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El País: França suspende voos com o Brasil para evitar variante brasileira do coronavírus

Com a medida, que não tem prazo para acabar, país busca impedir a entrada da cepa de Manaus no país. “Notamos que a situação está piorando”, afirmou o primeiro-ministro francês

França suspenderá “até novo aviso” todos os seus voos com o Brasil devido a preocupações geradas pela variante brasileira da covid-19, anunciou o primeiro-ministro Jean Castex nesta terça-feira. “Notamos que a situação está piorando e, portanto, decidimos suspender todos os voos entre o Brasil e a França até novo aviso”, disse. A medida vale tanto para voos que partem do Brasil como para os que saem do território francês e atende a pedidos de especialistas do país europeu, que alertavam para o perigo da entrada do vírus no país.

crise de saúde no Brasil não para de se agravar desde fevereiro, especialmente pelo aparecimento da variante de Manaus do vírus, conhecida como P1, considerada mais contagiosa e perigosa. O país tem batido seguidos recordes de mortes diárias e já acumula 354.617 óbitos e 13,5 milhões de casos confirmados desde o início da pandemia. Nesta terça, é possível que um novo recorde de mortes seja registrado, já que houve represamento de informações por parte de Estados nesta segunda.

A nova variante brasileira já se tornou fator de preocupação em outras partes do mundo, como o Canadá, que registra o maior número de casos da P1 fora do Brasil. Na França, ainda que a variante brasileira seja minoritária, os profissionais de saúde vêm alertando há alguns dias para a disseminação da cepa. A oposição chegou a exigir que o Governo interrompesse os voos com o Brasil.

De acordo com informações do jornal Le Monde, na segunda-feira o ministro dos Transportes, Jean-Baptiste Djebbari, afirmou que o Governo havia decidido manter algumas linhas com o Brasil por respeito à liberdade de ir e vir dos franceses. Os viajantes que chegavam ao país vindos do Brasil tinham que apresentar um teste PCR negativo e se isolar por dez dias.

A situação de descontrole da pandemia vivida no Brasil causa preocupação no mundo não apenas pela existência da variante de Manaus. Mas a grande replicação do vírus torna o terreno fértil para o aparecimento de novas variantes cada vez mais contagiosas e, possivelmente, resistentes à vacina —o que a P1 ainda não é.


Felipe Salto: Alô, alô, planeta Terra chamando

O Brasil perdeu a capacidade de planejar. Esse é o pecado original não expiado

O ministro da Economia usou estranha analogia ao tratar do Orçamento de 2021: o pouso de uma nave em Marte. Não vale a pena transcrever o que foi dito. Nos anos 1990 a TV Cultura transmitia o programa Mundo da Lua. Lucas Silva e Silva, personagem principal, gravava suas histórias sempre começando com o bordão: “Alô, alô, planeta Terra chamando”.

O governo tem nas mãos verdadeiro imbróglio orçamentário a resolver até o dia 22 de abril, prazo final para sancionar ou vetar a Lei Orçamentária Anual (LOA). A subestimativa das despesas obrigatórias, a exemplo das previdenciárias, é expressiva, como mostrei no meu artigo de 30/4. Em que pese a incerteza intrínseca aos cenários futuros, é fato que o volume de despesas discricionárias (as mais suscetíveis de cortes) da LOA não caberá no teto dos gastos públicos.

O teto é uma regra constitucional. Não tem escapatória. Os créditos extraordinários ficam de fora, é verdade, mas só podem ser editados em situação específica, quando comprovada situação de imprevisibilidade e urgência, conforme o parágrafo 3.º do artigo 167 da Constituição. O auxílio emergencial, por exemplo, será pago por meio de crédito extraordinário. Outros gastos com saúde têm sido feitos na mesma base, como em 2020. Aí incluídas as verbas para a compra de vacinas.

Mas a despesa ordinária é limitada ao teto. Se as despesas obrigatórias projetadas pela Instituição Fiscal Independente (IFI) se confirmarem e as despesas discricionárias da LOA não forem cortadas, o gasto total sujeito ao teto ficará em R$ 1,518 trilhão, isto é, quase R$ 32 bilhões acima do limite constitucional. E atenção: o processo orçamentário não se desenrolou em um dia, o projeto da LOA foi apresentado em agosto.

É da natureza do Congresso buscar elevar as emendas parlamentares. Não é novidade. Em 1989, o presidente José Sarney viu-se diante de um dilema: vetar o primeiro Orçamento com receitas reestimadas pelo Congresso ou sancioná-lo e, dali em diante, consagrar uma prática que alteraria a lógica do processo orçamentário concebido na Carta de 1988. A correção desse sistema passa pela adoção de projeções independentes para as receitas públicas. A estimativa de arrecadação não deveria ser fruto de decisão política, mas de trabalho de especialistas com autonomia.

Quando o teto de gastos passou a limitar a estratégia do recálculo das receitas, partiu-se para o cancelamento de despesas como meio para abrir espaço fiscal. Seria legítimo se realista. Vale dizer, em 22 de março de 2021, antes da aprovação do Orçamento, o governo publicou documento com números atualizados para o cenário fiscal prospectivo que não batem com a LOA.

Em entrevista a Idiana Tomazelli, do Estado, o senador Márcio Bittar explicou: “Para mim é muito ruim ficar levando a responsabilidade de ter inventado o número e os cortes. Jamais eu faria isso. Não foi obra minha. Isso foi construído a todas as mãos”. De fato, o processo orçamentário – que tem rito próprio definido na Constituição, em razão de sua importância – sempre foi gestado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso e pelo Poder Executivo. Foi assim em todos os governos.

Os que acompanham minimamente o processo orçamentário sabem que o trabalho é conjunto, como bem disse o senador Bittar. Não adianta, agora, gastar energia com o que não resolverá a confusão. É momento de construir soluções, que demandarão articulação, participação dos técnicos da área jurídica e orçamentária e coordenação com os órgãos de controle. Para ter claro, é a vez da experiente burocracia estatal.

A matemática é simples: as despesas de Previdência, abono salarial, seguro-desemprego e compensação ao regime geral de aposentadorias pela desoneração da folha de salários terão de ser suplementadas, pois vão ser realizadas. Caso contrário, quando faltar orçamento, os beneficiários não receberão suas aposentadorias e pensões, seus auxílios e transferências. Seria inimaginável operar sob esse risco.

Para suplementar as dotações orçamentárias desses gastos obrigatórios será preciso cortar as discricionárias, que incluem as emendas parlamentares. Uma solução seria o veto parcial da LOA combinado com o envio de projeto de lei do Executivo para o Congresso a fim de corrigir os problemas. Outra, a sanção da LOA sem alterações acompanhada de projeto de lei mais amplo. Esta segunda opção, a meu ver, é arriscada, pois pode envolver a sanção de uma lei em desacordo com os preceitos da responsabilidade fiscal.

Fernando Rezende, referência no tema das finanças públicas nacionais, defende, há anos, que se promova verdadeira reforma orçamentária e fiscal no País. Contudo os caminhos escolhidos têm sido pavimentados por pinguelas. Mais dia, menos dia, elas desabam. De remendo em remendo, tem-se um sistema fiscal pouco eficiente, rígido e sem transparência. O País perdeu a capacidade de planejar. Esse é o pecado original não expiado.

É hora de trazer a nave de volta. “Alô, alô, planeta Terra chamando.”


Ana Cristina Rosa: Desafio monstruoso

Toda pessoa negra no Brasil tem ao menos uma história de racismo relacionado ao cabelo para contar

Toda pessoa negra no Brasil tem ao menos uma história de racismo relacionado ao cabelo para contar. Para a maioria de nós, negros, essa vivência começa na infância —em geral quando entramos na escola e passamos a frequentar um microcosmo que reproduz a malignidade do racismo impregnado na sociedade brasileira – e se manifesta pela vida afora.

Acontece com o negro pobre e com o endinheirado, com o desconhecido e o famoso. O episódio mais recente ocorreu no BBB 21, quando o cabelo afro de um dos participantes da edição foi comparado à peruca da fantasia do castigo do monstro. Em março, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, a atriz Taís Araújo contou a experiência da filha de seis anos com um coleguinha de colégio que zombou do cabelo da menina.

Mas o que soa realmente surpreendente é a naturalização desse tipo de situação, tratada como desentendimento, mal entendido ou brincadeira em pleno século 21. Assim os fatos vão sendo escamoteados como se fossem qualquer coisa menos o que realmente são: atitudes racistas.

“Brincadeiras” e comparações com o cabelo do negro são tão corriqueiras que, desde que me conheço por gente, dão azo a apelidos pejorativos e fica por isso mesmo. Como se não fossem uma forma de violência, não ferissem e não afetassem a autoestima de milhões de pessoas. Sinceramente, é muita subjetividade envolvida numa questão que parece bastante objetiva.[ x ]

Por mais que se exalte a beleza negra, persiste uma tensão em torno dos fios de cabelo crespos e cacheados, fruto do estrago causado por séculos de imposição de um padrão de beleza eurocêntrico, que desvaloriza e menospreza tudo o que se difere.

Como destacou Nilma Lino Gomes em sua tese de doutorado Sem Perder a Raiz –corpo e cabelo como símbolos da identidade negra, “desde a escravidão, a mulher e o homem negro convivem com o desafio de desconstruir o olhar negativo sobre o seu corpo e o seu cabelo”. E o desafio é monstruoso.

*Ana Cristina Rosa é jornalista especializada em comunicação pública e coordenadora da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPÚBLICA) - Seção Distrito Federal.


Bruno Carazza: Quando a esmola é muita

Imunidade não quer dizer subvenção

Nos primórdios, a ordem era a seguinte: em primeiro lugar a Igreja, depois a unidade do Estado e as leis e só então viria o interesse da população.

“Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana, a integridade e indivisibilidade do Império e fazer observar a Constituição Política da Nação Brasileira, e demais Leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil”, exigia o art. 103 da nossa primeira Constituição, proclamada por Pedro I em 25 de março de 1824.

Logo após a Independência, a liberdade de culto existia apenas no papel, pois o catolicismo era o credo oficial; o único com direito a possuir templos - as demais práticas religiosas eram permitidas apenas em residências ou espaços fechados, sem demonstração externa. E havia um detalhe: para ser deputado, era preciso ter pelo menos 400 mil réis de renda líquida e professar a religião do Estado - ou seja, ser católico.

Com a Proclamação da República foi abolido o vínculo oficial entre Igreja e Estado no país. A Carta Magna de 1891 proibiu o governo de estabelecer, subvencionar ou atrapalhar o funcionamento de qualquer culto. O princípio da laicidade prevalece até hoje, insculpido no inciso I do art. 19 da atual Constituição.

E foi com base nesse dispositivo que a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos obteve do ministro Kássio Nunes uma liminar impedindo governadores e prefeitos de editarem normas restringindo cerimônias por causa da pandemia. Esse entendimento, contudo, foi derrubado na semana passada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, que decidiu que a proteção à vida não viola o princípio da liberdade religiosa.

Afora o debate se a fé pode ser exercida num contato direto com Deus ou carece de interação comunitária (“igreja” vem de “reunião”, em grego), muitos veem na controvérsia jurídica uma motivação muito mais mundana: a queda de arrecadação de dízimo.

Como igrejas não publicam seu faturamento, fomos atrás de um dado indireto para ver a quantas anda esse “mercado”. Contando com a ajuda de Joaquim Honório, do Laboratório de Analytics da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, compilamos a data de criação de todas as pessoas jurídicas inscritas no banco de dados da Receita Federal que exerciam “atividade de organização religiosa” (CNAE 9491-0).

Como pode ser visto no gráfico, há uma aceleração na abertura de entidades ao longo das últimas décadas. No entanto, após atingir um pico de 12.116 novos estabelecimentos em 2013, o movimento é revertido, com um aprofundamento significativo em 2020, quando chegou a “apenas” 4.808 até novembro.

O arrefecimento no lançamento de novas igrejas Brasil afora pode ser derivado de inúmeros fatores, inclusive em função de uma acomodação frente ao forte crescimento das últimas décadas.

Todavia o ciclo econômico adverso em vigor desde a grande recessão de 2015/2017, potencializado pelas medidas de distanciamento exigidas pela covid-19, surge como candidato mais provável para explicar não só essa reversão de tendência, como também o lobby das entidades religiosas junto aos três Poderes da República.

Além das ações propostas no STF e da evidente influência que exercem sobre Jair Bolsonaro, líderes religiosos promovem uma ampla agenda no Congresso Nacional. Uma pesquisa no site da Câmara dos Deputados indica que existem pelo menos 370 projetos de lei em tramitação com essa temática, sendo 70 apresentados desde o início da pandemia.

Além da pressão para a manutenção dos templos abertos - somente em março foram cinco propostas apresentadas com esse objetivo - e a pauta de costumes, há uma variada pauta tributária, o que reforça a tese de que a crise econômica não poupou padres, pastores e afins.

Organizações religiosas há tempos tentam por vias legislativas e judiciais ampliar os limites da imunidade tributária que, de acordo com o texto atual, só atinge seus templos - e não todas as suas outras atividades.

Além da recente derrubada do veto que abre caminho para um perdão bilionário de dívidas tributárias, o apetite da bancada da Bíblia não tem limites. As propostas gravitam em torno de questões de grande vulto, como a isenção de impostos para a remessa de valores para o exterior (PL nº 4.936/2020) e o afastamento da legislação trabalhista sobre as funções exercidas nas igrejas - que seriam consideradas trabalho voluntário, segundo o PL nº 4.188/2020.

Desconsiderando que a mesma Constituição que concede imunidade aos templos também proíbe que nosso Estado subvencione religiões com subsídios e isenções, os parlamentares buscam até mesmo a dispensa do recolhimento de direitos autorais na execução de músicas nos templos e meios de comunicação (PL nº 3.399/2020) e gratuidade no pagamento de taxas cartoriais na aquisição de imóveis (PL nº 2.870/2019).

É tanta a ganância de parlamentares que agem como procuradores de igrejas que corremos o risco de, em breve, regredirmos ao tempos do Império, quando interesses religiosos pairam acima do país, da Constituição e do próprio povo brasileiro.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”


Fernando Gabeira: Do paraíso ao inferno tropical

Não consigo deixar de quebrar a cabeça para explicar nosso fracasso diante da pandemia. Pareço aquele personagem do romance de Vargas Llosa “Conversa na catedral”. Ele se debate com a pergunta: “Em que momento o Peru se fodeu?”.

Cada semana enveredo por uma trilha nova, sem saber direito onde dará essa patética aventura.

Alguns textos estimulam minha busca. Um deles é da economista Mariana Mazzucato, que, ao falar da importância de uma ação nacional coordenada, usa como exemplo o esforço americano para colocar o homem na Lua.

O livro dela chama-se “Missão economia” e pretende ser um guia para mudar o capitalismo. No prefácio, ela comenta a experiência vitoriosa do Vietnã contra a Covid-19, baseada na capacidade de unir todas as energias nacionais numa só direção.

Por minha conta, dei um balanço também em alguns momentos de êxito dos britânicos na pandemia. Um deles foi a capacidade de articular a energia e a criatividade no processo de conseguir vacinas e realizar a vacinação em massa. Outro foi o êxito em evitar, no auge da crise sanitária, que houvesse um colapso no sistema hospitalar.

Ambos os processos de vacinação e gestão de hospitais no Reino Unido foram capitaneados por mulheres. Mas envolveram um esforço mais amplo. Daí minha interrogação: sera que tanto o Vietnã como o Reino Unido não se aproveitaram da memória das guerras que viveram e encontraram mais facilidade para um esforço nacional?

Por meio de outro texto, tentei fazer o caminho oposto: examinar o fracasso de alguns países, como os Estados Unidos e o Brasil, que perderam muito mais gente na pandemia.

Refiro-me a um artigo publicado no ultimo número da “Foreign Affairs”, com o título de “O poder partido, como superar o tribalismo”, de Reuben E. Brigety. De forma simplificada, uma das características do tribalismo é o patrulhamento constante entre os membros de uma tribo, o que evita a possibilidade de cooperar com um adversário para o bem comum.

A superação do tribalismo pode se encontrar na coragem dos líderes, como nos processos da África do Sul e da Irlanda. Ou então na ajuda de entidades mediadoras. Mas tanto Trump quanto Bolsonaro jamais levariam em conta esse aspecto, precisamente porque sobrevivem na divisão.

Nem um nem outro jamais pensou em saída nacional e solidária, simplesmente porque isso implica dissolver diferenças secundárias em nome da tarefa de salvar vidas.

Já havia mencionado em alguns artigos como essa polarização intensa nos torna incapazes de certas conquistas. No caso americano, além de reduzir seu potencial, abre um flanco para a exploração dos inimigos externos.

No exemplo brasileiro, esse fator inimigo externo não tem tanto peso. São tantas as agressões entre nós, tantos insultos à razão e à lógica elementar, que um inimigo externo descansaria na certeza de que fatalmente nos autodestruiremos.

Uma das mais delicadas tarefas de Joe Biden é superar o tribalismo na política americana. E creio que a experiência de nosso fracasso na luta contra a pandemia aponta para a mesma direção no futuro: recriar as condições para que, em determinados momentos, possamos agir como um só país, com energia concentrada para derrotar um inimigo comum, seja ele um vírus, um desastre ambiental ou um grande sofrimento popular.

Quando o radicalismo de Bolsonaro e seus adeptos for superado, creio que, de todos os temas com que trabalho, a proteção ao meio ambiente e a sustentabilidade, ao lado da luta por melhorias reais da condição de vida, podem ser a base de um novo pacto. Ecologia e responsabilidade social.

Não creio que isso nos levaria a um mundo totalmente pacificado, muito menos ao paraíso.

Creio apenas que aqui fomos muito longe em nossa experiência infernal. Não me pergunto apenas quando é que o Brasil se fodeu, mas também por que se fodeu tanto.


R7: ONU nomeia general brasileiro comandante de missão no Congo

Marcos de Sá Affonso da Costa substituirá outro militar brasileiro no comando de missão para estabilizar politicamente o Congo

ONU (Organização de Nações Unidas) nomeou nesta quinta-feira (8) o General Marcos de Sá Affonso da Costa para o cargo de Comandante Militar na Missão da Organização para a Estabilização na República Democrática do Congo.

O General Affonso da Costa sucederá ao General Ricardo Augusto Ferreira Costa Neves, que completou seu turno de serviço no comando militar da missão no último dia 31 de março. 

Em nota, o minisério de Relações Exteriores comemorou a nomeação. "Representa reconhecimento da histórica contribuição do país para as operações de manutenção da paz das Nações Unidas", escreveu a pasta.

O General de Brigada formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras, em 1986, com o título de Bacharel em Ciências Militares. Ele também é Mestre em Operações Militares, pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e Doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. 

Ao longo de sua carreira, serviu na região amazônica durante oito anos, comandando o 2º Batalhão de Infantaria de Selva, em Belém do Pará; foi instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército; Assessor Militar do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília; Oficial de Estado-Maior da Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola e instrutor da Escola Superior de Guerra do Peru.


João Gabriel de Lima: As cores da ‘Concertación’ brasileira

Que o manifesto propicie uma conversa madura entre liberais, social-democratas e desenvolvimentistas

 “Chile, la alegria ya viene.” Quem assistiu ao filme No, que concorreu ao Oscar de 2013, não esquece o refrão. Ele foi mote de uma campanha histórica. Em 1988, um plebiscito decidiria se o ditador Augusto Pinochet deveria, ou não, continuar em sua cadeira até 1997. A população torpedeou o autocrata com um rotundo “No!”. Foi um raro – e belo – momento em que uma democracia derrubou uma ditadura pelo voto.

O que se seguiu foi igualmente histórico. Socialistas e democratas-cristãos, adversários de décadas, se uniram com o intuito de consolidar a democracia, juntando partidos de esquerda e de direita. O arranjo, conhecido como “Concertación”, durou mais de 20 anos, como lembra o cientista político argentino Andrés Malamud, especialista em América Latina e personagem do minipodcast da semana. O logotipo do movimento era um arco-íris. 

É inevitável pensar na “Concertación” ao ler o Manifesto pela Consciência Democrática, assinado por seis presidenciáveis. Há apelo à convergência e defesa intransigente dos regimes de liberdade. A união de todos, no entanto, não é óbvia. Entre os signatários há tendências políticas de amálgama difícil. 

João DoriaEduardo LeiteJoão Amoêdo e Luiz Henrique Mandetta integram a centro-direita. Em alguma medida, os quatro estiveram com Jair Bolsonaro ou se beneficiaram dos votos de seu eleitorado em 2018. O rompimento implícito no manifesto mostra que o campo “azul” quer se reconstruir bem longe do presidente. Um dos quatro nomes acima poderá representar a tendência liberal em 2022.

Ciro Gomes não pertence ao mesmo clube. Seu programa de governo – que já foi até publicado em livro – é de matriz desenvolvimentista. Ele vai disputar a centro-esquerda com Lula, a quem pediu nesta semana que desse um “passo atrás”. É difícil imaginar Lula cedendo a cabeça de chapa a Ciro, mas o fato mostra que ambos disputam o campo “vermelho”. Ciro evocou o caso argentino, em que Cristina Kirchner, em 2019, topou ser vice de Alberto Fernández, de modo a unificar as diversas alas do peronismo – outro episódio lembrado por Malamud no minipodcast.

Luciano Huck ainda não decidiu se será candidato. Em entrevista recente ao Estadão, um de seus mentores, o ex-governador capixaba Paulo Hartung, situou o apresentador na centro-esquerda. Para ele, Huck partiria em busca do eleitor social-democrata. Um eleitor que gostava do PSDB progressista de Fernando Henrique nos anos 1990 e aprovou o Lula da “Carta ao Povo Brasileiro” – com os ortodoxos Palocci, Meirelles e Marcos Lisboa na equipe econômica. Seria o candidato “lilás”. 

O governo Bolsonaro fracassou em diversas áreas-chave, entre elas a gestão da pandemia – o que levou, inclusive, à determinação de abertura de uma CPI anteontem, com assinaturas de senadores do PSDB ao PT. É natural que enfrente não apenas uma, mas várias oposições, da centro-direita à centro-esquerda.

Se é difícil que as cores de nossa democracia se juntem no tal arco-íris, que o manifesto ao menos sele, como sugere o jornalista Pedro Venceslau no Estadão, um “pacto de não agressão”. Que propicie uma conversa madura entre liberais, social-democratas e desenvolvimentistas – os três grupos que há 30 anos disputam corações e mentes em nosso debate, e que hoje se opõem a Bolsonaro. Num cenário otimista, em 2022 o Brasil começará a emergir dos escombros. Cabe às oposições trazer propostas concretas para reconstruir um país devastado.


O Estado de Minas: 'A compreensão do racismo foi tirada da gente', diz a escritora Ijeoma Oluo

Ijeoma Oluo afirma que conquistar espaço na internet é fundamental para a luta antirracista

Nahima Maciel, Correio Braziliense

Quando começou a escrever “Então você quer conversar sobre raça”, Ijeoma Oluo tinha em mente o leitor americano. Filha de nigeriano com americana branca, premiada com o Humanist Feminist Award em 2017 e autora de colunas no “The Guardian”, “Washington Post” e na “New York Magazine”, ela queria produzir um livro capaz de conversar didaticamente com as pessoas sobre questões relativas à raça, mas sem deixar de ser contundente.

A autora norte-americana desejava, sobretudo, que seu livro fosse acessível a muitas pessoas. “Comecei a escrever porque queria encontrar um livro sobre o tema racial que ativistas, escolas e faculdades pudessem usar. Não havia um livro assim. Queria preencher essa lacuna com um livro que realmente ajudasse a entender as questões de raça e racismo, que ajudasse a resolver problemas reais do dia a dia”, conta.

“Então você quer conversar sobre raça”, que acabou na lista de mais vendidos do “The New York Times”, está entre as obras fundamentais na abordagem do racismo e de como ele se projeta sobre a sociedade. Misoginia, justiça social, desigualdade e feminismo, temas sempre presentes nos artigos de Ijeoma Oluo, também permeiam o livro.(foto: Jean-Baptiste Debret/reprodução)

'Não é possível dissociar a escravidão do sistema econômico, político e cultural baseado em um racismo violento. Para manter esses sistemas funcionando, em vez de refazê-los, fomos ensinados que o racismo não está no sistema, que o racismo se foi com o fim da escravidão'

Partindo de situações corriqueiras, muitas vezes com exemplos pautados em experiências próprias ou de pessoas próximas, a autora aprofunda a discussão sobre racismo estrutural, interseccionalidade, diferenças de gênero, ações afirmativas, apropriação cultural e violência policial.

Estimular ações concretas e influenciar a maneira como as pessoas pensam e agem é um dos maiores objetivos de Ijeoma. “O livro desmitifica um monte de coisas, tornando menos difícil e assustador falar de temas relacionados a raça e racismo”, acredita.

Para a autora, que cresceu em ambiente de relativa pobreza e de valorização da educação formal e do conhecimento, um dos pontos deixados de lado quando se discute o racismo é a efetivação de ações concretas para combater o problema.

“Achamos que se nos entendermos melhor, isso vai magicamente consertar o racismo”, diz. “Mas o racismo precisa de ação, de uma solução ativa. Se você não tiver conversas com foco em ações que podem ser realizadas, então não será uma conversa efetiva. Quando pensamos em como o racismo impacta a vida das pessoas, falamos de salário, saúde, bem-estar e coisas precisam de ação”, adverte a autora.

O conteúdo do livro não visa transformar racistas em antirracistas, mas apontar como o racismo sutil e contínuo pode ser violento e destrutivo. “Não existe um país no mundo, mesmo aqueles de maioria negra, que não tenha sido tocado pela supremacia branca. Enquanto pudermos reconhecer isso e construir redes de solidariedade em uma economia globalizada e numa cultura global, podemos trabalhar juntos para dar um fim a isso”.

Formada em ciências políticas, Ijeoma Oluo trabalhou em empresas e instituições antes de começar a viver da escrita. Além de “Então você quer conversar sobre raça”, publicado no Brasil pela editora Best Seller, lançou “Mediocre: the dangerous legacy of white male America” (“Mediocridade: o legado perigoso da América branca masculina”, em tradução livre) e “The badass feminist coloring book” (“O livro de colorir das fodonas feministas”), livro de colorir que reúne importantes feministas negras.

“ENTÃO VOCÊ QUER CONVERSAR SOBRE RAÇA”

De Ijeoma Oluo


Seu livro se tornou best-seller e ocupa a lacuna que, nos últimos 10 anos, tem sido preenchida por novas vozes do feminismo negro. O que mudou na última década em relação a esse ativismo?

Quando penso sobre os últimos 10 anos, se melhoramos, diria que, às vezes, avançamos um pouco socialmente, mas institucionalmente, não. Sistemicamente, não. A maneira como pessoas negras e pessoas de cor transitam por nossa sociedade permanece a mesma, sem mudanças. Se falarmos sobre salário, saúde e promoções, quase nada mudou. Infelizmente. Mas a maneira como falamos sobre raça e racismo está mudando parcialmente, porque a internet quebrou várias barreiras e permitiu que escritores negros escrevessem sobre suas experiências. Esse tipo de meio democratiza a fala e estamos falando disso de forma diferente, somos todos parte desse esforço. Mas não acho que isso tenha se traduzido em mudanças sistêmicas.(foto: Roberto Schmidt/AFP)

Quais são as mudanças mais relevantes na discussão sobre racismo desde que a internet se tornou um espaço público de discussão?

A internet é vital, precisamos encará-la como se fosse vida real, porque ela é cada vez mais importante não só para o trabalho antirracista, mas para o racismo. Temos uma espécie de oposição de forças que encontra força na internet. O antirracismo cresce na internet, mas a atividade de brancos supremacistas racistas também, eles conseguem recrutar e espalhar suas propagandas. Por isso é um espaço no qual precisamos prestar atenção. O que vimos no Capitólio em 6 de janeiro (invasão do Congresso por aliados de Donald Trump, com cinco mortos) começou na internet e acabou se tornando uma insurreição real, na vida real. Então precisamos ficar atentos ao fato de que a internet não existe apenas como espaço virtual, ela é muito importante e impacta o que ocorre na vida real.

Por que é tão difícil para países que tiveram economias baseadas na escravidão durante tanto tempo compreender o racismo estrutural?

A razão é deliberada. Não é uma incapacidade de entender, é que a compreensão do racismo foi deliberadamente tirada da gente. Quando você tem uma história de escravidão, sociedades onde pessoas eram vendidas e compradas, você tem um sistema econômico construído em torno de um violento racismo. Não é possível dissociar a escravidão do sistema econômico, político e cultural baseado em um racismo violento. Para manter esses sistemas funcionando, em vez de refazê-los, fomos ensinados que o racismo não está no sistema, que o racismo se foi com o fim da escravidão. Mas as pessoas que faziam dinheiro com a exploração de populações de cor, em especial os corpos indígenas e negros, ainda têm o poder e constroem sistemas que asseguram que tenham lucros. Nós somos as pessoas exploradas para que eles tenham lucro. Mas se você disser que isso acabou com o fim da escravidão, então você não tem que desistir desse poder e reestruturar o sistema. Na escola, somos ensinados que não houve racismo na maneira como se deu a transição da escravidão para o nosso sistema atual, nosso sistema econômico, agrícola. É muito deliberado. Espero que as pessoas entendam que não quer dizer que elas não são espertas se não entendem, e sim que nosso sistema educacional foi desenhado para abrigar essas ideias.(foto: Mauro Pimentel/AFP - 21/6/18)

O Brasil é um país que acredita no mito da democracia racial. Por sermos muito misturados, às custas da violência do estupro durante a escravidão e por acreditarmos que o brasileiro tem natureza pacífica, o que tem se mostrado cada vez menos real, acreditamos também que não há racismo no país. Que conselhos você daria para quem perpetua esse mito?

Uma coisa importante é sempre olhar e categorizar quem tem sido beneficiado pela escravidão. Porque é claro que, no Brasil, as pessoas não foram beneficiadas igualitariamente. Você tem uma população dividida por cor e gênero que não foi beneficiada. Quem cresceu e se enriqueceu e quem não? É preciso quantificar. Uma das coisas que levam as pessoas a dizerem que não existe racismo é que, na verdade, não quantificamos. Mas tudo pode ser medido. Podemos medir quem vive em periferias pobres? Quem tem falta de serviços públicos? Quem mais provavelmente irá para a prisão? É muito importante quantificar isso, olhar para a história e se perguntar por que e como o sistema perpetuou isso. Temos que fazer isso, mas também escutar e entender que se é algo de que não ouço falar, é provável que seja porque as pessoas da minha comunidade não são impactadas por isso, e esse é um sintoma de racismo. Podemos olhar os números no Brasil e em outros lugares, há a estratificação da população: algumas pessoas estão muito bem, outras não. Boa parte disso tem base racial. Se você mora no Brasil e não consegue ver, significa que você é parte de um substrato social que não sofre com isso. Aí você tem de fazer o seu trabalho, tentar entender e se perguntar: quem não estou ouvindo? Porque a verdade é que as pessoas pobres no Brasil, as oprimidas e exploradas, estão falando sobre o que acontece com elas, mas são caladas o máximo possível. Eu diria: procure, ajude essas vozes a serem ouvidas.


Ricardo Noblat: Brasil pede socorro contra o vírus, a fome e Bolsonaro

Generosidade em fim de linha 

E aí? Engane-se quem acredita que o governo do presidente Jair Bolsonaro mudou de posição quanto ao enfrentamento da pandemia. Só por que Marcelo Queiroga, médico, sucedeu ao desastrado general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde e recomenda que as pessoas usem máscara, lavem as mãos com álcool gel e se mantenham distantes umas das outras?

É o mesmo Queiroga que se recusa a admitir o lockdown porque Bolsonaro é contra. É o mesmo que evita condenar o tratamento precoce que Bolsonaro continua recomendando, um logro que já custou muitas vidas. É o mesmo que prometeu em breve vacinar um milhão de brasileiros por dia, meta distante de ser alcançada porque a demanda é maior do que a oferta.

Mudança de posição só por que o embaixador que sucedeu o inepto Ernesto Araújo no Itamaraty revelou que seus compromissos são com a vacina, a economia e o meio ambiente? Moleza suceder Araújo e parecer sensato. É como substituir Felipão no comando da Seleção Brasileira depois dos 7 x 1. Se ganhar o jogo seguinte com gol de mão será exaltado como herói.

Em um mês, o Brasil dobrou o número de mortes pela Covid em um único dia. No dia 6 de março, 1.840 vidas foram perdidas em 24 horas. Quatro dias depois, 2.000. Após duas semanas, 3.000. Ontem, quase 4.200. O total de mortes até agora é de 337.364. No melhor dos cenários, até julho o Brasil pode atingir meio milhão de óbitos, segundo o neurocientista Miguel Nicolelis.

Enquanto isso, o presidente da República espalha notícias falsas, faz comparações incabíveis e idiotas e destila ódio contra seus críticos. Em frente ao Palácio da Alvorada, em conversa com um grupo de devotos, Bolsonaro comentou: “Tem uma pesquisa aí que diz que quem tem uma vida saudável é oito vezes menos propenso a ter problemas com a Covid”. Que pesquisa? Não disse.

E prosseguiu: “Mas quando você prende o cara em casa, o que ele faz em casa? Duvido que ele não tenha aumentado um pouquinho de peso. Até eu cresci um pouquinho a barriga”. Posou de vítima: “Me chamavam de torturador, racista, homofóbico. Agora é o quê? Aquele que mata muita gente? Genocida! Imagina se o Haddad estivesse no meu lugar?!” Os devotos concordaram.

Bolsonaro afirmou que tem como resolver o problema do vírus em poucos minutos: “É só pagar o que os governos pagavam para Globo, Folha, Estado de S.Paulo. Esse dinheiro não é para imprensa, é para outras coisas”. E repetiu: “Cancelei todas as assinaturas de revistas e jornais. Já entramos no segundo ano sem nada. A gente não pode começar o dia envenenado”.

Metade dos brasileiros começa o dia sem saber se haverá comida suficiente em sua mesa. É a primeira vez que isso acontece desde 2004. São 116,8 milhões de pessoas nessa situação, segundo pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. No ano passado, a pandemia deixou 19 milhões com fome, quase o dobro do que havia em 2018.

Na cidade do Rio, a ONG Ação da Cidadania distribuiu 80 mil cestas básicas por dia em 2020. Este ano, apenas 8 mil. Secaram as fontes de doação de alimentos. Na cidade de São Paulo, a G10 Favelas distribuía 10 mil marmitas por dia. O número caiu para 700. A decantada generosidade dos brasileiros que podem muito com os brasileiros que nada podem era pouca e acabou.

Governante autoritário é tudo igual, só variam suas armas

A primeira vítima é sempre a verdade

Governante autoritário é tudo igual, só variam os métodos de cada um. Josef Stalin, que governou a União Soviética de meados da década de 1920 até sua morte em 1953, não se contentou apenas em promover expurgos políticos no Partido Comunista.

Mandou prender, exilar e fuzilar milhares de seus adversários. E tentou reescrever a história de sua época eliminando pessoas de fotografias, falsificando alterações de imagens e destruindo filmes. Nesse aspecto foi um pioneiro.

Comparadas com as modernas técnicas digitais, as dos anos 30 e 40 do século passado eram primitivas, toscas, deixavam marcas e exigiam muita perícia dos seus executores. Os russos eram bons nisso, e aí se não fossem. Stalin não perdoava.

Até as 16h40m de ontem, e desde pelo menos o meio-dia, esteve disponível no Flickr do Palácio do Planalto uma foto da cerimônia de posse da nova ministra da Secretaria de Governo, a deputada Flávia Arruda (PL-DF). Depois disso, a foto sumiu.

Por quê? Porque nela apareciam, além da ministra, o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), o general Luiz Eduardo Tamos, chefe da Casa Civil, e… Valdemar Costa Neto, presidente do PL. E daí?

Daí que Costa Neto, recebido, esta semana, por Bolsonaro em audiência especial, foi condenado e tirou cadeia por envolvimento com o mensalão do PT – o escândalo da compra de votos de deputados para que aprovassem projetos do governo Lula.

Mesmo preso, Costa Neto negociou cargos no governo Dilma. Seu partido faz parte do Centrão que arrombou a porta do governo Bolsonaro e ocupa dezenas de cargos. Bolsonaro virou refém, mas quer esconder a verdade. Stalin foi mais bem sucedido.


Cristiano Romero: Poderes eleitos têm pouco espaço no orçamento

A rigidez atrofia a democracia e ocorre simultaneamente ao aumento de incentivos fiscais

No país a que chamamos de Brasil, muitas vezes a explicação de um conflito entre atores políticos não está no fato em si, mas, sim, nas estruturas que, ao longo do tempo, a sociedade cria para lidar com seus problemas. Em outras palavras, é possível afirmar que, nesta Ilha de Vera Cruz, a maioria dos problemas é enfrentada por meio de subterfúgios e soluções incompletas. Para não tratar da verdadeira causa de nossos desequilíbrios, forjamos acordos que, no fundo, apenas evitam o "confronto" imediato.

O futuro é sempre adiado porque vivemos numa sociedade que não pensa em seus descendentes. Prevalece, também, nas relações sociais, talvez justificável em alguns aspectos da vida nacional, um sentimento permanente de desconfiança em relação aos propósitos do vizinho, do colega de trabalho, do empresário que lhe dá emprego, do político eleito pela maioria de nós, do estrangeiro que se dispõe a vir aqui, entre outros lugares, para investir seu capital, no lucro de quem consegue lucrar, no sucesso de outrem, enfim, entre nós não há reconhecimento mútuo, mas, acima de tudo, suspeição.

A escravidão que nunca nos abandonou explica a maior parte desse grande desencontro que nos impede, não somente de sermos uma nação, mas de almejarmos um dia chegar lá. Nesse ambiente tenso, confuso, violento (só um país que não é nação "aceita" que 60 mil de seus cidadãos sejam assassinados todos os anos, a maioria, jovem e negra, nossa maior etnia), o Estado não exerce seu papel primordial, inscrito na Constituição, de combater diuturnamente as diferenças e dedicar-se inteiramente à oferta de igualdade de oportunidades.

Mas, se não cumpre sua missão, o que faz o Estado? Ora, é no Estado, isto é, na sua organização, nas leis que o sustentam e regem o contrato social em que estamos inseridos, onde os setores da sociedade se encontram para decidir o que somos e o que seremos. Sendo assim, numa sociedade marcada por uma desigualdade vertiginosa desde a sua fundação, há 521 anos, decide quem tem mais poder em Brasília. Sabemos, portanto, que, no centro da República, estão representados todos os grupos sociais, menos a maioria _ em resumo, os negros (56% da população), os miseráveis e os pobres.

Na Constituição, determinou-se que a União aplique, anualmente, nunca menos de 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios, menos de 25%, da receita resultante do recolhimento de impostos, incluída a proveniente de transferências, "na manutenção e desenvolvimento do ensino". Segundo os dados oficiais, a União tem se mantido com folga acima do patamar indicado, e o teto de gastos, instituído por emenda constitucional em 2017, não alterou isso.

Considerando que a despesa com a Previdência Social (INSS) e com as aposentadorias do funcionalismo público federal e dos militares consome hoje mais de 50% das receitas da União, o que sobra para investir em qualquer outra área é quase nada. Intitulado “Vínculo Obrigacional e Grau de Rigidez das Despesas Orçamentárias”, estudo realizado por três consultores de orçamento da Câmara _ Eugênio Greggianin, Graciano Rocha Mendes e Ricardo Alberto Volpe _ mostra que, neste ano, a participação das despesas obrigatórias no total da despesa primária (excluído o gasto com juros da dívida) da União pode chegar a 98%. Isto significa que governo e Congresso, justamente os poderes eleitos pelo voto popular, têm ingerência sobre apenas 2% dos gastos da União.

Os dados do gráfico, presente no estudo dos três consultores da Câmara, mostram a evolução da rigidez orçamentária nos ultimos 15 anos. A vinculação foi criada para forçar os governantes a investirem nas áreas onde, sim, desde sempre tivemos carência de recursos que explica muito da nossa enorme desigualdade social. Mas, ora, depois de 33 anos de vinculação, que quadro temos?

O SUS (Sistema Único de Saúde) foi viabilizado pela vinculação, tem se mostrado bastante útil nesta pandemia, mas não nos enganemos, está muito longe de cumprir sua missão constitucional. No caso da educação, o dado positivo foi a universalização do acesso das crianças ao ensino básico. E só. O que se vê além disso é uma tragédia que nos impede de formar cidadãos em condições de ascender socialmente.

Quem perde são justamente aqueles que os maiores defensores das vinculações dizem representar: os mais pobres, os que, na "corrida" de oportunidades da democracia.

A rigidez atrofia a democracia e ocorre simultaneamente ao aumento de incentivos fiscais porque os setores organizados, percebendo que a conta não fecha, estão correndo a Brasília para assegurar "privilégios" adquiridos. Não estaria aí o dilema de nossa democracia? Governo e Congresso, eleitos, não têm como atender a demandas de seus eleitores?

Reformar a Previdência, além de tratar-se de uma questão aritmética e de justiça social, também envolve a necessidade de o país ter mais recursos para investir no futuro de sua sociedade, isto é, na formação educacional de suas crianças, adolescentes e jovens, do contrário, jamais teremos uma economia em condições de competir no mercado mundial, um ambiente cada vez mais competitiva _ lembremo-nos que, nos últimos 35 anos, emergiram na Ásia países que, com exceção do Japão, nem se comparavam com o tamanho e a diversidade de nossa economia, e hoje estão muito à nossa frente, principalmente, em tecnologia e produtividade.


Elio Gaspari: Uma festa séria para 2022

O Brasil era atrasado, mas não se orgulhava disso

Tomando notas para sua obra “Efemérides brasileiras”, o Barão do Rio Branco registrou que amanhã, há 200 anos, realizou-se a “eleição primária de eleitores de paróquia no Rio de Janeiro. Foram as primeiras eleições desse gênero a que se procedeu no Brasil”.

O barão foi um obsessivo pesquisador da linda História do Brasil, e a Fundação Alexandre de Gusmão botou na rede as suas “Efemérides”, tornando-as acessíveis para pesquisadores.

Essa migalha aponta para a importância de outra data: no dia 7 de setembro de 2022, comemoram-se os 200 anos da Independência do Brasil. Afora a provável reinauguração do Museu do Ipiranga, não se tem notícia de iniciativa séria para que ela seja lembrada. Nem há muito que se possa esperar.

Em 1922, quando o Brasil fez 100 anos, viveu-se um ano de festas. O país tinha um pé no atraso, mas encantava-se com o progresso. O Rio mudou de cara, realizou-se uma exposição internacional, e várias nações ergueram pavilhões para mostrar seus produtos. O da França hospeda hoje a Academia Brasileira de Letras.

Cinquenta anos depois, no governo do general Emílio Médici, produziu-se uma patriotada circulando pelo país os ossos de D. Pedro I, até que os puseram numa cripta no Museu do Ipiranga. (Anos depois, descuidada, virou mictório.) Enquanto o mito banal ia de um lugar para outro, a verdadeira figura do primeiro imperador era escondida. Foi proibida a transcrição do decreto pelo qual aboliu a censura à imprensa. Com a economia crescendo a taxas de milagre, a ditadura podia dizer que, com censura, o Brasil era um país que ia “pra frente”.

Até 2022, o Estado continuará empurrando o Brasil para trás. Como diria Lula, “nunca na história deste país” foi tão forte o culto ao atraso, um atraso sinistro. Em 1922, já havia sido instituída a vacina obrigatória contra a varíola. Anos antes, quando a epidemia da Gripe Espanhola bateu em Pindorama, a taxa de estupidez que a acompanhou foi desprezível numa comparação com o espetáculo da pandemia de hoje. O Brasil era atrasado, mas não se orgulhava disso. Pelo contrário, encantava-se com os bondes, o rádio e os aviões.

O bicentenário cairá no meio da campanha eleitoral, e a capacidade do governo para produzir novas patriotadas será infinita. Daqui até lá, de algum lugar poderá sair uma discussão para entender que Brasil é este. A geração que fez a Independência tinha nível, e D. Pedro I foi um grande personagem. Deu-se atenção demais ao que fazia deitado quando, além de ter proclamado a Independência do Brasil, liderou uma revolta liberal em Portugal para colocar sua filha no trono.

Nos anos 1970, o criminoso Lúcio Flávio Vilar Lírio celebrizou-se com a frase “bandido é bandido e polícia é polícia”.

Lúcio Flávio queria apenas que cada um ficasse no seu quadrado. As coisas pioraram.

O delegado Alexandre Saraiva, superintendente da Polícia Federal no estado do Amazonas desde 2017, foi criticado pelo ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, depois de ter realizado a maior apreensão de madeira de todos os tempos. Ele disse à repórter Camila Mattoso:

— Ou a gente faz um país baseado na lei ou faz baseado no crime.


Patrícia Villela Marino: Prazer, eu sou o pessoal dos Direitos Humanos (e por que todos nós deveríamos ser)

Falas como a de Xuxa, sobre testes em pessoas privadas de liberdade, são comuns e perpetuam retrato de um Brasil eternamente atrasado

Nos últimos dias, as redes sociais e manchetes de inúmeros veículos foram movimentadas pela fala controversa —para dizer o mínimo— de uma das maiores figuras públicas do país: Maria das Graças “Xuxa” Meneghel.

Em uma live no perfil da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a apresentadora se mostrou favorável à ideia de que testes de remédios e vacinas sejam feitos em pessoas privadas de liberdade, em vez de animais.

“Acho que pelo menos serviriam para alguma coisa antes de morrer, para ajudar a salvar vidas com remédios e com tudo. Aí vem o pessoal dos Direitos Humanos dizer que não podem ser usados”, afirmou.

Minha cara Xuxa, é com todo o respeito do mundo que te digo: eu sou “o pessoal dos Direitos Humanos”. E acredito piamente que eles existem para nos separar, enquanto espécie, da barbárie.

Já contamos com desigualdades suficientes, responsáveis por genocídios, fome, miséria, racismo, misoginia, LGBTfobia e violências nas suas mais diversas tipificações para minimizarmos, do alto de nosso privilégio socioeconômico, a necessidade de legislações que garantam, ao menos em tese, a dignidade da vida humana.

Pessoas como eu e você não são ensinadas a se preocuparem com tais garantias, afinal, nossas estruturas familiares, condições financeiras, posições nas respectivas áreas de atuação e, principalmente, nossa cor fizeram com que nascêssemos sob sua tutela. Nascemos livres não só por estarmos do lado de fora das grades, mas por gozarmos de nossos direitos de maneira plena.

É simplória a crença de que infrações ao Código Penal são a única forma de se perder a liberdade. Ela não passa de uma ilusão na ausência da garantia de direitos.

A liberdade é um valor fundamental à vida, mas é sua garantia na medida em que rege relações humanas que a materializam e constroem vivências. Sem essa garantia, falamos de liberdade, futilizamos a liberdade e seguimos incapazes de proporcioná-la às populações marginalizadas da sociedade.

Sim, chegamos a este ponto. Sua afirmação, Xuxa, além de ferir o direito à vida, é essencialmente racista.

Isso porque, no Brasil, a população negra é liberta; contudo, ainda está longe de ser livre. A perpetuidade do racismo estrutural do aparato político-burocrático do nosso país e a inexistência de políticas de reparação histórica continuam restringindo oportunidades à boa parte da negritude brasileira.

Essa diferença se mostra em números: dois em cada três presos são negros, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública; 70% da população abaixo da linha da pobreza se identifica como preta ou parda, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (2020); e mais de 75% das vítimas de homicídios são negras, como consta no Atlas da Violência, de 2018.

Não há como negar tais condições díspares de ser e estar. Os negros no Brasil precisam ser e estar libertos e, novamente, reitero: a liberdade depende estritamente da garantia de direitos.

Tanto o Código de Nuremberg, assinado após o fim do genocídio causado pela Segunda Guerra Mundial, quanto a Declaração de Helsinque, promulgada pela Organização Mundial da Saúde em 1964, repudiam terminantemente a experimentação em seres humanos.

Tal sugestão, análoga ao período mais sombrio de nossa história recente, é a última coisa que um país que atravessou anos de escravidão e foi complacente com uma abolição sem reparação de danos precisa.

E este é o ponto mais importante desta reflexão: a famosa “democracia racial brasileira”, fruto de propaganda em que nada espelha a realidade, não passa de uma grande mentira contada com o objetivo de perpetuar o racismo estrutural.

Em suma: somos fruto de um processo colonizador enquanto país e, ao mesmo tempo, nos tornamos opressores daqueles trazidos à força para nosso território. Nesse contexto, é preciso compreendermos que quando nos tornamos colonizadores de outrem, somos degeneradores dos mesmos e de si próprios. O processo de colonização é, por essência, embrutecedor e “descivilizante”. É a conquista pela força do ódio racial e do relativismo moral.

De nada adiantam vídeos arrependidos e a culpabilização da chamada “cultura do cancelamento” quando estas vêm recheadas de negação da realidade —novamente, do alto de nossos privilégios.

É necessário nos reconhecermos, todos, como detentores de uma liberdade negada a muitos, fazendo uso dela para construir uma sociedade mais justa e engajada. Isso significa todos vestirmos as “sandálias da humildade” mobilizando nosso processo civilizatório com passos de civilidade.

O caminho mais óbvio e mais fácil para pessoas isoladas da realidade como ela é sempre será o punitivismo, a política do “olho por olho, dente por dente” e a necessidade de um “salvador da Pátria” (entendam-me como quiserem).

Nossa história é a prova disso: um caso psicanalítico que, por não elaborar seu passado, segue negando suas mazelas e arrastando o erro para o presente.

Quebrar a roda não é o suficiente. É preciso reconstruí-la e fazê-la girar do modo contrário. O processo não é fácil ou confortável. Pelo contrário, é dolorido e exige autocrítica que não é intrínseca à elite a qual pertencemos, mas é urgente.

É urgente porque falas como a sua, Xuxa, não são incomuns. E, apesar de serem “apenas” falas, elas perpetuam cada vez mais o retrato de um Brasil eternamente atrasado.

*Patrícia Villela Marino é advogada e ativista cívico-social. Cofundou e lidera o Instituto Humanitas 360