Hamilton Garcia: Os candidatos e suas estratégias para a superação da crise política

A quinze dias do primeiro turno, faço uma pequena pausa nas reflexões acerca dos desvãos da esquerda ("A que herança renunciamos" e "A evolução da esquerda"), para discutir os projetos que se descortinam nas eleições presidenciais-congressuais que se aproximam visando superar o impasse aberto por um Congresso Nacional dominado por interesses corporativos que ameaçam a própria governabilidade do país.

A quinze dias do primeiro turno, faço uma pequena pausa nas reflexões acerca dos desvãos da esquerda (“A que herança renunciamos” e “A evolução da esquerda”), para discutir os projetos que se descortinam nas eleições presidenciais-congressuais que se aproximam visando superar o impasse aberto por um Congresso Nacional dominado por interesses corporativos que ameaçam a própria governabilidade do país.

A crise política que estamos vivenciando tem múltiplos aspectos e determinantes, mas nenhum deles associado ao protagonismo da extrema-direita ou dos militares – pelo menos até aqui. Na verdade, o fenômeno político do bolsonarismo-olavismo e a reemergência do militarismo, fazem parte dos corolários da crise, embora prometam, a partir de agora, ter um papel ativo no jogo armado pelo eleitor em 2019.

Tampouco a crise por vir deriva exclusivamente das características do presidenciável a ser ungido pelas urnas, como alguns analistas insistem em afirmar – geralmente por falta de empatia com algum candidato. Ela afetará a todos – não obstante assuma diferentes contornos e desdobramentos à depender do eleito – e isto por um motivo conhecido. O parlamento a ser eleito, de acordo com as normas conhecidas, num cenário político anômico (gestado nos 13 anos de desmandos do lulopetismo no poder), em presença de uma cultura política não reformada – pautada no favor –, tende a produzir o mesmo efeito político observado desde 2003: uma crescente autonomização do parlamento com base no protagonismo dos “trezentos picaretas”, no qual Lula se apoiou para surfar a onda chinesa das commodities e ressuscitar o mito do “pai dos pobres” – que o PT tanto penou, nos anos 1980-90, para sepultar.

A crise, da qual falo, não tem nada a ver com a refração natural de uma assembleia democrático-pluralista tendente a moderar as exacerbações plebiscitárias da eleição presidencial – como a literatura internacional prescreve nas democracias-liberais avançadas –, mas com um corpo de representantes desnaturados, baseados em partidos majoritariamente esvaziados de significado próprio, que substituem os laços orgânicos com a sociedade por laços mecânicos, por meio da corrupção ativa/passiva e do aparelhamento (debilitante) da máquina pública, tornando-se, assim, incapazes de representar e processar adequadamente as demandas eleitorais.

É sob tal superestrutura que a super-coligação de Alckimin não serve como antídoto para a crise de governança que vivemos, que tende a se desdobrar em ingovernabilidade em face do esgotamento do modelo parasitário (neopatrimonial) de governo. Ao contrário, a solução tucana – na difícil hipótese de chegar ao segundo turno – pode ser vista como mais propensa a agravar a crise dada, justamente, as características de sua coalizão eleitoral, cujos partidos, em sua grande maioria, se nutrem da manipulação irracional do gasto público.

Seu antípoda natural, Haddad – este com chances de chegar à próxima etapa –, atado à “Ideia”, se eleito, será prisioneiro dela sem a margem (desperdiçada) por Dilma, o que tende a colocá-lo no mesmo pântano de Alckimin, embora em termos bem menos orgânicos, dado que seu partido (PT) é de inserção ainda mais recente no sistema neopatrimonial de poder que o PSDB – o que eleva seu pedágio de aceitação, como se viu no Mensalão-Petrolão. Claro, ele poderá enfrentar o “golpismo” da sua “base aliada” com os poderes hipnóticos do Osho (1) petista, no ministério e na mobilização popular, mas, para tal, precisará da ajuda do STJ e do STF – o que pode não ser suficiente para evitar uma crise ainda mais grave.

A novidade em termos do enfrentamento do impasse anunciado está, na verdade, nos outros três candidatos competitivos, Bolsonaro, Ciro e Marina, que apresentam alternativas ainda não testadas para superar o escolho parlamentar do neopatrimonialismo.

Marina, em trajetória cadente mais uma vez, postula a construção de uma frente ampla de forças republicanas vocacionada para enfraquecer o poder do centrão, diminuindo os custos do governo e abrindo brechas para a autorreforma do Estado. Mas, seu ponto fraco foi a falta de protagonismo pré-eleitoral, desperdiçando as oportunidades abertas pelo cismo popular de 2013 para fincar os fundamentos de seu projeto frentista, deixando-se consumir na tarefa endógena de construção da REDE – aparentemente entendida por seu grupo como uma operação não-integrada à luta política geral.

Já Ciro, cerceado pelo mito que ajudou a cultivar, flerta com a ideia do novo bloco histórico dispondo-se a formar coalizões de classe (de caráter desenvolvimentista) articuladas a projetos políticos nacionais, mas, assim como Marina, não soube traduzir este propósito em ação efetiva pré-eleitoral no contexto acima apontado – o que também pode lhe custar caro na disputa pelo segundo turno.

Por fim, Bolsonaro, consolidado em primeiro lugar, exatamente por ter feito seu dever de casa pré-eleitoral, denunciando, desde 2003, a esquerda golpista (bolivariana), os devaneios identitários e a cumplicidade tucana, pretende enfrentar o centrão empunhando a espada de Dâmocles do intervencionismo militar. Ocorre, porém, que esta espada, pode ter dois gumes, como nos mostram os desencontros observados na própria campanha do Capitão depois do atentado por ele sofrido: pode tanto servir para domesticar a bancada fisiológica do congresso, como para podar seu próprio poder em proveito dos generais do Alto Comando Militar. Das candidaturas competitivas, é a dele que apresenta o maior grau de imprevisibilidade – vide o efeito ilusivo de Paulo Guedes sobre o “mercado” –, não obstante ser também aquela que melhor proveito pode tirar do poder dissuasório dos militares, se conseguir apaziguar sua própria retaguarda.

Até que ponto e em qual momento a ingovernabilidade sistêmica, contratada pela ausência de reforma político-eleitoral, vai se apresentar ao candidato vitorioso, não é possível determinar, mas é certo que o fará em algum momento – Ciro fala numa janela de seis meses de sincronismo parlamentar com o Presidente eleito –; naturalmente, a depender do grau de resistência que seu programa encontre na sociedade e no Estado.

O fato, contudo, é que o tempo político foi encurtado pela crise econômica e não há pela frente nada que se assemelhe à bolha econômica providencial do período Lula (2003-2008), muito pelo contrário, como nos mostra a disputa comercial entre EUA e China. Isto faz com que o próximo presidente tenha que jogar suas fichas no curto-prazo, como Ciro tem defendido, torcendo para que elas sejam capazes de neutralizar o poder de veto do parlamento para uma virada em direção a um novo patamar de desenvolvimento que sustente os gastos públicos racionais e os anseios de prosperidade da maioria da população pelo trabalho.

Notas
1 Mestre indiano que, nos anos 1960, desenvolveu, nos EUA, uma técnica de relacionamento com a espiritualidade sem que fosse necessário negar os hábitos e vícios do mundo material, como o sexo livre e o dinheiro; vide <www.nexojornal.com.br/expresso/2018/03/30/Quem-foi-Osho.-E-por-que-est%C3%A3o-fazendo-uma-s%C3%A9rie-sobre-sua-vida> em16/09/18.

2 Universidade Estadual do Norte-Fluminense (Darcy Ribeiro).

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