Marco Aurélio Nogueira: Edgar Morin - Uma Ucrânia neutra e federalizada
Marco Aurélio Nogueira / O Estado de S. Paulo
A invasão da Ucrânia pela Rússia nos últimos dias de fevereiro evoluiu e se converteu em guerra. Mortes já são expressivas, o clima é de tensão e seus efeitos alcançam o conjunto dos países, dada a interdependência do mundo globalizado. Sanções econômicas empreendidas pelas potências ocidentais coincidem com notícias de ataques russos a alvos civis. Encontros diplomáticos entre russos e ucranianos não tiveram resultados até agora. A resistência ucraniana parece ter surpreendido Moscou, que projetava uma guerra rápida.
Enquanto se buscam negociações que suspendam os ataques e protejam os que desejam sair da Ucrânia, análises e prospecções continuam a ser feitas com intensidade. Intelectuais e especialistas procuram compreender as razões do conflito e as possibilidades que se abrem para sua superação.
Em artigo divulgado na França e publicado no Brasil na página da Unisinos, Edgar Morin, um dos mais ativos, importantes e prestigiosos pensadores da contemporaneidade, faz uma detalhada reconstrução dos fatos que estão na base do conflito. Analisando o quadro histórico mais geral em que nasceram e se desenvolveram os atritos, Morin considera tanto o impulso de Putin no sentido de recuperar as bases territoriais da Grande Rússia, quanto a insistência da OTAN em manter um cerco territorial que dificultasse ou inviabilizasse as pretensões de Putin e, com isso, deixasse a Rússia sob controle do Ocidente.
O pensador francês também procura enxergar as frestas por onde seria possível fazer avançar “a guerra contra a guerra”. Avalia que “estamos à beira de um abismo, mergulhados na total incerteza do amanhã”. O problema ucraniano, para ele, além de trágico e perturbador, comporta “múltiplas implicações entrelaçadas e outras tantas totalmente desconhecidas”.
A Ucrânia, a rigor, viveu em tensão permanente, oscilando entre divisões, independência e integração. Como lembra Morin, “no final do século 18, foi dividida entre a Polônia, o Império russo e o Império austríaco. Tornou-se independente durante as guerras posteriores à Revolução de 1917, mas foi vencida em 1920 e integrada à União Soviética. Seu campesinato sofreu muito cruelmente os efeitos da imposição dos colcozes e da grande fome de 1931”. Os ucranianos tiveram por um momento a ilusão de serem libertados pela Wehrmatch, as forças armadas da Alemanha Nazista, embora tenham participado ativamente da resistência ao nazismo. Mais tarde, nos anos da decomposição da URSS, a Ucrânia e a Bielorrússia se tornaram independentes mediante um acordo com a Rússia, então presidida por Boris Iéltsin.
Morin: “A situação da Ucrânia agravou-se paralelamente à deterioração das relações entre a Rússia e os Estados Unidos. A Ucrânia não é apenas um enclave geopolítico importante para a Rússia e a América: ela é um imenso alvo da cobiça econômica. É a principal reserva europeia de urânio, a segunda em titânio, manganês, ferro, mercúrio. Tem a maior superfície de terras aráveis da Europa, 25% da extremamente fértil terra preta do planeta, produz e exporta cevada, milho e outros produtos agrícolas”.
Entre 2013 e 2014, diversas manifestações explodiram a partir de Kiev, sendo violentamente reprimidas pelo governo pró-russo de Viktor Yanukovych. Foi a chamada “Revolução da Dignidade”, de onde emergiu a Ucrânia dos dias de hoje, governada por Volodymyr Zelensky desde 2020. Em 2017, a Ucrânia quis ingressar na União Europeia. Como resposta, Vladimir Putin anexou a Crimeia. Estimulou o levante e depois a autonomia da região russófona do Donbas, a sudeste da Ucrânia. “Na verdade, uma guerra tinha começado em Donbas, a despeito dos acordos de Minsk, e nunca mais parou. Desde 2014, o infernal processo das retroações conflituais se agravou e o pior aconteceu em março de 2022”.
A guerra russa-ucraniana mostra a força da geopolítica nas relações internacionais e sugere, com clareza, que a política e a diplomacia estão perdendo força como meios de superação de conflitos. Uma globalização sem política, em um sistema multipolar imperfeito, põe em xeque o que pode haver de positivo na interdependência. Um cenário que exige respostas corajosas, que sobreponham o bem-estar dos povos às razões econômicas, monetárias e de segurança, assim como à ênfase obsessiva no controle territorial.
O artigo de Morin nos ajuda a entender o atual estado do mundo. Seguem, abaixo, excertos particularmente relevantes do texto, cuja tradução foi feita por Edgard de Assis Carvalho e revisada por Fagner França.
Edgar Morin, À beira do abismo
A engrenagem arrogante
Esse processo foi provocado ao mesmo tempo pela crescente ambição de Putin de integrar a parte eslava do Império em seu território e pela concomitante ampliação da área de influência da OTAN em torno da Rússia. O processo também foi amplamente determinado pelos conflitos de interesses que se intensificaram entre as duas superpotências após o período de aliança Bush-Putin de 2001.
Houve a reconstrução da Rússia como superpotência militar, estabelecendo suas zonas de influência na Síria e na África, a sangrenta reintegração da Chechênia por duas guerras (1994-1996 e 1999-2001). Ocorreu também a intervenção militar na Geórgia (2008), depois a pressão crescente sobre a Ucrânia. Houve simultaneamente, sem aprovação da ONU, uma segunda invasão na guerra do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, algo catastrófico para todo o Oriente Médio, seguida de guerras internas pelo menos até 2009, a invasão da Líbia em 2011. Por fim, os Estados Unidos se envolveram numa guerra no Afeganistão de 2001 a 2021.
Ainda que em 1991, o presidente americano houvesse prometido verbalmente a Gorbatchov que a OTAN não seria ampliada pela inclusão das antigas democracias populares, a Organização integrou em 1999, a pedido, a Polônia, a República Tcheca, a Hungria, depois as repúblicas bálticas seguidas pela Romênia, pela Eslovênia (2004), pela Albânia e pela Croácia (2004), criando de fato um cerco em torno da Rússia, com duas brechas constituídas pela Geórgia e pela Ucrânia.
Esse cerco faz lembrar os tempos do Kremlin, o isolamento da URSS pelos países capitalistas entre as duas Guerras Mundiais e o confinamento da Guerra Fria. De modo mais subjetivo, daí decorre a psicologia obsessiva de Putin e o endurecimento de seu regime autoritário. Sob pretexto da guerra contra o Afeganistão, os Estados Unidos instalaram bases militares nas ex-repúblicas soviéticas do sul, no Uzbequistão, no Tajiquistão e no Quirguistão, fechando de fato o cerco na Sibéria.
Não poderíamos encobrir a crescente oposição entre duas superpotências para ampliar ou salvaguardar sua zona de influência, nem o cerco da OTAN. O acontecimento significativo é que, desde a retirada do Afeganistão, os Estados Unidos estão doravante empenhados em evitar qualquer guerra longínqua e o governo ucraniano aspira ser protegido pela União Europeia e pela OTAN.
Putin sente que aquilo que é tolerado pelos EUA, principalmente as ingerências militares nos países soberanos, para a Rússia é algo condenado. Não admitirá que a Ucrânia passe para o Oeste. Putin sabe que os Estados Unidos não intervirão militarmente se ele invadir a Ucrânia. Talvez tenha pensado em uma invasão rápida e já organizou reservas em caso de sanções econômicas, cujo alcance no longo prazo ele subestima, mas talvez imagine mesmo que tudo será resolvido no curto prazo. Sem pretender psicologizar, posso imaginar que esse espírito autoritário, para quem as democracias ocidentais são decadentes, que cada vez mais endurece seu regime policial-militar na Rússia, acreditou em 2001, juntamente com Bush, que os Estados Unidos tratariam dignamente seu grande país. Ele tende a ocultar o fato de que suas guerras na Chechênia, suas intervenções na Geórgia e, finalmente, na Ucrânia em 2014 puseram os Estados Unidos e a Europa em estado de alerta. Inicialmente prudente e ardiloso, Putin tornou-se audacioso em 2014 e, doravante, é impelido por uma terrível raiva.
Quando as tropas russas se concentraram na fronteira da Ucrânia, em 1º de março de 2022, Joe Biden fez um discurso de tom intransigente, no qual se encontra uma pequena frase essencial: “nós não faremos a guerra”. Mesmo sendo legítima, desequilibrou os Estados Unidos na correlação de forças. Nenhum povo, nenhum governo na Europa considerou fazer a guerra na Ucrânia invadida, apesar dos constantes apelos do presidente Zelenski e das inúmeras tentativas de negociação de Macron com Putin.
A dificuldade de fazer a guerra à guerra
A heroica resistência do presidente Zelenski, de seu governo e do povo ucraniano surpreendeu Putin e provocou nossa admiração. Fez com que Putin abandonasse a mentira da desnazificação e passasse agora a falar de nacionalistas ucranianos. Sem dúvida, a resistência contribuiu para unificar a Ucrânia democrática e nacional.
Além disso, pelo menos por um tempo, a guerra de Putin unifica a Europa, em sua reprovação e reação. O Ocidente tenta fazer de tudo, exceto compreender o que constituiria a essência da própria guerra. Uma guerra como esta seria uma catástrofe generalizada que mergulharia a Ucrânia, a Europa e a América numa terrificante nova Guerra Mundial. Em decorrência disso, efetiva-se uma reação apenas econômica de sanções múltiplas e generalizadas (pessoalmente, sou contrário a sanções que atinjam a cultura, a música, o teatro, as artes); depois a reação se amplia por uma ajuda econômica, pelo envio de material militar à Ucrânia, pela organização de um centro de acolhimento para refugiados. E também pela formação de uma legião de voluntários para combater na Ucrânia. Um dos aspectos da tragédia é que não podemos fazer uso da fraqueza nem da força separadamente e que estamos obrigados a navegar entre as duas de maneira incerta.
Dito isso, lembremos que as sanções também atingem os que as executam. A Europa corre o risco de ter falta de gás e outros produtos. Pode até ser que a guerra econômica seja eficaz no longo prazo, mas até lá a Ucrânia terá sido absorvida. A guerra poderia ter efeitos mais amplos na Rússia, empobrecer a população, provocar uma forte oposição que poderia reforçar ou reverter o poder autoritário de Putin.
Qual é e onde se encontra a fronteira entre a guerra econômica, a ajuda armamentista, a intervenção de voluntários e a própria guerra? Os bombardeios, as ruínas, os mortos que, longe de nós, atingiram a Síria, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão, batem às nossas portas.
Aqui irrompe a ameaça tantas vezes repetida de Putin do uso de arma implacável contra os que ameaçassem a Rússia. “Vocês seriam todos bombardeados”. Num excesso de raiva, seria ele capaz de passar à ação? De qualquer forma, o acidente de uma guerra que ultrapassaria em horror as duas precedentes Guerras Mundiais não constitui uma impossibilidade.
Até o momento, Kiev não sucumbiu. Macron acaba de fazer um novo e valoroso esforço com Putin, sem resultado. Tudo é incerto, tudo é perigoso. A solução de compromisso aceitável por todos seria uma Ucrânia neutra e federalizada, tendo em vista sua diversidade étnica e religiosa. Essa diversidade é atualmente inacessível.
Uma regulamentação pacífica da guerra permitiria negociações mais amplas entre a Rússia, os Estados Unidos, a Europa. Não sei se a unidade adquirida durante a crise pela União Europeia se manterá; haverá um elemento novo: o rearmamento alemão, que dará à Alemanha uma hegemonia que não será mais unicamente econômica.
Na expectativa de uma hipotética solução, o perigo permanente continua. Como encontrar a via entre a fraqueza culpável e a intervenção irresponsável? De qualquer maneira, como vimos com muita frequência, as intervenções caminham no sentido inverso das intenções e das decisões, tanto no Leste quanto no Oeste.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/edgar-morin-uma-ucrania-neutra-e-federalizada-seria-uma-solucao-aceitavel-por-todos/
Comissão aprova anistia a siglas que não destinaram cota a mulheres e negros
Raphael Felice / Correio Braziliense
Em comissão especial, a Câmara dos Deputados aprovou — por 19 votos favoráveis e 2 contrários — o texto-base do relatório da deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) em favor de anistiar partidos que descumpriram a cota mínima de recursos para negros e mulheres nas últimas eleições.
Agora, o colegiado analisará destaques sobre a matéria. Após esta etapa o texto irá ao Plenário da Câmara. Por se tratar de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), precisará de 308 votos favoráveis para ser aprovada.
De acordo com o texto, nenhuma sanção será aplicada aos partidos que não cumpriram essa cota mínima para negros e mulheres. A proposta inicial era destinar, no mínimo, 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidatas mulheres.
A proposta foi criticada por deputadas federais da oposição por entenderem que existe um movimento para “flexibilizar conquistas das mulheres”, como disse a deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS).
“A maioria dos partidos virão a favor da PEC somente para anistiar. [...] É preciso ficar claro que a cada passo que a gente dá existe um movimento para flexibilizar essas conquistas, como neste caso, o não pagamento das multas. Eu tenho certeza que tem partidos com multas milionárias no TSE por não cumprir cotas de mulheres, negras e negros”, disse.
A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) também questiona o baixo percentual de parlamentares mulheres e diz que há toda uma estrutura que puxa a participação da mulher na política para baixo.
“Precisamos fazer avançar toda a legislação para fortalecer a participação da mulher na política. Não é possível ficar com apenas 15% de participação feminina dentro do congresso nacional. Há toda uma estrutura que puxa como âncora, para baixo, que resulta nessa situação dentro dos partidos e na sociedade”.
Outro ponto detalhado no texto da PEC trata da obrigatoriedade dos partidos injetarem pelo menos 5% do fundo partidário em programas de incentivo da participação política das mulheres.
“Nós estamos trabalhando junto ao TSE para que estes recursos possam ser utilizados na pré-campanha. Esses recursos não vão ser completamente perdidos. Estamos tratando de algo que não aconteceu, mas estes recursos vão continuar sendo das mulheres, estão acumulados e só podem ser gastos nessa finalidade. Não é uma questão de estarmos solapando das mulheres deste pequeno pedaço. Não podem ser gastos, mas serão”, disse a Margarete, indicando ainda que a pré-campanha é um fator de desequilíbrio nas eleições.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4995168-comissao-aprova-anistia-a-siglas-que-nao-destinaram-cota-a-mulheres-e-negros.html
YouTube decide excluir vídeos com fake news sobre urna eletrônica
O YouTube anunciou nesta terça-feira, 22, uma nova política para a redução de disseminação de informações enganosas sobre as eleições no Brasil. As regras permitem a exclusão de vídeos antigos que contenham alegações falsas de fraude eleitoral sobre o pleito de 2018. A decisão deve ter impacto direto sobre publicações do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A plataforma de vídeos, que pertence ao Google, destacou que as ações “se aplicam igualmente a todos os criadores de conteúdo, quaisquer que sejam as suas opiniões políticas”. Ou seja, tanto o presidente, que já sustentou a ocorrência de violação das urnas eletrônicas em 2014 e 2018, quanto quaisquer outros políticos podem ter conteúdos removidos.
‘Provas’ de Bolsonaro sobre fraude em urnas são vídeos antigos com alegações falsas
O YouTube entende por “alegações falsas” todo conteúdo que possa levar eleitores a desistirem de ir às urnas, como afirmações de que os equipamentos tenham sido hackeados, adulterando votos.
Alegações falsas sobre a inelegibilidade de candidatos ou políticos em exercício e conteúdos que incitem o público a interferir em processos democráticos também serão removidos. E conteúdos tomados como "duvidosos" terão a circulação reduzida para menos de 0,5% das recomendações.
A empresa também anunciou que incluirá painéis informativos que levam o usuário a “fontes confiáveis” sobre o tema. “Os painéis de informações já foram usados em temas desde a chegada do homem à Lua até a Covid-19 e nas próximas semanas, vão passar a incluir a urna eletrônica brasileira”, escreveu a empresa.
A política de combate à desinformação no período eleitoral já foi aplicada durante a corrida presidencial dos EUA em 2020, quando dezenas de pessoas invadiram o Capitólio em um ato pró-Trump para suspender a confirmação do presidente Joe Biden no Congresso.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Ministro fica sob pressão e tenta minimizar pedido de Bolsonaro sobre pastores
A pressão sobre o ministro da Educação, Milton Ribeiro, atingiu grau crítico nesta terça-feira (22) após a revelação pela Folha do áudio em que ele afirma priorizar, a pedido de Jair Bolsonaro (PL), a liberação de verbas para prefeituras negociadas por dois pastores sem cargos oficiais no governo.
Enquanto Ribeiro cancelou sua agenda em São Paulo e divulgou nota para minimizar a atuação do presidente da República no caso, integrantes da oposição acionaram órgãos de fiscalização, pediram a convocação do ministro e a abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar os fatos.
O ministro da Educação é evangélico e pastor, mas até mesmo integrantes da bancada evangélica no Congresso cobraram explicações, e alguns deles cogitavam a substituição de Ribeiro do posto de comando na pasta.
A Folha revelou na segunda (21) áudio em que Ribeiro afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
Os dois religiosos têm negociado com municípios a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia. Os valores são provenientes do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão controlado por políticos do centrão.
No áudio, gravado durante uma reunião no MEC, Ribeiro falava sobre o orçamento da pasta, cortes de recursos da educação e a liberação de dinheiro para essas obras na presença de prefeitos, líderes do FNDE e dos dois religiosos.
"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz o ministro na conversa.
A atuação dos pastores foi revelada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
No Senado e na Câmara, parlamentares críticos ao governo Bolsonaro afirmam que vão tentar aprovar a convocação do ministro nos próximos dias.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, falou do episódio quando chegava ao Congresso nesta terça. Ele disse ter sido informado "que uma conversa tinha sido gravada, quando o ministro falava da participação de dois líderes religiosos e com relação à construção de igrejas".
Questionado sobre a avaliação que faz da gestão de Ribeiro, ele disse que quem tem que analisar a atuação do ministro é o presidente Jair Bolsonaro, afirmou que ainda não havia ouvido o áudio, mas que, sendo verdadeiro, o titular do MEC extrapolou de suas funções.
"Tenho aqui bancadas muito fortes, que sempre cobram posicionamento dos ministros com relação a assuntos que são pertinentes a sua pasta. Esse assunto eu penso que extrapola, se for o áudio como é, extrapola um pouco a atividade do ministro e da pasta vamos esperar para ver o que acontece", disse Lira.
Ainda na Câmara, a banca da educação protocolou um pedido para instalação de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) para investigar possíveis "crimes comuns, crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa na liberação de verbas".
Integrante da bancada e com atuação na área, Tabata Amaral (PSB-SP) afirmou nas redes sociais que a pasta abriga corrupção, improbidade e tráfico de influências.
"O MEC mais incompetente da história é também antro de corrupção, improbidade administrativa e tráfico de influências. São escandalosos os áudios em que o próprio ministro mostra que o objetivo dele nunca foi a educação. Vamos cobrar providências do PGR. Mais um ministro vai cair!", disse.
A parlamentar, o também deputado Felipe Rigoni (União Brasil-ES), o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, entraram com representação na PGR por improbidade administrativa contra o ministro.
A bancada do PSOL na Câmara atacou a fala de Ribeiro no áudio e protocolou representação no Tribunal de Contas da União contra o ministro, Bolsonaro e os dois pastores.
O presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que já pautou para a sessão da próxima quinta-feira (24) a votação de um requerimento de convocação do ministro.
O senador criticou duramente o conteúdo do áudio. "Se isso não for tráfico de influência, eu acho que não existe tráfico de influência", afirmou.
Como mostrou a colunista Mônica Bergamo, da Folha, logo após a divulgação do áudio, líderes evangélicos começaram a debater uma possível saída de Ribeiro enquanto aguardavam explicações do ministro.
Dizendo-se indignados por mal conhecerem os pastores, alguns líderes do segmento religioso que defendem o governo de Jair Bolsonaro já pregavam até a troca de comando no MEC. Mas afirmavam querer dar um tempo para que Ribeiro apresentasse seus argumentos.
O presidente da bancada, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que é pró-Bolsonaro, já enviou o recado diretamente a Ribeiro. Parlamentares pediam que ele convocasse uma entrevista coletiva para esclarecer os fatos.
Isso chegou a ser debatido internamente pela equipe do ministro, mas foi descartado.

Ribeiro, no meio da tarde, se manifestou em uma nota divulgada por sua assessoria. Ele negou ter determinado alocação de recursos para favorecer qualquer município e tentou minimizar a atuação de Bolsonaro.
No áudio, o ministro relata ter sido do presidente o pedido para privilegiar repasses a municípios indicados pelos dois pastores.
"O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem", diz a nota do ministro.
Segundo Ribeiro, a alocação de recursos segue a legislação e os critérios técnicos do FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação). "Não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado", completa a nota.
A nota publicada pelo ministro foi elogiada por aliados de Bolsonaro, embora tenha havido a avaliação que ele demorou a divulgar os esclarecimentos.
Um integrante do Palácio do Planalto relatou à Folha que Bolsonaro defendeu a seus aliados que Ribeiro esclareça as denúncias, mas descartou uma possível demissão.
Nesse cenário, integrantes da ala ideológica minimizaram os pedidos para demissão de Ribeiro e atrelavam ao centrão as investidas contra Ribeiro como tentativa de emplacarem um nome próprio no MEC.
O segmento evangélico é uma das bases de apoio político de Bolsonaro, que, atendendo ao pleito de líderes religiosos, indicou ao STF (Supremo Tribunal Federal) o ministro André Mendonça, que ele chamou de "terrivelmente evangélico".
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/ministro-fica-sob-pressao-e-tenta-minimizar-pedido-de-bolsonaro-sobre-pastores.shtml
Centrão se junta à ofensiva contra Milton Ribeiro e pede demissão do ministro
Taísa Medeiros e Michelle Portela / Correio Braziliense
As denúncias de um gabinete paralelo de pastores com atuação no Ministério da Educação fizeram o titular da pasta, Milton Ribeiro, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) virarem alvo de pedidos de investigação, protocolados por parlamentares, no Supremo Tribunal Federal (STF), na Procuradoria-Geral da República (PGR) e no Tribunal de Contas da União (TCU). Até mesmo o Centrão pressiona pela saída do ministro.
As ofensivas foram deflagradas após a divulgação de um áudio no qual Ribeiro revela que, por ordem de Bolsonaro, dá atendimento preferencial a pastores na liberação de verbas para prefeituras. Nesse gabinete paralelo, os líderes evangélicos Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura intermediavam diretamente com o ministro a destinação de recursos. Os dois religiosos não têm vínculo com a pasta nem com o setor da Educação.
"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar (Santos)", afirmou Ribeiro, que é pastor evangélico, em reunião com dirigentes municipais dentro do ministério. "A minha prioridade é atender, primeiro, os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", acrescentou. O áudio foi divulgado pela Folha de S. Paulo. Na semana passada, o Estadão já havia revelado a existência do gabinete paralelo de pastores com atuação no MEC.
No Congresso, até mesmo aliados do governo pedem a apuração do caso e cobram a saída de Ribeiro. O PL, o Republicanos e o PP, partidos do Centrão, estão de olho na vaga. A intenção agora, às vésperas das eleições, é que o ministro seja substituído por um político evangélico ligado ao grupo.
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, afirmou que Ribeiro não chegou ao governo pelas mãos dos evangélicos. O parlamentar demonstrou irritação com o gabinete paralelo comandado por pastores e disse que eles não têm ligação com os deputados do seguimento. "Quais pastores? Aqueles dois pastores Zé Ruela? Não conheço, nunca vi, só o ministro pode explicar", afirmou.
Ontem, parlamentares acionaram órgãos de controle. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou notícia-crime no STF pedindo a investigação de Ribeiro por eventual "crime de advocacia administrativa". Já o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), os deputados Tabata Amaral (PSB-SP) e Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha (PSD-RJ), entraram com representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ministro por improbidade administrativa. "Não podemos tratar a corrupção e o tráfico de influência com normalidade", escreveu Vieira no Twitter.
A bancada do PSol na Câmara protocolou uma representação no TCU e no Ministério Público Federal (MPF) contra Bolsonaro, Ribeiro e os dois líderes evangélicos.
CPMI
O presidente da Frente Parlamentar Mista pela Educação, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), protocolou requerimento para a criação de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) destinada a investigar crimes comuns, de responsabilidade e de improbidade administrativa na liberação de verbas pelo MEC.
O objetivo é investigar eventual ocorrência dos crimes de tráfico de influência, emprego irregular de verbas públicas, advocacia administrativa, corrupção ativa e passiva, usurpação de função pública e crimes de responsabilidade.
Ribeiro também é alvo de requerimentos para que preste esclarecimentos na Câmara.
(Com Agência Estado)
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4995209-centrao-se-junta-a-ofensiva-contra-milton-ribeiro-e-pede-demissao-do-ministro.html
Luiz Carlos Azedo: Envolvimento de Lula na Lava-Jato virou calúnia
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Para nove em cada 10 marqueteiros, as pesquisas de opinião estão mostrando que a disputa eleitoral entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera os levantamentos, e o presidente Jair Bolsonaro, em recuperação, tende a se decidir no confronto de rejeições. É aí que a decisão de ontem, por 4 a 1, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), contra o ex-procurador federal Deltan Dallagnol, pode transformar a Lava-Jato num ativo da campanha de Lula contra seus desafetos, justamente o tema que é a sua maior vulnerabilidade para manter uma rejeição menor do que a de Bolsonaro.
O ex-chefe da Operação Lava-Jato foi condenado a indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por danos morais, avaliados em R$ 75 mil, mais juros e correção monetária, o que deve superar os R$ 100 mil, conforme o relatório do ministro Luís Felipe Salomão. A razão do pedido de indenização foi a entrevista coletiva da Lava-Jato na qual o Ministério Público acusou o petista de corrupção e lavagem de dinheiro, no famoso caso do tríplex de Guarujá (SP). Lula chegou a ser condenado pelo então juiz federal Sergio Moro, porém a sentença foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor da indenização os ministros Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. A ministra Maria Isabel Gallotti divergiu dos colegas.
Naquela entrevista, Dallagnol recorreu ao PowerPoint para acusar o ex-presidente Lula, cujo nome aparecia no centro da tela, ao lado das expressões “petrolão + propinocracia”, “governabilidade corrompida”, “perpetuação criminosa no poder”, “mensalão” e “enriquecimento ilícito”, entre outras. A Corte aceitou o argumento da defesa de Lula de que houve abuso de autoridade, ofensas à honra e à reputação. O caso havia sido rejeitado em primeira e segunda instâncias, mas foi acolhido pelo ministro Salomão: “Essa espetacularização do episódio não é compatível nem com o que foi objeto da denúncia nem parece compatível com a seriedade que se exige da apuração desses fatos”, afirmou.
Dallagnol ainda pode recorrer ao próprio tribunal, mas a decisão já serve de advertência para os desafetos de Lula, que podem também ser processados e obrigados a indenizar o ex-presidente da República. O advogado Márcio de Andrade, responsável pela defesa do ex-procurador, recorrerá da decisão. Argumenta que a entrevista foi concedida de acordo com o exercício regular do cargo. Segundo ele, a Corregedoria da Procuradoria da República e o Conselho Nacional do Ministério Público “concluíram de forma uníssona: não houve excesso e não houve sanção administrativa”.
Dificilmente o STJ reexaminará o caso antes das eleições, o que fará com que o tema da Lava-Jato fique fora da agenda de ataques diretos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por parte dos adversários. Mesmo assim, o petista não estará livre de desgastes, pois a Lava-Jato continua sendo uma das principais variáveis de voto nas eleições. Entretanto, as acusações contra o petista na propaganda eleitoral estarão interditadas, porque os programas e peças de propaganda poderão ser retirados do ar, e os adversários, penalizados, com direito de resposta e perda de tempo de tevê e rádio, se o acusarem de corrupção.
Tiro no pé
O sincericídio do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que admitiu o aparelhamento da pasta para favorecer pastores evangélicos, durante reunião com prefeitos, é a mais nova crise no governo criada por combustão espontânea, ou seja, sem que nenhuma ação possa ser atribuída à oposição. Segundo áudio obtido pelo jornal Folha de S. Paulo, o ministro mantinha uma espécie de gabinete paralelo, no qual dois pastores controlam as verbas e a agenda da pasta, supostamente a pedido do presidente Jair Bolsonaro.
Ribeiro admitiu o conteúdo do áudio, mas negou que a orientação partisse de Bolsonaro. Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, embora não tenham cargos no ministério, eram responsáveis pela destinação de recursos a pedido das igrejas evangélicas. Gilmar é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil Cristo Para Todos (Conimadb), à qual Arilton Moura também integra.
O Ministério da Educação é tratado por Bolsonaro como uma pasta estratégica do ponto de vista ideológico, mas sempre foi objeto de disputas políticas dentro do próprio governo, porque os setores de extrema-direita que apoiam o presidente da República sempre viram a área educacional como um instrumento de combate ao chamado “marxismo cultural”. Com a crise, que pode resultar na demissão de Ribeiro, o Ministério da Educação está sendo cobiçado pelo Centrão, que se aproveita da ofensiva da oposição contra o ministro.
Lula retoma estratégia de 2002, mas deve ser menos 'paz e amor', dizem especialistas
Leandro Prazeres / BBC News Brasil
Aos 76 anos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproxima da reta final do período pré-eleitoral liderando as principais pesquisas de intenção de voto para a disputa presidencial deste ano. Conhecido por boa parte do eleitorado brasileiro, o petista ainda não anunciou oficialmente sua candidatura, mas já vem dando os primeiros sinais de qual "Lula" deverá disputar a Presidência da República.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o "Lula" de 2022 é mais parecido com o que venceu as eleições de 2002 do que com as versões do petista em 1989, 1994, 1998 e 2006, ano em que foi reeleito.
Eles avaliam que Lula dobra a aposta na imagem de político conciliador, retoma motes como "esperança" e "união" e o foco em geração de emprego. Eles afirmam, contudo, que com a polarização política e a rivalidade que se desenha com o presidente Jair Bolsonaro (PL), a tendência é que o petista incorpore menos o "Lulinha paz e amor" que ficou conhecido em 2002.

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Reviravoltas e migração ao centro
O ano de 2002 é considerado um marco na construção da imagem de Lula como personagem político.
Em 1989, ele já havia passado por um mandato como deputado constituinte, mas ainda era visto como um político de esquerda que pregava ruptura com o sistema. Foi derrotado no segundo turno por Fernando Collor de Mello.
Em 1994, Lula continuou a se posicionar como um candidato de oposição, com forte apelo popular e discurso crítico em relação ao capital internacional, mas perdeu a disputa para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que se beneficiou da popularidade trazida pelo Plano Real. Lula voltaria a perder em 1998.
Em 2002, ocorre a virada. Aconselhado pelo marqueteiro Duda Mendonça, Lula adotou o terno e a gravata e mudou o tom de seus discursos, se posicionando de forma menos radical em temas como a economia. Em vez de ruptura, o mote passou a ser "união". Foi o início da fase conhecida como "Lulinha paz e amor".
"A maior mudança foi entre 1989 e 2002. Ele mudou a forma de se vestir, forma de falar, de fazer os programas na TV. Em 1989, a ideia que se passava era a de que Lula era representante dos pobres do Brasil e que, por isso, tinha que ser eleito. Em 2002 era o representante de todos e que tinha a maior capacidade de lidar com os problemas do país. Era o Lula da União", diz a pesquisadora do Wilson Center, em Washington, e professora da FGV, Daniela Campello.
Daniela afirma que o Lula de 2022 é, de certa maneira, uma reedição do Lula de 2002, mas com um viés ainda mais centrista do que o adotado em 2002.
Segundo ela, essa trajetória em direção ao centro fica evidente na possível formação de uma chapa tendo como vice o ex-tucano Geraldo Alckmin, antigo adversário político de Lula, que anunciou sua filiação ao PSB na semana passada. Eles se enfrentaram nas eleições presidenciais de 2006, vencidas por Lula.
Segundo ela, o movimento é semelhante à aliança com o empresário José Alencar, em 2002, que foi vice na sua candidatura.
Ela diz que, se em 2002, a escolha de Alencar foi uma sinalização direta aos empresários, em 2022, a opção por Alckmin seria uma forma de indicar um aceno de moderação tanto para os agentes econômicos supostamente mais temerosos em relação ao PT quanto para o eleitor mais à direita sem o qual não seria possível vencer as eleições.

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"Em 2002, Lula fez um sinal ao empresariado, especialmente aos industriais, ao chamar o Jose Alencar. Agora, Lula está sendo ainda mais radical no seu centrismo do que foi em 2002. Abrir espaço para Alckmin é uma sinalização bem mais explícita da sua ida em direção ao centro", explica.
A cientista política e pesquisadora Carolina Botelho, do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), também vê o Lula de 2022 mais próximo do de 2002 do que aqueles que disputaram as eleições de 1989, 1994 e 1998.
"O Lula de 2022 vem com uma agenda de governo que é bem mais parecida com a de 2002 do que com a de 1989. Esse (1989) era um período no qual o PT não dialogava com os eleitores mais ao centro. Agora, Lula volta a dialogar com esse eleitor de uma maneira direta", afirma.
As semelhanças entre o Lula de 2002 com o de 2022 não param na tentativa de formar alianças, dizem as especialistas. Segundo elas, o petista volta a apostar em motes como "união", "esperança" e "geração de empregos".
"O contexto é parecido, embora haja diferenças importantes. Em 2002, também havia uma crise econômica, embora não houvesse uma tensão à ordem institucional como entendo que há hoje. O discurso que Lula adota agora é, novamente, o de unificação em meio à crise", afirma Carolina.
Uma comparação entre o primeiro programa de TV do PT no horário eleitoral gratuito de 2002 e uma inserção do partido divulgada na terça-feira (22/3) reforça essa semelhança.
No primeiro, Lula aparece em uma sala de reunião cercado por antigos ícones do PT como a ex-presidente Dilma Rousseff, os ex-ministros Guido Mantega e Aloizio Mercadante e do seu então candidato a vice, José Alencar.
Em seu discurso, Lula foca na geração de empregos e começa dizendo que a crise pela qual o país passava era grave e que era preciso mudar os rumos da economia.
"Ou seremos capazes de produzir mais e fazer crescer a renda do povo fortalecendo a nossa economia, ou continuaremos andando para trás", dizia Lula há 20 anos.
No vídeo divulgado na terça-feira (22/3), o foco no emprego é semelhante. Lula diz que, nos governos do PT, foram criados 20 milhões de empregos e promete "reconstruir" o país.
"O povo brasileiro precisa voltar a ter esperança de novo", afirma.

Menos paz e amor
O cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio Rennó também acredita que a versão 2022 de Lula é mais próxima da de 2002 que da de outros anos. Ele, no entanto, pontua que a vertente "paz e amor" não deverá ser tão pronunciada quanto em outros momentos da trajetória política do petista.
Isso ocorrerá, segundo Rennó, por conta da forma de atuar do seu principal adversário, segundo as pesquisas de intenção de voto: Jair Bolsonaro.
"A disputa com Bolsonaro vai exigir posições mais firmes de Lula. Em 2002, ele enfrentou José Serra, mas a natureza do embate era diferente. Em 2006, ele foi atacado por conta do mensalão, mas ele era presidente. Não cabia ele ir para o ataque. Agora, Lula deverá ser atacado e o embate será muito acirrado. Não tem como se manter 'paz e amor' o tempo todo em um cenário tão polarizado", explica Rennó.
Carolina Botelho diz que o embate com candidatos como Bolsonaro vai exigir uma postura mais "vigorosa" de Lula. Ela afirma, no entanto, que Lula deverá adotar um "mix" e modular seus discursos de acordo com o momento e o público numa estratégia de consolidar sua base e não afastar potenciais novos eleitores.
"Considerando a polarização, não tem como (Lula) não ser vigoroso no seu comportamento. Há um adversário (Bolsonaro) com um discurso muito fora do que se esperava na política. Eu diria que ele vai adotar um 'mix' dessas versões como estratégia para cooptar e seduzir o eleitor de cada grupo", afirmou.

Contradições e negociação
Mas apesar dos sinais de que o Lula de 2022 acena vigorosamente ao eleitorado mais conservador, como explicar declarações recentes do ex-presidente nas quais ele defendeu a regulação da mídia e a revogação da reforma trabalhista aprovada durante o governo do ex-presidente Michel Temer?
Carolina Botelho afirma que os acenos de Lula ao chamado centro não significarão um abandono de bandeiras históricas do partido. Segundo ela, o PT ainda está negociando interna e externamente quais serão os discursos a serem adotados durante a campanha.
"Esse é o momento de negociação, mas esses dois pontos fazem parte da agenda do PT. É agora que eles estão decidindo o que vai ser jogado na mesa da campanha e o que vai ficar de fora", explica.
Esse período de negociação tanto entre agentes do PT como com possíveis aliados faz com que, segundo Carolina Botelho, ainda seja difícil detalhar qual a imagem exata que Lula irá projetar nestas eleições.
"Ainda há muitos pontos a serem costurados tanto dentro quanto fora do PT. Como Lula aparece com alguma vantagem nas pesquisas, ele pode esperar um pouco mais para se posicionar. Além disso, a maior parte do eleitorado já o conhece. Essa definição de agenda não seria tão urgente", explica.
Lúcio Rennó concorda com Carolina.
"As sinalizações ainda são relativamente prematuras. O grande movimento, de fato, é a provável aliança com Alckmin. A imagem exata que irá para as eleições ainda vai ser definida e será resultado das discussões internas, externas e do cenário político", avalia.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60846192
Revista online | Paulo Fábio Dantas Neto: Oposição sem rumo numa conjuntura nova
Paulo Fábio Dantas Neto / Revista Política Democrática online
Neste março, sobressaltos voltam a bater à porta da oposição diante de sinais, trazidos por pesquisas mais recentes, de recuperação de expectativas favoráveis à reeleição do Presidente da República. Isso tem feito analistas suporem que estrategistas de Bolsonaro já decidiram que é o caminho das urnas o mais seguro para lograr a continuidade do atual governo e não os caminhos do golpismo e da arruaça. Estou entre aqueles que guardam distância de prognósticos desse tipo. Falta muito acontecer para que se possa dizer que as urnas passaram a ser o horizonte do continuísmo para o bolsonarismo e seu mito.
Disseminar otimismo faz parte de qualquer plano, inclusive de tentativas de deslegitimar as eleições. Mas até onde a vista alcança, mesmo com ajuda de bondades e maldades legislativas, uso eleitoral abusivo de agências de governo, golpes abaixo da cintura em adversários e um arsenal de transgressões e crimes - de fake news à violência política – que vençam a vigilância do Judiciário, não se vê cenário de reversão bastante da rejeição a Bolsonaro, cevada em três anos e meio e turbinada por agruras sociais do momento. Mas não só opositores lidam com essas evidências. Os russos também. O que farão?
O campo ideológico governista não deve ser subestimado no atributo de raciocinar. No palácio nem só o centrão raciocina, ainda que, com sua razão pragmática, governe mais que todos. Mas não cabem ilusões de que no duro núcleo do capitão se pratique uma razão do tipo razoável, que aceite a derrota sem apelar à subversão das regras do jogo ou, no limite, tentar acabar com ele. Sua razão calculista é cheia de razão. Sendo tosca, tem apetite destrutivo. A hipótese de ela ver as urnas como via principal tem feitio de plano B. O golpismo é a língua falada por uma força social que já tem vida fora do palácio.
A eleição poderá virar seu plano A se houver milagre na economia ou suicídio da oposição. Sem isso, setores resilientes do palácio, sem perderem a noção da aritmética, calcularão a iminência da derrota, agirão de acordo com sua razão tosca e nenhum centrão os deterá. Chances de êxito da insensatez são bem duvidosas, mas supor que por saber disso o bolsonarismo recuará é ver ali uma razão razoável que lhe é estranha. Se seu êxito não é provável, os estragos que pode causar à democracia o são.
Nova conjuntura se forma com as mais recentes pesquisas. Pescar em águas turvas, propensão magna do bolsonarismo, é probabilidade muito grande, porém, agora mais perigosa, em face da situação desenhada de que poderá ter apoio bastante para chegar virtualmente competitivo ao segundo turno. Outra coisa seria sua derrota no primeiro turno, ou chegada ao segundo em posição de fragilidade explícita. O teor máximo de perigo para instituições será a combinação incandescente da percepção pública de que Bolsonaro pode se reeleger com a convicção palaciana de que isso não ocorrerá. Será intuitivo fazer a percepção pública polarizada acirrar os ânimos para que o segundo turno seja o palco ideal de encenação de um script golpista. Se essa suposição faz sentido é hora de a oposição democrática tirar atitudes protetoras da democracia do armário onde dormem desde setembro do ano passado. Seis meses após o fracasso daquele golpe, as instituições podem estar vigilantes para a possibilidade de a fera ferida tentar, no desespero, virar a mesa no período pré-eleitoral, antes de um fracasso no primeiro turno. Mas a conversa começa a ser outra. A fera já não sangra tanto e pode atacar na hora da decisão. A situação pede mais que a presença de guardiães institucionais regulares e neutros. Pede compromisso unitário prático de atores políticos (partidos e candidatos) envolvidos diretamente na eleição.
Ainda não se enxergam respostas das oposições a essa nova conjuntura imediata, nem sinais de ação conjunta. O quadro pré-eleitoral parece reafirmar o nome de Lula como o que tem mais chance de evitar a reeleição do presidente, mas também o fato dele não atrair forças de centro e centro-direita para antecipar a decisão no primeiro turno. Evidência disso é a persistência de monótonas articulações entre partidos daquele campo prometendo ter candidatura única. Se for para valer, pode atenuar sobressaltos em relação ao crescimento de Bolsonaro. Se não for, o enterro definitivo da ideia de uma terceira via agregadora porá a nu a grande distância a que Lula está de ser o herdeiro indisputado desse espólio.
O PT não tem ajudado na suposta “ida ao centro”. Se depender do que tem dito e feito, Alckmin será azeitona conservadora numa empada esquerdista e populista. É potencialmente corrosiva a política partidária pequena que impera em arranjos estaduais na hora em que Bolsonaro toma fôlego. Na Bahia, onde não se precisaria ir ao centro pois nele o PT já estava, parece não haver mais jeito, tudo está desfeito e a aposta é no umbigo, em ritmo de luta interna. Em Pernambuco, outro bastião a princípio forte, a divisão parece iminente. No Paraná, o recado da filiação de Requião é frente de esquerda nacionalista. Torniquetes abundam, limitando a tripulação do que seria uma arca de Noé.
Lula parece ter perdido a antiga condição de alinhar o partido às suas preferências. Está engessado na gramática autorreferente que se tornou língua franca em sua cozinha após o trauma de sua prisão. Dois anos depois de solto, ainda não se soltou. Numa só semana chamou Moro a uma briga de rua, espantou liberais com discursos populistas e nacionalistas e, pior, atacou o Congresso, onde está boa parte dos atores que podem facilitar, ou evitar, que a eleição descambe para o golpismo, e está também boa parte dos políticos que o lendário pragmatismo do Lula lá promete capturar. A resposta de Rodrigo Pacheco não foi só pertinente e contundente. Sugere uma pergunta crucial: o iceberg é invisível ou a cegueira é soberana?

Saiba mais sobre o autor
*Paulo Fábio Dantas Neto é cientista político e professor da UFBa.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Rubens Barbosa: A mulher no Itamaraty
Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo
As dificuldades e os avanços relacionados com a participação da mulher na Diplomacia brasileira podem ser mais bem entendidos se colocados no contexto da luta histórica pela igualdade de gênero e raça em nosso país.
Por essa ótica, pode-se observar a tendência à presença crescente de mulheres em todas as áreas de acordo com as mudanças nas leis aprovadas em cada momento histórico. No Código Civil de 1916, refletindo um pensamento patriarcal e machista, as mulheres (e, aliás, os silvícolas) eram consideradas como relativamente incapazes, porque não poderiam agir com autonomia, nem perante a sociedade nem em sua família. Com o passar dos anos, movimentos feministas asseguraram direitos e igualdade de tratamento em relação aos homens. Foram surgindo legislações específicas, como a lei que deu o direito de voto à mulher em 1932, o Estatuto da Mulher Casada, o Código Eleitoral de 1977 e a Constituição de 1988, que, no artigo 5, parágrafo I, consagrou a ideia de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres.
Já o Código Civil de 2002 reconheceu a isonomia de gêneros e consagrou uma posição independente à mulher. Sua submissão com relação ao homem desapareceu no âmbito legal e houve notória mudança na situação da mulher na sociedade. Empecilhos e preconceitos quanto à sua atuação em diferentes domínios, em particular no que se refere ao mercado de trabalho (diferença salarial), e falta de reconhecimento de suas contribuições no mundo político e corporativo persistiram.
Não se pode ignorar esse pano de fundo no caso da Diplomacia, das Forças Armadas e de outras áreas do setor público, nas quais, como se vê, exceto pela isonomia salarial, ainda estão por valer plenamente os princípios constitucionais.
Há 102 anos a primeira mulher foi admitida na carreira diplomática, com seus direitos limitados, segundo a legislação da época. Só em 1988 a primeira mulher negra conseguiu entrar no Itamaraty. A reforma de 1931, ao incorporar a mulher ao Corpo Consular, mas não ao Corpo Diplomático, e a de 1938, ao proibir totalmente a entrada de mulheres no Itamaraty, embora preservando o direito das que já estavam na carreira, a discriminaram ainda mais. Essa legislação foi na contramão da tendência de igualdade de gêneros que se intensificara em 1932, com a conquista do sufrágio feminino. Nem a criação do Instituto Rio Branco, em 1945, conseguiu modificar essas restrições.
Naquele mesmo ano, o Brasil subscreveu a Carta das Nações Unidas e, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirmaram a necessidade do respeito às liberdades individuais e à igualdade de oportunidades sem distinção de raça, sexo, língua e religião. Somente na reforma do Itamaraty de 1953 foi a proibição de ingresso de mulheres eliminada, embora ainda com limitações.
A partir daí, a ação política firme e corajosa de mulheres diplomatas tem ido no sentido de buscar assegurar seus direitos e garantir isonomia de tratamento em temas afetos a questões da família – como direito ao trabalho quando acompanhando cônjuge também profissional – e a questões institucionais e de ascensão funcional, como designação para chefias e promoções com critérios nítidos para aferição de mérito.
O diagnóstico é claro. A carreira diplomática é essencialmente competitiva, por cargos e pela progressão profissional, como ocorre em todos os países. Um grupo reduzido de diplomatas (1.501, sendo 23% de mulheres) compete por um número reduzido de cargos no Brasil e no exterior. As principais funções de direção no Brasil e nas embaixadas mais importantes seguem sendo ocupadas por homens, dificultando o acesso às oportunidades de maior visibilidade e prestígio profissional daí decorrentes. Talvez por isso se deva reconhecer que o número de mulheres que se inscrevem no concurso para o Instituto Rio Branco é proporcionalmente menor (40%) do que o de homens, mesmo sendo elas maioria nos cursos universitários e em outras carreiras de Estado. A consequência natural da reduzida procura é o baixo número (28%) de mulheres que entram anualmente para a carreira diplomática.
Para romper este círculo vicioso, faz-se necessário um aperfeiçoamento das atuais regras de ingresso, lotação e promoção. Na medida em que elas possam se sentir atraídas para a Diplomacia, em que passem a ocupar um maior número de cargos de chefia e participem nas múltiplas comissões que determinam os fluxos funcionais, haverá, certamente, efetivos avanços.
Mas talvez haja mais uma explicação não menos importante para o reduzido protagonismo de mulheres na Diplomacia brasileira e sua sub-representação em funções de maior visibilidade: o fator político e as conexões e articulações fora da Casa. Nos países onde ocupam cargos elevados, as mulheres mantêm ligações no campo político-partidário que as colocam em posição de igualdade para uma leal concorrência com seus pares.
Com peso específico menor na Diplomacia do que na sociedade, as mulheres diplomatas legitimamente pleiteiam mudanças. Em benefício do Brasil e do Itamaraty, espera-se um compromisso político de alto nível para uma melhor distribuição de poder e de prestígio para corrigir a situação atual. Quem sabe na eleição presidencial?
*Foi Embaixador do Brasil em Londres e Washington
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-mulher-no-itamaraty,70004015409
Míriam Leitão: A Vale é contra o Projeto de Lei 191
Míriam Leitão / O Globo
A Vale é contra o PL 191, que libera a mineração em Terra Indígena. Em resposta à pergunta desta coluna, a empresa se manifestou pela primeira vez e disse que o projeto “não atende ao objetivo de regulamentar o dispositivo constitucional” e que mineração em Terra Indígena só pode ser realizada “mediante o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) dos próprios indígenas e ancorado no marco regulatório que contemple a participação e a autonomia dos povos indígenas”. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) já havia se posicionado contra o PL. Mas agora é a própria Vale, a maior mineradora do país, que se coloca contra o projeto que está tramitando em regime de urgência no Congresso.
Muitas empresas grandes brasileiras têm criticado o projeto, mas não publicamente. Ocorre que esta proposta e a maneira como ele está sendo encaminhada — de forma açodada e não democrática — será um tiro no pé do setor produtivo brasileiro caso seja aprovada.
Quem acha isso, e me disse ontem numa entrevista na Globonews, foi o economista José Roberto Mendonça de Barros, que ocupou os cargos de secretário de Política Econômica e secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior no governo Fernando Henrique.
— O projeto de lei é uma loucura, não tem nada a ver. É aproveitar uma situação de fato — a falta de potássio — para realizar uma pauta ideológica absurda. Uma mina de potássio leva de cinco a dez anos para ficar pronta. As maiores reservas estão fora de Terras Indígenas, e as reservas da Amazônia são de difícil exploração. É um disparate econômico — diz.
A Vale, em longo posicionamento, respondendo a uma pergunta feita por mim, disse que o reconhecimento de os indígenas serem ouvidos, serem informados e decidirem livremente, conhecido pela sigla CLPI, “é fundamental para atender aos diretos das populações indígenas de determinar o próprio desenvolvimento e o direito de exercer a autodeterminação diante de decisões que dizem respeito aos seus territórios”.
A Vale não tem mais qualquer direito minerário, nem desenvolve pesquisa ou lavra em Terra Indígena no Brasil porque no ano passado ela devolveu as que tinha e desistiu de qualquer exploração nessas áreas. Ela atua no Canadá. “A Vale desenvolve atividades em terras tradicionais em países onde há regulamentação vigente, como é o caso de Voisey’s Bay no Canadá, sempre com estrita observância dos princípios mencionados acima, com destaque para o Consentimento Livre, Prévio e Informado”.
O PL 191 está tramitando em regime de urgência, porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, atendeu a um pedido do presidente Bolsonaro, que alegou necessidade de potássio para a agricultura brasileira. Isso não é verdade, mas o assunto já entrou na campanha. Ontem, na Qi 26 em Brasília, Lago Sul, um outdoor era visto com os dizeres: “O Brasil é agro. Agradecimento pela aprovação do PL 191. Com adubo do Brasil a comida fica mais barata. Produtores rurais da Amazônia.” Como se nas terras indígenas houvesse o adubo que está faltando hoje ao Brasil. Com o regime de urgência não tem debates nas comissões. Lira criou uma comissão não prevista no regimento e que não terá poderes. Será mais uma forma de enganar.
No Congresso se diz que está difícil para os partidos acharem quem queira fazer parte. A informação das fontes políticas é a de que Bolsonaro prometeu isso aos grandes garimpeiros — que são os que têm muito capital e investem em maquinário pesado — durante a última campanha eleitoral e agora está sendo cobrado por eles. Então decidiu passar o trator aproveitando a guerra como pretexto.
Mendonça de Barros disse que esse projeto elevará as barreiras contra o Brasil, e a guerra mostrou isso, o peso do risco reputacional.
— Um efeito da guerra que ninguém esperava foi que mais de 400 companhias do mundo inteiro decidiram sair da Rússia. Por que fizeram isso? Pelo péssimo comportamento da Rússia. Isso é efeito direto da pauta ESG. Isso virou uma realidade concreta, empresas vão conscientemente perder dinheiro, ativos e mercado. A mesma coisa acontecerá aqui — disse ele, referindo-se ao aumento do desmatamento e às propostas como o PL 191.
Segundo o economista, haverá “chance zero” de a Europa aceitar produto de um país que apoia garimpeiro ilegal e desmatador. Ele explicou que a guerra levará os países a procurar fornecedores alternativos para tudo. Poderia ser uma chance para o Brasil, inclusive na área industrial. Mas sem a proteção da Amazônia o Brasil será barrado.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/vale-e-contra-o-projeto-de-lei-191.html
Pedro Fernando Nery: Bolsonaro, do Bolsa Família ao Auxílio Brasil
Pedro Fernando Nery / O Estado de S. Paulo
Fábrica de ruminantes. Bolsa Farelo. Voto de cabresto. Vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz nada.
Tem meninas no Nordeste que batem a mão na barriga grávida e fala ‘esse aqui vai ser uma geladeira’, ‘esse aqui vai ser uma máquina de lavar’. E não querem trabalhar.
Se, hoje em dia, eu der R$ 10 para alguém e for acusado de que esses R$ 10 seriam para a compra de voto, eu serei cassado. Agora, o governo federal dá para 12 milhões de famílias a título de Bolsa Família definitivo, e sai na frente com 30 milhões de votos.
Disputar eleições num cenário desses é desanimador, é compra de votos mesmo.
O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder. Nós devemos colocar, se não um ponto final, uma transição a projetos como o Bolsa Família.
O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque, se for trabalhar, perde o Bolsa Família.
Para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia e agradar a quem quer que seja para buscar voto.
É um programa que temos que manter e, por questões humanitárias, olhar com muito carinho.
A mentira mais estapafúrdia que existe, em especial na Região Nordeste, é a de que eu iria acabar com o Bolsa Família. Muita gente precisa dele para sobreviver. Jamais pensaria em acabar.
Nós somos defensores do Bolsa Família.
O gasto em 2020 com auxílio emergencial equivale a 13 anos de Bolsa Família. Por que fizemos isso? Porque governadores simplesmente mandaram fechar o comércio.
Ontem nós decidimos, como está chegando ao fim o auxílio emergencial, dar uma majoração ao antigo programa Bolsa Família. Agora chamado Auxílio Brasil, de R$ 400.
Ninguém vai furar teto, ninguém vai fazer nenhuma estripulia no Orçamento. Mas seria extremamente injusto deixar aproximadamente 17 milhões de pessoas com valor tão pouco no Bolsa Família.
Impossível os que mais necessitam viverem com tão pouco.
Então um governo que tem sensibilidade, sim, com os mais humildes. Até o ano passado o Bolsa Família pagava em média 190. Agora o Auxílio Brasil, desde dezembro do ano passado, tá pagando no mínimo 400 reais. Ou seja, uma ajuda a quem precisa.
O Auxílio Brasil é um programa que é eterno. Veio pra valer.
*O texto reúne falas do presidente Bolsonaro nos últimos 12 anos
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pedro-fernando-nery-bolsa-familia-auxilio-brasil-jair-bolsonaro,70004015642
Eliane Cantanhêde: Temer e um ‘pacto nacional’
Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo
As coisas não estão fáceis. Aliás, andam muito complicadas. É por isso que o ex-presidente Michel Temer tem sido procurado por todos os presidenciáveis, exceto o petista Lula, e defende que só há uma solução para quem se eleger presidente da República em outubro: propor um pacto nacional consistente para reconstruir as condições políticas e o País.
Um pacto com presidentes de Poderes, partidos, governadores, empresários e as frentes da sociedade civil, mas principalmente dirigido para os derrotados e seus seguidores, para o(a) eleito(a) ter condições de governabilidade, poder virar a página e escrever o futuro, depois de uma polarização tão destrutiva.
Se o ex-presidente Lula vencer, os bolsonaristas estarão em pé de guerra contra as urnas eletrônicas, o Supremo, o TSE, o eleito e o novo governo. Se o presidente Jair Bolsonaro conquistar a reeleição, os petistas vão lotar as ruas, pintar e bordar.
“O presidente que ganhar a eleição nesse clima vai passar quatro anos atormentado, com denúncias, ameaças, pedidos de impeachment”, disse Temer ontem, em seu escritório de São Paulo. Ele ligou para o TSE sugerindo que a propaganda institucional deste ano seja focada na paz. “O Brasil precisa de paz, de pacificação. Aliás, como a Constituição determina.”
Como professor de Direito Constitucional, teoriza: “A vontade primeira é a do povo. Todo poder emana do povo e as autoridades constituídas são secundárias, não existem três Poderes, existe um, o povo. Eles são órgãos do poder, exercem funções para atender o povo”.
Já o político Temer, mais prático, condena quem insiste que a terceira via não vai dar em nada. “Isso desmotiva o eleitor, desarticula os que tentam construir uma coluna do meio, o que não é uma homenagem a um candidato, mas ao eleitor que não quer nem um nem outro (Lula e Bolsonaro).”
O ex-presidente diz que há “uma grande intranquilidade” e aponta um dos grandes problemas da polarização: “Todo mundo vota contra, não a favor de alguma coisa. O próprio voto do Bolsonaro foi contra Lula, como o de Lula agora é contra Bolsonaro”.
Segundo Temer, “ainda há muita indefinição na eleição”. “As certezas de ontem já não são certezas hoje. As pesquisas de hoje refletem hoje, não amanhã.” Pode haver surpresas? Ele: “Claro!”.
Uma pulga atrás da orelha: será que Temer, 81 anos, sonha em ser a “coluna do meio”? Medindo as palavras, ele diz que, daqui e dali, falam nisso e ele desconversa: “Se a eleição fosse aqui (onde a ideia surge), quem sabe? Mas um presidente precisa de 60 milhões de votos. Com oito, nove candidatos? É muito difícil”.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,michel-temer-e-um-pacto-nacional,70004015829