já dura quase uma década. Ainda assim, cientistas explicam que é a ação humana o principal fator de tantos incêndios.


BIOMAS


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Incêndios: Queimadas se acirram no Pantanal e colocam em risco suas fontes de água

No domingo, um incêndio consumiu cerca de metade da área do Parque Estadual do Juquery, em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Resíduos transportados pelo vento chegaram a bairros da capital paulista, onde moradores relataram uma “chuva de cinzas”. O fogo teria sido causado pela queda de um balão em uma área de mata seca no parque, que possui quase 2 mil hectares, com vegetação de Cerrado. Ainda ontem, bombeiros trabalhavam para conter as chamas na reserva ambiental.

Sem raios

O meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que o número de queimadas depende da fiscalização. O que poderia provocar um incêndio natural seria a queda de um raio num lugar de mata muito seca. Mas nessa época de céu claro, não há raios.

Rios secando: Brasil perdeu 15% da superfície de água em 30 anos; veja números

— Se tivermos que relacionar o impacto da falta de chuva e o da falta de fiscalização, a falta de fiscalização ganha disparado. É muito mais uma questão de decisão política pública do que uma questão climática — diz Seluchi.

A baixa umidade facilita que as chamas se propaguem. Praticamente todo o país está seco. A borda sul da Amazônia, por exemplo, está com umidade baixíssima.

Coordenadora do sistema Alerta de Área Queimada do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, Renata Libonati explica que na falta de raios, resta a ação humana acidental ou intencional. Na Amazônia, é o desmatamento. Nos demais biomas, o mau uso do solo.

— Todas as condições este ano são favoráveis ao fogo. É preciso tomar muito cuidado com a ignição, acidental ou proposital.

A mais recente e completa análise sobre o impacto do fogo em áreas naturais no Brasil reforça que a má gestão tem papel crucial.

MapBiomas: quase 20% do território brasileiro pegou fogo ao menos uma vez entre 1985 e 2020, aponta levantamento

“Como a maioria dos incêndios é ilegal, a aplicação da lei deve ser a primeira resposta, e as multas podem contribuir para o financiamento da fiscalização. Porém, a política atual não é favorável”, afirma a análise. Os cientistas destacam a redução dos orçamentos para a fiscalização e para o monitoramento pelo Inpe.

A análise chama a atenção para o desmantelamento da política ambiental e “o papel do discurso político e das crises econômica e social no encorajamento de atividades criminosas que levam ao desmatamento, ao garimpo ilegal e à queima da floresta, principalmente na Amazônia”. Intitulado “Compreendendo os incêndios catastróficos no Brasil: causas, consequências e políticas necessárias para prevenir tragédias”, o estudo foi realizado por cientistas de nove instituições de pesquisa, como Cemaden, Embrapa, ICMBio, Museu Paraense Emilio Goeldi, e seis universidades. O trabalho foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.

— O elemento humano é tão importante quanto o climático. O país não tem uma gestão eficiente e integrada do fogo. Faltam fiscalização, programas de prevenção, capacitação, educação, precisamos de política de longo prazo — afirma Gerhard Overbeck, do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos autores da análise.

Overbeck lembra que o momento é crítico. O Brasil está se tornando mais seco.

Texto original: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/um-so-planeta/com-interferencia-humana-fogo-se-alastra-em-biomas-brasileiros-25167879


Xokleng: povo indígena quase dizimado protagoniza caso histórico no STF

As tropas se deslocavam pelas trilhas à noite, em silêncio. Os homens, entre 8 e 15, evitavam até fumar para não chamar a atenção.

João Fellet / BBC News Brasil

Ao localizar um acampamento, atacavam de surpresa.

"Primeiro, disparavam-se uns tiros. Depois passava-se o resto no fio do facão", relatou Ireno Pinheiro sobre as expedições que realizava no interior de Santa Catarina até os anos 1930 para exterminar indígenas a mando de autoridades locais.

Pinheiro era um "bugreiro", como eram conhecidos no Sul do Brasil milicianos contratados para dizimar indígenas (ou "bugres", termo racista que vigorava na região naquela época).

O relato está no livro Os Índios Xokleng - Memória Visual, publicado em 1997 pelo antropólogo Silvio Coelho dos Santos.

"O corpo é que nem bananeira, corta macio", prossegue o bugreiro na descrição dos ataques. "Cortavam-se as orelhas. Cada par tinha preço. Às vezes, para mostrar, a gente trazia algumas mulheres e crianças. Tinha que matar todos. Se não, algum sobrevivente fazia vingança", completou.

Poucas etnias foram tão combatidas pelos bugreiros quanto os Xokleng, de Santa Catarina. Nesta quarta-feira (25/08), o povo poderá seu destino definido num dos julgamentos mais importantes da história recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que definirá o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil.

Em 11 de junho, o relator do processo sobre os Xokleng no STF, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do "marco temporal". O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Agora, o processo voltou à pauta de julgamento do plenário, previsto para esta quarta-feira. Entretanto, é possível que novos pedidos de vista posterguem uma decisão.

A retomada do caso se torna ainda mais relevante porque avança na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 490, que, entre outros pontos, estabelece 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Se a corte derrubar a tese no julgamento sobre os Xokleng, é provável que os congressistas tenham de mudar o texto do PL sob o risco de terem a proposta invalidada pela corte.

O caso mobiliza as atenções de grupos ruralistas e terá repercussão para dezenas de outros povos no país.

Criança Xokleng em acampamento na floresta, em 1963
Criança Xokleng em acampamento na floresta, em 1963. Foto: Acervo SCS

Questão do 'marco temporal'

A corte vai avaliar se a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ — habitada pelos Xokleng e por outros dois povos, os Kaingang e os Guarani — deve incorporar ou não áreas pleiteadas pelo governo de Santa Catarina e pelos ocupantes de propriedades rurais.

Em jogo está a tese do chamado "marco temporal", princípio defendido por entidades ruralistas e segundo o qual só podem reivindicar terras indígenas as comunidades que as ocupavam na data da promulgação da Constituição: 5 de outubro de 1988.

O governo passou a encampar formalmente essa tese em 2017, quando Michel Temer era presidente, o que na prática paralisou as demarcações no país.

Em 2018, num outro julgamento sobre a demarcação de territórios quilombolas, o STF rejeitou o princípio do "marco temporal".

O princípio faz parte do léxico ruralista desde pelo menos 2009, quando o então ministro do STF Ayres Britto propôs sua adoção ao julgar um caso sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Os indígenas, por outro lado, são contrários à aplicação do marco temporal, pois dizem que muitas comunidades foram expulsas de seus territórios originais antes de 1988.

É esse o argumento usado pelos Xokleng no julgamento no STF: eles afirmam que décadas de perseguições e matanças forçaram o grupo a sair do território que hoje tentam retomar.

Jovens Xokleng durante apresentação sobre o primeiro contato entre indígenas e brancos.
Jovens Xokleng durante apresentação na Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ. Foto: Prefeitura de Ibirama

"Não tínhamos fronteiras, andávamos por todo aquele espaço. Mas éramos tutelados, não tínhamos como responder por nós. Mal sabíamos falar português, imagine nos defender", diz à BBC News Brasil Ana Patté, jovem liderança Xokleng integrante da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e assessora parlamentar da deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP).

Patté afirma que o território em disputa era usado pelos Xokleng para a caça, pesca e coleta de frutos, especialmente o pinhão. A Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ foi demarcada em 1996 e, em 2003, mais que triplicou de tamanho, passando de 15 mil para 37 mil hectares.

A área hoje em disputa integra a parte incorporada em 2003 e está parcialmente ocupada por plantações de fumo — atividade que, segundo Patté, fez o solo e os rios da região se contaminarem com agrotóxicos.

Ela diz que, se o STF julgar que o pleito da comunidade procede, a área em disputa será reflorestada, o que trará benefícios não só para os Xokleng mas para todos que dependem dos rios que cruzam aquelas terras.

Já o governo de Santa Catarina afirma que essa área era pública e foi vendida a proprietários rurais no fim do século 19.

Mapa da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ após a ampliação de 2003
Mapa da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ após a ampliação de 2003. Foto: Reprodução/ISA

Políticos ruralistas catarinenses apoiam a posição do governo estadual. Em 2008, os então deputados federais Valdir Colatto e João Matos, ambos do MDB, elaboraram um decreto legislativo anulando a ampliação da terra indígena.

Eles afirmaram que, na área englobada pela ampliação, havia 457 pequenas propriedades agrícolas, com média de 15 hectares cada.

"Nunca houve, e nem há, critérios seguros para se demarcar áreas indígenas, ficando a sociedade à mercê do entendimento pessoal do antropólogo que se encontra fazendo o trabalho num determinado momento", argumentaram os deputados ao justificar o decreto.

O Estado de Santa Catarina também disputa com os Xokleng 3.800 hectares onde há sobreposição entre a terra indígena e reservas biológicas estaduais.

Em 2019, o STF decidiu que o julgamento sobre a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ tem repercussão geral — ou seja, a decisão aplicada ali valerá para outros casos semelhantes.

Se a corte se opuser à tese do marco temporal, o governo federal em tese será obrigado a retomar os processos de demarcação que foram travados com base nesse princípio.

'Potencial de conflagração'

Essa possibilidade tira o sono de associações ruralistas. Em maio de 2020, um advogado da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) disse no STF que a rejeição do princípio do marco temporal traria "um enorme potencial de conflagração do país e retorno a uma situação muito grave que se vivia no Brasil antes de 2009 (ano da decisão do STF sobre o caso Raposa Serra do Sol)".

Já uma decisão favorável ao estabelecimento de um marco temporal tende a dificultar novas demarcações.

Indígenas em carro à frente de posto do SPI
Posto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) dedicado aos Xokleng no fim dos anos 1920. Foto: Acervo SCS

Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), há 245 processos de demarcação de terras ainda não concluídos.

Em muitos desses casos, os indígenas reclamam territórios de onde dizem ter sido expulsos antes de 1988.

Há ainda muitas demandas por demarcação que nem sequer foram analisadas pelo governo — o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), braço da Igreja Católica que atua em prol dos povos indígenas, conta 537 casos desse tipo.

Indígenas protestam e são observados por policiais
Indígenas protestam em Brasília contra o governo Jair Bolsonaro e propostas legislativas que consideram nocivas, como o PL 490. Foto: Reuters

Colonização europeia

Após perder dois terços de seus membros no século passado, a população Xokleng voltou a crescer. Hoje, a etnia soma cerca de 2,3 mil integrantes.

O julgamento no STF em questão não é a primeira ocasião em que um fato relacionado a esse povo redefine as relações do Estado brasileiro com os povos indígenas.

Em 1908, o etnógrafo tcheco Albert Vojtech Fric discursou em um congresso em Viena, na Áustria, sobre o impacto da imigração europeia nas populações indígenas do Sul do Brasil.

Segundo Fric, a "colonização se processava sobre os cadáveres de centenas de índios, mortos sem compaixão pelos bugreiros, atendendo os interesses de companhias de colonização, de comerciantes de terras e do governo".

Anos antes, Fric havia sido convidado por um grupo de políticos, humanistas e intelectuais de Santa Catarina para servir à Liga Patriótica para a Catequese dos Silvícolas.

Enquanto poderosos locais defendiam exterminar os indígenas, esse grupo propunha uma abordagem mais "light": cristianizá-los e incorporá-los à força de trabalho nacional.

Fric havia sido encarregado de liderar a "pacificação" dos Xokleng - termo usado na época para designar a aproximação com indígenas que mantinham relação conflituosa com a sociedade envolvente.

Indígenas sentados em pedaço de madeira
Comunidade Xokleng após o contato com os brancos (data desconhecida). Foto: Acervo SCS

A presença dos Xokleng era vista como um entrave à colonização da região. Eram comuns relatos de furtos ou ataques de indígenas a trabalhadores que avançavam sobre seu território tradicional.

Mas Fric acabou deixando o Brasil antes de cumprir a missão.

Em Os Índios Xokleng - Memória Visual, o antropólogo Silvio Coelho dos Santos (1938-2008) diz que Fric foi retirado do posto provavelmente por causa de pressões de companhias de colonização alemãs que atuavam em Santa Catarina e não concordavam com sua abordagem.

O antropólogo afirma, porém, que o discurso de Fric em Viena teve grande repercussão na imprensa europeia e estimulou o governo brasileiro a agir para mostrar que se preocupava com os povos nativos.

Em 1910, durante a presidência de Nilo Peçanha, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), precursor da atual Funai.

Inspirado por ideais positivistas, o órgão dizia ter como objetivo "civilizar" os indígenas e incorporá-los à sociedade brasileira — postura enterrada pela Constituição de 1988, que reconheceu aos indígenas o direito de manter seus costumes e modos de vida.

Mesmo após a criação do SPI, as expedições de bugreiros contra povos como os Xokleng continuaram a acontecer por décadas.

Em seu livro, Silvio Coelho dos Santos entrevista um bugreiro que diz ter participado de uma expedição para matar indígenas no governo Getúlio Vargas (1930-1945), ao menos 20 anos após a criação do órgão.

As missões para aniquilar povos nativos aconteciam enquanto, na Europa, Adolf Hitler punha em marcha seu plano de exterminar os judeus.

Ou enquanto artistas brasileiros passavam a valorizar a participação indígena na formação nacional, influenciados pela Semana de Arte Moderna de 1922.

Mulheres e crianças Xokleng
Mulheres e crianças Xokleng capturadas por bugreiros e entregues a freiras em Blumenau; duas mulheres e duas crianças conseguiram fugir, voltando à floresta. Foto: Acervo SCS

Crianças assassinadas

A proximidade temporal dos ataques aos Xokleng ainda provoca dor na comunidade.

Em entrevista à BBC News Brasil por telefone, Brasílio Pripra, de 63 anos e uma das principais lideranças Xokleng, chora ao falar de um massacre ocorrido em 1904 contra seus antepassados.

"As crianças foram jogadas para cima e espetadas com punhal. Naquele dia, 244 indígenas foram covardemente mortos pelo Estado", afirma.

O episódio foi descrito no jornal já extinto Novidades, de Blumenau, citado em artigo do jurista Flamariom Santos Schieffelbein na revista eletrônica argentina Persona, em 2009.

"Os inimigos não pouparam vida nenhuma; depois de terem iniciado a sua obra com balas, a finalizaram com facas. Nem se comoveram com os gemidos e gritos das crianças que estavam agarradas ao corpo prostrado das mães. Foi tudo massacrado", relata o jornal.

Pripra diz ter crescido ouvindo histórias como essa.

"Eu choro, me emociono. Sou neto de pessoas que ajudaram a trazer a comunidade 'para fora', a fazer o contato (com não indígenas). É por isso que luto."

Texto original: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57656687


Manifesto: carvão sustentável, a nova cloroquina do setor elétrico

Descaso com relação à questão climática evidencia que governo brasileiro segue na contramão da ciência e dos esforços globais pela redução do uso de combustível fósseis

WWF-Brasil

O detalhamento do Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, apresentado no dia 9 de agosto de 2021 pelo Ministério de Minas e Energia, mostra que o Brasil pretende adotar a mesma receita da pandemia de Covid-19 para o combustível, seguindo na contramão da ciência e dos esforços globais em favor da redução do uso dos combustíveis fósseis. A proposta, além de contrariar a tendência de transição energética em curso mundialmente, perpetua a presença do carvão na matriz elétrica de modo antieconômico, além de não apresentar qualquer alternativa de transição justa para os trabalhadores do setor e o restante da população das regiões carboníferas do país.

O descaso com relação à questão climática fica ainda mais evidente pelo fato de o documento ter sido apresentado no mesmo dia que o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), da ONU, que mostra de forma inequívoca que as mudanças climáticas estão se desenvolvendo mais depressa do que o esperado e que seus efeitos podem ser irreversíveis e já são sentidos pela população em todo o mundo.



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Além disso, ao propor a modernização do parque gerador a carvão mineral no sul do país, por meio da contratação de energia elétrica referente a uma nova capacidade instalada de geração, o documento ignora os esforços globais em favor do descomissionamento das plantas que usam o minério, entre outros aspectos detalhados a seguir.

Emissões de gases de efeito estufa - O próprio estudo indica que a adoção de novas tecnologias (como caldeiras de leito fluidizado) nas novas usinas manteria níveis elevados de emissões: “Considerando (...) a substituição por usinas novas com maior eficiência mínima de 35%, as emissões de CO²/kWh podem ser reduzidas em 12,5% em relação ao parque atual”, afirma o texto. Além disso, diante da urgência de se reduzir as emissões, não faz sentido o estabelecimento, como premissado estudo, de encerramento da utilização do carvão mineral nacional para o suprimento de energia no ambiente regulado apenas em 2050.

Efeitos no setor elétrico - A defesa da geração de eletricidade a carvão esbarra em imprecisões e equívocos. No trecho: “No âmbito da variabilidade das fontes renováveis de energia, a termoeletricidade a carvão mineral nacional pode ser uma alternativa de menor custo, quando comparada com o gás natural, e que pode atenuar os efeitos dessa variação ao longo do despacho das fontes renováveis na operação do sistema interligado nacional”, vale destacar que diversos estudos mostram que a evolução do sistema pode prescindir das térmicas e que a geração a gás - na maioria dos casos - é mais competitiva do que à carvão, que inclusive depende de subsídios para se viabilizar.

Quanto ao atendimento dos requisitos de confiabilidade do sistema elétrico na região sul do Brasil, se realmente for necessária a instalaçãode térmicas, há alternativas como usinas a partir de biomassa, biogás ou gás natural (via expansão do Gasbol ou GNL). Já quanto à perspectiva de contratação das térmicas a carvão modernizadas na base, vale lembrar que o próprio planejamento setorial, capitaneado pelo mesmo ministério, indica a necessidade do aumento da geração flexível no país, e não de usinas na base, bem como a redução da capacidade instalada de plantas a carvão.

Transição justa – É inegável que, nas condições atuais, o carvão mineral é fundamental para a economia da região sul. Mas o enfrentamento desse desafio não pode se dar pela mera prorrogação do problema: é necessária a identificação de alternativas realmente sustentáveis para garantir não só emprego e renda para a população local, como uma contribuição mais relevante para a economia e para o enfrentamento do desafio climático.

Para tanto, em paralelo ao descomissionamento das usinas ao longo dos próximos anos, os recursos atualmente destinados a subsidiar a geração a carvão, da ordem de R$ 750 milhões por ano, poderiam ser aplicados a políticas relacionadas à energia renovável que proporcionem a geração de emprego - decente e de qualidade - e renda em atividades da nova economia para as populações das regiões atingidas pelo fechamento das usinas. Vale observar que a região tem grande potencial de geração de energia a partir de fontes renováveis.

Menos carvão, mais hidrogênio - Inúmeros projetos vêm sendo anunciados no país para o uso de hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis de energia em aplicações industriais, o chamado"hidrogênio verde". Diante dessa nova fronteira energética e tecnológica, não faz sentido a proposta de pesquisa e desenvolvimento para uso docarvão em áreas como siderurgia e carboquímica.

Passivo ambiental - O estudo destaca que uma grande parte dos rios do sul de Santa Catarina se encontram com suas características naturais alteradas pela drenagem ácida produzida pela mineração do carvão. Sozinho, esse aspecto já deveria ser suficiente para se suspender de imediato a mineração e o uso do carvão mineral na região, além de se fazer a recuperação ambiental das áreas já degradadas.

Diante do exposto, as organizações abaixo assinadas vêm a público manifestar o repúdio em relação ao documento do MME e afirmar que continuarão pautando a necessidade de se desenhar o quanto antes uma nova política energética em substituição ao carvão mineral calcada nos princípios da neutralidade do carbono e da transição justa e inclusiva para todos.

Assinam:
Arayara.org- Instituto Internacional Arayara
Associação Brasileira do Biogás (Abiogás)
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos(Dieese)
Fórum dos Atingidos pelo Carvão de Santa Catarina
Fórum Brasileiro de Mudança do Clima
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Instituto Climainfo
Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)
Observatório do Carvão Mineral (OCM)
WWF-Brasil 

Fonte: WWF Brasil
https://www.wwf.org.br/?79508/manifesto-carvao-sustentavel-a-nova-cloroquina-do-setor-eletrico


NE: mudança do clima acelera criação de deserto do tamanho da Inglaterra

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em 9/8, reforça que o Brasil abriga uma das áreas do mundo onde a mudança do clima tem provocado efeitos mais drásticos: o Semiárido

João Fellet /BBC News Brasil em São Paulo

O relatório aponta que, por causa da mudança do clima, a região — que engloba boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais — já tem enfrentado secas mais intensas e temperaturas mais altas que as habituais.

Essas condições, aliadas ao avanço do desmatamento na região, tendem a agravar a desertificação, que já engloba uma área equivalente à da Inglaterra (leia mais abaixo).

Criado na ONU e integrado por 195 países, entre os quais o Brasil, o IPCC é o principal órgão global responsável por organizar o conhecimento científico sobre as mudanças do clima.

O documento apresentado nesta segunda (AR6) é o sexto relatório de avaliação produzido desde a fundação do órgão, em 1988.

'Área seca mais densamente povoada'

"O Nordeste brasileiro é a área seca mais densamente povoada do mundo e é recorrentemente afetado por extremos climáticos", diz o relatório.

O IPCC afirma que essas condições devem se agravar: se na década de 2030 o mundo deve atingir um aumento de 1,5°C em sua temperatura média, em boa parte do Brasil os dias mais quentes do ano terão um aumento da temperatura até duas vezes maior.

Em várias partes do Semiárido, isso significa verões com temperaturas frequentemente ultrapassando os 40°C.

mapa da desertificação no Semiárido
Mapa aponta diferentes graus de desertificação no Semiárido

Hoje, segundo o IPCC, o mundo já teve um aumento de 1,1°C na temperatura média em relação aos padrões pré-industriais.

Para limitar o grau do aquecimento, é preciso que os países reduzam drasticamente as emissões de gases causadores do efeito estufa — como o gás carbônico, produzido pelo desmatamento e pela queima de combustíveis fósseis, e o metano, emitido pelo sistema digestivo de bovinos.

Morte da vida no solo

Para o meteorologista e cientista do solo Humberto Barbosa, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), temperaturas extremas põem em xeque a sobrevivência no Semiárido de micro-organismos que vivem no solo e são cruciais para a existência das plantas.

Há dois anos, Barbosa diz ter encontrado temperaturas de até 48°C em solos degradados no interior de Alagoas.

"A vegetação não crescia mais ali, independentemente se chovesse 500 mm, 700 mm ou 800 mm. Não fazia mais diferença, pois toda a atividade biológica do solo não respondia mais", afirma.

Sem vida no solo, aquela região se tornou desértica, como tem ocorrido em várias outras partes do Semiárido.

Na Ufal, Barbosa coordena o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), que desde 2012 monitora a desertificação no Semiárido.

Imagem de satélite
Imagem de satélite mostra núcleo de desertificação em Gilbués (PI), um dos principais no Semiárido brasileiro

Em 2019, o laboratório revelou que 13% de toda a região estava em estágio avançado de desertificação. Essa área engloba cerca de 127 mil quilômetros quadrados.

"Na nossa região, naturalmente não haveria um deserto, só que a gente tem hoje um deserto", ele diz.

Barbosa explica: segundo a ciência, climas desérticos (ou áridos) são aqueles onde o índice de chuvas é inferior a 250 mm por ano. Nessas condições, a sobrevivência de plantas e animais é bastante difícil — daí o aspecto vazio de boa parte das paisagens desérticas.

Mas essas condições climáticas não se aplicam a nenhuma região do Brasil, nem mesmo o Semiárido, que continua a receber entre 300 mm e 800 mm de chuvas ao ano.

Ainda assim, a mudança do clima e o desmatamento criaram paisagens desérticas na região.

"O solo dessas regiões foi perdendo a atividade biológica, embora as chuvas continuem acima do que se espera para uma região desértica. Esse é o paradoxo", diz Barbosa.

Ele afirma que, nesse estágio, é praticamente impossível reverter o fenômeno. "O custo da recuperação de áreas desertificadas é alto, e no Brasil não temos capacidade econômica para fazer esse tipo de investimento."

Maior seca da história

Entre 2012 e 2017, o Semiárido enfrentou a maior seca desde que os níveis de chuva começaram a ser registrados, em 1850. Essa seca, que é atribuída às mudanças climáticas, ajudou a expandir as áreas desertificadas.

Barbosa diz que a pandemia dificultou a realização de viagens para medir o progresso da desertificação após 2019, mas tudo indica que o fenômeno segue avançando.

A área já desertificada equivale ao tamanho da Inglaterra, cerca de três vezes o tamanho do Estado do Rio de Janeiro, ou a 23 vezes a área do Distrito Federal. Essas terras não são todas contíguas e ocupam diferentes partes do Semiárido. Enfrentam, ainda, diferentes graus de desertificação, embora em todas o fenômeno seja considerado praticamente irreversível.

Alguns dos principais núcleos de desertificação ficam em Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Cabrobó (PE) e no Seridó (RN).

Imagens de satélite de Cabrobó
Imagens de satélite mostram avanço da desertificação na região de Cabrobó (PE) em 1969...
Imagem de satélite
... e em 2020

Imagens de satélite mostram como os núcleos têm crescido nas últimas décadas, enquanto as áreas verdes que os circundam vão rareando.

No núcleo de Cabrobó, que ocupa uma vasta área nas duas margens do São Francisco, as poucas manchas verdes na paisagem se devem a lavouras irrigadas com a água do rio.

Os Estados mais impactados pela desertificação são Alagoas (com 32,8% de sua área total afetada pelo fenômeno), Paraíba (27,7%), Rio Grande do Norte (27,6%), Pernambuco (20,8%), Bahia (16,3%), Sergipe (14,8%), Ceará (5,3%), Minas Gerais (2%) e Piauí (1,8%).

Região mais impactada do Brasil

A desertificação no Semiárido brasileiro foi citada pelo IPCC em seu relatório anterior, de 2019, que teve o pesquisador Humberto Barbosa como coordenador de um capítulo sobre degradação ambiental.

O relatório apontou que 94% da região semiárida brasileira está sujeita à desertificação.

"A região semiárida é a mais impactada (pela mudança do clima) no Brasil, e é a região onde você tem os índices de desenvolvimento humano mais baixos do país", afirma Barbosa.

Com o agravamento das condições climáticas, diz ele, tende a se acelerar o êxodo de moradores rumo a outras partes do país.

Os preocupantes sinais que unem frio recorde no Brasil a enchentes e calor pelo mundo

O papel do desmatamento

Para os cientistas, está claro que a desertificação tem sido acentuada pelas mudanças climáticas e tende a aumentar se as alterações continuarem se intensificando.

Porém, a degradação dos solos do Semiárido também se deve a outra ação humana: o desmatamento na Caatinga, o ecossistema natural da região.

Segundo Humberto Barbosa, ainda não se sabe quanto da desertificação se deve ao desmatamento e quanto se deve às mudanças climáticas. "É muito difícil separar os dois processos."

Quarto maior bioma do Brasil, abarcando 11% do território nacional, a Caatinga já perdeu 53,5% de sua cobertura original, segundo o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no país.

O bioma vem sendo destruído desde os primeiros séculos da colonização do Brasil, quando grandes áreas de vegetação nativa passaram a ser derrubadas para dar lugar principalmente a pastagens para bovinos.

A pecuária, aliás, é apontada com uma das principais causas para a desertificação no Semiárido.

Imagem de satélite
Imagens de satélite mostram avanço da desertificação na região de Irecê (BA) em 1984...
Imagem de satélite
...e em 2020

O pesquisador Humberto Barbosa explica que, muitas vezes, os bois são criados em áreas relativamente pequenas, compactando o solo ao pisoteá-lo repetidas vezes.

Com o tempo, nem mesmo o capim cresce mais ali, e a terra fica totalmente exposta à radiação do sol. A degradação se completa quando a chuva atinge a terra nua, levando embora os últimos nutrientes do solo.

Embora a destruição venha ocorrendo há séculos, mais de um quarto do desmatamento da Caatinga ocorreu após 1985, segundo o MapBiomas.

E neste ano, os índices de desmatamento deram um salto preocupante. Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até 1° de agosto, houve na Caatinga 2.130 focos de queimadas— o maior número em nove anos e uma alta de 164% em relação ao mesmo período de 2020.

Os focos se concentram no oeste do bioma, onde a Caatinga se encontra com o Cerrado na região de fronteira agrícola conhecida como Matopiba (nome formado pelas iniciais dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Como em outros biomas, o fogo é geralmente usado na Caatinga para "limpar" uma área antes do plantio. Mas as chamas acabam degradando o solo e limitam sua vida útil para a agricultura, estimulando a busca por novas áreas quando ele se esgota.

Falta de políticas públicas

Humberto Barbosa diz que, apesar da gravidade da situação enfrentada pelo Semiárido e da perspectiva de piora, não há qualquer plano governamental para mapear a desertificação e combatê-la.

A última iniciativa do governo federal nesse campo, afirma, foi o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN), lançado em 2006, mas descontinuado.

Tampouco há um sistema nacional para monitorar o desmatamento na Caatinga e orientar ações de fiscalização e controle — diferentemente do que ocorre na Amazônia, que conta com os sistemas Prodes e o Deter, baseados em imagens de satélite.

E o futuro?

Segundo o relatório do IPCC, sem ações contundentes para conter a mudança do clima, a Caatinga e outras regiões semiáridas do mundo "vão muito provavelmente enfrentar um aquecimento em todos os cenários futuros e vão provavelmente enfrentar um aumento na duração, magnitude e frequência das ondas de calor".

"De forma geral, as secas se ampliaram em muitas regiões áridas e semiáridas nas últimas décadas e devem se intensificar no futuro", diz o texto.

Os maiores prejudicados pelas mudanças serão as populações locais: segundo o IPCC, elas tendem a enfrentar oscilações na quantidade e regularidade de água, o que impactará gravemente sua "segurança alimentar e prosperidade econômica".

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58154146


Cenário internacional: O Brasil, a OCDE e o meio ambiente

Correções e ajustes serão necessários para preencher os requisitos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

Desde que, em 2017, o Brasil pediu para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o cenário internacional transformou-se de forma acentuada. A mudança do clima passou a ser vista como elemento importante para a política macroeconômica. Bancos centrais, reguladores e ministérios de finanças discutem estabilidade macroeconômica, regulação financeira e sustentabilidade fiscal relacionadas aos riscos climáticos. Organizações políticas multilaterais, como o G-7 e o G-20 passaram a incluir meio ambiente e mudança de clima entre suas prioridades e a União Europeia e os Estados Unidos põem esses temas no centro de reformas econômicas voltadas para o crescimento e a recuperação dos prejuízos causados pela pandemia.

No seu relatório anual, a OCDE faz uma avaliação ampla de reformas para promover o crescimento em longo prazo nos 37 países-membros e alguns emergentes, incluído o Brasil. No tocante ao meio ambiente, a estimativa é de que mais de três quartos da população brasileira está exposta a níveis nocivos de poluição do ar, semelhante ao risco de boa parte dos países examinados. A constatação é de que as emissões de gás carbônico ficaram estáveis em anos recentes antes da crise sanitária. Ao lado do exame da política econômica e social, o relatório inclui a “nova prioridade”, envolvendo a política ambiental para o Brasil preservar os recursos naturais e acabar com o desmatamento, reforçando o apelo global. No documento a OCDE mostra a necessidade de reforçar a proteção efetiva dos recursos naturais, incluindo os da floresta tropical amazônica. Defende a manutenção das leis atuais e de proteções capazes de reduzir o desmatamento no passado, combinadas com mais fiscalização para combater o desmatamento ilegal, o que exigirá recursos adicionais. A OCDE recomenda ao governo brasileiro “evitar um enfraquecimento do atual quadro de proteção legal, incluindo as áreas protegidas, o Código Florestal e concentrar-se no uso sustentável do potencial econômico da Amazônia”. Em outro levantamento comparativo, a OCDE indica que medidas adotadas pelo governo brasileiro para ajudar a economia a passar pela crise da covid-19 subiram a US$ 105 bilhões, mas apenas uma fração desse montante, US$ 351 milhões, ou 0,3%, teve efeito claramente positivo para o meio ambiente. Por outro lado, o governo brasileiro ainda não respondeu ao convite da OCDE para participar do Programa Internacional de Ação sobre o Clima, visando a acelerar a ação dos países na descarbonização de suas economias.

Como explica Vera Thorstensen, coordenadora do Centro de Estudos do Comércio Global e Investimento, “a maioria de suas regras é negociada pelos seus membros como recomendações e orientações não obrigatórias. A OCDE exerce sua função por meio de exames contínuos das práticas de seus membros, realizados pelo seu Secretariado, e um sofisticado processo de comparação entre os participantes, por meio de instrumentos de análise e uma métrica de avaliação sofisticada. O resultado é a apresentação dos mais diversos pontos das atividades econômicas dos membros, comparando-os e estimulando-os a cumprir as regras, sob pressão política de seus pares”. No processo de acesso do Brasil à OCDE, o País passará pelo crivo de seus membros, com base nos indicadores verdes da organização, quais sejam, os de sustentabilidade, os de crescimento verde e os de meio ambiente.

É importante entender como funciona o mecanismo de trabalho da OCDE. Como reiteradamente afirmado pelo governo atual, “a entrada do Brasil na OCDE é uma prioridade da política externa e da estratégia de aprimoramento das políticas públicas nacionais e de maior integração do País à economia mundial”. Para alcançar esse objetivo será necessário não só participar ativamente de seus trabalhos técnicos na área econômica, financeira e comercial, mas também levar em conta outras áreas importantes para os países-membros, incluída a ambiental e de mudança de clima. Os indicadores verdes e as recomendações feitas pela organização devem ser acompanhados pelo governo e pela sociedade civil para que o Brasil esteja em conformidade com as regras e possa ser aceito por todos os países-membros.

Não basta participar dos 246 instrumentos legais existentes no âmbito da OCDE. Correções e ajustes na política ambiental serão necessários para preencher os requisitos exigidos pela organização de Paris e serem avaliados positivamente pelos demais países. O combate aos ilícitos na Amazônia (queimadas, destruição da floresta e garimpo) são medidas que só dependem da vontade política do governo.

Se o desafio da mudança de clima não fosse suficiente, em dezembro passado a OCDE passou a monitorar também a corrupção no Brasil. Pela primeira vez em 27 anos de atividades, o Grupo Anticorrupção da OCDE criou um grupo específico, integrado por EUA, Itália e Noruega, para acompanhar o que acontece no Brasil nesse campo. A criação desse grupo coincide sintomaticamente com o esvaziamento da Lava Jato, o que deverá ser objeto de questionamento dos países-membros na próxima reunião do grupo.

*Presidente do IRICE