Thomas Vinterberg e Mads Mikkelsen emplacaram indicações ao Oscar (melhor diretor e melhor filme estrangeiro) e Bafta (melhor ator) com uma comédia dramática apoiada no existencialismo, refletindo sobre as relações humanas e sobre viver
Druk – Mais uma rodada, estreou no circuito de cinemas brasileiros no dia 25 de março e, por conta da pandemia que afastou o público das salas, também está disponível nas plataformas digitais (Now, iTunes, Apple TV, Google Play e YouTube Filmes). É o representante da Dinamarca na disputa do Oscar de filme estrangeiro. Seu autor, Thomas Vinterberg, foi indicado para a categoria de melhor direção.
O filme aborda tema explorado exaustivamente pelo audiovisual: a relação do ser humano com o álcool.
Hollywood, a maior indústria de cinema do mundo, é pródiga em obras que condenam o consumo excessivo de álcool. Farrapo Humano (The Lost Weekend, 1945) talvez seja a mais famosa delas. Dirigida pelo genial Billy Wilder, foi indicada em sete categorias e arrebatou os principais prêmios (filme, direção, ator e roteiro adaptado).
Outro clássico hollywoodiano em a que a bebida é apresentada como destruidora de lares é Nasce uma Estrela (A Start is Born) que teve, até agora, quatro versões, sendo a mais celebrada a que teve Judy Garland (1922-1969) no papel principal, em 1954. A lista é enorme.
Em muitos casos, a vida imitou a arte. Se a bebida era a principal vilã pela ruína dos personagens interpretados pelos astros e estrelas da indústria cinematográfica, por trás das câmeras a coisa não ficava muito longe da ficção. Judy Garland, por exemplo, não aguentou as pressões a que os estúdios e sua mãe dominadora a submetiam desde a adolescência e acabou tornando-se alcoólatra e dependente de barbitúricos, causa de sua morte, aos 47 anos.
Foram muitos os astros bons de copo em Hollywood. Humphrey Bogart (1899 -1957), o lendário dono do Rick’s Café no filme Casablanca (1942), possivelmente é o mais conhecido deles. Certa feita, quando perguntado se estava bêbado ao depor em um tribunal, declarou: “e quem não está bêbado às três da manhã?” Outra tirada famosa atribuída a ele: “a humanidade está três uísques atrasada.”
Vários diretores de cinema também gostavam de dar seus goles. Que o digam John Houston (1906-1987), com quem Bogart estrelou Relíquia Macabra (Maltese Falcon, 1941), O Tesouro de Sierra Madre (The Treasure of the Sierra Madre, 1948) e Uma Aventura na África (The African Queen, 1951), e Orson Welles (1915-1985), o diretor de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), considerado pela crítica até hoje um dos melhores filmes de todos os tempos.
(Welles é conhecido dos brasileiros: em 1942 esteve no Rio para filmar o carnaval carioca como parte de It’s All True. O filme nunca foi concluído, mas o diretor se acabou na folia, regada a bebida e lança-perfume.)
Por aqui, abaixo do Equador, na mesma linha melodramática da desgraça alcoólica, O Ébrio (1946), estrelado por Vicente Celestino (1894-1968), foi um estouro de bilheteria. O nome fala por si.
Nem tudo, porém, foi tratado como tragédia. Bar Esperança (1983), de Hugo Carvana (1937-2014), é uma deliciosa comédia. A cena em que dois amigos acordam com um cachorro ao lado e indagam um ao outro se o animal é real ou fruto de delirium tremens é antológica.
Em tom de comédia dramática, Druk – Mais uma rodada, traz abordagem mais humanitária do tema. Ao contrário de grande parte dos filmes norte-americanos, não mostra visão puritana do consumo de álcool.
Seus personagens são quatro professores de Copenhague em crise de meia idade. O marasmo de suas vidas afetiva e profissional é evidente. Durante um encontro, surge a ideia de testarem a hipótese levantada pelo psicoterapeuta norueguês Finn Skarderud de que o ser humano nasce com 0,05% de déficit alcoólico e que repor essa quantidade diariamente deixaria a todos mais felizes e dinâmicos.
Usando bafômetros e um diário onde registram suas impressões, o quarteto cai de boca na bebida para comprovar a tese. Os efeitos positivos são logo vislumbrados. Os alunos de Martin, o personagem interpretado com maestria por Mats Milkkelsen, são os primeiros a enxergarem a mudança: as tediosas aulas de história dão lugar a lições que atraem o interesse de todos. Em casa, a relação com a esposa e os filhos reaquece.
Os outros amigos-professores, cada qual à sua maneira, também percebem as alterações nas suas rotinas. Diante dos efeitos positivos, os amigos resolvem ampliar o consumo de bebidas. Nem todos, no entanto, reagem bem ao aumento da ingestão alcoólica.
Druk – Mais uma rodada passa ao largo do moralismo habitual que cerca o assunto. A bebida não é demonizada, nem idolatrada. É mais um elemento com que todos convivem. Na verdade, o filme é uma ode à vida. Sem maniqueísmo. Não há heróis, nem bandidos. Apenas pessoas tentando seguir adiante, em busca de algumas doses de felicidade.
*Henrique Brandão é jornalista e amante de cinema
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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