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A ucrânia se tronou um novo vietnã | Imagem: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: A Ucrânia se tornou um novo Vietnã

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

A guerra da Ucrânia está sendo para a Rússia de Vladimir Putin o que o Vietnã representou para os Estados Unidos. É uma guerra por procuração, na qual o que existe de mais moderno em termos de guerra híbrida está sendo empregado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, contra as tropas russas invasoras. Se havia alguma dúvida quanto a isso, dois vazamentos de informações foram esclarecedores:

No primeiro, o Times revelou que “os EUA forneceram informações de inteligência a respeito de unidades russas que permitiram aos ucranianos localizar e matar muitos dos generais russos que morreram em ação na guerra da Ucrânia, de acordo com graduadas autoridades americanas”. No segundo, após uma reportagem da NBC News, o Times noticiou que os EUA “forneceram informações de inteligência que ajudaram as forças ucranianas a localizar e atacar” o Moskva, o principal navio de guerra da esquadra russa no Mar Negro, que, depois, naufragou.

Na época da guerra fria, o equilíbrio estratégico militar entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética permitia que direita e esquerda disputassem o poder nos seus respectivos países, sobretudo na Europa, por uma via democrática, exceto nas áreas de influência das duas potências. Na zona do agrião, como diria o comentarista de futebol João Saldanha, as duas potências entravam de sola: foi assim na Hungria e antiga Checoslováquia, invadidas pelas tropas do Pacto de Varsóvia; e na América Latina, onde as intervenções diretas e os golpes militares apoiados pelos Estados Unidos barraram a ascensão da esquerda durante quase toda a guerra fria. A “crise dos mísseis” em Cuba, a exceção, em 1962, quase levou o mundo à guerra nuclear.

A derrota americana no Vietnã foi o primeiro de uma série de eventos nos quais os Estados Unidos fracassaram, como na Revolução Iraniana e no Afeganistão. A derrota soviética nesse país pode ser considerada o sinal de que a desintegração da União Soviética estava mais próxima do que se imaginava, antes mesmo que a queda do Muro de Berlim. O colapso do chamado “socialismo real” deu aos Estados Unidos a hegemonia nesse novo mundo unipolar, no qual a globalização avançou protagonizada por políticas neoliberais e a Otan demonstrou seu poder de intervenção na Sérvia, no Iraque, na Líbia e no Afeganistão. A emergência da China como potência econômica, nas últimas duas décadas, porém, colocou essa hegemonia em xeque no plano econômico.

Derrota anunciada

A Rússia já está derrotada, moralmente e financeiramente. Ao afrontar a Organização do Tratado do Atlântico Norte, Putin pavimentou o caminho para sua expansão, inclusive para países tradicionalmente neutros, como a vizinha Finlândia e a Suécia. Os dois países participaram da reunião da Otan realizada ontem, na qual a Turquia retirou suas objeções à expansão do organismo. Com isso, a Rússia fica extremamente isolada no Mar Báltico. O problema é que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está ficando sem opções que não sejam humilhantes. A guerra pode lhe custar o poder, a grande aposta de Biden e dos líderes europeus.

Biden mantém uma posição firme, mas também não sabe como sair da confrontação com a Rússia. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, trabalha para tornar a Ucrânia membro da Otan ou obter um pacto militar bilateral com os Estados Unidos. Ambos acreditam que a Ucrânia pode pôr os russos para correr. Putin fracassou no seu objetivo original: tomar Kiev e mudar o regime ucraniano; agora, corre o risco de fracassar na tentativa de controlar o antigo centro industrial da Ucrânia, a região do Donbass, cuja população tem origem russa em sua maioria, numa guerra mais longa e muito desgastante.

A distância entre Washington e Hanói é de 13.336 km; entre Kiev e Moscou, são apenas 775 km. A doutrina militar russa se baseia na profundidade do território e na guerra aeroespacial. Uma derrota na Ucrânia nem se compara à dos Estados Unidos no Vietnã. Putin tem duas possibilidades: jogar a toalha e bater em retirada, diante da resistência crescente do Exército ucraniano, armado e assessorado pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos, ou escalar a guerra convencional e destruir a Ucrânia, com consequências imprevisíveis, porque isso pode resultar numa intervenção direta da Otan, como aconteceu com a Sérvia. A diferença é que a Rússia tem um arsenal nuclear.

Em termos globais, há outros aspectos a serem considerados: (1) As sanções econômicas adotadas contra a Rússia utilizam com êxito toda a institucionalidade da economia mundial; (2) o Reino Unido pós-Brexit, fora da União Europeia, em aliança com os Estados Unidos, reafirmou sua hegemonia político-militar na Europa; (3) a Alemanha e a França perderam o protagonismo;(4) a guerra da Ucrânia também serve de advertência à China, em relação a Taiwan; (5) o pacto militar entre Estados Unidos, Reino Unido e Austrália e os acordos bilaterais da Austrália com o Japão e a Índia representam a expansão da Otan para o Indo-Pacífico, principal eixo do comercio mundial hegemonizado pela China.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-ucrania-se-tornou-um-novo-vietna/

RPD || Guilherme Casarões: Lições do Afeganistão pós-americano

Retorno violento do Talibã ao controle do país é claro sinal de que a fórmula hegemônica da democracia liberal se tornou disfuncional e contraproducente

A dramática saída norte-americana do Afeganistão marca o fim de uma era. Nos vinte anos de ocupação militar do país, o mundo testemunhou o declínio do poder dos Estados Unidos e a reorganização da ordem mundial em torno de uma superpotência em ascensão, a China. Cabul era a fronteira final de um modelo hegemônico há tempos insustentável. Sua queda para os militantes radicais do Talibã é mais uma evidência, talvez a derradeira, de um mundo diferente em formação. 

E que mundo é esse? Trata-se de uma nova-velha ordem mundial, com elementos inéditos, mas diversas características conhecidas de outros tempos. Duas novidades merecem destaque: a primeira é o deslocamento do centro de poder para a Ásia, após cinco séculos de absoluto domínio cultural, militar e político do Ocidente.  

A segunda novidade diz respeito às dinâmicas de poder. Vivemos a era do mercado geopolítico, em que Washington e Beijing – e, em menor grau, o eixo Berlim-Bruxelas – mobilizam modalidades variadas de recursos econômicos, políticos ou militares para criar esferas de influência globais, ao passo que países consumidores usufruem de certa liberdade para escolher a qual potência se associar, numa espécie de hegemonia à la carte

Nesse novo arranjo, estabilidade e prosperidade valem mais que pluralismo e democracia. Se os americanos não se mostram capazes ou interessados em garantir o desenvolvimento local, com certa autonomia, os países buscarão a via chinesa, materializada no ambicioso projeto da Nova Rota da Seda. O pacto é simples: comércio e investimentos em troca de recursos naturais e lealdade política – sem julgamentos morais, receituários prontos ou imposição de valores. 

O retorno da velha geopolítica trouxe consigo velhos sentimentos nacionalistas. Despida das amarras ideológicas da Guerra Fria, a disputa hegemônica sino-americana abriu espaço para emergência de movimentos soberanistas que contestam os efeitos da globalização, de fluxos migratórios à exportação de empregos, do multiculturalismo identitário à democracia liberal. 

Nacionalistas contemporâneos em geral propõem uma visão de futuro olhando para o retrovisor, baseada no conceito de nacionalismo religioso. Expressam uma tendência, iniciada em regiões periféricas do globo e cada vez mais saliente nas democracias ocidentais, de condicionar o pertencimento nacional a um critério de fé, numa fusão pré-moderna entre identidades política e religiosa. 

Sob a ótica do nacionalismo religioso, defendida por líderes mundiais tão distintos quanto Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e Narendra Modi, a religião é o elemento que permite superar tanto um choque intra-civilizações quanto um choque entre civilizações, para remeter à clássica (e controversa) tese de Samuel Huntington. As crises sociais internas seriam superadas pelo cimento social religioso, capaz de fornecer uma bússola moral e assegurar a unidade nacional. Ao mesmo tempo, essas mesmas religiões informariam os novos padrões de alinhamento globais. O resultado seria um mundo fundamentalmente distinto daquele que conhecemos. 

Após a retirada norte-americana, o Afeganistão rapidamente passou a incorporar todos os elementos dessa nova-velha ordem. O abrupto colapso das instituições políticas afegãs, cedendo passagem ao violento retorno do Talibã, é mais um claro sinal de que a fórmula hegemônica da democracia liberal se tornou disfuncional e contraproducente. 

Na sequência, o imediato reconhecimento russo e chinês do novo governo afegão é revelador da dinâmica da geopolítica concorrencial, ou à la carte. Ao contrário de algumas previsões apressadas, os problemas que a China tem com sua própria população muçulmana não a impediram de encontrar um modus vivendi com fundamentalistas islâmicos além-fronteiras. 

Por fim, a gradativa normalização do nacionalismo religioso afegão ao redor do mundo, mesmo à custa de valores democráticos, direitos humanos ou liberdades individuais, sugere que ainda veremos, ao longo desta década que se inicia, outras tentativas de solucionar crises internas pela supremacia da fé. 

Bem ou mal, não se poderá contar com o ímpeto das potências ocidentais, enfraquecidas e dedicadas a resolver suas próprias divisões internas, para salvaguardar a democracia liberal em nível global. Se mais movimentos como o Talibã nos aguardam no futuro, caberá a cada sociedade garantir que essa fusão nacionalista religiosa e esse ambiente geopolítico cada vez mais perigoso não coloquem em risco as conquistas políticas das últimas décadas. 


Guilherme Casarões é doutor e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (Programa SAN Tiago Dantas). Leciona Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP)e na FGV-SP. Pela Contexto é autor do livro Novos olhares sobre a política externa brasileira.


EUA liberam documentos sigilosos sobre o 11 de setembro

Famílias e associações de vítimas pressionaram governo por documentos

Aakriti Bhalla e Mark Hosenball / Reuters / Agência Brasil

Bureau Federal de Inteligência dos Estados Unidos (FBI, na sigla em inglês) divulgou no sábado (11) o primeiro documento relacionado à investigação dos ataques de 11 de setembro de 2001 e às alegações de apoio do governo saudita aos sequestradores, após uma ordem executiva do presidente norte-americano, Joe Biden.

Parentes das vítimas haviam pedido a Biden que não comparecesse aos eventos memoriais para marcar o 20º aniversário no sábado caso ele não divulgasse os documentos que eles afirmam que mostram que autoridades da Arábia Saudita apoiaram os atentados.

O documento de 16 páginas parcialmente editado e divulgado pelo FBI expôs contatos entre os sequestradores e associados sauditas, mas nenhuma evidência de que o governo em Riade foi cúmplice dos ataques, que mataram quase três mil pessoas.

A Arábia Saudita afirma que não teve nenhum papel nos ataques. A embaixada saudita em Washington não respondeu imediatamente a um pedido de comentários feito pela agência de notícias Reuters, enviado na noite de sábado.

Em um comunicado divulgado em 8 de setembro, a embaixada disse que a Arábia Saudita sempre defendeu a transparência em torno dos eventos de 11 de setembro de 2001 e saúda a divulgação pelos EUA de documentos confidenciais relacionados aos ataques.

Quinze dos 19 sequestradores eram da Arábia Saudita. Uma comissão do governo dos EUA não encontrou evidências de que a Arábia Saudita financiou diretamente a Al Qaeda. Ficou em aberto se as autoridades sauditas poderiam ter feito isso individualmente.

As famílias de cerca de 2,5 mil dos mortos e mais de 20 mil pessoas feridas, empresas e várias seguradoras processaram a Arábia Saudita em busca de bilhões de dólares.

Em comunicado em nome da organização 9/11 Families United, Terry Strada, cujo marido Tom foi morto em 11 de setembro, disse que o documento divulgado pelo FBI no sábado eliminou quaisquer dúvidas sobre a cumplicidade saudita nos ataques.

"Agora os segredos dos sauditas foram expostos e já passou da hora de o Reino assumir o papel de seus agentes no assassinato de milhares em solo americano", disse o comunicado.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-09/estados-unidos-liberam-documentos-sigilosos-sobre-o-11-de-setembro


Passados 20 anos, consequências do 11 de setembro ainda geram debate

Uso da força nas relações internacionais ressurge após atentado

Léo Rodrigues /Agência Brasil

Lá se vão 20 anos de um dos dias mais fotografados, filmados e comentados da história da humanidade. Quando uma das duas torres do World Trade Center foi atingida por um avião com 92 pessoas a bordo, toda a imprensa mundial interrompeu o que estava fazendo e voltou suas atenções para Nova York. No horário de Brasília, adiantado uma hora em relação ao epicentro dos acontecimentos, os relógios marcavam 9h46. Menos de 20 minutos depois, a outra torre se tornou alvo de um segundo avião, com 65 passageiros a bordo. 

Muitas pessoas que nasceram nas décadas de 1960, 1970 e 1980 ou mesmo no início da década de 1990 costumam se lembrar com exatidão do que estavam fazendo naquele 11 de setembro de 2001 quando tomaram conhecimento do que se passava. Em todo o mundo, onde houvesse uma televisão ligada, havia uma reunião de pessoas intrigadas com as cenas: cada uma das duas torres em chamas demoraria cerca de uma hora para ir ao chão depois de atingida. Com a queda dos edifícios, que funcionavam como um complexo comercial, quase 3 mil pessoas perderam suas vidas. Uma nuvem de poeira se formou por quilômetros.

O atentado se tornou um dos maiores eventos da história.

"Faço uma associação curiosa porque eu cresci escutando meus pais e meus avós falando onde estavam quando o homem pisou na Lua. E eu lembro exatamente do 11 de setembro de 2001. Estava fazendo estágio em uma empresa, entrou na sala uma pessoa falando que havia tido um acidente com um avião em Nova York. Ainda não se tinha ideia de que era um ataque. Nós corremos para a televisão e vimos ao vivo o segundo avião se chocando com o edifício", diz Jorge Lasmar, especialista em relações internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Ao todo, quatro aviões comerciais foram sequestrados por terroristas. Além dos dois direcionados ao World Trade Center, um foi jogado contra o Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos localizado na capital Washington. O último acabou caindo na zona rural de Shanksville, no estado da Pensilvânia. Especula-se que o alvo poderia ser o Capitólio, sede do Congresso, ou a Casa Branca, residência oficial do presidente do país.

Os desdobramentos são bastante conhecidos: a Al Qaeda assumiu a autoria do atentado e, no mês seguinte, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão, onde a organização terrorista estaria abrigada. O país era comandado na época pelo Talibã, um grupo fundamentalista que aplica sua interpretação da Sharia, a lei islâmica. Após duas décadas, o governo norte-americano decidiu encerrar a ocupação e, no mês passado, o Talibã retomou o controle do Afeganistão, quando as tropas dos Estados Unidos estavam organizando sua retirada. O então presidente afegão Ashraf Ghani, eleito em 2014 e reeleito em 2019, não ofereceu resistência ao Talibã e fugiu do país.

Apesar da cronologia dos acontecimentos ser de domínio público, muitos aspectos ainda são debatidos por especialistas. São questões que vão além da superficialidade dos fatos e envolvem os seus efeitos.

“Não há dúvida de que o mundo que a gente vive hoje foi consequência do que aconteceu", afirma Jorge Lasmar.

"No final da década de 1990, caminhávamos para a consolidação de uma atmosfera mais liberal no sentido capitalista, com os Estados abrindo suas fronteiras e seus mercados e com relações mais pacíficas entre os países. De repente, isso mudou. Começou a haver contestações à visão americana, sobretudo pela Rússia e pela China. As fronteiras ficaram mais fechadas. A questão do uso da força voltou a ser um componente nas relações internacionais. E tivemos um avanço do terrorismo. Mesmo com a redução dos ataques e das mortes nos últimos anos, os números hoje ainda são muito mais altos do que eram antes de 2001", completa.

Ele pondera, no entanto, que o mundo não deve ser analisado somente pela ótica de um evento. “Muita coisa aconteceu de lá pra cá. Há efeitos, mas estamos hoje numa situação mais complexa e delicada”, avalia.

Políticas de segurança

Pedestrians react to the World Trade Center collapse September 11, 2001. Two commercial airplanes cr..
Pedestres reagem ao colapso do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001/STR New/ Agência Brasil

Como desdobramento do atentado, uma série de leis aprovadas em torno da palavra de ordem “guerra ao terror” reduziu a liberdade e a privacidade de cidadãos nos Estados Unidos, especialmente de estrangeiros. A Europa também seguiu essa tendência. Foram definidos, em todo o mundo, novos mecanismos e protocolos de controle nos aeroportos: revista mais minuciosa das bagagens, uso de detector de metal, restrição a líquidos na mala de mão. A tecnologia foi aprimorada para aprofundar o monitoramento, com scanners corporais, detectores de explosivos e outros equipamentos.

“Assim como o final da Guerra Fria inaugurou uma nova era nas relações internacionais, o atentado de 11 de setembro também simbolizou uma ruptura na forma como se analisava a segurança internacional. A ideia de inimigo transnacional, desterritorializado e que pode causar um caos e muitas mortes sem ter o domínio de armas bélicas sofisticadas trouxe novos parâmetros para o planejamento de segurança dos Estados, reforçando a importância da cooperação internacional”, observa a cientista política Ariane Roder, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo Thiago Rodrigues, pesquisador em relações internacionais e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), o desenvolvimento da tecnologia de segurança colocado em marcha após o 11 de setembro gerou e continua gerando mecanismos de controle das populações, como a biometria e os variados dispositivos para monitoramento do espaço urbano.

"Quem começou a viajar nos últimos 20 anos, principalmente as pessoas mais jovens, não sabe como era antes. Hoje temos diversas camadas de controle, que vão desde a emissão de vistos até as revistas rigorosas nos aeroportos. Mas com exceção dos grupos capturados na iminência de um atentado, não dá pra saber exatamente quantos ataques foram inibidos por essas medidas de segurança. Então os efeitos realmente mensuráveis não são os efeitos sobre os terroristas, mas sobre nós. Mesmo que o terrorismo sumisse hoje, essas tecnologias criadas em nome do combate ao terrorismo não seriam abandonadas", avalia.

Jorge Lasmar considera que o terrorismo exige que o mundo se mantenha vigilante. “A gente continua tendo atentados e algumas dessas regras conseguem impedir novos ataques.”

No entanto, ele também vê efeitos colaterais que decorrem desse ambiente de controle, como a construção de muros entre os países. “As fronteiras do mundo estão mais fechadas. Temos mais fronteiras físicas entre os Estados do que tínhamos depois da Segunda Guerra Mundial. Há a questão dos refugiados e as dificuldades para o reconhecimento de asilo. A exigência de vistos diante do fluxo de pessoas."

Em meio a toda essa vigília das populações, os pesquisadores veem um fortalecimento dos estereótipos contra imigrantes provenientes de países considerados uma ameaça aos valores ocidentais, como a democracia e a liberdade individual.

"Isso tem gerado um outro tipo de extremismo, que tem motivação étnica. Está ligado aos movimentos de supremacia branca, que se alimentam dessa retórica estereotipada contra as pessoas do Oriente Médio. É algo que cresceu muito nos últimos anos no mundo ocidental. E ainda se fala pouco disso. Ainda há um pudor em reconhecer esses grupos como grupos. Mas fechar os olhos para essa questão é um problema, porque esse movimentos vão ganhando força", observa Lasmar.

Impactos militares

Aerial view of ground zero at the World Trade Center in New York on September 26, 2001. Fifteen days..
Vista aérea do que restou do World Trade Center em Nova York em 26 de setembro de 2001/REUTERS/Agência Brasil

O atentado também revelou sofisticações nos modos de operar de grupos terroristas. Um aspecto que chama a atenção foi a dificuldade encontrada para localizar Osama bin Laden, líder da Al Qaeda e apontado como o idealizador dos ataques. Mesmo empregando a mais avançada tecnologia, foram necessários quase dez anos para que as forças norte-americanas o localizassem. Sua morte foi anunciada em maio de 2011.

A guerra ao terror se desdobrou em outras ações militares como a ocupação do Iraque em 2003, país que era comandado por Saddam Hussein desde o final da década de 1970. Na época, Estados Unidos e Inglaterra diziam deter provas de que o país guardava um grande arsenal de armas de destruição em massa que representava um perigo à população mundial. Saddam foi enforcado em 2006, mas as armas nunca foram encontradas. Os dois governos que lideraram a ocupação afirmaram, posteriormente, que confiaram em informações que se mostraram falsas.

As incursões militares no Oriente Médio não eliminaram os grupos terroristas. Nos últimos anos, o Estado Islâmico tem se tornando uma peça-chave nos conflitos que se desdobram na região, sobretudo na Síria, no Iraque e no Afeganistão.

A retomada do poder do Talibã no Afeganistão, na visão de Ariane Roder, retrata a ineficácia do uso de instrumentos clássicos de guerra para lidar com a situação. Segundo ela, as soluções requerem muito mais do que o uso da força.

Ela também observa que há uma dimensão de resistência cultural que alimenta os grupos terroristas. "A utilização realizada por alguns grupos terroristas da religião extremista como instrumento de aliciamento e construção do poder causou um distanciamento ainda maior entre culturas do Ocidente e Oriente, com desconfianças, preconceitos e desrespeitos", acrescenta.

Para Jorge Lasmar, os Estados Unidos apostaram equivocadamente em um investimento maciço de propaganda sobre sua própria sociedade. 

"Buscaram disseminar os valores americanos. Mostraram como a democracia ocidental é legal, como a vida no país é legal, como a liberdade não comporta o terrorismo. Mas muito disso não foi bem recebido não só no mundo muçulmano, mas em todo o mundo oriental. Era uma cultura exógena. E há outros caminhos. Diversos líderes muçulmanos são capazes de mostrar que não há nada na religião islâmica que legitime o terrorismo."

Lei nacional

No Brasil, na véspera dos Jogos Olímpicos sediados pelo Rio de Janeiro em 2016, foi aprovada uma Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016). Havia um temor de que se repetissem cenas ocorridas dois anos antes, na Copa das Confederações de 2014, quando uma forte onda de manifestações resultou em cenas de violência e assustou turistas. Foi definida como terrorismo qualquer ação motivada por razões de xenofobia, racismo, etnia e religião, que tenha por objetivo causar terror social a partir do uso, transporte ou armazenamento de explosivos; gases tóxicos; conteúdos químicos, biológicos e nucleares; ou outros meios que possam promover a destruição em massa.

Essas ações podem envolver sabotagem ou ameaça em meios de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares e instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias.

Segundo Thiago Rodrigues, a lei incorpora uma perspectiva de terrorismo disseminada de forma global. "Em parte, é resultado de uma pressão que tem a ver com o 11 de setembro. É uma pressão que vem do Comitê Olímpico Internacional, de alguns países específicos como os Estados Unidos e também do capital privado que investe e patrocina os eventos esportivos. Houve uma cobrança por medidas afinadas com as expectativas de países mais envolvidos na guerra contra o terrorismo".

Ao mesmo tempo, ele observa a presença de outros componentes que não têm relação com o 11 de setembro. “Há outra parte que tem mais a ver com o nosso ambiente político. Há muitos anos de pressão de segmentos da sociedade e de uma ala do Congresso para se ter um maior controle de movimentos sociais consolidados no país. E a lei é ambígua o suficiente para deixar brechas. Dependendo da interpretação, pode ser usada para tentar criminalizar movimentos sociais."

Jorge Lasmar vê pontos positivos e lacunas no texto da Lei Antiterrorista. "Caminhou numa direção certa de não de designar terroristas e, sim, atos terroristas. Há um excludente explícito dizendo que movimentos sociais não podem ser caracterizados com grupos terroristas. Pode-se até discutir se isso seria redundante, mas as legislações antiterroristas possuem um alto custo social, que pode ensejar maior militarização da polícia e aumento de força do Poder Executivo, o que faz com que esse tipo de resguardo seja positivo. Mal não faz. Movimento social não tem nada a ver com terrorismo", explica.

"Mas o conceito de ato terrorista no Artigo 2º o vincula a uma motivação de discriminação racial, étnica, religiosa. Isso pode ser problemático porque existe um terrorismo político onde não há essa instância de discriminação", completa o especialista.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-09/passados-20-anos-efeitos-do-11-de-setembro-ainda-geram-debate


11 de Setembro: a "Guerra ao Terror" e as consequências para o mundo

Há 20 anos, terroristas desafiaram a maior potência mundial, os EUA. A nação ferida reagiu declarando "guerra ao terror", provocando consequências inesperadas que ainda afetam o mundo

DW Brasil

Vinte anos se passaram desde os ataques de 11 de Setembro. A grande torre de um novo World Trade Center foi erguida no Marco Zero, onde ficavam as Torres Gêmeas, com um memorial às quase 3.000 vítimas dos ataques que atingiram os Estados Unidos e o mundo.

Nova York se recuperou do choque dos atentados. Hoje ela tem mais habitantes do que em 2001 e, até a pandemia de covid-19, a economia estava crescendo.

Mas nada é como antes, como poderia ser? Não só nos EUA, onde eventos e homenagens marcam esse dia que nunca será esquecido. Mas também em grande parte do Oriente Médio e no Afeganistão. A bandeira do Talibã está hasteada novamente, exatamente como há 20 anos.

Mas, quando um ataque terrorista matou recentemente cerca de 170 afegãos e mais de uma dúzia de soldados americanos durante a operação de evacuação no aeroporto de Cabul, o braço local do "Estado Islâmico" (EI) assumiu a autoria do crime.

Essa organização nem existia há 20 anos, quando começou a "guerra ao terror". No entanto, suas origens estão intimamente relacionadas a esta guerra - e a como ela foi travada.

"Sabemos muito bem que a ascensão do EI foi resultado direto da queda de Saddam Hussein em 2003", afirma Bernd Greiner.

Em entrevista à DW, o historiador de Hamburgo explica que grande parte da primeira geração de combatentes do EI veio do antigo exército de Saddam Hussein.

George W. Bush declarou o fim da guerra do Iraque, em maio de 2003

"O exército foi dissolvido pelos Estados Unidos. Centenas de milhares de jovens estavam nas ruas, sem nenhuma perspectiva de emprego. Isso é um terreno fértil para a radicalização", afirma.

Estiletes que começaram uma guerra

Em 2001, terroristas da Al-Qaeda derrubaram o World Trade Center, um símbolo de poder econômico, e atacaram o Pentágono, o centro do poder militar. Com o assassinato em massa, eles desencadearam um trauma nacional. E tudo usando apenas estiletes, com os quais transformaram aviões de passageiros em armas, guiados por um árabe saudita chamado Osama bin Ladende uma caverna no Afeganistão.

Uma humilhação sem precedentes para um país que, na época, talvez estivesse no auge de seu poder, que se sentia quase invulnerável, doze anos após sua vitória na "Guerra Fria" e o colapso da União Soviética.

Os EUA reagiram com perplexidade e luto - e tiveram a solidariedade de todo o mundo. Os americanos reagiram com raiva e buscaram vingança - e receberam apoio.

Uma ação policial ou uma operação com forças especiais, como ocorreria dez anos depois na eliminação do líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, no Paquistão, estava fora de questão para o governo dos Estados Unidos.

Pela primeira vez na história da OTAN, foi declarado Casus foederis. Em uma ação militar legitimada pelo Conselho de Segurança da ONU como um ato de autodefesa, o Talibã no Afeganistão foi derrubado em poucos meses.

Quando George W. Bush atacou o Iraque em 2003, já não havia mais tal legitimidade. Houve apenas falsas alegações sobre as ligações de Saddam Hussein com os terroristas de 11 de setembro, bem como mentiras sobre o o ditador iraquiano estar produzindo armas de destruição em massa.

A "Nação Indispensável" demonstra seu poder

Muitos políticos americanos viram a oportunidade, após o 11 de Setembro, de demonstrar ao mundo que os Estados Unidos eram a "nação indispensável", afirma o historiador americano Stephen Wertheim em entrevista à DW.

"E eles demonstraram essa 'indispensabilidade' tentando redesenhar um país e uma região.

Bernd Greiner vê outro motivo. "Em sua impotência e incapacidade diante desse tipo de ataque assimétrico, os EUA queriam demonstrar ao mundo, e especialmente ao mundo árabe: qualquer um que mexer conosco no futuro, perderá seu direito de existir".

Para o historiador, esse foi "basicamente um ato simbólico, tanto no Afeganistão quanto no Iraque".

Ex-secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, ficou apreensivo com operação no Afeganistão.

Corroborando a hipótese de Greiner, apenas algumas semanas após o 11 de Setembro, a Casa Branca encarregou o Pentágono de desenvolver cenários para uma guerra contra o Iraque. E em seu livro, Bush at War, Bob Woodward relatou que o então secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, estava preocupado por não ter alvos suficientes para armas de alta tecnologia dos EUA no Afeganistão.

"Não queremos parecer que estamos martelando na areia", disse Rumsfeld. "Precisamos de algo para atacar. Mas não há tanta Al Qaeda para atacar".

Essa atitude era generalizada em outras partes do establishment político. Quando, por exemplo, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger foi questionado por Michael Gerson, redator de discursos de George W. Bush, por que apoiava a guerra do Iraque, a resposta recebida foi: "Porque o Afeganistão não foi o suficiente".

Os opositores radicais dos EUA no mundo muçulmano queriam humilhar os Estados Unidos, "portanto, devemos humilhá-los".

Para o historiador Stephen Wertheim, o Iraque representou mais um palco para demonstrar força do que uma reação a uma ameaça.

Quase 1 milhão de vítimas da guerra

A "guerra ao terror" proclamada pelo presidente George W. Bush tornou-se uma guerra sem fronteiras. Uma guerra "que não é definida com precisão, nem temporal nem geograficamente. É travada globalmente", como explica Johannes Thimm, da Fundação de Ciência e Política de Berlim (SWP, na sigla em alemão).

O projeto Cost of War, da Brown University, apontou recentemente que os Estados Unidos aplicam iniciativas antiterrorismo em 85 países.

A equipe, que consiste em mais de 50 pesquisadores, juristas e ativistas de direitos humanos, levantou vários números assustadores. Na "guerra ao terror", quase 930.000 pessoas foram mortas diretamente em combate - quase 400.000 delas eram civis.

A cidade síria de Mossul em junho de 2018, um ano após ser libertada das mãoes do EI

Os números lançam uma luz diferente sobre as palavras do general americano Stanley A. McCrystal em seu discurso de posse como comandante da Força Internacional de Apoio à Segurança (ISAF, na sigla em inglês) no Afeganistão, em 2009.

"Eu acredito que a percepção pública de civis mortos é um dos inimigos mais perigosos que enfrentamos", disse na época.

Como consequência disso, a face mais sinistra da guerra foi amplamente escondida.

O público mundial reagiu com choque quando a plataforma Wikileaks revelou, em 2010, a verdadeira face das guerras no Iraque e no Afeganistão, com a divulgação do vídeo "Assassinato Colateral", evidências muito drásticas do assassinato de civis em Bagdá.

Perda de reputação

A reputação dos EUA já estava abalada. Não era a primeira vez que os líderes do país rasgavam a lei em sua guerra. Em uma entrevista à DW, o especialista do SWP Johannes Thimm lembra da reintrodução oficial da tortura.

"Porque a tortura era, na verdade, uma violação completa da lei. Há também uma razão pela qual não é chamada de tortura, mas sim de ‘técnicas aprimoradas de interrogatório'. Porque a tortura é simplesmente inequivocamente proibida pelo direito internacional”.

Houve, ainda, a detenção de suspeitos por décadas em áreas completamente à margem da lei, como a base naval dos EUA em Guantánamo. E, acima de tudo, a morte de suspeitos de terrorismo em ataques de drones: o Bureau Of Investigative Journalism contabilizou pelo menos 14.000 ataques com drones. Estima-se que entre 9.000 e 17.000 pessoas morreram, incluindo 2.000 civis e centenas de crianças.

"Mesmo que isso não possa ser provado empiricamente, minha impressão é que os assassinatos dirigidos por drones provavelmente produziram mais jihadistas no Afeganistão do que mataram", avalia Johannes Thimm.

Ataques com drones americanos já mataram vários civis

Não apenas no Afeganistão. O cientista político Julian Junk, da Fundação Hessian para Pesquisa em Paz e Conflitos (HSFK, na sigla em alemão), afirmou à DW que "podemos afirmar que os métodos extrajudiciais da 'guerra ao terror' tiveram um efeito mobilizador sobre os grupos salafistas e jihadistas”.

Um erro de oito trilhões de dólares?

De acordo com o Cost of War, os 20 anos da "guerra ao terror" custaram apenas aos Estados Unidos a soma inimaginável de oito trilhões de dólares. Com esse valor, é possível facilmente pagar pelo programa de infraestrutura de Joe Biden várias vezes.

É por isso que o especialista norte-americano Bernd Greiner chega à conclusão de que, mesmo desconsiderando as consequências para o resto do mundo: "Os EUA causaram imensos danos para si com essas despesas insanas nas guerras no Iraque e no Afeganistão". 

"Portanto, há tantos outros esforços dignos para os quais os Estados Unidos poderiam ter direcionado seus vastos recursos", lamenta o historiador americano Stephen Wertheim, "em vez de reagir destrutivamente aos ataques de 11 de Setembro”.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/11-de-setembro-a-guerra-ao-terror-e-as-consequ%C3%AAncias-para-o-mundo/a-59137716


11 de Setembro: a tragédia que mudou os rumos do século 21

Poucos acontecimentos ganham lugar na história com o nome de sua data. O marco no calendário sugere uma nova realidade

BBC Brasil

No século 21, um acontecimento é universalmente conhecido por sua data: o 11 de Setembro.

O nome refere-se ao dia 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos sofreram o maior ataque a seu território desde o bombardeio japonês à base de Pearl Harbor (no Havaí, em 1941).

Na manhã daquela terça-feira de setembro, no primeiro ano do século 21, quatro aviões comerciais americanos foram sequestrados na costa leste do país.

Dois deles foram lançados contra as torres gêmeas do World Trade Center (WTC), na ilha de Manhattan, em Nova York, um chocou-se com o Pentágono (sede do Departamento de Defesa dos EUA, em Washington D.C.), e outro caiu numa área desabitada no Estado da Pensilvânia.

Ao todo, 2.977 pessoas foram mortas nos ataques, além dos 19 sequestradores dos aviões.

O 11 de Setembro é considerado o ataque com o maior número de mortos da história. Além disso, foi uma tragédia que mudou, em vários aspectos, os rumos do mundo.

Os ataques

Os atentados começaram às 08h46, horário local, quando o primeiro avião — um Boeing 767 fazendo o voo 11, de Boston em direção a Los Angeles — atingiu a torre Norte do World Trade Center.

O complexo empresarial era então composto por sete construções, incluindo duas torres de 417 e 415 metros, os edifícios mais altos do mundo na época de sua inauguração, em 1973.

O incidente rapidamente ocupou as transmissões ao vivo de canais de TV mundo afora, que reproduziam imagens vindas de Nova York mostrando uma densa e escura fumaça saindo das laterais da torre Norte.

Apresentadores de TV e repórteres conversavam com testemunhas e especulavam sobre que tipo de aeronave teria se chocado com um dos prédios do World Trade Center. Àquela altura, a maioria acreditava que se tratava de um acidente.

Durante a transmissão, às 09h03, 17 minutos depois do primeiro ataque, um segundo Boeing 767 — o voo 175, que também saíra de Boston com destino a Los Angeles — chocou-se contra a torre Sul, numa cena vista ao vivo por milhões de pessoas ao redor do mundo.

Pentágono depois de ser atingido
Lateral do Pentágono foi atingida num dos ataques. Foto: BBC/Getty

As suspeitas de um ataque se confirmaram e o caos aumentou em Nova York com a população tentando deixar a todo custo a área do centro financeiro da ilha de Manhattan.

Às 09h37, o terceiro avião, um Boeing 757 fazendo o voo 77, de Washington a Los Angeles, atingiu uma das laterais do Pentágono.

Sobre o quarto avião, um Boeing 757 que saíra de Newark (Nova Jersey) com destino a San Francisco no voo 93 e caiu na Pensilvânia às 10h03, as investigações inicialmente sugeriam que ele provavelmente se dirigia para a Casa Branca, residência oficial do presidente americano, em Washington D.C.

Posteriores relatos fornecidos por integrantes do grupo islamista radical Al-Qaeda, no entanto, indicaram que o alvo seria o Capitólio, a sede do Congresso, também em Washington.

A aeronave chocou-se com o solo depois que passageiros lutaram com os sequestradores dentro da cabine.

Colapso

Em Nova York, a torre Sul do WTC, atingida pelo segundo avião, desabou às 09h59, causando pânico generalizado em Manhattan, onde pessoas corriam na tentativa de fugir da fumaça que tomava as ruas.

Cerca de meia hora depois, às 10h28, desabou a torre Norte, a primeira a ser atacada.

Ambas foram destruídas pelo fogo provocado pelos combustíveis das aeronaves, que estavam com seus tanques cheios, tendo sido sequestradas logo depois da decolagem.

No final da tarde, outro prédio do complexo World Trade Center, o 7 WTC, desabou, depois de sua estrutura ter sido abalada pela destruição das torres gêmeas. Envolvidos em tentativas de resgates daqueles que estavam nas torres, 345 integrantes do Corpo de Bombeiros de Nova York morreram com a queda dos edifícios.

As vítimas

Entre as vítimas, havia centenas de estrangeiros, número que nunca foi determinado com precisão, já que muitos tinham dupla nacionalidade — eram tanto americanos como cidadãos de outros países.

Em cerimônias oficiais, como a que lembrou o quinto aniversário do 11 de Setembro, em 2006, foi feita referência a "mais de 90 nacionalidades" representadas entre os 2.977 mortos.

Três deles eram brasileiros: Anne Marie Sallerin Ferreira, de 29 anos, Sandra Fajardo Smith, de 37, e Ivan Kyrillos Fairbanks Barbosa, de 30.

Vários brasileiros que trabalhavam nas torres gêmeas sobreviveram.

Um deles, André Kamikawa, estava no 25º andar da Torre Norte, a primeira a ser atingida.

Em entrevista à BBC News Brasil, dias após os ataques, Kamikawa falou sobre os momentos após o impacto.

"Ouvimos um estrondo e sentimos um tremor, um movimento muito forte do prédio indo para trás e depois voltando."

Pela janela, ele viu destroços caindo. Em seguida, juntamente com colegas, dirigiu-se às escadas, por onde saiu da torre.

Outro brasileiro, Larry Pinto de Faria Júnior, trabalhava no mesmo andar que Kamikawa e também deixou o edifício pelas escadas.

Em 2011, dez anos depois dos ataques, ele disse à BBC News Brasil que sentiu realmente medo depois que a Torre Sul, a primeira a ser destruída, desabou, próximo a onde ele estava.

"Caiu do meu lado. Aí começou aquela poeira, todo mundo começou a correr. Corri como um louco."

Bombeiros no dia 11 de setembro
Bombeiros de Nova York estiveram entre as vítimas dos ataques de 2001. Foto: BBC/Getty

Além dos mortos nos atentados, o 11 de Setembro faria centenas de milhares de outras vítimas.

Os esforços de ajuda e resgate em Nova York contaram com a participação de cerca de 80 mil pessoas, entre bombeiros, policiais, profissionais de saúde e outros.

Todos eles e outras milhares de pessoas presentes nas imediações foram atingidas pela fumaça tóxica gerada pelos atentados — particularmente pelo desabamento das duas torres gêmeas do WTC.

Os ataques e as horas seguintes expuseram os presentes a diversos materiais tóxicos e até mesmo cancerígenos, como chumbo e amianto.

Anos depois, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estimou que cerca de 400 mil pessoas haviam sido feridas ou expostas a materiais tóxicos no 11 de Setembro.

Até o final de 2018, mais de 2 mil pessoas morreram de doenças associadas à exposição a materiais perigosos naquele dia, particularmente de câncer.

Até 2019, 241 integrantes do departamento de polícia de Nova York, o NYPD, haviam morrido de doenças relacionadas a seu trabalho durante o 11 de Setembro.

O número é dez vezes maior do que o total de policiais da cidade mortos naquele dia, quando 23 perderam suas vidas.

Fora dos locais atingidos pelos atentados, o restante do dia 11 de setembro de 2001 foi marcado também pelo caos no transporte aéreo americano.

Cinco minutos depois do ataque ao Pentágono, às 09h42, a FAA (Federal Aviation Administration, agência de aviação federal do país) ordenou que todos os aviões comerciais nos Estados Unidos aterrissassem imediatamente, na pista mais próxima — medida também adotada pelo Canadá. Mais de 4 mil aeronaves aterrissaram.

Os voos comerciais permaneceram suspensos no país por três dias. Os ataques também praticamente paralisaram a vida dos americanos, com monumentos, atrações turísticas e sistemas de transportes fechados, e o país em alerta máximo.

Escombros das torres do WTC
Local onde ficavam as torres do World Trade Center ficou devastado. Foto: BBC/Getty

Quando os voos foram retomados, a preocupação com a segurança foi extrema e acabou provocando a introdução de normas extras de segurança que até então não existiam e muitas estão mantidas até hoje, em aeroportos do mundo todo. Entre elas, estão a proibição de entrada com líquidos na bagagem de mão — podem conter algum tipo de explosivo — e a necessidade de passageiros separarem objetos pessoais, como cintos e sapatos, na passagem por equipamentos de raio-X no aeroporto, antes do embarque.

Investigações

As investigações sobre os atentados começaram imediatamente. Uma mala pertencente ao egípcio Mohamed Atta que havia ficado no aeroporto de Boston continha dados do egípcio e de seus companheiros e serviu de ponto de partida na identificação dos autores.

O FBI (Federal Bureau of Investigation, a Polícia Federal americana) rapidamente apontou 19 sequestradores, que estavam distribuídos em grupos de cinco em cada avião, com exceção do voo 93, tomado por quatro militantes.

Atta, identificado como o líder operacional dos atentados, pilotou o primeiro Boeing a atingir o World Trade Center.

Dos outros 18 sequestradores, 15 eram sauditas, dois eram dos Emirados Árabes Unidos, e um do Líbano.

As informações sobre os envolvidos obtidas pela polícia americana mostraram também quem, além dos 19 sequestradores, era o grande responsável pelos ataques.

As autoridades apontaram como idealizador da operação o saudita Osama bin Laden, líder do grupo islamista Al-Qaeda.

Na época baseado no Afeganistão, sob a proteção do então regime do Talebã, Bin Laden já era o mais perigoso e conhecido militante islamista do mundo.

Ele estava na lista dos dez fugitivos mais procurados pelo FBI como responsável pelos atentados a bomba contra as embaixadas americanas em Nairóbi (Quênia) e Dar es Salaam (Tanzânia), em 1998, que deixaram mais de 200 mortos.

Osama bin Laden, líder da Al-Qaeda
O saudita Osama bin Laden foi apontado como principais suspeito de ordenar os ataques. Foto: BBC/Getty

Antes mesmo dos atentados de 1998 na África, Bin Laden já havia publicamente defendido ataques contra alvos americanos. Em duas fatwas — mensagem proferida por alguma liderança religiosa pedindo que os muçulmanos sigam seu conteúdo —, o saudita havia conclamado fiéis a participar de seu movimento contra a maior potência mundial.

Em reportagem em 23 de agosto de 2016, a revista The Atlantic lembrou que, exatamente 20 anos antes, Bin Laden havia publicado sua primeira fatwa e que a data mostrava que a guerra entre Al-Qaeda e os Estados Unidos já durava duas décadas.

A fatwa, disse a revista, foi produzida meses depois de o saudita se instalar no Afeganistão, após a capital do país ter sido tomada pelo movimento islamista Talebã.

"Foi a primeira convocação pública de Bin Laden por uma 'jihad' global contra os Estados Unidos", escreveu a The Atlantic.

Como lembrou a revista, no documento de 30 páginas, intitulado Declaração de Guerra Contra os Americanos Ocupando a Terra dos Dois Lugares Sagrados, Bin Laden escreveu: "O povo do Islã sofreu com a agressão, a iniquidade e a injustiça impostas sobre eles pela aliança judaico-cristã e seus colaboradores".

O principal motivo apresentado por Bin Laden para sua revolta era a presença de tropas americanas na Arábia Saudita, onde estão as cidades de Meca e Medina, sagradas para os muçulmanos.

Tal presença começou em 1990, quando os sauditas permitiram a entrada dos americanos para lançar a guerra que expulsou as forças iraquianas de Saddam Hussein do Kuwait, e continuava em 1996.

Dois anos depois, em fevereiro de 1998, Osama bin Laden publicou uma nova fatwa, desta vez assinada em conjunto com outros quatro líderes associados à Al-Qaeda — entre eles Ayman al-Zawahiri, o egípcio que no futuro substituiria Bin Laden no comando da organização.

O documento, Declaração da Frente Mundial Islâmica por uma Jihad contra os Judeus e os Cruzados, reforçou o chamado por uma guerra global contra os Estados Unidos e seus aliados, visando alvos tanto militares como civis.

Ambos documentos foram publicados pelo jornal Al-Quds Al-Arabi, baseado em Londres, e enviados por fax para muçulmanos ao redor do mundo.

Os atentados de setembro de 2001 foram uma continuação da guerra conclamada por Bin Laden e a Al-Qaeda nos anos 1990, iniciada com os atentados no Quênia e na Tanzânia.

Foram também uma forma de atingir os Estados Unidos diretamente e em alvos estratégicos, tanto no campo econômico como político.

As torres gêmeas do World Trade Center simbolizavam a força do capitalismo americano, enquanto o Pentágono e o Capitólio representam, respectivamente, o poder militar e o poder político da maior potência do planeta.

Ao comentar os ataques de 11 de setembro, em sua Carta para a América, de novembro de 2002, Osama bin Laden voltou a acusar "as agressões cometidas contra muçulmanos em diversos países pela cruzada da aliança sionista e de seus colaboradores".

O líder da Al-Qaeda incluía ainda as "atrocidades cometidas pela Rússia na Chechênia, a presença de tropas americanas na Arábia Saudita e o apoio dado pelos Estados Unidos a Israel" entre os motivos que o levaram a executar os atendados.

Impacto imediato

Nos dias que se seguiram aos ataques, por todo o mundo ficou a sensação de que o 11 de Setembro era um acontecimento com potencial de mudar o mundo.

Algumas mudanças foram práticas e quase imediatas. Outras, ainda imprevisíveis, apontavam para uma grande mudança no papel dos Estados Unidos como grande potência — uns dizendo que seu poder iria aumentar, outros acreditando que poderia diminuir.

O presidente George W. Bush
A popularidade do presidente George W. Bush aumentou depois dos atentados. Foto: BBC/Getty

Politicamente, o então presidente americano, o republicano George W. Bush, viu seu índice de aprovação interna atingir 90%, com praticamente todo o país oferecendo seu apoio a futuras medidas de reação aos atentados.

Com isso, Bush conseguiu reunir com facilidade apoio político para as duas guerras que marcariam o seu governo: as invasões e ocupações do Afeganistão, ainda em 2001, e do Iraque, dois anos mais tarde.

O trauma sofrido pelos Estados Unidos no 11 de Setembro permitiu que esse apoio viesse inclusive dos políticos da oposição, representada pelo Partido Democrata.

As consequências na vida prática dos americanos envolveram especialmente o cuidado com a segurança e o impacto na privacidade do cidadão.

Pouco mais de um mês depois dos atentados, em 26 de outubro de 2001, o presidente Bush assinou o Patriot Act (Lei Patriótica), que facilitou operações de vigilância das autoridades, permitindo o monitoramento de comunicações via telefone e internet.

A nova lei também facilitou a troca de informações entre órgãos de segurança como o FBI e a CIA, após a identificação de falhas de comunicação que permitiram que os sequestradores concluíssem a realização dos atentados.

Outra significativa medida interna foi a criação, em novembro de 2002, do Department of Homeland Security (Departamento de Segurança Interna).

O novo departamento passou a reunir vários órgãos de áreas diversas, como segurança, transporte, agricultura e justiça.

Reações internacionais

A comunidade internacional também ofereceu apoio imediato ao governo americano.

Um dia depois dos ataques, em 12 de setembro, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou por unanimidade a resolução 1368.

Ela condenou os atentados do dia anterior, reafirmou o compromisso da comunidade internacional de combate ao terrorismo e confirmou o direito de defesa contra ataques dessa natureza, com base na lei internacional.

Para o restante do mundo, o mais importante acontecimento resultante do 11 de Setembro foi a invasão do Afeganistão, por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos.

O conflito foi a ação mais visível do que o governo americano passou a chamar de "Guerra ao Terrorismo" — um estado de guerra contra grupos ou indivíduos, principalmente organizações islâmicas extremistas, por trás de ataques contra a população civil.

Mulá Omar, líder do Taliban
O misterioso Mulá Omar comandava o Talebã em 2001. Foto: BBC/Getty

O Afeganistão era governado pelo movimento islamista sunita Talebã, que havia tomado o poder na capital Cabul em 1996, e servia de base para Osama bin Laden e a Al-Qaeda.

Apesar disso, o Talebã, liderado pelo misterioso Mulá Omar, condenou oficialmente os atentados contra os Estados Unidos, numa declaração oficial divulgada em 12 de setembro de 2001.

O governo americano afirmava ter reunido evidências de que os atentados haviam sido planejados por Osama bin Laden e a Al-Qaeda.

Em 17 de setembro, George W. Bush disse em entrevista coletiva buscar a captura de Bin Laden. "Eu quero justiça. Existe um velho cartaz, no Oeste, que diz: 'Procurado — Vivo ou Morto'".

O presidente dos Estados Unidos então exigiu que o governo do Talebã entregasse Osama bin Laden e os integrantes da Al-Qaeda no Afeganistão às autoridades americanas, fechasse todas as bases de treinamento do grupo e desse aos Estados Unidos acesso a esses campos para verificar que estavam mesmo inativos.

O Talebã alegou precisar cumprir leis locais e costumes da cultura pashto de hospitalidade, que proibiam a expulsão do país de um convidado das lideranças locais.

Assim, recusou-se a cumprir as exigências americanas. Essa posição levou à operação militar internacional iniciada em 7 de outubro de 2001 — e batizada pelos Estados Unidos de "Operação Liberdade Duradoura".

A coalizão, liderada pelos americanos, contou desde o início com a participação do Reino Unido e acabou reunindo mais de 20 países em combates no Afeganistão.

A maioria dos países era integrante da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a aliança ocidental que esteve diretamente envolvida na operação.

Também participou da guerra contra o Talebã a Aliança do Norte, um grupo afegão que já combatia o regime islâmico antes do 11 de Setembro, ainda como parte da longa guerra civil afegã, a partir do norte do país.

A guerra, além de servir de retaliação contra os atentados e tentativa de prender Bin Laden e outros líderes da Al-Qaeda, foi popular no Ocidente por buscar o fim do regime do Talebã.

Conhecido por seu radicalismo islâmico sunita, adotando uma versão extremista do Alcorão, o regime ficou famoso por proibir meninas de ir à escola e forçar mulheres a cobrirem todo o corpo, cabeça e o rosto.

A intolerância histórica e religiosa do Talebã — que em 2001 destruiu duas enormes estátuas de Buda do século 6 na província de Bamyan, no Afeganistão — também prejudicou a imagem internacional do grupo.

Tropas dos EUA no Afeganistão
Os EUA e seus aliados invadiram o Afeganistão em outubro de 2001. Foto: BBC/Getty

A derrubada do regime do Talebã em Cabul foi rápida. Em novembro de 2001, forças da Aliança do Norte e dos Estados Unidos tomaram a capital do Afeganistão.

Os líderes do Talebã fugiram para a região da cidade de Kandahar, no sul do Afeganistão, ou cruzaram a fronteira com o Paquistão.

O objetivo simbólico mais importante da operação, a captura de Osama bin Laden, não foi imediatamente alcançado. Os Estados Unidos tampouco conseguiram capturar o líder do Talebã, Mohammed Omar, conhecido como Mulá Omar.

Apesar da mudança de poder em Cabul, a guerra contra o Talebã no Afeganistão estendeu-se por anos e só veio a terminar ao final de agosto de 2021 com a saída dos militares americanos e tropas estrangeiras do Afeganistão. A presença dos EUA no Afeganistão pode ser marcada por diferentes fases e contabilizada por um alto custo, tanto financeiro como em vidas humanas.

Em meados de agosto, após lançar uma série de ofensivas contra forças do governo, o Talebã voltou a controlar o país.

O custo financeiro, para os Estados Unidos, seus aliados e para a região, atingiu trilhões de dólares.

Até meados de 2020, mais de 3.500 soldados de países que formaram a coalizão contra o Taliban haviam sido mortos no conflito. Os Estados Unidos haviam perdido 2.353 combatentes, e o Reino Unido, 456.

Estimativas indicam que pelo menos 40 mil civis foram mortos na guerra no Afeganistão desde 2001, e cerca de 25 mil no Paquistão — o país vizinho foi diretamente afetado pela operação militar contra o Talebã.

Segundo a ONU, entre 2009 e 2019 cerca de 3 mil civis foram mortos por ano, em média.

No final de 2020, negociações de paz envolvendo o governo afegão, o Talebã e os Estados Unidos continuavam em meio a fortes combates na província de Helmand, no sul do país. Em abril de 2020, representantes do governo do então presidente Donald Trump assinaram em Doha, no Catar, um acordo com lideranças talebãs que previa a retirada das tropas americanas.

Morte de Bin Laden

Aos poucos, os Estados Unidos e seus aliados conseguiram capturar ou matar os principais acusados de planejar e comandar os atentados do 11 do Setembro. Com a ajuda do serviço de inteligência paquistanês, os americanos prenderam no Paquistão, em 2003, o paquistanês Khalid Sheikh Mohammed, acusado de ser o arquiteto dos ataques.

O paquistanês Khalid Sheikh Mohammed
Khalid Sheikh Mohammed, acusado de ser o arquiteto dos atentados. Foto: BBC/Getty

Outros quatro acusados de ajudar os sequestradores na logística da operação — os iemenitas Walid bin Attash e Bamzi bin al-Shibh, o paquistanês Ammar al-Balushi e o saudita Mustafa al-Hawsawi — também foram presos no Paquistão, entre 2002 e 2003. Os cinco foram levados para a base americana de Guantánamo, na ilha de Cuba, onde o governo Bush montou uma prisão para acusados de terrorismo capturados ao redor do mundo.

O presídio foi motivo de grande polêmica, nos Estados Unidos e no exterior, por deixar seus detidos num limbo legal, sem o status de prisioneiros de guerra ou de criminosos comuns.

O presidente Barack Obama (2009-2016) chegou a anunciar um plano para fechar a prisão em Guantánamo, mas não encontrou um outro destino para mais de 40 prisioneiros.

No final de 2020, com o presídio ainda em operação, a previsão era de que os cinco acusados de envolvimento direto nos ataques do 11 de Setembro fossem julgados por um tribunal militar em 2021. Todos poderiam ser condenados à morte.

Osama bin Laden conseguiu frustrar as forças e os serviços de inteligência dos Estados Unidos e de seus aliados por muitos anos.

Apenas em maio de 2011, quatro meses antes do décimo aniversário do 11 de Setembro, o líder da al-Qaeda foi finalmente encontrado.

Bin Laden estava numa área de alto padrão na cidade de Abbottabad, no Paquistão, a 120 quilômetros da capital, Islamabad.

Ele se encontrava num prédio fortemente protegido, onde provavelmente havia vivido os cinco anos anteriores e que possivelmente fora construído especialmente para abrigá-lo. A casa ficava a cerca de um quilômetro de uma academia militar paquistanesa.

Osama bin Laden
O chefe da Al-Qaeda, Osama bin Laden, foi morto em 2011. Foto: BBC/Getty

Forças especiais da Marinha dos Estados Unidos, conhecidas como SEALs, realizaram uma operação militar contra a instalação, depois de partir em helicópteros saídos do Afeganistão.

O ataque ocorreu pouco depois da 1h da manhã do dia 2 de maio, e Bin Laden foi morto no local. Ele tinha 54 anos. Seu corpo foi levado pelas forças americanas para identificação e, segundo autoridades dos Estados Unidos, lançado ao mar menos de 24 horas depois de sua morte — como manda a tradição muçulmana.

A morte de Osama bin Laden foi anunciada pelo presidente Barack Obama horas depois, às 23h30 do dia 1º, pelo horário de Washington.

Após a morte do líder da al-Qaeda, continuava desconhecido o paradeiro do chefe do Talebã na época do início da guerra no Afeganistão, o Mulá Omar.

Em julho de 2015, o governo afegão informou ter descoberto que Omar havia morrido em 2013, após enfrentar problemas de saúde — segundo relatos, ele teria morrido de tuberculose. O Talebã confirmou que havia mantido a morte de Omar em segredo por dois anos.

Novo World Trade Center

A área onde ficavam as torres gêmeas do World Trade Center, na ilha de Manhattan, em Nova York, chamada desde o 11 de Setembro de "Ground Zero" (Marco Zero), passou por um complexo trabalho de limpeza e retirada de escombros ao longo de 2001.

Logo começaram conversas sobre como recuperar a área e que tipo de construção deveria ser erguida no local. Ficou decidido que uma única torre substituiria as antigas torres gêmeas no horizonte da cidade, e o projeto final ficou a cargo do arquiteto David Childs.

Torred do One World Trade Center em Nova York
O novo One World Trade Center substituiu as torres gêmeas na ilha de Manhattan, em Nova York. Foto: BBC/Getty

Depois do lançamento da pedra fundamental em 2004, a construção foi iniciada em 2006.

O novo prédio, chamado oficialmente de One World Trade Center, mas apelidado de "Torre da Liberdade", foi concluído em 2013, a um custo de quase US$ 4 bilhões.

Marcado por seu formato geométrico, em que as laterais são formadas por oito triângulos isósceles — quatro com suas bases no solo e outros quatro com as bases no topo —, o edifício é o mais alto dos Estados Unidos e de todo o hemisfério ocidental, com 541 metros de altura.

A torre começou a ser utilizada comercialmente em 2014, e a abertura do seu topo para visitação pública ocorreu em 2015.

Um memorial em homenagem às vítimas dos atentados e um museu também ocupam o local.

Com o novo One World Trade Center, Nova York e os Estados Unidos viraram a página de um dos mais trágicos acontecimentos de sua história, sem esquecer das milhares de vítimas e das enormes transformações causadas pelo 11 de Setembro.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55351015


Bolívar Lamounier: Dois degraus a mais na escala do horror

A sobrevivência da civilização dependerá de muita lucidez, tirocínio e poder militar

Bolívar Lamounier / O Estado de S. Paulo

Não consigo conceber a humanidade convivendo com um país que submete as mulheres a rigorosa escravidão, impondo-lhes um tratamento atrocíssimo do nascimento à morte. Mas de agora em diante, com o Afeganistão dominado pelo Taleban e disputado pelo Estado Islâmico (EI), a realidade será essa.

O erro político do governo norte-americano foi deveras impressionante, pois não só deixou ao deus-dará um aliado que dele dependeu durante 20 anos, como saiu do país atabalhoadamente, entregando de mão beijada ao radicalismo islâmico grande quantidade de armas. É lógico que o Afeganistão, com sua população de apenas 39 milhões e sua enorme pobreza, não tem, sozinho, condições de se abalançar a uma aventura bélica. Mas aí, paradoxalmente, é que reside o perigo: uma teocracia totalitária, de inspiração claramente fundamentalista, poderá superestimar suas forças, agindo como uma faísca, tentando atiçar conflitos entre outros países, ou se engajando em alguma alucinação terrorista como a empreendida por Bin Laden 20 anos atrás. Nesse quadro, o Irã também precisa ser levado em conta, não obstante ser o seu poder também limitado.

Entendam-me: estou expondo uma hipótese e nem de longe pretendo generalizá-la para todo o universo islâmico. O islamismo não é um conjunto homogêneo. Compreende cerca de 60 países e a maioria não se encaixa no modelo de regimes totalitários. A vertente fundamentalista a que pertencem o Taleban e o EI, essa, sim, é capaz de perpetrar todo tipo de crueldade contra a sociedade e claramente propensa à expansão geográfica. O Estado Islâmico consegue ser muito pior que o Taleban. Destroçado na Síria, transferiu-se para o Afeganistão. A guerra entre ambos é um cenário altamente provável. Com a sobriedade que o caracterizava, o grande historiador Otto Hintze definiu movimentos como o EI como aqueles cujo objetivo último é se tornarem “impérios universais”. Em linguagem caseira, são culturas ou religiões que trazem em seu DNA um afã de ocupar e dominar militarmente outros países, a começar pela unificação de todo o mundo islâmico sob um só governo. Seguindo essa linha de raciocínio, não descabe afirmar que o horizonte do Taleban seja estender seu modelo de teocracia totalitária até o limite do possível.

O Ocidente demorou a perceber o risco da ascensão de Hitler na Alemanha, mas cumpriu, ao fim e ao cabo, junto com a URSS, seu dever de destruir a máquina de guerra responsável por todo tipo de atrocidades, culminando no frio extermínio de judeus, exemplificado por Auschwitz. Mas as lições da História nem sempre são assimiladas na devida proporção. Finda a 2.ª Guerra Mundial, o mundo acomodou-se à precária paz a que a vitória militar deu ensejo, aceitando-a como relativamente “normal”. Aceitando-a sem atentar para o fato de que ela continuava a se basear numa gigantesca desumanidade – com menos conflitos armados, é certo –, paz que não mantém sequer uma pálida semelhança com a paz perpétua cogitada por toda uma linhagem de filósofos utópicos. No mundo atual, essa desumanidade está corporificada em quase 8 bilhões de seres humanos, a maioria em estado famélico. O desafio de construir uma paz segura, assentada em fatores de realidade é, pois, simplesmente hercúleo. Mas a humanidade não tem como abrir mão sequer desse precário ideal. Os países democráticos e todos os outros que preferem a ordem à desordem e a civilização à barbárie têm o dever de colaborar na construção de uma paz manejável e duradoura, que assegure a cada nação a conservação de sua identidade e a possibilidade de prosperar e se beneficiar comercialmente de suas complementaridades com o resto do mundo.

Como sonhar com tal objetivo, mesmo na escala modesta a que me refiro, num mundo onde bilhões de seres humanos mal e parcamente conseguem resistir a seu miserável cotidiano, mundo no qual o terrorismo e o crime organizado mudaram de escala, mercê do avanço tecnológico, internacionalizando-se e beneficiando-se do efeito surpresa em escala antes impensável?

Empreitada hercúlea, sem dúvida. Muito maior que a visualizada pelos governos ignorantes e corruptos que não cessam de se reproduzir em nossa triste América Latina.

As explosões da última quinta-feira (26/8) no aeroporto de Cabul, provavelmente organizadas pelo Estado Islâmico, que causaram mais de 180 mortes, dão bem a medida do horror a que me refiro. Após o malfadado episódio da tomada da capital pelo Taleban, salta aos olhos que o curso dos acontecimentos será decisivamente determinado pelas grandes potências. Entre estas se inclui a China, cujo regime interno é declaradamente totalitário, mas precisa comerciar com o mundo inteiro, em nada lhe interessando, portanto, um sistema internacional conturbado. Com a Rússia, que nunca se desvestiu sinceramente de seu passado autocrático, a situação é mais ou menos a mesma.

Em resumo, a sobrevivência da civilização dependerá de muita lucidez, tirocínio e poder militar.

*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,dois-degraus-a-mais-na-escala-do-horror,70003823602


Demétrio Magnoli: Depois da ‘orgia estratégica’

Demétrio Magnoli / O Globo

A queda de Cabul, no 15 de agosto, 76º aniversário da rendição japonesa, “pode ser interpretada como o fim do segundo período de orgia estratégica dos EUA”, escreveu Shen Yi no Global Times. O jornal é um veículo em língua inglesa de propaganda nacionalista da China, e Shen Yi quase certamente é um pseudônimo inspirado no nome de um arqueiro mitológico chinês. A China teme que o novo regime afegão provoque ondas de instabilidade na Ásia Central, mas celebra a derrota histórica dos EUA.

Segundo Shen Yi, a hegemonia americana desde 1945 compõe-se de ciclos de expansão-orgia-contração. O primeiro ciclo iniciou-se com o envolvimento no Vietnã e culminou com a queda de Saigon, em 1975, que provocou um prolongado recuo. O segundo começou em 2001, com as intervenções no Afeganistão e no Iraque, esgotando-se agora, sob o impacto da humilhação imposta pelo Talibã.

“Cabul não é Saigon”, garantiu Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, argumentando que foi cumprida a missão de suprimir as redes de terror responsáveis pelos atentados do 11 de Setembro. De fato, Cabul é pior que Saigon — e a China sabe disso. O Vietnã do Sul resistiu por dois anos após a retirada das forças americanas, enquanto o Estado afegão dissolveu-se antes da partida dos últimos contingentes militares ocidentais. Sob o Talibã, o terror jihadista tem condições propícias para se reorganizar no Afeganistão.

Os EUA cometeram um erro estratégico maior no Afeganistão, derivado do pecado da húbris. Depois da derrubada do Talibã, converteram o país em semiprotetorado americano. À sombra das tropas americanas e da Otan, ergueram um sistema político e construíram um Exército afegão. Rússia, China, Irã e Paquistão tinham interesse direto na estabilidade regional — na eliminação dos jihadistas do núcleo geográfico da Ásia Central. Mas, sob a “orgia” neoconservadora, os EUA preferiram caminhar sozinhos — e hoje colhem os frutos amargos daquela escolha.

Joe Biden adicionou, ao erro estratégico, o equívoco tático fatal de curvar-se ao acordo de retirada firmado por Donald Trump com o Talibã. Na prática, o acordo implicava o abandono das forças militares afegãs, que dependiam de logística e apoio aéreo oferecidos pelos EUA e pela Otan. A rendição sem combate do Exército afegão, álibi repetido sem cessar por Biden, foi prevista pela inteligência americana. As cenas de caos na capital afegã são o produto inevitável dos atos convergentes do republicano e do democrata.

O equívoco tático reflete algo mais profundo. Como no Vietnã, a sociedade americana cansou-se da longa guerra travada em terras distantes, revertendo ao isolacionismo. Sob esse aspecto decisivo, Trump triunfou — e os EUA perderam. É isso que a China celebra, pela voz de Shen Yi.

Na Guerra do Golfo de 1991, auge da hegemonia americana, George H. Bush seguiu a Doutrina Powell. Os EUA conduziram uma ofensiva devastadora, alcançaram o objetivo estratégico, e concluíram a operação com rápida retirada do Iraque. Na década seguinte, George W. Bush desviou-se da trilha do pai, embrenhando-se na aventura da “reforma do mundo” pregada pelos neoconservadores. As ocupações do Afeganistão e do Iraque foram justificadas pela ambição desvairada de edificar democracias protegidas pelas baionetas americanas. O 15 de agosto de Cabul assinala o fracasso definitivo da doutrina neoconservadora.

O passado pesa como rocha sobre o presente. Durante 20 anos, milhões de afegãos, especialmente as mulheres, experimentaram direitos e liberdades que os EUA prometeram perenizar. Biden simula amnésia, insistindo na ficção de que a presença das forças ocidentais no Afeganistão destinava-se exclusivamente a combater a ameaça internacional jihadista. Os afegãos que tentam escapar para o aeroporto ou erguem a bandeira nacional em perigosas manifestações de rua não esqueceram.

Traição — eis o nome aplicado à retirada americana pelos afegãos deixados para trás e pelas mulheres que encaram a perspectiva de um novo confinamento doméstico. O arqueiro chinês comemora a traição dos EUA, que o mundo inteiro viu.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/depois-da-orgia-estrategica.html


Cabul pode ser a primeira vítima da ordem mundial pós-petróleo

EUA enxergam fim da vida dos hidrocarbonetos e começam a preparar retirada do país dessa economia

Claudio Angelo / Coordenador de comunicação do Observatório do Clima

Quando Joe Biden disse na última segunda-feira (16) que era um erro “lutar indefinidamente num conflito que não é do interesse nacional dos Estados Unidos”, ele fez mais do que dar uma desculpa torta para a retirada que deixou milhões de afegãos para se virar nas mãos dos selvagens do Taleban. Nas entrelinhas, o que Biden disse foi que o tal “interesse nacional dos Estados Unidos” não reside mais no mundo árabe.

Até bem pouco tempo atrás, nenhum presidente americano sonharia com um argumento desses. Desde o encontro de Franklin Delano Roosevelt com o rei Ibn Saud em Suez em fevereiro de 1945 (Roosevelt com seus assessores, Saud com seus escravos), o Oriente Médio e seu petróleo estiveram no centro da política externa americana.

Para manter o óleo escoando e sustentar sua hegemonia na segunda metade do século 20, os EUA apoiaram a monarquia homicida saudita, fizeram vista grossa para as ocupações israelenses na Palestina, afagaram Saddam Hussein, cevaram a Al Qaeda, hóspede do Taleban, e transformaram o centro e o oeste da Ásia em palco quente da Guerra Fria. Esse tempo acabou.

Uma das razões foi tecnológica. No final dos anos 1990, os americanos descobriram como extrair óleo e gás de folhelhos, um tipo de rocha sedimentar muito comum, usando o chamado fraturamento hidráulico.

Nas últimas duas décadas, o “fracking” jogou no chão o preço do gás natural, aposentando gradualmente as usinas termelétricas a carvão, e depois transformou a América no maior produtor de petróleo do mundo e exportador líquido do produto. Assim, a geologia especial da Península Arábica tem cada vez menos importância.

Em 2001, quando George W. Bush invadiu o Afeganistão atrás de Osama Bin Laden, os EUA consumiam 20 mbpd (milhões de barris por dia), importavam 12 mbpd (3 mbpd do Golfo Pérsico) e exportavam 1 mbpd, segundo dados da Agência de Informações sobre Energia. Em 2020, o país consumia 18 mbpd, importava 7,9 mbpd e exportava 8,5 mbps. A participação do Golfo nas importações hoje (0,8 mbpd) é menor do que as exportações totais americanas em 2001, ano em que o mulá Omar, fundador e primeiro líder do Taleban, picou a mula de Cabul.

Com a independência energética crescente, os EUA perderam a trava geopolítica de fundo que os mantinha na sua guerra mais longa e impopular e que matou duas vezes mais americanos que o evento que lhe deu causa, o 11 de Setembro, e, juntamente com o conflito no Iraque, consumiu US$ 2 trilhões.

A pista ficou livre para o isolacionismo de Donald Trump, que tomou a decisão, ratificada por Biden, de parar de brincar de “construir nações” e retirar as tropas do Afeganistão.

A mudança no panorama energético também permitiu aos EUA ensaiar, sob Barack Obama, uma política que redundaria no eixo central da diplomacia de Biden: o combate à crise do clima. O discurso de posse do democrata inovou ao tirar da lista de inimigos do país o terrorismo internacional e focar o racismo, a pandemia e a questão das emissões de carbono.

Estas vêm caindo em razão da competição do gás natural, menos sujo, com o carvão e do crescimento das fontes renováveis. Despencaram na pandemia, o maior tombo no consumo de petróleo americano em um ano desde 1950, e podem cair ainda mais se Biden estiver levando a sério suas promessas de liderar o mundo na mitigação da catástrofe climática anunciada no último dia 9 pelo IPCC, o painel do clima da ONU.

O pacote econômico focado no Green New Deal e a reunião de líderes do clima em abril deste ano dão o tom do “interesse nacional dos EUA” doravante: em vez de disputar acesso a hidrocarbonetos em países de gente bronzeada, os americanos querem brigar com a China e a Europa pelo mercado de placas solares, carros elétricos e baterias.

O governo Biden vê um fim para a vida dos hidrocarbonetos e começa a preparar a retirada do país dessa economia. A notícia é auspiciosa para o clima, decerto. Mas, como ocorre com qualquer espirro da maior potência econômica e bélica do mundo, deixará cadáveres pelo caminho.

O abandono de Cabul, dramaticamente simbolizado pelas imagens do aeroporto nesta semana, pode ser o começo de um movimento de lavagem de mãos que atingirá outros aliados dos EUA no Oriente Médio (alô, príncipe saudita Bin Salman). Quem sobreviver ao menos poderá comprar painéis solares made in USA.

*Claudio Angelo é coordenador de comunicação do Observatório do Clima e autor de 'A Espiral da Morte – Como a Humanidade Alterou a Máquina do Clima' (Companhia das Letras)

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/08/cabul-pode-ser-a-primeira-vitima-da-ordem-mundial-pos-petroleo.shtml


Podcast analisa a volta do Talibã ao poder no Afeganistão

Jornalista Florência Costa, especialista política internacional, comenta a geopolítica na região e as lições que devem ficar para o Brasil com o colapso no país do Oriente Médio

João Rodrigues, da equipe da FAP

Depois de duas décadas, o Talibã retomou o comando do Afeganistão. Foram poucas semanas de uma ofensiva militar em todo o território nacional. O grupo radical islâmico foi expulso do governo em 2001 por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos, como resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro. A chegada dos insurgentes à capital, Cabul, causou pânico em parte da população afegã e grande apreensão o da comunidade internacional.

Como fica a geopolítica na conflituosa região do Oriente Médio? Por que parte da população afegã ainda apoia os extremistas do Talibã? O que o Brasil pode aprender com o colapso no Afeganistão? Essas e outras perguntas são respondidas no podcast Rádio FAP, que conversa nesta semana com Florência Costa, jornalista especializada em cobertura internacional e política. Ela foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC.

Confira o podcast



Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. O episódio conta com áudios do Jornal da Globo, Fantástico, Jornal Nacional, Canal DVP - De Volta Para o Passado (com reportagem veiculada em outubro de 2001 pela TV Globo), Jovem Pan News (entrevista com o professor Marcus Freitas, docente visitante na Universidade da China) e OCP News.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.




Elio Gaspari: Cabul, Saigon, Shaaban, Budapeste

Os americanos defendem seus interesses

Elio Gaspari / O Globo

Quando Donald Trump botou o apelido de “Joe Dorminhoco” em Joseph Biden, ele sabia do que tratava. Biden às vezes fecha os olhos enquanto fala e fez fama com suas declarações impróprias.

A sorte faltou-lhe no dia 8 de julho passado, quando um repórter duvidou de sua estratégia de retirada do Afeganistão:

— Presidente, sua comunidade de informações diz que o governo afegão poderá entrar em colapso.

— Isso não é verdade.

Mais adiante, outro jornalista insistiu:

—Alguns veteranos do Vietnã estão vendo semelhanças com a retirada do Afeganistão. O senhor vê algum paralelo entre essa retirada e o que aconteceu no Vietnã?

—Nenhuma, zero.

Quem viu as imagens dos afegãos no aeroporto de Cabul, ou das pessoas caindo de um avião em voo, imediatamente as associou às cenas de Saigon em 1975 ou aos corpos que caíam das Torres Gêmeas de Nova York na manhã de 11 de setembro de 2001.

As diferenças entre o que aconteceu em Saigon e o que está acontecendo em Cabul são enormes, mas falar em “zero” foi uma leviandade de Biden. O acordo que entregaria o Afeganistão ao Talibã foi fechado por Donald Trump, mas o custo do “zero” de Biden só poderá ser avaliado em novembro do ano que vem, depois da eleição que renovará a Câmara e uma parte do Senado.

Os americanos gostam de cultivar uma imagem de onipotência irreal em si e tóxica ao longo dos tempos. Em 1956, eles deixaram na chuva os húngaros que se rebelaram contra a União Soviética. Em 1975, abandonaram seus aliados de Saigon. (Naquela ocasião, o senador Joe Biden disse que votaria qualquer verba para resgatar americanos, mas não queria que se misturasse a iniciativa com o resgate de vietnamitas.) Em 1991, os iraquianos que se rebelaram contra Saddam Hussein na Intifada de Shaaban foram massacrados. Em todos os casos, o governo dos Estados Unidos defendeu os interesses dos americanos. Quem acreditou que poderia ser diferente arrostou, como arrostam os afegãos.

A aventura americana custou mais de US$ 1 trilhão, ervanário equivalente ao que Joe Biden pretende gastar na recuperação de infraestrutura dos Estados Unidos. Algum dia essa despesa será examinada e vai-se constatar que as picaretagens apensas às compras de vacinas brasileiras foram golpes microscópicos se comparadas com as maracutaias da privataria das forças de ocupação americanas. Basta lembrar que por lá também se falou num “Plano Marshall” para o Afeganistão. Felizmente, o de Pindorama ficou só no palavrório.

A catástrofe afegã levará tempo para ser digerida. Quem viu as imagens do Talibã no palácio presidencial de Cabul deve medir o tamanho de uma mistificação que está em curso. Ninguém mexeu em nada, nem no bonito relógio que ficava sobre a mesa de reuniões. Puro teatro. Nas cidades do norte, lojas estavam sendo saqueadas.

Joe Biden lembrou na segunda-feira, dia 16, que os Estados Unidos foram para o Afeganistão há 20 anos porque lá o Talibã hospedava os terroristas da al-Qaeda, que derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York em setembro de 2001. Verdade. Mas há 20 anos, no mesmo dia 16 de agosto, foi preso nos Estados Unidos Zacarias Moussaoui. Ele tomava aulas em simuladores de voo, e um instrutor desconfiou de suas intenções. As investigações empacaram, apesar de um agente do FBI ter registrado que ele queria jogar um avião numa das Torres Gêmeas. Deu no que deu.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/cabul-saigon-shaaban-budapeste-25159735


Aeroporto de Cabul é espelho da hipocrisia das grandes potências

Ao ver as imagens de desespero em Cabul, não há como não pensar em refugiados que compartilham sentimentos muito parecidos, independente de qual seja sua origem ou destino

Jamil Chade / El País

Quando alguém se agarra num trem de pouso de um avião, tentando voar, ou quando entra em um barco furado para cruzar o Mediterrâneo, mesmo sem saber nadar, há apenas uma constatação que pode ser feita: para aquelas pessoas, ficar em terra firme é sinônimo de morte.

Em quase duas décadas cobrindo fluxos de refugiados, êxodos e crises humanitárias, uma pergunta me atormentou: existe alguma fronteira para o desespero? Haverá algum muro que irá frear alguém fugindo da fome, miséria e violência?

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Um refugiado sírio, certa vez numa ilha grega, me resumiu esse sentimento quando eu perguntei se ele não tinha medo. “Qual o tamanho do pesadelo que você acha que existia na minha vida para eu decidir colocar meus filhos num barco, atravessar o mar sem saber nadar, gastar todo meu dinheiro naquela viagem e ainda não saber se alguém sobreviveria?”

Ao ver as imagens de desespero do aeroporto de Cabul, não havia como não pensar nesses refugiados que compartilham sentimentos muito parecidos, independente de qual seja sua origem ou destino.

As cenas de corpos que despencam do céu marcarão o ano de 2021 e certamente entrarão para os livros de história. Talvez num capítulo anterior, a foto da retirada dos americanos de Saigon em 1975 garantirá uma coerência interessante para o eventual manual sobre a realidade do mundo sem filtros.

Mas se essas fotos entram nos programas escolares como o símbolo da derrota de uma superpotência, elas precisam passar a ser reflexos de uma outra história: a da traição e hipocrisia dos grandes centros de poder no mundo.

No atual debate sobre o destino do Afeganistão, soldados britânicos se queixam que arriscaram suas vidas em vão por anos e, agora, o Talibã voltou ao poder. Contribuintes americanos se questionam por qual motivo mais de 2 trilhões de dólares foram destinados para a reconstrução do país cujo final foi melancólico. Debates similares ocorrem na Alemanha França.

Mas a verdadeira história de indignação é de quem fica. Não por opção. Mas por traição.

Ao longo dos últimos 20 anos, liderado por um ousado programa da ONU, milhões de refugiados afegãos que viviam de forma precária no Irã e no Paquistão retornaram para suas cidades. A promessa era de que a história não seria desleal com eles, e muito menos as potências ali presentes.

Alguns avanços ocorreram. Não há como negar. Mas o projeto de “reconstrução” do Afeganistão provou ser uma ficção. Mais de 40% da população continua a viver abaixo da linha da pobreza, o analfabetismo é um dos maiores do mundo, doenças que atingiram a Europa há séculos continuam a fazer vítimas e a corrupção era, segundo a ONU, “endêmica”.

Nesta terça-feira, o aeroporto da capital afegã anunciou que voltará a funcionar. Mas apenas para estrangeiros. A população local, pelo menos por enquanto, será proibida de embarcar.

De forma inesperada, a pista de decolagem de Cabul se transformou na metáfora empoeirada e ensanguentada do caos de uma ocupação que jamais traduziu em realidade suas promessas.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-17/traidos-afegaos-transformam-aeroporto-em-espelho-da-hipocrisia-das-grandes-potencias.html