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El País: Estudantes lideram protesto global contra mudança climática às vésperas da cúpula da ONU

Milhões de pessoas saem às ruas para reivindicar medidas eficazes em defesa do meio ambiente, em manifestações em várias cidades do mundo. Greve desta sexta-feira culmina com uma manifestação em Nova York encabeçada pela ativista Greta Thunberg

Menos discursos e mais ação para deter o aquecimento global. Se nos últimos dias a ONU reiterou esta mensagem aos líderes mundiais que se reunirão na próxima segunda-feira na Cúpula do Clima em Nova York, nesta sexta centenas de milhares de estudantes gritarão o mesmo nas ruas. Dezenas de milhares já fizeram isso na Austrália e outros países do Pacífico, no início de uma mobilização escolar global para exigir medidas urgentes contra a catástrofe ambiental. De Sydney a São Paulo, passando por Berlim, Bruxelas, Washington e a Cidade do México, os alunos fecharão seus cadernos e participarão dos protestos, que devem ser gigantescos em cidades como Nova York, onde se espera a presença de mais de um milhão de pessoas. À frente desta marcha estará a ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, impulsionadora do movimento Fridays for Future (“sextas-feiras pelo futuro”). Ao todo, estão programados mais de 5.000 atos em 156 países ao longo da semana, que terá seu auge na próxima sexta-feira, dia 27, em uma greve climática mundial, desta vez com a participação não só de estudantes, mas também de milhares de entidades da sociedade civil.

“Deixem de negar que a Terra está morrendo”, dizia um cartaz levado por um estudante no protesto de Sydney, enquanto as redes sociais mostram estudantes reunidos nas capitais de vários Estados australianos e também em localidades menores do interior, como Alice Springs. “Não começamos isso, mas estamos tentando combater”, dizia outro cartaz na manifestação de Sydney.

Nos protestos desta sexta-feira, inspirados por Greta Thunberg, os estudantes falam a uma só voz sobre os efeitos da mudança climática no planeta, que não são coisa do futuro, mas sim do presente.

Acordo de Paris, selado em 2015 para conter o aumento de temperatura em dois graus Celsius —e na medida do possível deixá-lo em 1,5— com respeito aos níveis pré-industriais, não impediu que as emissões e as temperaturas tenham atingido níveis recordes recentemente, e que fenômenos meteorológicos extremos, como o furacão Dorian, sejam cada vez mais frequentes. “É preciso fazer as pessoas entenderem que há uma emergência climática hoje, que o problema da mudança climática é de hoje, que a saúde pública está ameaçada hoje, que o mar está subindo hoje, que as temperaturas já estão provocando problemas muito graves”, enfatizava nesta semana o secretário-geral da ONU, António Guterres, em uma entrevista ao Covering Climate Now, um consórcio global de mais de 250 meios de comunicação (inclusive o EL PAÍS) voltado para fortalecer a cobertura informativa sobre a luta contra a mudança climática, que tem seu próximo capítulo na cúpula da ONU na segunda-feira. Nesse dia, a organização reunirá os líderes mundiais para pressioná-los a apresentar planos mais exigentes para a redução das emissões, que permitam cumprir com a meta de Paris. Este processo continuará na cúpula climática de dezembro em Santiago (Chile).

Enquanto a ONU exige mais ambição dos Governos para combater a crise climática, a ser traduzida a medidas concretas que demoram para chegar —pois do contrário, as emissões de gases do efeito estufa, ao invés de se reduzirem em 45%, aumentarão 10%—, os jovens abraçaram a causa defendida por Greta Thunberg e estão mostrando o caminho. E há quem não esteja gostando. O ministro das Finanças da Austrália, Mathias Cormann, afirmou nesta quinta-feira ao Parlamento que os estudantes não deveriam participar do movimento de protesto. “Os estudantes precisam ir para a escola”, afirmou. Não é o que acham as autoridades de Nova York, que facilitaram a mobilização desta sexta-feira: 1,1 milhão de alunos de escolas públicas têm autorização para faltar às aulas. Também o secretário-geral da Anistia Internacional, Kumi Naidoo, dirigiu uma carta a 30.000 colégios do mundo pedindo a seus responsáveis que permitam aos alunos participarem das mobilizações desta semana.

A campanha está a caminho de se tornar a maior mobilização climática da história, e o Fridays for Future, a organização que canalizou os protestos ambientais dos estudantes em todo o mundo, já conta com uma lista de mais de 5.225 eventos em 156 países entre 20 e 27 de setembro, e outros se somam a cada dia. Os adultos se unirão aos jovens e, de fato, a plataforma 350.org estima que mais de 73 sindicatos, 820 organizações e 2.500 empresas já manifestaram seu apoio às greves.

CANOAS E ESCUDOS NAS ILHAS SALOMÃO

Os países insulares do Pacífico, os mais vulneráveis ao aumento do nível das águas por causa do aquecimento global, também participaram do protesto.

Os escolares das Ilhas Salomão, alguns armados com escudos e bandeiras, e outros em canoas, congregaram-se perto do mar para pedir ações contra a emergência climática.

Enquanto isso, estudantes de Kiribati (um país insular a nordeste da Austrália) faziam coro, com o punho erguido: “Não estamos nos afogando, estamos lutando”.


Daniela Chiaretti: Governo tem poucas ideias sobre clima. E confusas

Nenhum país pode sair do Acordo de Paris antes de 2020

Há 30 anos um amigo jornalista ouviu de seu primeiro editor, ao entregar o primeiro texto de sua vida profissional, a seguinte avaliação: "Suas ideias são poucas, porém confusas". A frase cômica se aplica tristemente ao reordenamento feito pelo governo do presidente Jair Bolsonaro no tópico "mudança do clima" nos ministérios pertinentes. Se há algum clima (com o perdão do trocadilho) nas pastas que eram protagonistas do assunto, a de Meio Ambiente (MMA) e a das Relações Exteriores, é o de "barata-voa". São só 22 dias de governo, é verdade, mas por enquanto reina o caos.

Caso esses ministérios tenham agora alguma atribuição verdadeira em termos de mudança climática, o tópico foi bem escondido no organograma que reestruturou o governo. O que era uma forte prioridade nas duas pastas foi enxugado, disperso e relegado a um plano indefinido. A Secretaria de Mudança do Clima e Florestas era a maior do MMA, com 140 pessoas. Produziu planos nacionais de adaptação aos impactos climáticos e levava adiante políticas de combate ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Agora, ninguém sabe, ninguém viu. No Itamaraty, que tinha um formidável time de negociadores climáticos e uma subsecretaria para lidar com o tema, o assunto foi pendurado em algum lugar da recém-criada Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania. Imagina-se que esteja em "proteção da atmosfera".

Esse redesenho traduz desinformação, ideologia e uma inevitável dose de risco à economia e à segurança do país. As declarações de "saio-e-fico" do presidente Jair Bolsonaro sobre a permanência ou não do país no Acordo de Paris, iniciadas durante a campanha e repetidas por integrantes do governo, ilustram esses equívocos.

Na terça-feira, a última agenda do chanceler Ernesto Araújo foi com seus pares Teresa Cristina Corrêa da Costa Dias, da Agricultura, e Ricardo de Aquino Salles, do Meio Ambiente. A agenda é pública, mas o conteúdo, não. A versão que corre é que Araújo teve que ser convencido pelos outros dois a não retirar o Brasil do Acordo de Paris. A soturna desconfiança do chanceler sobre o maior acordo climático internacional parece ter sido vencida por argumentos econômicos e ambientais dos outros dois. Basta passar os olhos pelo acordo e ver o quanto essa discussão é bizarra.

Nenhum dos 195 países signatários do Acordo de Paris pode sair dele, se assim desejar, antes de novembro de 2020. Nenhum é nenhum mesmo. Os Estados Unidos - surpresa! - continuam lá. Os negociadores americanos seguem indo a todas as conferências do clima, as famosas CoPs, sentam em seus devidos lugares e trabalham. Defendem os interesses americanos, brecam o que entendem ser recuos chineses em transparência, cuidam para que as posições dos EUA estejam lá. Não são tontos de abandonar o barco e deixar os outros decidirem à revelia. Vai que um dia os EUA tenham outro governo e voltem. Renegociar o texto é muito mais difícil, até para a nação mais poderosa do mundo.

Não se sai do Acordo de Paris com bravatas. Em 1º de junho de 2017, nos jardins da Casa Branca, o presidente Donald Trump fez seu show ao anunciar que os EUA "sairiam" do acordo. O futuro do pretérito se explica pelo artigo 28 do acordo.

Funciona assim: o acordo começou a vigorar em 4 de novembro de 2016. A comunicação oficial de um país signatário que se arrependeu só pode ser feita três anos depois de o tratado ter entrado em vigor - em 4 de novembro de 2019. Só então o país rebelde pode informar a Seção de Tratados da ONU em Nova York. Se Trump cumprir o que prometeu, os EUA poderão sair do acordo em 4 de novembro de 2020.

Há uma coincidência irônica nessas datas: trata-se do dia seguinte às eleições americanas, que devem acontecer em 3 de novembro de 2020. Seja qual for o resultado da eleição, Trump ainda será presidente, pode assinar a saída e, aí sim, os EUA terão deixado o Acordo de Paris. Mas, se o tratado tem regras para quem quer sair, não estabelece normas para quem quer voltar. O novo presidente pode decidir assim e tudo se resolver rápido. O que vale para os EUA vale para todos. O dano disso tudo está na mensagem ruim que o país dá aos outros, aos investidores em energia limpa, ao fluxo de capital da nova economia.

Outro ponto que revela desconhecimento sobre como funcionam as negociações internacionais é a conversa de Trump (copiada pelo presidente Bolsonaro e pelo ministro Salles) de que o país pode até ficar no Acordo de Paris, mas quer renegociar o texto. Não que a ideia seja impossível de concretizar, mas é improvável. As mudanças precisariam ser combinadas com os russos, com os chineses, com os indianos, com os outros 190 países que ratificaram o tratado climático. Trump quis reabrir o texto, ninguém deu a mínima abertura. Para o Brasil, este debate não faz o menor sentido econômico, ambiental e jurídico.

O que está por trás do capricho de tirar os termos que remetem a clima e ao combate ao desmatamento da estrutura dos ministérios? Supõe-se que, pela falta do nome, a sociedade não vai mais cobrar políticas para a Amazônia? Quando a seca continuar castigando colheitas e cidades, de quem se cobrará as políticas de adaptação? Quando chuvas cada vez mais fortes castigarem o país, a quem se recorrerá? Qual o entendimento do governo Bolsonaro para o maior desafio desta e das futuras gerações de humanos? Será tudo entendido como um castigo divino porque brasileiros não vestem azul e brasileiras não vestem rosa? Ou uma grande conspiração marxista para impedir nossa venda de grãos?

É um alívio notar que em outras pastas as atribuições continuam similares. O Ministério da Ciência e Tecnologia deve continuar com os inventários nacionais de emissões de gases-estufa. No da Economia juntou-se o que fazia a Fazenda e o Planejamento - estudos de precificação e mercados de carbono e o acompanhamento do financiamento climático de fontes externas - e a vida segue.

O Ministério da Agricultura é uma exceção: ali o tema ganhou status. Pode ser um bom sinal de se querer impulsionar a agricultura de baixo carbono e a pecuária sustentável. O ruim são as outras mensagens da pasta que se apropriou da demarcação de terras indígenas, territórios quilombolas e reforma agrária e do Sistema Florestal Brasileiro, com o cadastro que indica os passivos ambientais dos produtores rurais.


José Goldemberg: Aquecimento global e desinformação

Questionar a realidade é obscurantismo, como o foi negar que a Terra gira em torno do Sol

Informação é um elemento essencial para a nossa sobrevivência e a tomada de decisões. É por isso que ninguém se lança de um edifício de dez andares, em lugar de descer as escadas, para ganhar tempo: jamais houve uma violação das leis da gravidade.

O mesmo acontece com tomadas de decisão. Se uma pessoa deseja viajar de avião para Nova York, ela se informa da hora da partida antes de ir ao aeroporto. Caso contrário, corre o risco de perder o voo.

Acontece muitas vezes que a informação não é completa. Nesse caso, o que funciona é saber a probabilidade de ocorrência do evento. Prever quando vai chover é um exemplo. Desde a mais remota Antiguidade a previsão do tempo foi essencial para saber quando plantar e quando colher, e erros graves nestas previsões – que eram frequentes – tiveram sérias consequências.

Nos dias de hoje, com o avanço da tecnologia, as previsões de tempo melhoraram muito e os meteorologistas já são capazes de nos dizer qual a probabilidade de chover amanhã ou no fim de semana, e acertar, na maioria das vezes.

O bom senso comum, que nessas áreas é aceito por todos, não existe, contudo, no tocante a outro problema de grande importância, que é o aquecimento do nosso planeta, que está em curso. A temperatura média já subiu mais de um grau centígrado desde 1800 e provavelmente vai subir mais dois graus até o fim do século 21.

A probabilidade de que a principal causa deste aquecimento seja a emissão dos gases resultantes da queima dos combustíveis fósseis, do desmatamento e de atividades agrícolas é muito grande e essa avaliação decorre de inúmeros estudos científicos. As consequências do aquecimento da Terra são muito sérias e já se manifestam, por exemplo, nos desastres climáticos que se estão tornando cada vez mais frequentes.

Para enfrentar o problema a cooperação internacional é essencial, porque as emissões que causam o aquecimento não respeitam fronteiras. A temperatura na China (o país maior emissor mundial) está subindo por causa de suas próprias emissões, mas também das emissões dos Estados Unidos (o segundo emissor mundial) e vice-versa, bem como das emissões de todos os outros países. O Brasil é responsável por cerca de 3% das emissões mundiais.

Vários acordos foram tentados – desde a Conferência do Rio sobre Mudanças Climáticas, em 1992 – para dividir as responsabilidades entre as nações, como, por exemplo, atribuir aos países cotas para redução das suas emissões. Todos fracassaram porque impunham cortes nas emissões aos países industrializados e isentavam os países em desenvolvimento dessas reduções, o que foi considerado inaceitável para os dois grupos.

O último deles é o Acordo de Paris, adotado em 2015, em que cada um dos países apresentou voluntariamente as reduções que desejava soberanamente fazer. Os países onde o movimento ambientalista é mais atuante apresentaram compromissos mais ambiciosos. É o caso dos países da Europa e dos Estados Unidos (sob a presidência de Barack Obama).

O Brasil, no governo de Dilma Rousseff também apresentou propostas ambiciosas, que foram objeto de amplo debate promovido pela então ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira. Essas propostas foram convertidas em lei pelo Congresso Nacional. Ninguém forçou o País a adotá-las.

Mais recentemente, o presidente Donald Trump decidiu mudar a posição do seu país, provavelmente para “desconstruir” o legado do presidente Obama, e deixar o Acordo de Paris, que não é mais que a soma dos compromissos voluntários apresentados por cada país. Para não cumprir os compromissos assumidos basta mudá-los unilateralmente, não é preciso “deixá-lo” ou “sair dele”, a não ser por motivos políticos.

É curiosa, portanto, a retórica inicial de alguns dos colaboradores do presidente Bolsonaro de seguir os passos do presidente Trump, que agora, ao que parece, está mudando. Ela nos parece simplesmente fruto de desinformação: não existe a menor dúvida de que a temperatura média do planeta está aumentando e a causa principal é a ação do homem. Quem nega isso são leigos que inventam teorias conspiratórias, setores ligados a interesses contrariados de produtores de carvão e petróleo ou simplesmente desinformados.

Existem outras causas para o aquecimento (e até o resfriamento) da Terra – além das emissões de carbono –, como já aconteceu no passado, como a variação da atividade solar, a inclinação do eixo da Terra, erupções vulcânicas, etc. Mas elas foram todas analisadas pelos cientistas: a ação do homem soma-se a esses eventos naturais e está ocorrendo numa velocidade sem precedentes na história geológica da Terra. Questionar a realidade do problema é uma posição obscurantista, como foi a da Igreja Católica no fim da Idade Média ao negar que a Terra gira em torno do Sol.

Os custos necessários para evitar o aquecimento global são elevados – e para muitos governos há tarefas mais urgentes a realizar –, mas esses custos aumentarão muito se nada for feito agora.

Existem, portanto, razões econômicas e sociais para não enfrentar de imediato esses problemas, caso da indústria do carvão nos Estados Unidos ou dos protestos contra a adoção de uma taxa sobre as emissões de carbono na França.

O Brasil perdeu protagonismo e prestígio internacional nesta questão ao desistir de sediar a Conferência do Clima em 2019 porque ela se realizará no Chile e nossa capacidade de influir nos resultados vai diminuir com possíveis prejuízos para o nosso próprio país.

Mais ainda perder “status” internacional com o argumento de que a conferência teria gastos elevados não é convincente porque o mesmo argumento deveria ter valido para os Jogos Olímpicos que exigiram a construção de inúmeros estádios a alto custo que estão hoje praticamente ociosos.

*Professor emérito da USP, foi ministro do Meio Ambiente durante a Conferência do Clima no Rio de Janeiro (Rio-92)


Dorrit Harazim: Sumiu o clima

A ausência do presidente americano rouba de Bolsonaro e Araújo, nossos estreantes em Davos, um escudo de peso

O presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo talvez fiquem desapontados: ainda não será desta vez que haverão de conhecer o mito maior, Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos, emparedado na Casa Branca pelo impasse envolvendo a construção da prometida muralha mítica na fronteira com o México, anunciou que fará forfait em Davos. A paralisação do funcionamento da máquina do governo americano já entra em sua terceira semana, e nem Trump consegue edulcorar a dimensão da encrenca em curso.

Este ano, o Fórum Econômico Mundial começa no dia 22 de janeiro. Sempre no mesmo cenário alpino onde Thomas Mann, Nobel de Literatura de 1929, escreveu sua monumental “A montanha mágica”. Também como sempre, participará das centenas de mesas uma constelação de figurões de ponta da economia global, celebridades, ministros de Estado, chefes de governo, acadêmicos e ativistas. O encontro tem tantos defensores quanto adversários. Alguém já avisou a Jair Bolsonaro e Araújo que para o fundamentalista de direita Steve Bannon, cultuado como estrategista-mor da ascensão de Trump, a reunião anual desse “magma” é produto da treva? “A classe trabalhadora está cansada dos ditames do ‘partido de Davos’”, declarou o personagem em 2014.

A ausência do presidente americano rouba de nossos estreantes em Davos um escudo de peso. Pior, os deixam sós e soltos ao alcance de uma atrevida adolescente sueca de 16 anos, Greta Thunberg, que irrompeu no cenário mundial durante a 24ª Conferência da ONU sobre o Clima, em Katowice, Polônia, em dezembro, quando demonstrou saber se fazer ouvir.

De início, poucos entenderam o que fazia aquela criança de tranças Rapunzel, cara de bolacha e crachá pendurado no pescoço, sentada ao lado do secretário-geral das Nações Unidas. Ela foi uma das palestrantes. Seu discurso durou apenas quatro minutos, mas acordou os representantes de quase 200 países no plenário. Ninguém fez melhor em matéria de frescor, naturalidade e relevância não acadêmica. Vale a pena conferir na internet e redes sociais, onde Greta está por toda parte com sua cruzada pró justiça climática. Abaixo, um trecho do discurso em que a adolescente parecia ser o único adulto no salão:

“Não conseguiremos salvar o mundo jogando pelas regras do jogo. Porque essas regras precisam ser mudadas. Não viemos aqui implorar aos líderes mundiais que cuidem do nosso futuro. Eles nos ignoraram no passado e nos ignorarão novamente.

Viemos aqui para que eles saibam que a mudança está vindo, gostem ou não. As pessoas enfrentarão o desafio. E, como nossos líderes estão se comportando como crianças, teremos que assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito tempo.”

Greta havia saído do seu casulo numa segunda-feira de retorno às aulas na Suécia, em agosto passado. Em vez de fazer o caminho da escola onde cursa a nona série, porém, ela tomou assento num degrau à frente da sede do Parlamento no centro de Estocolmo, e empunhou um cartaz onde se lia “Greve escolar pelo clima”. Era uma greve de uma só pessoa, que se repetiria a cada semana até os congressistas votarem as medidas que prometeram cumprir pelo Acordo Climático de 2015 assinado em Paris.

Como na Suécia ir à escola é obrigatório, ela estava infringindo a lei, mas ninguém ousou detê-la, até porque os pais a apoiaram. Não tardou, e a ela se juntaram mais colegiais, a ativista caiu no gosto de cidadãos comuns, a hashtag #We Dont Have Time (maior rede de mídia social para ação climática) a adotou, e, dali para a frente, uma vez por semana, ginasianos em várias cidades do mundo se juntam à sua cruzada. Esta semana foram 3.500 em Bruxelas, outros tantos em Helsinque. “E se um milhão, dez milhões de crianças mostrassem ao mundo que a escola é inútil se não houver futuro?”, pergunta Greta através do movimento #FridaysForFuture.

Em pleno invernão europeu, ela viajará de carro até Davos (65 horas ida e volta de Estocolmo) por ojeriza ao combustível usado na aviação civil. É provável que ela chegue cheia de ideias para o futuro de sua geração. Mas talvez não esteja preparada para ouvir que no Brasil recém-inaugurado o clima sumiu. A palavra “clima “ sumiu de dois ministérios — o das Relações Exteriores e o do Meio Ambiente — junto com “mudanças climáticas” e “aquecimento global”. O país que tem a oitava maior economia do mundo e é o sexto mais populoso do planeta se sentará à mesa em Davos para discutir a Quarta Revolução Industrial cheio de ideias para o passado.


El País: Cúpula do clima sela um pacto pouco ambicioso para evitar o fracasso

A cúpula climática da ONU na cidade polonesa de Katowice, conhecida como COP24, conseguiu selar na noite deste sábado um pacto que servirá para desenvolver o Acordo de Paris a partir da próxima década. As tensões entre os blocos de países na hora de assumir a necessidade de mais ambição na luta contra a mudança climática estiveram muito presentes nas negociações. No lado mais conservador, situaram-se os Estados Unidos e a Arábia Saudita; no outro, a União Europeia e um grupo de países em desenvolvimento, além de pequenos Estados insulares ameaçados pelo aumento do nível do mar, que almejavam um texto mais ambicioso.

Em cúpulas desse tipo, com a participação de quase 200 países, os acordos devem ser aceitos por unanimidade. Daí que as negociações possam se prolongar e passar horas bloqueadas, como ocorreu novamente na sexta, quando a cúpula deveria ter acabado.

O texto final aprovado é menos ambicioso que os seus rascunhos, especialmente no capítulo referente a reduções das emissões de gases do efeito estufa. “A COP24 não refletiu a ambição necessária nem os compromissos dos países para que a ação climática aumente”, resume Tatiana Nuño, especialista em negociações climáticas do Greenpeace.

Duas coisas deveriam sair desta cúpula. Por um lado, uma nova etapa na regulamentação do Acordo de Paris. Por outro, uma declaração que refletiria as conclusões do relatório de especialistas que assessoram a ONU, segundo os quais está terminando o prazo para que o mundo evite as piores consequências da mudança climática.

Com relação ao primeiro ponto, a parte mais importante da regulamentação do Acordo de Paris foi aprovada, mas de forma inconclusa. O capítulo relativo aos mercados de carbono (o intercâmbio de cotas nacionais de emissões de gases do efeito estufa) bloqueou a negociação durante horas. Finalmente, diante das pretensões do Brasil, que se beneficia economicamente desses mecanismos, por contar com amplas zonas florestais, decidiu-se que esse assunto será concluído dentro de um ano, na próxima cúpula.

O resto da regulamentação, que inclui medidas de transparência comum, cortes nas emissões, adaptação aos impactos do aquecimento global e financiamento, pôde ser satisfatoriamente concluída.

Teresa Ribera, a ministra espanhola para a Transição Ecológica, participou até o último momento das negociações na cúpula. Ela lamentou que o resultado final não seja “tão ambicioso” quanto a Espanha e a UE gostariam, mas destacou que se trata de um momento muito complicado para o multilateralismo, numa referência aos países, como os Estados Unidos, que boicotam instituições como a ONU.

Por esse motivo, alguns observadores acreditam ser quase milagroso que algum pacto tenha sido selado na cúpula de Katowice; outros, entre eles muitos ambientalistas, se mostram decepcionados com o resultado, por sua pouca ambição. “Ninguém vai ficar satisfeito depois destas negociações”, alertou António Guterres, secretário-geral da ONU, falando na sexta-feira às ONGs. Frente ao risco de fracasso, Guterres teve que comparecer a Katowice para se envolver na reta final das negociações. As mudanças em muitos Governos, com a irrupção de líderes que inclusive flertam com o negacionismo da mudança climática – caso do norte-americano Donald Trump –, complicaram o evento.

Uma das batalhas mais duras foi a que afeta a declaração final da cúpula, a chamada decisão, que tem um caráter mais político. Esse texto deveria insistir aos países para que sejam mais ambiciosos e apresentem planos mais duros para as reduções das emissões de gases do efeito estufa. E, no centro da discussão sobre esse texto (que deveria ser acatado pelos quase 200 países presentes) estava o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês). Esse documento detalha os riscos que o planeta enfrenta se a temperatura subir 1,5 grau em relação aos níveis pré-industriais (atualmente, já subiu 1 grau). As alusões ao relatório e às suas principais conclusões – basicamente, que o tempo está se esgotando para o mundo – estiveram no centro da discussão em Katowice. Enquanto os Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia e Kuwait buscavam minimizar a importância do relatório e de suas conclusões, outros Estados queriam que esse documento científico estivesse no centro da discussão.

O Acordo de Paris tem como objetivo que a temperatura média do planeta não suba além de 2 graus acima dos níveis pré-industriais, e se possível que fique abaixo de 1,5 grau. Para isso, todos os países devem apresentar planos para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa. As propostas sobre a mesa não são suficientes, já que levariam o planeta a um aumento de 3 graus até o final deste século. E o relatório do IPCC deixava claro o que os países devem fazer para cumprir o objetivo mais ambicioso, de 1,5 grau: reduzir suas emissões em cerca de 45% sobre os níveis atuais. Mas as referências diretas a esse corte foram eliminadas da declaração final de Katowice, devido à pressão dos EUA e da Arábia Saudita, o que poderia levar a um fracasso total. “Eu preferia uma linguagem mais explícita”, admite a espanhola Ribera sobre esse relatório científico.


El País: Macron diz que política ambiental de Bolsonaro é obstáculo para acordo com Mercosul

Presidente francês chega a Buenos Aires como porta-voz da globalização e do livre comércio. Macron também defende a luta contra o aquecimento global, entre outras coisas que Trump recusa

Emmanuel Macron se propõe como alternativa. Em Buenos Aires, tenta se tornar um líder mundial dos defensores da globalização, do livre comércio, do liberalismo e, principalmente, da luta contra o aquecimento global, tudo o que Donald Trump rejeita. E não deixa de alertar sobre o risco de que a cúpula do G-20 seja um fracasso. Antes da reunião dos principais líderes internacionais, na sexta-feira e no sábado, o clima ficou um pouco mais tenso com o anúncio, feito por Trump, de cancelar seu encontro previsto com Vladimir Putin por causa do grave atrito entre a Rússia e a Ucrânia.

Mohamed Bin Salman permanece trancado na embaixada saudita, transformada em um bunker. Macron, por outro lado, desfruta de um contundente protagonismo antes da cúpula e não deixa de apertar mãos na rua. No entanto, sua chegada, na noite de quarta-feira, foi infeliz. A vice-presidenta da Argentina, Gabriela Michetti, que deveria recebê-lo ao pé da escada do avião ao lado do embaixador francês, foi retida pela polícia em uma sala do aeroporto por supostas razões de protocolo e de segurança, e Macron encontrou apenas alguns funcionários com coletes amarelos, a roupa que agora simboliza a revolta contra ele na França. Foram as primeiras pessoas que Macron cumprimentou em sua primeira visita à Argentina. “Foi horrível, uma falha no protocolo, mas o presidente francês encarou com bom humor”, disse Michetti, que não pôde correr para a pista (sofre paraplegia por causa de um acidente) e chegou quando Macron já estava entrando em um carro rumo ao hotel.

Macron retaliou no dia seguinte. Foi cedo para a livraria Ateneo Grand Splendid, a mais famosa de Buenos Aires, para conversar com o gerente e com vários clientes sobre literatura argentina. Em seguida foi à Fundação Internacional Jorge Luis Borges e conversou com sua viúva, María Kodama. “Borges foi o meu acesso ao imaginário sul-americano”, disse, “é o homem que levou a sensibilidade argentina à universalidade”. De lá rumou à Plaza de Mayo, que percorreu a pé com a esposa entre uma pequena multidão, e entrou na Casa Rosada para realizar com Macri a primeira reunião bilateral da cúpula, seguida de um almoço em uma ilha do delta de Tigre.

Em uma entrevista ao jornal La Nación, Macron já havia anunciado sua intenção de usar a cúpula do G-20 para reunir “aqueles que não apenas querem preservar o Acordo de Paris [sobre o clima], mas ir mais longe” e advertiu sobre o risco de uma guerra comercial aberta entre Estados Unidos e China que seria “destrutiva para todos”. “Se não conseguirmos acordos concretos, nossas reuniões internacionais se tornam inúteis e até contraproducentes”, afirmou. Isso continua sendo uma possibilidade nesta cúpula, cujo sucesso ou fracasso se decidirá realmente no último minuto, durante o jantar que reunirá no sábado os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping. Há meses ambos estão infligindo severas sanções comerciais um ao outro.

Depois da reunião entre Macri e Macron, abundante em gestos de cordialidade, os dois concederam uma rápida entrevista coletiva em que o argentino enfatizou a necessidade de alcançar finalmente um acordo entre a União Europeia e o Mercosul, depois de duas décadas de negociações, o que o francês descartou por enquanto. Disse que lhe parecia impossível avançar agora por causa da mudança política no Brasil, que nos próximos anos será presidido pelo ultradireitista Jair Bolsonaro — a França, contudo, é um dos países com mais ressalvas ao acordo que se tenta há décadas. E recorreu a um argumento que vale também para suas discussões com Trump, com quem, disse, mantém “uma relação fácil, com acordos e desacordos”: “Eu não posso pedir aos meus empresários e aos meus trabalhadores que façam sacrifícios em nome da transição energética e da luta contra a mudança climática e, ao mesmo tempo, assinar acordos comerciais com países que não pretendem fazer o menor esforço nessa área”. É o que Macron chama de “compatibilizar os problemas do fim do mundo com os problemas do fim do mês".


Arnaldo Jordy: O desafio do clima

Os países membros da ONU estão na Alemanha neste momento para Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 23). Em pauta, os crescentes aumentos de temperatura no mundo, o aumento do nível do mar e do número de tempestades, secas, inundações, furacões e outros desastres naturais que podem ser consequência do aquecimento global. Documento da Organização Meteorológica Mundial revela que a ocorrência de eventos climáticos extremos tem acompanhado a curva de crescimento das emissões de gases-estufa e o aumento da média da temperatura global.

Conter o aquecimento, no entanto, enfrenta outra barreira, que deverá ser um dos pontos centrais de discussões na COP 23, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, por iniciativa do governo de Donald Trump, repetindo o que George W. Bush fizera com o Protocolo de Kyoto, e a consequente desidratação do fundo global de financiamento das ações contra o aquecimento, que é formado, proporcionalmente, pelas contribuições dos países que mais jogam dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, sobretudo EUA e China.

No Brasil, o desmatamento contribui para o cenário preocupante. Os números sobre a Amazônia divulgados em outubro mostram uma queda no ritmo da devastação, mas não escondem que a área desflorestada da região continua aumentando ano após ano, e indicam que ainda estamos muito distantes de cumprir as metas às quais o Brasil se propôs em redução do corte de árvores e da emissão de CO2 na atmosfera.

O Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – detectou 16% de queda na taxa de desmatamento na Amazônia no período entre 1º de agosto de 2016 a 31 de julho de 2017, em relação ao período anterior, após dois anos de aumento consecutivo. No Pará, a taxa de desmatamento da floresta caiu 19%.

Esses números, divulgados em meados de outubro, significam, entretanto, que somente no Pará, foram derrubados em um ano 2.413 quilômetros quadrados de floresta, equivalentes a 340 campos de futebol. Em todos os Estados da Amazônia, a área derrubada foi de 6.634 quilômetros quadrados de corte raso, ou quase 930 campos de futebol. No período anterior de doze meses, a floresta perdeu 7.893 quilômetros quadrados de vegetação. Esses números se repetem ano após ano, com variações para cima e para baixo, a ponto de hoje a área devastada na Amazônia já ser maior que os territórios de Alemanha e Portugal juntos. São mais de 750 mil quilômetros quadrados de devastação, segundo levantamento feito pelo IBGE, com aumento de 50% nos últimos 20 anos.

O ritmo da devastação é constante e apesar da queda ser uma boa notícia, ainda estamos longe de cumprir a meta estabelecida pelo governo federal em 2009, que é de limitar o desmatamento anual a 3,5 mil quilômetros quadrados em 2020, daqui a somente dois anos.

Em comunicado, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam – constata que o Brasil ainda não provou que é capaz de cumprir a sua parte no Acordo de Paris, que é o compromisso global pela redução das emissões de gases do efeito estufa. O Brasil emitiu, em 2017, mais de 330 milhões de toneladas de CO2 em decorrência do desmatamento.

Para combater o desmatamento, é fundamental valorizar e equipar órgãos como o Ibama para fiscalizar e combater a atividade ilegal, o desflorestamento criminoso e outras atividades que prejudicam a floresta, como a mineração clandestina. É preciso deixar claro que não queremos que a Amazônia deixe de produzir alimentos, nem tenha outras atividades produtivas, mas é totalmente possível desenvolver a agricultura e a pecuária, por exemplo, nas áreas que já estão desmatadas.

O Pará tem cerca de 23 milhões de hectares de áreas já alteradas pelo homem, das quais mais de 16 milhões são pastagens, algumas de baixíssima produtividade. Portanto, é possível aumentar a produção sem avançar sobre a floresta. De acordo com o Ipam, na Amazônia há quase 80 milhões de hectares já desmatados e destes, pelo menos, 15 milhões de hectares (3% do bioma) estão subutilizados ou abandonados e podem ser recuperados para a produção.

Também tem que haver incentivo a novos arranjos produtivos que deixem a floresta em pé, como programas de sequestro de carbono, serviços ambientais e outros, que precisam de recursos. Tudo é uma questão de aplicar planejamento, ciência e tecnologia em favor da produção e da preservação, já que as riquezas contidas na mata nativa hoje também são inestimáveis para o nosso futuro e a própria ciência. Basta usarmos esses recursos com sabedoria.

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS do Pará e líder do partido na Câmara

 

Fonte: http://www.pps.org.br/2017/11/11/arnaldo-jordy-o-desafio-do-clima/


Temperatura pode subir 3°C se meta do clima não for ampliada

Quando foi fechado o Acordo de Paris, que prevê conter o aquecimento do planeta a uma temperatura bem abaixo de 2°C, com esforços para limitar em 1,5°C até o fim do século, já se sabia que os compromissos dos países naquele sentido não seriam suficientes para alcançar a meta. Agora, uma análise científica sobre esses compromissos não deixa dúvidas. Se apenas os planos nacionais forem adotados, o aumento médio da temperatura pode ser de 2,6°C a 3,1°C até 2100 - na comparação com o período pré-Revolução Industrial.

É o que mostra estudo publicado nesta quinta-feira, 30, na revista Nature por uma equipe de dez cientistas de diferentes países, incluindo o Brasil. Números semelhantes já haviam sido propostos por pelo menos dez outras análises feitas logo depois que as chamadas INDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida) - conjunto de compromissos que cada país disse ser capaz de adotar como contribuição ao esforço global de redução das emissões de gases de efeito estufa - foram apresentadas pelos governos.

O novo estudo considerou as chances de cada uma dessas projeções. E chegou à conclusão que, mesmo se todos os compromissos forem cumpridos, há 50% de probabilidade de se ficar na faixa de 2,6°C a 3,1°C.

Atualização

"O que nosso estudo reforça é que é preciso definir ações mais ambiciosas o quanto antes. Não vai dar para gastar o período de 2020 (quando o Acordo de Paris começa a valer) a 2030 (prazo da maioria das INDCs) para ter ações mais ambiciosas depois", afirma o pesquisador Roberto Schaeffer, professor de Planejamento Energético do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ.

Quando o Acordo de Paris foi fechado, os países já tinham noção disso e, por isso, concordaram que INDCs sejam revistas a cada cinco anos, com valores sempre readequados para cima, nunca para baixo. "Mas não vamos poder esperar o fim do período da INDC para começar a correr atrás", alerta.

Ele afirma que para fechar a conta para menos de 2°C ou para 1,5°C em geral se considera a necessidade de adoção de tecnologias que ainda não estão firmadas, como de sequestro e captura de carbono (CCS ou BioCCS, que conta com biomassa). "Se dependemos disso, então está na hora de fazer isso começar a existir. Para ficar em 1,5°C seria necessário, logo depois de 2050, ter emissões negativas. Isso só vamos ter com BioCCS. Está na hora de acelerar tudo, incluindo o que não existe", defende o pesquisador que participou da análise. "O estudo é para chamar atenção. O pessoal saiu de Paris em clima de lua de mel, felizes por terem um acordo. E isso foi um excelente começo, mas tem de ir além. Ainda dá tempo", diz.

Schaeffer faz ainda um alerta para o Brasil. "A INDC brasileira foi ambiciosa em outro cenário macroeconômico. Agora em crise, existe uma chance de o Brasil cumprir suas metas não por méritos próprios, mas porque a economia afundou. Nesse cenário, as emissões caem naturalmente porque o consumo de energia cai. Aí corre o risco de não fazer as ações necessárias, como ter mais energia eólica e menos térmica. Se fizer térmica achando que o jogo está ganho, fica mais difícil se desvencilhar disso mais para frente."


Por Giovana Girardi - O Estao de S. Paulo

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


Mudanças climáticas ameaçam agricultura familiar nas regiões Norte e Nordeste, diz centro da ONU

As mudanças climáticas terão fortes efeitos negativos para a agricultura familiar das regiões Norte e Nordeste do país nas próximas décadas, ameaçando a segurança alimentar dessas comunidades rurais, segundo estudo do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

As mudanças climáticas terão fortes efeitos negativos para a agricultura familiar das regiões Norte e Nordeste do país nas próximas décadas, segundo estudo do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), divulgado no mês passado.

De acordo com o levantamento, os efeitos das mudanças do clima são uma ameaça não somente à segurança alimentar dessas comunidades rurais — que já registram baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) — como à produção de alimentos no país, uma vez que a agricultura familiar responde pela maior parte do alimento consumido domesticamente no Brasil.

Feito em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o estudo indicou que as áreas mais afetadas pelas mudanças climáticas no Norte e Nordeste serão o semiárido e a região de savana do Nordeste — sul do Maranhão, sul do Piauí e a Bahia ocidental.

No país, a previsão é que, durante as próximas décadas, a região com maior elevação na temperatura seja a região Centro-Oeste. Contudo, até o fim do século, será vista também a elevação da temperatura no Norte e Nordeste, principalmente nas áreas centrais das regiões. Além disso, a projeção é que essas áreas tenham maiores variações interanuais de precipitação nos períodos de chuva.

Diante desse cenário, o cultivo de soja e café terá as maiores perdas, enquanto cana de açúcar e mandioca terão prejuízos menores se comparadas a outras culturas. “É nesse sentido que os impactos da mudança do clima se apresentam como uma ameaça à segurança alimentar nas comunidades rurais”, disseram os pesquisadores.

Recomendações a agricultores e poder público

Os pesquisadores apontaram a necessidade de os agricultores familiares se adaptarem ao aumento na variabilidade do clima e fizeram recomendações ao setor público para enfrentar o problema. Segundo o estudo, com planejamento prévio e técnicas inovadoras, é possível reduzir vulnerabilidades e construir resiliências.

As estratégias incluem manejo sustentável dos recursos naturais, modernização da infraestrutura para produção e armazenamento dos produtos e identificação de alternativas de geração de renda para as famílias.

“São muitos os constrangimentos vivenciados pelos agricultores familiares nas regiões Norte e Nordeste do Brasil”, disse o estudo, citando os índices de pobreza dessas regiões. “As vulnerabilidades desse grupo social serão aprofundadas se os potenciais impactos da mudança do clima se concretizarem”, completaram.

“Além da preocupação relativa ao agronegócio e à exportação de produtos alimentícios, a comunidade nacional e internacional deve compreender que milhões de pessoas estão vivendo com os rendimentos provindos da agricultura familiar ou da agricultura de subsistência”, disse o estudo. “Eles são os verdadeiros agentes para o desenvolvimento.”

Leia aqui o relatório completo “Mudança do clima e os impactos na agricultura familiar no Norte e Nordeste do Brasil”.