Manutenção do Teto dos Gastos e equilíbrio fiscal em 2021 serão fundamentais para o país em 2021. Vacinação da população é condição fundamental para a reanimação da economia, avalia Sérgio C. Buarque
A tempestade sanitária e econômica que sacudiu o mundo e o Brasil em 2020 ainda não passou. Nos últimos dias do ano, coincidindo com nova onda da Covid-19, vários países, incluindo alguns da América Latina, começaram a vacinação em massa da população, o que deverá superar o principal determinante da forte retração da economia mundial. Depois de uma queda de 4,4% do PIB mundial no ano que se encerra (estimativa do FMI), tudo indica que, em 2021, haverá recuperação moderada da economia mundial e do comércio global (o FMI projeta crescimento de 5,2%, arrastado pela China). Se confirmado o êxito das vacinas, a tormenta da pandemia deixará de travar a economia mundial ainda no primeiro semestre. E o mundo tem mais uma razão para respirar aliviado em 2021: a estupidez sairá da Casa Branca com a posse do democrata Joe Biden que promete retomar a cooperação internacional e liderar iniciativas de redução da emissão de gases de efeito estufa.
Com um cenário internacional favorável, o Brasil está muito atrasado na vacinação da população, condicionante fundamental da reanimação da economia. No meio de uma possível outra onda de propagação do vírus, impondo novas medidas de isolamento social, os brasileiros observam perplexos a disputa política contaminada pela ideologia obscurantista do presidente da República, deixando o Brasil despreparado para uma rápida e abrangente campanha de vacinação. No primeiro semestre de 2021, a vacina contra o Covid-19 deve alcançar apenas parcela reduzida da população, profissionais de saúde, idosos e pessoal de alguns serviços públicos essenciais. O vírus vai continuar circulando e matando brasileiros forçando algum isolamento social, enquanto a vacinação não avançar em larga escala.
A persistência da crise sanitária no primeiro semestre deve demandar ainda ações emergenciais na economia e na proteção da população vulnerável. Mas o pesado fardo econômico e fiscal herdado de 2020 (desmantelo das finanças públicas e alto endividamento) não deixa folga para ampliação de gastos. O ano começa com uma dívida pública perto de 100% do PIB, concentrada em títulos de curto prazo (43% com vencimento em 12 meses e 65,5% em até três anos) elevando os juros da rolagem para cerca de 7% ao ano (3,5 vezes a Selic). Por enquanto, o endividamento tem sido compensado pela da taxa básica de juros reais (Selic) negativa, à qual está indexada cerca de 36% dos títulos da dívida.
A se confirmar a lentidão no processo de vacinação, o desempenho da economia brasileira em 2021 dependerá da forma como o governo lidar com as restrições fiscais e sua capacidade de aprovação da PEC Emergencial e da Reforma Administrativa, que ajudariam a conter a inércia de crescimento das despesas primárias. A eventual suspensão do auxílio emergencial em 2021 funciona como trava na retomada do crescimento econômico depois de uma profunda recessão e acentua a crise social, especialmente no primeiro semestre convivendo ainda com a pandemia. Mas sua manutenção (ou a criação da Renda Cidadã) ameaça estourar o Teto de Gastos, provocando novo salto no endividamento público e o desequilíbrio completo das contas públicas, acendendo o alerta de alto risco de insolvência.
A orientação de Bolsonaro nesta encruzilhada política continua incerta. A intuição populista do presidente não aceita a queda de sua aprovação com o fim do “dinheiro na veia da população” (segundo sua expressão), o que é reforçado pela pressão do Centrão, sua base política no Congresso, sempre ávido pela abertura da torneira do Tesouro Nacional. A expansão dos gastos poderia estimular o crescimento no primeiro semestre (apesar da pandemia) ao custo de forte desajuste macroeconômico que comprometeria a expansão no segundo semestre, quando se aceleraria a vacinação. Em todo caso, a proposta orçamentária para 2021, que estima déficit primário de R$ 247 bilhões, não contempla o auxílio emergencial nem o lançamento do programa Renda Cidadã.
Para escapar da escolha entre um perigoso expansionismo e um ajuste fiscal contracionista, será necessário aprovar as reformas, que embora não gerem resultados imediatos, sinalizam para a manutenção do Teto dos Gastos e uma trajetória de equilíbrio fiscal. A recuperação da economia mundial em 2021 cria oportunidades para o Brasil. Mas dificilmente o país alcançará o ritmo das nações emergentes por conta do atraso na vacinação e da profundidade da crise fiscal, combinação perversa que modera o potencial de crescimento da economia, mesmo saindo de uma profunda recessão.
*Economista, com mestrado em sociologia, professor aposentado da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local.