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Aos 200 anos de Independência, Brasil cobra um projeto democrático e sustentável para o século XXI

Texto produzido por integrantes do Conselho Curador e da Diretoria Executiva da FAP

O Brasil que completa 200 anos como Nação independente em setembro de 2022 é um espaço geopolítico notável, consolidado como Estado nacional, sem tensões territoriais importantes, com uma sociedade plural e dinâmica, que se vê como uma mesma comunidade imaginária, reunida sob o sentimento de sermos todos brasileiros.

O momento de comemoração é também um momento de reflexão – e propostas de ação - sobre um país que, ao tornar-se independente, permaneceu escravocrata; e que, apesar do senso de comunidade, carrega ainda traços estruturais que permitem a sobrevivência de um racismo com o qual a sociedade brasileira não pode mais conviver, e que deve ser combatido como prioridade em qualquer projeto nacional a ser levado à frente.

Entramos no século XXI com uma população dez vezes maior e com mais de cem vezes a riqueza nacional - medida pelo Produto Interno Bruto – que tínhamos no começo do século XX. Mas somos, também, um país profundamente desigual.

Segundo o relatório de 2003 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil tinha, ao fim do ano 2000, a sexta pior distribuição de renda do mundo, só melhor que as de países muito pobres, prejudicados pelo passado colonial europeu.  Enquanto não resolvermos essa imensa e persistente desigualdade – e seu corolário, causa e efeito: o absoluto fracasso na educação de massa – seremos, cada vez mais, uma sociedade dividida e pouco competitiva, condenada a ver se ampliar o golfo crescente que nos separa das nações mais prósperas.

Também no combate à desigualdade e na inclusão pela educação, atenção especial deve ser dada ao enfrentamento do racismo estrutural na sociedade, herança do período escravocrata que ainda repercute em diversas instâncias da vida social, política e econômica dos brasileiros, cujas consequências particularmente perversas se refletem nos índices de renda, emprego, escolaridade e violência policial. As políticas afirmativas e a aplicação da lei contra o preconceito e discriminação devem ser prioridade do governo.

É importante lembrar que a busca por igualdade, em uma sociedade democrática, não significa homogeneidade como objetivo; que a justiça social deve assegurar a todos os direitos universais, além de tratar cada um de acordo com suas necessidades específicas, em razão de sua identidade de gênero e como indígena, como negro, ou como pertencente a qualquer outro grupo humano.

A solução deste e de outros problemas brasileiros depende, ainda, de uma forte reação contrária às recentes ameaças à democracia, do repúdio ao golpismo e a todo projeto autoritário de poder, e da defesa intransigente do Estado de Direito, do pluralismo e da liberdade, com a garantia de eleições livres, a salvo de tentativas de interferência de atores políticos sem qualificação para tal.

Em um país com cerca de três quartos de sua população ocupada trabalhando no mercado informal ou em empresas de nano, micro ou pequeno porte, estas últimas responsáveis por cerca de 29% do PIB brasileiro, o combate à desigualdade requer, também, políticas de fomento à produtividade e qualificação para esses empreendimentos, como parte do projeto de um país mais próspero em seu terceiro século como nação independente.

Reduzir a desigualdade, meta nacional prioritária

A redução da desigualdade deve ser a meta nacional prioritária para o século XXI | Foto: Gustavo Mellossa/Shutterstock

Num mundo onde o avanço tecnológico é acelerado e abrangente, nossa precariedade educacional nos é fatal. Os problemas graves enfrentados pelo Brasil têm, na falta de projeto nacional e consistente para a educação, uma face particularmente perversa e danosa. O acesso universal e em condições de igualdade a bens públicos como educação, saúde e segurança é condição essencial para o exercício da cidadania e a consolidação da democracia no país. Ainda estamos longe dessa meta, e não faltaram recuos nesse campo nos últimos anos.

Essa desigualdade é responsável por gastos extraordinários e desnecessários na segurança pública, na saúde, na assistência social; e desorganiza a formação de um movimento que possa alavancar o conhecimento no país. Ela convive com a insuficiência na capacidade brasileira de garantir a todos seus cidadãos, especialmente às vítimas do racismo e outras formas de preconceito, os direitos humanos básicos. A adoção de um programa de renda mínima universal, e a reformulação, em bases sustentáveis e coerentes, dos programas existentes é uma tarefa inadiável.

Em 2021, segundo o Ministério da Saúde, apenas pouco mais de ¼ das crianças do país faziam três refeições diárias, por exemplo. Conquistas civilizatórias convivem com misérias insuportáveis, que exigem maior compromisso por sua erradicação, tarefa com prioridade sobre todas as outras na gestão pública do Brasil que queremos.

Pobreza e desigualdade não são sinônimos, e a persistência de ambos no país têm a ver com a incapacidade de direcionar nosso sistema educacional para um projeto realmente modernizador e de superar os erros de políticas nacional-desenvolvimentistas ou de soluções pretensamente liberais do passado, que fracassaram na tarefa de ampliar com qualidade a inserção do Brasil no mundo globalizado e interdependente.

É preciso ter a consciência de que não será apenas o aumento do consumo ou do acesso aos bens materiais que fará a desigualdade cair de modo sustentável em qualquer país. Superar a pobreza tem sua relação principal com a capacidade produtiva. Nela se encontram tecnologia e trabalho, entre outros. Já a desigualdade guarda relação íntima com instituições informais e valores morais. Para ir além do combate à pobreza e criar de fato uma política de redução da desigualdade, o Brasil precisa ampliar equitativamente a capacidade de trabalho, educacional e tecnológica de sua população.

Desde a inclusão da educação como direito do cidadão e dever do Estado, pela Constituinte de 1988, o país assistiu a avanços pontuais, porém significativos nesse setor, que devem ser analisados e, na medida do possível, replicados nacionalmente, sem otimismo ingênuo, incentivando experiências de sucesso comprovado na alfabetização e no ensino básico, promovendo a reforma do ensino médio e o ensino integral, que começa a adquirir tração em todo o país.

 A ênfase na educação e na cultura deve se justificar não só pelos seus efeitos na produtividade e competitividade econômicas do país, mas também pela necessidade de universalização dos valores e bens imateriais que trazem, fundamentais para um projeto humanista de país, que vença a cultura de violência e exclusão alimentada também pelo racismo estrutural.

Brasil, ator responsável na esfera internacional

Foto: Black Layer Creative/Shutterstock

A falta de avanços e, pior, os retrocessos nas conquistas sociais no país prejudicam e podem inviabilizar um importante patrimônio histórico que sustentou a relevância do Brasil na região e na sociedade internacional.

Dono do maior e ainda diversificado parque industrial da América do Sul, o país é plural em seus relacionamentos com os grandes atores globais e comprometido, em sua Constituição,  com o respeito aos direitos humanos, à autodeterminação dos povos, aos princípios de não intervenção e de Igualdade entre os Estados.

O Brasil deve zelar por sua história diplomática de defesa da paz, da solução pacífica dos conflitos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. No caso do racismo, particularmente, é necessário um esforço para superar os erros do passado, e promover com maior ênfase a diversidade e o repúdio ao racismo, não só nas pautas e ações de nossa política externa como na formação do próprio corpo diplomático.

Estes são princípios constitucionais, essenciais. São importante conquista diplomática na conjuntura global em que se desenha um novo mundo multipolar, com o recesso da hegemonia norte-americana; a emergência da China como grande potência global, econômica e bélica; a consolidação do bloco europeu; e o grande ativismo de atores relevantes em busca de protagonismo, como a Rússia e os países do bloco europeu.

País destino de grande parte dos escravizados trazidos do continente africano, o Brasil tem uma dívida histórica com os países da África, e interesses comuns refletidos por sua forte presença com embaixadas na maioria das capitais, sua fronteira marítima, sua experiência de cooperação em diversos setores, como saúde e agricultura, e sua relação comercial, que já foi mais relevante.

Embora tenha reduzido sua atuação diplomática nos tempos recentes, o Brasil não pode resolver sozinho boa parte dos dilemas que enfrenta neste início do século XXI. É preciso ter em vista, permanentemente, que o Brasil se situa num quadro comum de problemas globais, entre eles os desafios permanentes da consolidação da democracia e da inserção ativa do país na globalização, com um propósito irrecusável de defesa e afirmação da sustentabilidade econômica e ecológica.

À complexidade de seus problemas internos, o Brasil soma urgentes desafios na esfera internacional, entre os quais a defesa da paz e do princípio de não-intervenção, que desautoriza e condena ações como a recente invasão russa na Ucrânia, é um dos exemplos. Também recente é o combate à pandemia da COVID-19 (e à recente emergência da chamada Varíola dos Macacos),  exemplo, aliás, ligado aos desequilíbrios provocados pela humanidade no meio ambiente, que resultaram no que seja, talvez, o principal e prioritário problema a ser enfrentado em escala global, por ameaçar a própria vida no planeta: o aquecimento global e a perda da biodiversidade terrestre.

Aquecimento global, desafio premente

Foto: Sepp photography/Shutterstock
Foto: Sepp photography/Shutterstock

As emissões de gases de efeito estufa, com suas consequências para a mudança do clima e o aquecimento global, são uma questão mundial que se sobrepõe a qualquer outra. Se não enfrentado imediatamente, esse desafio dará lugar a um cenário de terror, e provocará uma imprevisível mudança civilizacional.

Essa ameaça impõe mudanças de hábitos e valores e, como outros temas que se imaginava mais que estabelecidos pela ciência (a importância das vacinas, entre eles), tem sido recebida com negacionismo alimentado por líderes populistas e grupos mal informados ou mal-intencionados.

Apesar da irresponsabilidade desse “novo reacionarismo”, as manifestações do fenômeno já estão aí: novas endemias e pandemias provocadas pelo deslocamento de animais de seu habitat natural e seu encontro com povoações humanas; eventos climáticos extremos e inéditos, como inundações, secas, ondas recordes de calor, tempestades e derretimento do gelo em regiões polares.

Ainda que com preocupante lentidão, os principais atores globais têm promovido, desde 1992 (ano da Convenção do Clima, na ECO-92), iniciativas que devem ser apoiadas e reforçadas para lidar com esse problema e seus desdobramentos.

Oportunidades na Revolução Verde

Foto: Sarayut_sy/Shutterstock

Mais importante: em diversos países, o avanço tecnológico aponta para soluções que, somadas e articuladas, podem reduzir os danos já contratados pela população global com o volume de carbono já lançado na atmosfera.

Abrem-se, com isso, enormes oportunidades de buscar uma economia próspera e sustentável com essas iniciativas – do aumento da eficiência da energia renovável (principalmente solar e eólica) à substituição de combustíveis fósseis, adoção de novos materiais, técnicas e processos na construção e na produção global, novos processos de produção de alimentos e métodos de captura do estoque de carbono na atmosfera.

Assim como o investimento em tecnologias militares apoiou revoluções tecnológicas e econômicas, este novo paradigma econômico e tecnológico tende a criar um novo fosso entre os desenvolvedores dessas tecnologias - e de novos setores e processos - e o restante dos países.

Não à toa, a competição por aquisição de capacidades e influência mundial também se dá nesse campo. Nos Estados Unidos, o governo Biden, apesar da equivocada oposição do Partido Republicano, lançou o que chama de New Green Deal; a Europa amplia seus recursos orçamentários em iniciativas para garantir emissão de zero carbono; e a China tornou-se líder em energia fotovoltaica, tecnologias de ponta em transporte ferroviário e no reflorestamento. Busca-se, nessas economias de ponta, aproveitar o que esses avanços trazem de dinamismo e aumento da eficiência. E não é só na disputa pela liderança da Revolução Verde que o cenário internacional vem sendo redesenhado, e exige do Brasil novas estratégias e projetos de parcerias e posicionamento na esfera global.

Desafios da conjuntura de mudanças globais

Foto: Vit-Mar/Shutterstock

A unipolaridade ensaiada com a derrubada do muro de Berlim e o colapso do Império Soviético deu lugar a uma nova situação de clara disputa por influência global, especialmente por parte dos Estados Unidos e China, com momentos de tensão, como os incidentes de agosto em torno de Taiwan e ações hostis e de espionagem no ciberespaço. A necessária equidistância do Brasil em relação a seus mais importantes parceiros comerciais e de investimento impõe uma consistente articulação diplomática, inclusive internamente, do Estado brasileiro.

Em relação à África, continente com vários países de tradição importante para a formação cultural brasileira, população total de mais de um bilhão de habitantes, grande número de migrantes brasileiros e mercados que já foram mais significativos para o Brasil, o país precisa retomar o empenho de aproximação e cooperação, que arrefeceu nos últimos anos.

O setor privado, por meio das grandes empresas globais e da movimentação do capital de risco também atua nesse cenário, para além das fronteiras nacionais e até no mundo virtual, tornando mais complexas as decisões e intervenções dos governos e tomada de decisão por agentes econômicos.

O esforço dos governos para constituir instituições multilaterais sofreu retrocessos nos últimos anos; o uso do comércio e das finanças como arma geopolítica ganhou nova dimensão com as disputas entre potências globais; e um enorme poder hoje é prerrogativa de grandes empresas de tecnologia com acesso incalculável e instantâneo a dados minuciosos sobre os cidadãos em todo o planeta.

O Brasil precisa de uma estratégia clara para orientar sua articulação com outros países no gerenciamento desse desafio transnacional.

A facilidade de conexão no universo virtual e a insatisfação com os resultados econômicos e sociais prometidos pelos líderes políticos levou a uma perda de influência dos partidos políticos tradicionais e à ascensão de indivíduos e grupos populistas com discurso antissistema e pouco apreço às instituições encarregadas de preservar a ordem democrática.

Novo federalismo

Foto: Reprodução/Apex-Brasil

É nesse contexto em que o Brasil se vê, também internamente, frente a múltiplos desafios. Na esfera política, a enorme fragmentação do sistema partidário e a ascensão de um grupo político pouco respeitoso das instituições e dos mecanismos de comando e controle hoje põe a própria democracia em risco e leva a sociedade civil a sair em sua defesa.

Na economia, os maus resultados das políticas voltadas ao crescimento econômico, a desindustrialização, a predominância de serviços de baixa complexidade e o persistente desemprego impõem um redesenho da atuação do Estado para a promoção da prosperidade, de forma robusta e sustentável.

Do ponto de vista do fortalecimento das políticas públicas, a pandemia da COVID-19 mostrou a relevância do modelo tripartite e integrado entre governos federal, estaduais e municipais, com o SUS. Um modelo que deveria inspirar, também nas ações de educação e assistência social, entre outras, um novo federalismo, com a coordenação mediação de conflitos e financiamento (suplementar, quando for o caso) federal, e maior transparência e articulação entre as esferas estadual e municipal.

Esse novo federalismo deveria levar à rediscussão sobre a divisão de atribuições, dando ao governo federal maior responsabilidade sobre a educação básica, por exemplo. Ao mesmo tempo, esse redesenho institucional deve levar a maior participação dos entes subnacionais de forma a garantir medidas de efetiva redução das desigualdades regionais. A descentralização de poder na organização e atuação do Estado traz, ao lado do aumento de eficiência do setor público, um seguro contra tentações de centralização autoritária, tão comum na nossa História.

A modernização do Estado em bases não autoritárias exige também um debate profundo sobre as instituições democráticas, suas falhas, o exercício das competências dos diversos poderes e a relevância do sistema de pesos e contrapesos entre Executivo, Legislativo e Judiciário, que precisa ser defendido contra pressões ilegítimas e ameaças de retorno do arbítrio.

As tentativas recentes de politizar e trazer as Forças Armadas para esferas que não são de sua competência devem ser repudiadas e rechaçadas veementemente, para que possamos ultrapassar definitivamente essa marca do atraso que é a busca de soluções armadas para divergências na esfera da cidadania.

Redesenho para lidar com as transformações

Foto: Thinkhubstudio/Shutterstock

É preciso e urgente fortalecer e equipar as instituições para lidar com os desafios impostos pelo novo cenário tecnológico, que trouxe facilidades para organização de grupos antidemocráticos e ações de desinformação para promover do ódio e minar a capacidade de formação de consensos na sociedade e de enfrentamento de problemas como a corrupção e a captura do Estado para interesses de indivíduos ou segmentos da sociedade.

O Brasil não pode se furtar a um debate profundo sobre governança pública, inclusão e cidadania digital e limites e garantias da liberdade de expressão nesse contexto. Enfrentamos, como no resto do mundo, uma evidente crise da democracia, anunciada pela perda progressiva de legitimidade das instituições representativas e pela ineficiência das ações públicas, o que tem estimulado a emergência de populismos cibernéticos e de retrocessos autoritários.

O tempo do Estado burocrático se tornou incompatível com o tempo da vida, isto é, não contempla as demandas dos cidadãos na velocidade exigida pelas relações contemporâneas. Por isso, é preciso um redesenho institucional para dar mais celeridade e qualidade às decisões do Estado.

Esse redesenho institucional não pode repetir erros do passado, que mantiveram, para a ação estatal a estrutura burocratizada, centralista – não obstante a pretensa, porém frágil, repactuação do federalismo – que orientou governos tão distintos quanto o de Vargas e os dos militares que impuseram a ditadura ao país.

É preciso evitar que prevaleçam indesejáveis mecanismos de negociação e cooptação entre Executivo e Legislativo e pela captura do Estado por grupos organizados em torno de uma ética que estimula e naturaliza a corrupção. Isso vale para a gestão em todos os seus aspectos, das políticas sociais às decisões de política econômica.

Na economia, o Estado tem dois desafios prementes: retomar o crescimento e a geração de empregos de qualidade, e integrar o Brasil na linha de frente da nova onda de transformação tecnológica, em bases sustentáveis.

É preciso, no entanto, superar a antiga crença na liderança estatal centralizada, burocratizada, protecionista e patrimonialista sobre nosso processo de modernização econômica – equívoco que deu espaço a projetos fracassados de “política industrial” no passado recente. As novas gerações necessitam superar o modus operandi que, no passado, apenas estimulou a aceleração econômica como uma permanente “fuga para frente”.

Está mais do que na hora de se adotar outra orientação, mais universalista, humanista e realista, fundada na autonomia responsável dos sujeitos sociais, individuais e coletivos, na democracia política e em suas instituições, bem como numa economia com novos padrões de sustentabilidade e de valorização do fator humano.

Esta é a lógica do “novo progressismo”, uma chave de interpretação da realidade e da sociedade que nos contrapõe a lógicas tecnocráticas e simplificadoras do capitalismo, da globalização e da revolução tecnológica, num momento em que já não se pode mais diferenciar o destino da humanidade e o da natureza. Trata-se de confrontar e superar as visões corporativas e utilitaristas, além daquelas explicitamente ilusórias e passadistas, para instituir o vetor de um novo reformismo, não mais como expressão de interesses particularistas, mas orientado por valores civilizatórios universais.

O modo como se concebeu nossa industrialização não preparou o setor para enfrentar a abertura comercial e a integração global. Também não foi capaz de promover a diminuição da desigualdade entre as regiões brasileiras. Ao contrário, só as reforçou. E a ascensão do agronegócio nas últimas décadas, que poderá tornar o Brasil o maior exportador de comida do mundo em 2025 e, pouco a pouco, incorpora a preocupação com a sustentabilidade de suas práticas, revela não só a preparação do setor para se integrar à globalização como também a superação de vícios que carregou em sua trajetória, de baixo conteúdo tecnológico e excessiva dependência da baixa remuneração da mão de obra.

As comemorações dos 200 anos de independência do país merecem uma reavaliação profunda tanto das estratégias passadas de enfrentamento dos problemas conjunturais quanto em sua dimensão longa, estrutural. Ao lado das indispensáveis iniciativas para investir em matrizes energéticas mais sustentáveis e não poluentes, esse debate deve tratar da necessidade de reorganização da indústria, de maior e mais eficiente internacionalização da economia, do (re) nascimento da economia primária exportadora como uma oportunidade e não como um retrocesso.

É preciso articular o debate sobre o futuro do agro à questão ambiental. Apesar do conhecido recuo nas políticas ambientais nos últimos anos, o Brasil já foi capaz de mostrar competência e planejamento ao reduzir um dos principais fatores de emissões de gases efeitos estufa, o desmatamento, em escala não atingida por nenhum país na História, no período entre 2004 e 2012, com a queda de 87% na derrubada da floresta, resultando em queda de 67% das emissões do país causadoras de mudança climática.

Essa redução, alcançada com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), mostrou ser possível articular medidas essenciais de comando e controle, na repressão a ilegalidades, com iniciativas capazes de tornar a floresta em pé mais valiosa do que sua derrubada. Devemos retomar e atualizar as políticas de sucesso, interrompidas por um governo irresponsável e danoso do ponto de vista ambiental.

O avanço do agronegócio deve ser visto como oportunidade e não um retrocesso. Para isso, devemos criar um ambiente político favorável ao predomínio das características virtuosas do setor vistas nas últimas décadas (tecnologia, produtividade, cuidado ambiental e incorporação dos elementos da economia verde), sobre elementos arcaicos que, embora hoje menores, insistem em se perpetuar.

É importante lidar corretamente com as demandas desse setor, sem ceder a pressões voltadas aos ganhos de curto prazo,  para garantir  a defesa dos interesses nacionais de longo prazo, por exemplo, na incorporação de tecnologias, exercendo o poder de Estado na fiscalização e autorização de produtos e processos, de forma a que as práticas agrícolas se deem de maneira responsável – revertendo medidas que afrouxaram ou desmontaram órgãos e mecanismos de controle no passado recente.

A evolução dos conceitos e práticas na criação de animais para consumo deve ser levada em conta, desde seus aspectos sanitários ao debate contemporâneo sobre o bem-estar dos animais, que traz vantagens em matéria de qualidade e sanidade das criações.

Dessa associação entre economia verde e agronegócio sairão as oportunidades para o país nas próximas décadas. Este avanço pode ser o motor de uma nova indústria nacional, menos amparada em proteção e subsídio, e mais na relação com os setores nos quais temos maiores vantagens produtivas.

Novo paradigma para a Amazônia

Foto: Curioso.Photography/Shutterstock

Um projeto nacional tem de levar em conta as expectativas de uma vida mais próspera para os quase 30 milhões de brasileiros, 14% da população brasileira, que vivem na Amazônia, o que torna inviável, iníquo e ineficaz tratar toda a floresta como parque intocável.

Ao lado de medidas para impedir a exploração insustentável e pouco produtiva da pecuária e mineração na região, devemos investir em criar tecnologia e conhecimento para aproveitar o potencial incalculável de descobertas farmacológicas e químicas a partir da biodiversidade da floresta amazônica. Trata-se de criar uma economia da floresta, gerando produtos, tecnologias e externalidades.

A Amazônia deve ser vista como oportunidade para o Brasil se inserir no novo paradigma tecnológico que traz a chance de uma eficaz redução da desigualdade de renda, aproveitando, inclusive mecanismos e disposição nas nações mais ricas de remunerar a contribuição do país para mitigar e eliminar o maior problema da humanidade.

A manutenção da floresta atende a pelo menos três objetivos estratégicos: contribuição no combate às mudanças climáticas (que deve ser remunerada pela comunidade internacional); preservação da biodiversidade - com potencial incalculável de produtos a serem desenvolvidos a partir dela; e o futuro do agronegócio e das cidades no Sul e Sudeste (para o quê a umidade criada e transportada pela cobertura de vegetação é vital e indispensável).

Preparar o Brasil para o protagonismo do século XXI

Foto: Natanael Ginting/Shutterstock

As demandas do século XXI, nesse terceiro século de Brasil independente, são muitas e diversificadas, como se vê acima; e a resposta a elas é crucial para o país como novo ator político, ainda em formação, em busca de seu lugar no mundo.

Há ainda os ajustes e criação de regras necessários para garantir respostas adequadas às mudanças trazidas pelo mundo digital e de alta tecnologia, da proteção à privacidade e novas normas de segurança jurídica à regulação dos usos da robótica, da inteligência artificial, da manipulação genética e da gestão de riscos globais. O uso da tecnologia para avanço e democratização da educação e da saúde também devem constar nos programas a serem executados pelos próximos governos.

Todas essas questões postas para a sociedade brasileira devem ser tratadas sob uma nova orientação federalista, que fortaleça as regiões e entes federativos, com o reequilíbrio entre esses atores políticos e a melhoria das condições econômicas locais. Esta melhoria tem como pilar principal o avanço da educação básica, como já se dá em algumas regiões do país.

Qualquer projeto que pretenda pensar o futuro do Brasil a partir de sua experiência de 200 anos independente, ou de quase 40 de nova República, deverá buscar uma necessária articulação entre a visão de mais longo prazo e o enfrentamento dos desafios conjunturais.

Terá de partir da crítica dos conceitos obsoletos ainda incorporados nossa mentalidade, de equívocos dos diagnósticos passados, resultados bons e ruins de nossas experiências anteriores.

E, principalmente, enfrentar tabus relacionados aos nossos modelos explicativos e nossos parâmetros analíticos, a fim de incentivar um debate mais amplo e arejado em favor de um ambiente econômico e social de real sustentabilidade.

Este documento pretende ser um ponto de partida para esse debate necessário, e um estímulo para que nós, brasileiros, busquemos a via da negociação responsável, do consenso e da ciência na solução de nossos problemas e dos desafios de nossa inserção na comunidade global. Que seja possível avaliar e aprender com nossos equívocos do passado, desde as soluções equivocadas para a economia até a persistência do racismo estrutural, para não repeti-los, e construir uma estrada segura e sustentável para nosso futuro, com maior prosperidade, renda e igualdade.

Conselho Curador

Luciano Santos Rezende (Presidente)

Bazileu Alves Margarido Neto (Vice-Presidente)

Arlindo Fernandes de Oliveira

Eliana Calmon Alves

Eliseu de Oliveira Neto

George Gurgel de Oliveira

Ivair Augusto Alves dos Santos

Jane Maria Vilas Bôas

Lenise Menezes Loureiro

Ligia Bahia

Luiz Carlos Azedo

Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira

Maria Terezinha Carrara Lelis

Sergio Besserman

Tibério Canuto de Queiroz Portela

Vinícius de Bragança Müller e Oliveira

Luzia Maria Ferreira

Cezar Rogelio Vasquez

Miguel Arcangelo Ribeiro

Indaiá Griebeler Pacheco

José Maria Quadros de Alencar

Diretoria Executiva

Caetano Ernesto Pereira de Araújo (Diretor Geral)

Raimundo Benoni Franco (Diretor Financeiro)

Ana Stela Alves de Lima

Ciro Gondim Leichsenring

Jane Monteiro Neves

Marco Aurelio Marrafon


“Os Nove de 22: o PCB na vida brasileira” registra legado quase centenário

Obra do historiador Ivan Alves Filho será lançada em webinar da FAP na terça-feira (14/9)

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Sustentado no tripé do mundo do trabalho, da cultura e da defesa pela democracia, o histórico Partido Comunista Brasileiro, que celebrará o centenário de sua fundação no próximo ano, tem agora a sua trajetória registrada em livro. A obra “Os nove de 22: O PCB na vida brasileira” (283 páginas), do historiador Ivan Alves Filho, será lançada, na terça-feira (14/9), a partir das 10h, em evento virtual da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que editou a publicação.

Assista!



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O evento de lançamento online do livro terá transmissão, em tempo real, no portal da FAP, na página da entidade no Facebook e no canal dela no Youtube. Além do autor, também confirmaram presença no webinar o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire; o diretor-geral da FAP, Caetano Araújo; a diretora executiva da fundação Jane Monteiro Neves e o historiador José Antônio Segatto.

As pessoas interessadas em participar diretamente do lançamento, por meio da sala virtual do aplicativo Zoom, devem enviar a solicitação ao departamento de tecnologia da informação da FAP e se identificarem. O contato deve ser realizado por meio do WhatsApp (61) 98419-6983 (Clique no número para abrir o WhatsApp Web), até 20 minutos antes do início do webinar.

O livro é resultado de um levantamento do historiador, mas também representa um relato dele como militante político. Não tem nada de acadêmico. É, conforme o próprio autor define, uma tentativa de construir um instrumento político adaptado às demandas do século 21. Dessa forma, reforça o legado de nove homens que sonharam em mudar o mundo no ano de 1922, em uma casa de Niterói, com a fundação do partido.

Os fundadores do PCB aparecem, juntos, em uma foto histórica (abaixo). Em pé, estão Manoel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrojildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres e José Elias da Silva (da esquerda para a direita). Sentados, estão Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro (da esquerda para a direita).

Os fundadores do PCB. Foto. Reprodução

A fundação do partido ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Alfaiates e dos Metalúrgicos, nos dias 25 e 26 de março, e em Niterói, no dia 27 de março de 1922. “O deslocamento para Niterói, mais precisamente para uma casa pertencente à família de Astrojildo Pereira, se deu em função de uma denúncia de que a polícia estaria prestes a invadir o encontro dos comunistas no Rio de Janeiro”, conta o livro.

Produzida sob a perspectiva histórica do PCB, a obra também lança luz sobre o presente do país diante da “extensão e velocidade do desmoronamento da esfera pública no Brasil”, segundo o autor. “Há uma verdadeira esquizofrenia social entre nós. Os números e indicativos econômicos são dramáticos e a corda social só faz esticar”, escreveu Ivan Alves Filho.

➡️ Especial PCB 100 Anos
(Clique na imagem para acessar todas as publicações da FAP sobre os 100 anos do PCB)

O livro mostra que o PCB foi um partido criado, na época, sob a influência do movimento anarquista então dominante nos meios sindicais. Atravessou a maior parte de sua história na clandestinidade, mas apresenta um saldo de realizações nos mundos do trabalho, da ciência, da cultura e da formulação de políticas públicas no Brasil muito superior ao que o número reduzido de militantes naquele contexto poderia projetar.

“O mais impressionante é que o partido saiu do movimento anarquista. Todos os partidos comunistas do mundo surgiram do antigo movimento social democrata. O único que surgiu do movimento anarquista foi o PCB, o que o fez ter muita sensibilidade para a sociedade civil”, destaca o autor.

Uma grande quantidade de informação é apresentada ao longo do livro, na forma de pequenas unidades, organizadas em torno de temas. Eles equivalem às áreas em que a atividade dos militantes comunistas foi relevante e suas consequências duradouras, ou das personalidades marcantes, tanto na perspectiva interna da organização quanto na perspectiva maior, da sociedade como um todo.

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“São, na verdade, cápsulas de informação, reunidas num conjunto que lembra um mosaico. O livro não pretende, portanto, ser uma obra de síntese, tampouco um registro minucioso da influência das organizações e personalidades vinculadas ao PCB na vida cultural, científica e política do país”, explica o diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, no prefácio.

De acordo com o prefaciador, o livro deve ser visto antes como coletor e organizador de um conjunto de informações e, ao mesmo tempo, sinalizador e guia para pesquisas futuras. “Sua vocação é tornar-se uma obra seminal”, afirma. “Claro que há, ao longo de todo o texto, informação proveniente de fontes bibliográficas. A maior parte, contudo, procede da biografia do autor, de sua convivência com grande parte dos personagens citados”, diz, em outro trecho.

Filho de um dirigente do partido, Ivan Alves Filho conheceu na infância, na sua casa, diversos dos dirigentes históricos do PCB. Lançado ao exílio, no começo de sua vida adulta, radicou-se em Paris, ponto de encontro das andanças dos exilados brasileiros, onde teve a oportunidade de conhecer outros tantos militantes e dirigentes. No seu retorno, historiador formado, dedicou-se a pesquisar a história do partido.

Lançamento online de livro: Os nove de 22
Data: 14/9/2021
Transmissão: das 10h às 11h30
Realização: Fundação Astrojildo Pereira


Jorge Caldeira: “Temos muito a comemorar no Bicentenário da Independência”

Em podcast extra, publicado na manhã desta terça-feira (7), escritor fala sobre o Bicentenário da Independência do do Brasil.

João Rodrigues, da equipe da FAP

O Brasil completa hoje 199 anos da Independência, marcada pelo grito Dom Pedro I, às margens do Rio Ipiranga, em 7 de setembro de 1822. Para marcar a data, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) conversou com o escritor Jorge Caldeira sobre as conquistas desses 199 anos da Declaração de Independência, os fatos históricos do período e o que esperar para os próximos anos do nosso país.
Confira um trecho da entrevista, disponível na íntegra neste link.




Laurentino Gomes: 'Escravidão é assunto mais importante da história do país'

Sete vezes ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura, jornalista e escritor fala sobre racismo, desigualdade social e Semana de Arte Moderna

João Rodrigues, da equipe da FAP

O Bicentenário da Independência do Brasil ocorre em 2022. Neste contexto histórico de celebrações, a escravidão – marca perversa e cruel da história brasileira – merece ser analisada de forma ampla, principalmente pelos reflexos que ainda hoje causam em nossa sociedade, sobretudo pela normalização do preconceito, da violência e da desigualdade social.

Para analisar esse importante tema da história nacional, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira desta semana conversa com Laurentino Gomes, escritor, jornalista, sete vezes ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura. Laurentino acaba de lançar Escravidão - volume II, o segundo livro da premiada série em que faz um profundo relato dessa triste página da história brasileira.

Ouça o podcast!



O episódio conta com áudios do canal Toda Matéria, canção Canto das Três Raças, de Clara Nunes, programa Roda Viva, Superinteressante e CNN Brasil.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.




Ameaça de golpe militar: General nega envolvimento das Forças Armadas

Francisco Mamede de Brito Filho, que participa de webinar organizado pela FAP nesta sexta (30), a partir das 16h, diz não ver riscos de os militares reagirem se Bolsonaro perder a eleição em 2022

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

O general da reserva do Exército Francisco Mamede de Brito Filho, de 59 anos, 40 deles na ativa, diz não ver risco de as Forças Armadas serem usadas em reação ao resultado das urnas diante de uma possível derrota do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 2022. Francisco, que também foi chefe de gabinete do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) nos quatro primeiros meses do atual governo, vai participar de evento online sobre o tema A questão militar: do Império aos nossos dias. O webinar será sexta-feira (30/7), a partir das 16h.


Assista ao vivo!




Coordenado pelo professor Hamilton Garcia de Lima, o evento será realizado pela FAP e também terá a participação do professor de história José Murilo de Carvalho e do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. O webinar terá transmissão em tempo real no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.



“É inimaginável achar que as Forças Armadas vão ser empregadas em favor de um posicionamento ou de um chefe de governo contrário ao parecer das urnas e do próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Isso seria uma ruptura institucional grave”, afirma, em entrevista ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

Desprestígio
Ex-instrutor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Ecme) e ex-chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste, o general explica que “a questão militar é um fato histórico pontual”. Segundo ele, está relacionada ao desprestígio da categoria de maneira geral, por causa da questão salarial, e à legislação leniente.

“Os fatores ali presentes na questão militar vão se replicar em outras situações de ruptura, além da República, como na Revolução de 30, no Estado Novo e no movimento de 1964”, analisa ele.

O conjunto de leis, por exemplo, de acordo com o general, ainda é leniente por não estabelecer limites para a participação política do segmento militar. “Era de se esperar que o Estado propusesse mecanismo de controle para se evitar interferências políticas”, ressalta.

“Controle não é, simplesmente, ter arcabouço legal que venha impor restrições”, explica. “Mas é preciso reconhecer que a despolitização ocorre, principalmente, por meio de legislação que coíba situações que favoreçam a politização”, acrescenta.


General Francisco Mamede de Brito Filho considerou "obscura" a razão que levou à absolvição de Eduardo Pazuello. Foto: 4ª Brigada de Infantaria Leve (Montanha)

Caso Pazuello
Além disso, ele chamou de “obscura” a razão que levou à absolvição do general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em junho deste ano, o colega de corporação se livrou de punição administrativa após discursar em ato político em defesa de Bolsonaro, apesar de regulamento disciplinar definir como transgressão a participação de militar da ativa em evento de natureza político-partidária.

“Quanto a isso, a coisa está obscura porque o comandante do Exército decretou 100 anos de sigilo sobre os motivos que o levaram a não punir Pazuello. Deve ter levado em conta algum dado que o deixou à vontade para tomar aquela decisão, mas está clara a situação transgressora, considerando os dados aos quais tive acesso”, diz Francisco.

Na avaliação do general da reserva, é preciso fortalecer ainda mais a legislação para evitar brechas interpretativas que favoreçam militares em cenários de transgressão disciplinar. “Se estamos vivendo situações que colocam a sociedade ansiosa ou com clima de confiança indesejável na democracia, é porque não tratamos bem o arcabouço legal”, assevera.

PEC
O general ressalta que um passo importante será a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa impedir que militares da ativa ocupem cargos políticos em governos.

A autora da PEC, deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), afirmou que a “sensação” é de que não se sabe mais onde termina o governo e onde começa o Exército. “É o que pode acontecer de pior para esta instituição e as demais Forças Armadas”, disse, nas redes sociais.

Pré-celebração do bicentenário da Independência
A questão militar: do Império aos nossos dias
Dia:
30/7/2021
Transmissão: a partir das 16 horas.
Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da Fundação Astrojildo Pereira
Realização: Fundação Astrojildo Pereira

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Cristovam Buarque lista lacunas que entravam desenvolvimento

Ex-senador vai participar do primeiro debate da série de eventos on-line em pré-comemoração ao bicentenário da Independência, realizado pela FAP e Folha da Manhã

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O ex-senador Cristovam Buarque afirma que as políticas econômicas do Brasil foram marcadas pelo que ele chama de “lacunas”, como a incapacidade de perceber que a pobreza, os limites ecológicos, o planejamento de curto prazo e a falta da “educação de base como vetor do progresso” entravam o desenvolvimento do país.

Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e ex-governador do Distrito Federal (DF), Cristovam diz, em entrevista ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que “o país trata a pobreza como assunto meramente social, uma questão de consciência ética para erradicá-la”.


Confira o vídeo!


“Não percebemos que o quadro de pobreza – pessoas sem saúde, sem saneamento, sem comida, sem educação – entrava no desenvolvimento. Tratamos de pobreza como se ela fosse solucionada pelo crescimento econômico, como agora estamos vendo que o fato de não termos superado a pobreza entrava em nosso desenvolvimento”, analisa.

Cristovam vai participar do primeiro debate da série de eventos on-line em pré-comemoração ao bicentenário da Independência, que será realizado, na sexta-feira (14/5), a partir das 16 horas, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Folha da Manhã. Veja mais detalhes do webinar ao final desta reportagem.

Foto: Reprodução/TV Senado
Maior lacuna contrária ao desenvolvimento é a falta de percepção sobre “a educação de base como vetor do progresso”, avalia Cristovam Buarque. Foto: Reprodução/TV Senado

Desenvolvimento sustentável

O ex-senador ressalta, ainda, que os limites ecológicos prejudicam o desenvolvimento nacional. Ele lembra que o Brasil iniciou o Proálcool, em 1975, em uma década na qual “deveria ter se pensado em desenvolvimento sustentável”. “Mas nossos economistas não pensaram nisso”, critica.

Depois de 17 anos, o país sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, mas, segundo o ex-governador do DF, não aproveitou a chance de se tornar o líder do desenvolvimento sustentável. “Agora a gente está percebendo que vai ter que mudar a orientação do processo produtivo”, alerta.

“Os combustíveis fósseis vão ser proibidos em questão de tempo. O Brasil poderia ser pioneiro em automóveis elétricos, mas não trabalhamos nisso. Foi uma lacuna não ter percebido o desenvolvimento”, ressalta.

Na avaliação dele, a maior lacuna contrária ao desenvolvimento é a falta de percepção sobre “a educação de base como vetor do progresso”. “Tratamos educação como serviço social, assim como saneamento, coleta de lixo, habitação. Educação é mais do que um serviço, é um vetor. Por isso, uma criança fora da escola é vista como problema da família e dela própria, não do país’, lamenta.

Além disso, de acordo com Cristovam, a falta de planejamento a médio e longo prazos prejudicam o desenvolvimento do país. “Nunca se pensou na perspectiva de 30 a 50 anos, o que iria acontecer no futuro. Chineses e sul-coreanos pensam assim, e deram certo”, compara ele.

“Mordomias, desperdícios”

Ele também chama a atenção para o “esgotamento do estado” como entrave para o desenvolvimento. “Há esgotamento financeiro, já que não dá mais pra aumentar imposto, e moral, como a corrupção entranhada. Os planos de desenvolvimento, como eram chamados, cederam a mordomias, desperdícios, ineficiências, tudo isso foi tolerado e continua”, assevera.

O professor emérito da UnB também avalia que economistas foram responsáveis por dar legitimidade aos populistas, esquecendo todas essas lacunas. “Quem toma decisão são os políticos, mas quem pensa para os políticos são os economistas, os quais nem chamo de ideólogos, são teólogos dessa religião”, afirma.

Ele lembra, também, que, desde a Independência até 1942, o Brasil teve só uma moeda. “De 42 a 94, seis moedas diferentes, isso foi o resultado da inflação, produzida por alianças entre políticos populistas e economistas que não perceberam os limites fiscais. Os economistas chamam de gastos os investimentos em educação e saneamento, por exemplo”, critica.

SERVIÇO
Webinar | Bicentenário da Independência: a política econômica do desenvolvimento, de Vargas aos nossos dias
Data:
 14/5/2021
Transmissão: a partir das 16h
Onde: Portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Fundação Astrojildo Pereira e Folha da Manhã

 

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RádioFAP: Centenário do PCB é tema do primeiro podcast da Fundação Astrojildo Pereira

Jornalista Luiz Carlos Azedo explica os desafios e os dilemas históricos do partido mais antigo do Brasil

Em 25 de março de 2022, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) completa 100 anos de fundação. Também conhecido como "Partidão", atraiu operários, estudantes e intelectuais na busca de um Brasil mais justo. Nos anos 90, passou a ser chamado de Partido Popular Socialista (PPS). Em 2019, nascia o Cidadania.  Os ideais por um mundo igualitário continuam sendo a essência do partido fundado por Astrojildo Pereira e outros personagens históricos.

Ouça o podcast!

O episódio de estreia do podcast RádioFAP conversa com o jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político do Correio Braziliense e do Estado de Minas, sobre os 100 anos de fundação do PCB. Azedo fala sobre o centenário e dos compromissos e lutas que marcaram o partido.

O programa de áudio é publicado em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts e Deezer. O episódio de estreia conta com áudios do canal Filme PCB (Youtube) e do site do partido Cidadania.

O RádioFAP será publicado semanalmente, as sextas-feiras. O programa é produzido e apresentado pelo jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz, gerente de Comunicação da FAP.


Arquivos do jornal Voz da Unidade registram luta pela democracia no Brasil

Arquivos do jornal Voz da Unidade registram luta pela democracia no Brasil

Produzido pelo PCB, semanário circulou de 1980 a 1991 e reforçou busca por unidade das forças democráticas no país

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Era 1979. Com o Brasil comandado pelo presidente João Figueiredo, cujo governo marca o último período da ditadura militar no país, intelectuais comunistas apostaram na informação como estratégia de fortalecimento da unidade das forças democráticas contra o regime. Começaram a organizar um semanário, ligado ao então PCB (Partido Comunista Brasileiro), protagonista da intensa luta pela redemocratização. No ano seguinte, nasceu a Voz da Unidade, que foi além das fronteiras partidárias para dialogar diretamente com a imensa população de trabalhadores.

Para acessar os arquivos do jornal Voz da Unidade, clique no link

Confira aqui o tutorial para acessar os arquivos do jornal Voz da Unidade (veja também o tutorial no final desta reportagem)

“Voz da Unidade surge para ser expressão e veículo de uma corrente de pensamento, cuja linha de ação está orientada para ajudar a classe operária e todas as forças democráticas do país a conseguirem que a solução dos problemas políticos, econômicos e sociais que afligem a nação se dê em benefício das grandes massas do nosso povo, rompendo com os privilégios dos monopólios, banqueiros e latifundiários”. É o que diz um trecho publicado na capa da primeira edição do jornal, em março de 1980. Todas as edições digitalizadas do semanário, que circulou até 1991, estão disponíveis para o público, a partir desta segunda-feira (21/09), no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília.

O jornal, que circulava legalmente, mantinha acesos os valores democráticos e republicanos defendidos, na época, pelo então PCB, e deu mais combustível à luta pela legalização do partido. A sigla só ficou legal por um breve período até 1947. A partir de então, ficou clandestina até 1985. Voz da Unidade também representa uma continuidade da linha do jornal mensal Voz Operária, que, em 1975, passou a ser editado na Europa por líderes que se tornaram perseguidos políticos e distribuído, até 1979, clandestinamente, no Brasil, que estava sob forte repressão política do regime ditatorial.

Luiz Carlos Azedo trabalhou no semanário por dois períodos: de 1980 a 1982, em equipe liderada pelo jornalista Noé Gertel

Com a publicação da Lei da Anistia, em 1979, que permitiu o retorno de exilados ao Brasil, os intelectuais encontraram mais uma força para rearticulação e defesa das frentes democráticas. “O partido, reconhecidamente, teve papel importante na formulação da estratégia da oposição para derrotar o regime militar e a Voz da Unidade, assim como a Voz Operária, registra como o processo político avançou na direção da unidade das forças democráticas para derrotar o regime”, afirma o jornalista Luiz Carlos Azedo (foto acima). Ele trabalhou no semanário por dois períodos: de 1980 a 1982, em equipe liderada pelo jornalista Noé Gertel, com a direção da redação ocupada por João Batista Aveline, e, de 1987 até a última edição, em 1991, quando foi diretor responsável do jornal.

A Voz da Unidade era pautada por assuntos de interesse público, relevantes e atuais, como política nacional e internacional, economia, cultura e meio ambiente. Em texto publicado em seu site e com o título “O PCB e o jornal Voz da Unidade”, o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), faz uma análise desde a primeira publicação do semanário.

Marco Aurélio Nogueira foi editor-chefe do jornal durante um ano, entre 1981 e 1982

“Eu estava entre os editores, em um Conselho de Orientação Editorial, de que participavam Gildo Marçal Brandão, Armênio Guedes e representantes do Comitê Central do partido. Na festa de lançamento do jornal, fui encarregado de fazer o discurso principal, em nome da redação, diante de milhares de pessoas que foram patrocinar o evento”, escreve Nogueira. Ele foi editor-chefe do jornal durante um ano, entre 1981 e 1982.

Atentado e tensão nas ruas

No início de década de 1980, ainda havia muita tensão nas ruas, e atentados assustavam a população, numa tentativa da ditadura militar de enfraquecer a redemocratização. Em um dos episódios, em agosto daquele ano, uma carta-bomba foi enviada à OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro), onde também funcionava o Conselho Federal da instituição. A chefe da secretaria, Lydia Monteiro da Silva, de 59 anos, morreu ao abrir o documento.

“Terroristas de direita passaram a explodir bombas em bancas de jornais, pressionando os jornaleiros a não venderem os jornais da chamada ‘imprensa alternativa’, que éramos nós. Uma covardia que gerou muita tensão. Fazer o jornal, distribuí-o e vendê-lo passou a ser muito arriscado”, conta o jornalista Marco Damiani, que começou como repórter-estagiário na Voz da Unidade e ressalta a correção do respeito aos direitos trabalhistas na publicação.

De acordo com Damiani, o PCB sempre foi muito sério no apoio à Voz da Unidade. “Todos trabalhávamos com muito entusiasmo. Minha primeira reportagem importante foi a cobertura das greves operárias do ABC, em 1980”, afirma. “Acompanhei as assembleias histórias no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo, com helicópteros do Exército fazendo pressão com sobrevoos, Lula discursando e 100 mil trabalhadores em luta”, lembra ele, ressaltando o período de grande efervescência operária.

Das diversas reportagens que produziu para o semanário, Damiani destaca uma em que ouviu dirigentes dos demais jornais de esquerda, que igualmente eram atingidos pelas bombas nas bancas e sofriam a pressão brutal contra a liberdade de imprensa e circulação dos jornais. “Os camaradas da redação tiveram a consciência de criar uma pauta ampla, em que todas as outras linhas da esquerda se manifestavam. Para aquela época de radicalização, foi uma matéria muito avançada. Mais uma que enfrentava diretamente a ditadura”, diz ele.

“O jornal era rodado no começo numa gráfica do aeroporto. A Polícia Federal passava lá para pegar exemplares. Tinha sempre essa linha de patrulhamento, de monitoramento, da ditadura militar”, afirma o administrador Carlos Fernandes, que, na década de 1980, era bastante engajado na organização de festas e eventos do partido. Depois, passou a participar da produção e pré-impressão do semanário.

Martin Cezar Feijó também atuou como editor de Cultura da Voz da Unidade a partir de 1985

A parte de cultura também teve a colaboração de grandes nomes, como o do historiador e doutor em comunicação pela USP (Universidade de São Paulo) Martin Cezar Feijó. Na época, seu primeiro artigo na Voz da Unidade abordou documentos brasileiros sobre a guerra do Paraguai, um dos maiores conflitos armados da América do Sul na segunda metade do século XIX. “O jornal era uma resistência cultural”, diz ele.

Feijó voltou à Voz da Unidade como editor de cultura, em 1985, no mesmo ano em que o partido retornou à legalidade. Nesse cargo, seu primeiro trabalho publicado foi uma entrevista com o então ministro da Cultura do governo de José Sarney, Celso Furtado, autor de diversos livros, entre os quais Formação Econômica do Brasil. “Me chamou atenção a visão conceitual dele. Era um homem de letras, de literatura, conhecia muito a parte cultural. Tinha visão muito ampla da relação entre cultura e democracia no sentido de valorizar espaços públicos e, principalmente, a liberdade”, lembra o historiador.

Política e história do país de perto

Um ano depois de Feijó se tornar editor de cultura, o jornalista e analista político Alon Feuerwerker deixou a Voz da Unidade, onde entrou em 1981 e foi editor de política, para ir trabalhar na Folha de S. Paulo. Ele lembra que, no final de 1982, a Polícia Federal invadiu a sede do jornal, onde seria realizado o congresso do PCB, em São Paulo. “Foi todo mundo preso. O ato da prisão em si foi uma violência política”, afirma ele, que foi preso de manhã e solto à noite. O caso lhe rendeu processo na Justiça militar, que só foi extinto com o fim da ditadura militar.

Alon Feuerwerker: "A Voz da Unidade é uma narrativa da história do Brasil"

Feuerwerker conta que, naquela época, o volume de trabalho era muito grande em razão das intensas discussões políticas no Brasil e no mundo, o que, segundo ele, permitia aos colaboradores do semanário acompanhar a história do país bem de perto. “É um documento importante porque, mesmo que expresse o ponto de vista do PCB naquela época e esteja concentrado nisso, a Voz da Unidade é uma narrativa da história do Brasil. Pode concordar com foco da narrativa, ou não, mas é documento histórico”, destaca ele.

Com a saída de Feuerwerker para outro jornal, o jornalista Luiz Carlos Azedo foi convidado pelo dirigente Salomão Malina a voltar para a Voz da Unidade como editor de política em São Paulo. Depois, Azedo, que era membro da executiva do PCB, tornou-se diretor responsável do semanário, sendo editor-chefe o jornalista Antônio Romane. “Eu me remetia diretamente ao Malina, que, aliás, nunca me pediu para ler um editorial antes de ser publicado”, diz o jornalista.

Na época, o jornal vivia uma contradição entre a discussão das mudanças que estavam no mundo – e, posteriormente, levaram ao fim da União Soviética, em 1991 – e sobre o nome do Partido Comunista Brasileiro. “Havia a ortodoxia da direção e a pressão pela mudança. Era uma tensão que se refletia no jornal”, explica Azedo. Segundo ele, a falta de recursos financeiros impediu a sobrevivência da Voz da Unidade.

A última edição do jornal circulou em junho de 1991, dedicada especialmente às resoluções políticas do 9ª Congresso do PCB no Rio de Janeiro, onde também o então deputado federal Roberto Freire foi eleito o novo presidente nacional do partido, com a promessa de promover a radical renovação da sigla. Em 1992, no congresso realizado no Teatro Zaccaro, em São Paulo, o PCB abandonou o símbolo da foice e do martelo e mudou de nome para PPS (Partido Popular Socialista), que, por sua vez, em 2019, passou a se chamar Cidadania, incorporando segmentos importantes ligados aos chamados movimentos cívicos.

A Voz da Unidade foi um pilar essencial para a construção da unidade das forças democráticas que derrotaram o regime militar. Foi um veículo corajoso, comprometido com as lutas sociais e a democratização do país.

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FAP publica arquivo de edições digitalizadas do jornal Voz Operária

Para acessar as edições do jornal Voz da Unidade, siga os seguintes passos:

1 – Acesse o Terminal – Shophia Bliblioteca Web por meio do link https://biblioteca.sophia.com.br/terminal/7828

2 – Na caixa de pesquisa, digite Voz da Unidade. Clique em pesquisar. Em seguida, você visualizará as imagens das edições disponíveis.

3 – Clique em uma das imagens para visualizar o conteúdo disponível na Biblioteca e as informações da publicação.

4 – Após clicar na imagem, você acessará a página da publicação, contendo as informações sobre ela e os links disponíveis para download dos arquivos no formato .PDF. Para acessar o conteúdo, clique em um dos links disponíveis.

5 – Após o download do arquivo no formato .PDF, basta clicar no mesmo, na barra inferior do seu navegador, para que o mesmo seja visualizado.


FAP publica arquivo de edições digitalizadas do jornal Voz Operária

FAP publica arquivo de edições digitalizadas do jornal Voz Operária

Jornal foi produzido pelo Órgão Central do Partido Comunista, de 1975 a 1979

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Bafejada pela ascensão da frente antiditatorial, pela convergência dos imensos interesses que se chocam com os diversos aspectos da política do fascismo, toda a oposição, e no  seio dela o PCB [Partido Comunista Brasileiro], participa das eleições com um programa que tem como fulcro a conquista de um regime de amplas liberdades para o povo. Um programa que se irá detalhando, tanto no nível nacional como regional, na medida em que as massas se incorporem à frente antiditatorial e apresentem, por sua iniciativa e criatividade, soluções concretas para as grandes e pequenas questões que hoje atormentam sua existência. Não soluções quaisquer, e sim aquelas que atendam a seus interesses vitais.

A resistência antifascista do povo brasileiro tem sido longa e difícil. O regime ainda tem reservas, consegue contra atacar e criar obstáculos à ascensão do movimento de massas, que adquiriu novo ímpeto a partir das eleições de 1974. Desde então, a tática de participar nas eleições, sempre defendida pelos comunistas, adquiriu legitimidade irrefutável. Porque elas possibilitam canalizar e polarizar o descontentamento das grandes massas.

Gráfica clandestina onde era editado a Voz Operária

O trecho acima é do editorial da edição 128 da Voz Operária, jornal que era produzido pelo Órgão Central do Partido Comunista e do qual levava o mesmo nome, publicada em novembro de 1976. Um ano antes, em edição especial italiana, passou a ser editado na Europa por líderes que se tornaram perseguidos políticos e distribuído, clandestinamente, no Brasil, tomado pela ditadura militar. A veiculação mensal de cada edição, cada uma com oito páginas, seguiu até 1979, quando foi publicada a Lei da Anistia, que garantiu o retorno de exilados ao país.

Clique aqui e acesse o arquivo digitalizado do jornal Voz Operária!

Todas as edições do jornal nesse período foram digitalizadas e disponibilizadas ao público no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. A entidade é vinculada ao Cidadania, que deu nova identidade política ao PPS (Partido Popular Socialista), originado do extinto PCB (Partido Comunista Brasileiro), fundado em 1922. A Voz Operária, que propunha diálogo, ação conjunta e fortalecimento das massas, permite hoje um resgate político da luta pela redemocratização do Brasil na segunda metade dos anos 1970 e serve como documento de referência para consolidação da esquerda democrática, segundo especialistas.

“Nessa linha de resgatar a luta pela redemocratização, pode-se ver na publicação um esforço para preservar uma cultura política, a democracia progressiva, um padrão de reformismo não liberal, a busca de diálogo ampliado e a articulação dos democratas. Essa cultura, que é do PCB, foi e continua sendo decisiva”, analisa o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e conselheiro da FAP.

No Brasil, em março de 1975, foi publicada a última edição da Voz Operária impressa, cuja manchete era “Viver e lutar”. O responsável por essa edição, jornalista Orlando Bonfim Júnior, foi sequestrado e assassinado pela ditadura militar, quando tentava reorganizar a circulação do jornal, assim como o então secretário da Juventude Comunista, José Montenegro Lima, que colaborava com essa tarefa.

A Voz Operária passou a ser impressa no exterior após a ditadura militar desmantelar quatro gráficas clandestinas no Brasil, a última delas em dezembro de 1974, em Jacarepaguá (RJ). Na ocasião, foi preso o ex-deputado Marco Antônio Tavares Coelho, que era membro da executiva nacional, acusado de tentar reorganizar o partido.

“NESSA LINHA DE RESGATAR A LUTA PELA REDEMOCRATIZAÇÃO, PODE-SE VER NA PUBLICAÇÃO UM ESFORÇO PARA PRESERVAR UMA CULTURA POLÍTICA, A DEMOCRACIA PROGRESSIVA, UM PADRÃO DE REFORMISMO NÃO LIBERAL, A BUSCA DE DIÁLOGO AMPLIADO E A ARTICULAÇÃO DOS DEMOCRATAS. ESSA CULTURA, QUE É DO PCB, FOI E CONTINUA SENDO DECISIVA”

Marco Aurélio Nogueira, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e conselheiro da FAP

Na Europa, a redação da Voz Operária era formada pelo editor Milton Temer, que trabalhava em conjunto com Mauro Malin, Aloysio Nunes, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, Ivan Ribeiro e Antonio Carlos Peixoto, sob a direção de Armênio Guedes. Os cinco últimos morreram. “Eu era o editor, diagramador, levava o jornal para ser impresso em Roma, pelo Partido Comunista Italiano, porque era editado em Paris”, conta Temer, que é jornalista, ex-constituinte estadual pelo PT do Rio de Janeiro, ex-deputado federal por dois mandatos e oficial de Marinha cassado em 1964.

“Levava as impressões de Roma para Paris e a distribuição era feita de maneira que não fosse localizado o bairro em que estava o escritório. Saía em todos os subúrbios, colocando uma parte em cada um deles, para que não se localizasse o centro gerador do jornal”, lembra Temer, que estava na Federação Mundial da Juventude, em Budapeste (Hungria), quando o partido o mandou a Paris, a fim de começar a implantar no exterior a edição do Voz Operária, a mando de Luiz Carlos Prestes. “Aprendi na marra a diagramar, além de pautar e formar uma redação mínima”, conta.

Na Europa, a redação da Voz Operária era dirigida por Armênio Guedes. Foto: Peu Robles

A clandestinidade ocorreu por causa da intensa perseguição da ditadura militar contra militantes e lideranças do PCB. Os colaboradores assinavam com pseudônimos. Autor do livro “Armênio Guedes: um comunista singular”, que dedica um capítulo para o Voz Operária, o jornalista e historiador Mauro Malin destaca a relevância do jornal e lembra que a publicação convergia diferentes opiniões e propostas. Segundo ele, depois de 1964, o PCB não tinha a opção de lutar por sua legalização.

“Todos os partidos foram extintos em 1965 pelo AI-2 e o regime só permitiu a existência de um partido de apoio, a Arena, e um de oposição, o MDB. E o PCB, desde que se manifestou oficialmente pela primeira vez depois do golpe, apontou o caminho do trabalho legal, de massas”, explica o jornalista. “As únicas coisas clandestinas eram a estrutura partidária, com a respectiva arrecadação de finanças, e o órgão central, a Voz Operária, que, desbaratado na passagem de 1974 para 1975, passou a ser feito no exterior, para onde se haviam deslocado vários integrantes do comitê central”, ressalta.

Em 1976, Malin saiu do Brasil para não ser preso. Foi para os Estados Unidos, onde ficou alguns meses. Depois, seguiu até Paris, passando antes pela Cidade do México e Roma. “A Voz Operária veiculou sempre uma política mais acertada para enfrentar a ditadura. A proposta política sempre foi fazer trabalho de massa, constituição de entidades e organizações. Um debate de feição mais teórica do mundo da economia e política”, ressalta o historiador.

“TODOS OS PARTIDOS FORAM EXTINTOS EM 1965 PELO AI-2 E O REGIME SÓ PERMITIU A EXISTÊNCIA DE UM PARTIDO DE APOIO, A ARENA, E UM DE OPOSIÇÃO, O MDB. E O PCB, DESDE QUE SE MANIFESTOU OFICIALMENTE PELA PRIMEIRA VEZ DEPOIS DO GOLPE, APONTOU O CAMINHO DO TRABALHO LEGAL, DE MASSAS”
Mauro Malin, jornalista e historiador

Ao longo de suas edições, a Voz Operária destacava frases de ordem política, como “o povo exige democracia, paz e liberdade”, “liberdade para os presos políticos”, “fim à censura, à tortura e ao terror fascista”, “legalidade para todos os partidos políticos” e “o voto é uma arma do povo”. Via, também, nas eleições municipais, forte caminho na luta contra a ditadura militar. “Eleições municipais: um não ao regime”, destacou em uma edição. O jornal também garantia espaço a reivindicações da pauta econômica, enfatizando mensagens como “o petróleo tem que ser nosso”, “abaixo o arrôcho (sic) salarial” e “abaixo o custo de vida”.

O cientista político Marco Aurélio Nogueira considera que a publicação dos arquivos digitalizados da Voz Operária também faz o resgate da memória do PCB, que foi o primeiro partido de massas organizado no Brasil e, segundo ele, teve grande importância. “Com altos e baixos, para o bem e o mal, porque o PCB, ao longo de sua história, carregou os ‘demônios’ do comunismo histórico, particularmente do stalinismo. Sempre houve um esforço grande dentro do partido para salvá-lo desses ‘demônios’ do comunismo histórico”, diz.

Além de ser instrumento de reflexão sobre a política nacional e a correlação de forças, a Voz Operária ajuda hoje a olhar o Brasil considerando o processo histórico, político e social, segundo o conselheiro da FAP. De acordo com ele, a lição é de que “não há nenhum mal que dure para sempre e que não possa ser superado, como ocorreu com a ditadura militar”.

“Pensar na Voz Operária é fazer um esforço para entender que as esquerdas existem como força viva e têm contribuído, ao longo do tempo, para a luta democrática, de diferentes maneiras”, ressalta o professor da Unesp. “Assim como, nos anos 1970, foi importante se afirmar que a articulação dos democratas era a base para enfrentar vitoriosamente a ditadura, hoje essa questão se impõe com a mesma ênfase”, afirma.