Day: março 22, 2022

Revista online | Paulo Fábio Dantas Neto: Oposição sem rumo numa conjuntura nova 

Paulo Fábio Dantas Neto / Revista Política Democrática online

Neste março, sobressaltos voltam a bater à porta da oposição diante de sinais, trazidos por pesquisas mais recentes, de recuperação de expectativas favoráveis à reeleição do Presidente da República. Isso tem feito analistas suporem que estrategistas de Bolsonaro já decidiram que é o caminho das urnas o mais seguro para lograr a continuidade do atual governo e não os caminhos do golpismo e da arruaça. Estou entre aqueles que guardam distância de prognósticos desse tipo. Falta muito acontecer para que se possa dizer que as urnas passaram a ser o horizonte do continuísmo para o bolsonarismo e seu mito.  

Disseminar otimismo faz parte de qualquer plano, inclusive de tentativas de deslegitimar as eleições. Mas até onde a vista alcança, mesmo com ajuda de bondades e maldades legislativas, uso eleitoral abusivo de agências de governo, golpes abaixo da cintura em adversários e um arsenal de transgressões e crimes - de fake news à violência política – que vençam a vigilância do Judiciário, não se vê cenário de reversão bastante da rejeição a Bolsonaro, cevada em três anos e meio e turbinada por agruras sociais do momento. Mas não só opositores lidam com essas evidências. Os russos também. O que farão?  

O campo ideológico governista não deve ser subestimado no atributo de raciocinar. No palácio nem só o centrão raciocina, ainda que, com sua razão pragmática, governe mais que todos. Mas não cabem ilusões de que no duro núcleo do capitão se pratique uma razão do tipo razoável, que aceite a derrota sem apelar à subversão das regras do jogo ou, no limite, tentar acabar com ele. Sua razão calculista é cheia de razão. Sendo tosca, tem apetite destrutivo. A hipótese de ela ver as urnas como via principal tem feitio de plano B. O golpismo é a língua falada por uma força social que já tem vida fora do palácio.

A eleição poderá virar seu plano A se houver milagre na economia ou suicídio da oposição. Sem isso, setores resilientes do palácio, sem perderem a noção da aritmética, calcularão a iminência da derrota, agirão de acordo com sua razão tosca e nenhum centrão os deterá. Chances de êxito da insensatez são bem duvidosas, mas supor que por saber disso o bolsonarismo recuará é ver ali uma razão razoável que lhe é estranha.  Se seu êxito não é provável, os estragos que pode causar à democracia o são. 

Nova conjuntura se forma com as mais recentes pesquisas. Pescar em águas turvas, propensão magna do bolsonarismo, é probabilidade muito grande, porém, agora mais perigosa, em face da situação desenhada de que poderá ter apoio bastante para chegar virtualmente competitivo ao segundo turno. Outra coisa seria sua derrota no primeiro turno, ou chegada ao segundo em posição de fragilidade explícita. O teor máximo de perigo para instituições será a combinação incandescente da percepção pública de que Bolsonaro pode se reeleger com a convicção palaciana de que isso não ocorrerá. Será intuitivo fazer a percepção pública polarizada acirrar os ânimos para que o segundo turno seja o palco ideal de encenação de um script golpista. Se essa suposição faz sentido é hora de a oposição democrática tirar atitudes protetoras da democracia do armário onde dormem desde setembro do ano passado. Seis meses após o fracasso daquele golpe, as instituições podem estar vigilantes para a possibilidade de a fera ferida tentar, no desespero, virar a mesa no período pré-eleitoral, antes de um fracasso no primeiro turno. Mas a conversa começa a ser outra. A fera já não sangra tanto e pode atacar na hora da decisão. A situação pede mais que a presença de guardiães institucionais regulares e neutros. Pede compromisso unitário prático de atores políticos (partidos e candidatos) envolvidos diretamente na eleição. 

Ainda não se enxergam respostas das oposições a essa nova conjuntura imediata, nem sinais de ação conjunta. O quadro pré-eleitoral parece reafirmar o nome de Lula como o que tem mais chance de evitar a reeleição do presidente, mas também o fato dele não atrair forças de centro e centro-direita para antecipar a decisão no primeiro turno. Evidência disso é a persistência de monótonas articulações entre partidos daquele campo prometendo ter candidatura única. Se for para valer, pode atenuar sobressaltos em relação ao crescimento de Bolsonaro. Se não for, o enterro definitivo da ideia de uma terceira via agregadora porá a nu a grande distância a que Lula está de ser o herdeiro indisputado desse espólio.  

O PT não tem ajudado na suposta “ida ao centro”. Se depender do que tem dito e feito, Alckmin será azeitona conservadora numa empada esquerdista e populista. É potencialmente corrosiva a política partidária pequena que impera em arranjos estaduais na hora em que Bolsonaro toma fôlego. Na Bahia, onde não se precisaria ir ao centro pois nele o PT já estava, parece não haver mais jeito, tudo está desfeito e a aposta é no umbigo, em ritmo de luta interna. Em Pernambuco, outro bastião a princípio forte, a divisão parece iminente. No Paraná, o recado da filiação de Requião é frente de esquerda nacionalista. Torniquetes abundam, limitando a tripulação do que seria uma arca de Noé.  

Lula parece ter perdido a antiga condição de alinhar o partido às suas preferências. Está engessado na gramática autorreferente que se tornou língua franca em sua cozinha após o trauma de sua prisão. Dois anos depois de solto, ainda não se soltou. Numa só semana chamou Moro a uma briga de rua, espantou liberais com discursos populistas e nacionalistas e, pior, atacou o Congresso, onde está boa parte dos atores que podem facilitar, ou evitar, que a eleição descambe para o golpismo, e está também boa parte dos políticos que o lendário pragmatismo do Lula lá promete capturar. A resposta de Rodrigo Pacheco não foi só pertinente e contundente. Sugere uma pergunta crucial: o iceberg é invisível ou a cegueira é soberana? 

Saiba mais sobre o autor

*Paulo Fábio Dantas Neto é cientista político e professor da UFBa.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Rubens Barbosa: A mulher no Itamaraty

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

As dificuldades e os avanços relacionados com a participação da mulher na Diplomacia brasileira podem ser mais bem entendidos se colocados no contexto da luta histórica pela igualdade de gênero e raça em nosso país.

Por essa ótica, pode-se observar a tendência à presença crescente de mulheres em todas as áreas de acordo com as mudanças nas leis aprovadas em cada momento histórico. No Código Civil de 1916, refletindo um pensamento patriarcal e machista, as mulheres (e, aliás, os silvícolas) eram consideradas como relativamente incapazes, porque não poderiam agir com autonomia, nem perante a sociedade nem em sua família. Com o passar dos anos, movimentos feministas asseguraram direitos e igualdade de tratamento em relação aos homens. Foram surgindo legislações específicas, como a lei que deu o direito de voto à mulher em 1932, o Estatuto da Mulher Casada, o Código Eleitoral de 1977 e a Constituição de 1988, que, no artigo 5, parágrafo I, consagrou a ideia de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres.

Já o Código Civil de 2002 reconheceu a isonomia de gêneros e consagrou uma posição independente à mulher. Sua submissão com relação ao homem desapareceu no âmbito legal e houve notória mudança na situação da mulher na sociedade. Empecilhos e preconceitos quanto à sua atuação em diferentes domínios, em particular no que se refere ao mercado de trabalho (diferença salarial), e falta de reconhecimento de suas contribuições no mundo político e corporativo persistiram.

Não se pode ignorar esse pano de fundo no caso da Diplomacia, das Forças Armadas e de outras áreas do setor público, nas quais, como se vê, exceto pela isonomia salarial, ainda estão por valer plenamente os princípios constitucionais.

Há 102 anos a primeira mulher foi admitida na carreira diplomática, com seus direitos limitados, segundo a legislação da época. Só em 1988 a primeira mulher negra conseguiu entrar no Itamaraty. A reforma de 1931, ao incorporar a mulher ao Corpo Consular, mas não ao Corpo Diplomático, e a de 1938, ao proibir totalmente a entrada de mulheres no Itamaraty, embora preservando o direito das que já estavam na carreira, a discriminaram ainda mais. Essa legislação foi na contramão da tendência de igualdade de gêneros que se intensificara em 1932, com a conquista do sufrágio feminino. Nem a criação do Instituto Rio Branco, em 1945, conseguiu modificar essas restrições.

Naquele mesmo ano, o Brasil subscreveu a Carta das Nações Unidas e, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirmaram a necessidade do respeito às liberdades individuais e à igualdade de oportunidades sem distinção de raça, sexo, língua e religião. Somente na reforma do Itamaraty de 1953 foi a proibição de ingresso de mulheres eliminada, embora ainda com limitações.

A partir daí, a ação política firme e corajosa de mulheres diplomatas tem ido no sentido de buscar assegurar seus direitos e garantir isonomia de tratamento em temas afetos a questões da família – como direito ao trabalho quando acompanhando cônjuge também profissional – e a questões institucionais e de ascensão funcional, como designação para chefias e promoções com critérios nítidos para aferição de mérito.

O diagnóstico é claro. A carreira diplomática é essencialmente competitiva, por cargos e pela progressão profissional, como ocorre em todos os países. Um grupo reduzido de diplomatas (1.501, sendo 23% de mulheres) compete por um número reduzido de cargos no Brasil e no exterior. As principais funções de direção no Brasil e nas embaixadas mais importantes seguem sendo ocupadas por homens, dificultando o acesso às oportunidades de maior visibilidade e prestígio profissional daí decorrentes. Talvez por isso se deva reconhecer que o número de mulheres que se inscrevem no concurso para o Instituto Rio Branco é proporcionalmente menor (40%) do que o de homens, mesmo sendo elas maioria nos cursos universitários e em outras carreiras de Estado. A consequência natural da reduzida procura é o baixo número (28%) de mulheres que entram anualmente para a carreira diplomática.

Para romper este círculo vicioso, faz-se necessário um aperfeiçoamento das atuais regras de ingresso, lotação e promoção. Na medida em que elas possam se sentir atraídas para a Diplomacia, em que passem a ocupar um maior número de cargos de chefia e participem nas múltiplas comissões que determinam os fluxos funcionais, haverá, certamente, efetivos avanços.

Mas talvez haja mais uma explicação não menos importante para o reduzido protagonismo de mulheres na Diplomacia brasileira e sua sub-representação em funções de maior visibilidade: o fator político e as conexões e articulações fora da Casa. Nos países onde ocupam cargos elevados, as mulheres mantêm ligações no campo político-partidário que as colocam em posição de igualdade para uma leal concorrência com seus pares.

Com peso específico menor na Diplomacia do que na sociedade, as mulheres diplomatas legitimamente pleiteiam mudanças. Em benefício do Brasil e do Itamaraty, espera-se um compromisso político de alto nível para uma melhor distribuição de poder e de prestígio para corrigir a situação atual. Quem sabe na eleição presidencial?

*Foi Embaixador do Brasil em Londres e Washington

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-mulher-no-itamaraty,70004015409


Míriam Leitão: A Vale é contra o Projeto de Lei 191

Míriam Leitão / O Globo

A Vale é contra o PL 191, que libera a mineração em Terra Indígena. Em resposta à pergunta desta coluna, a empresa se manifestou pela primeira vez e disse que o projeto “não atende ao objetivo de regulamentar o dispositivo constitucional” e que mineração em Terra Indígena só pode ser realizada “mediante o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) dos próprios indígenas e ancorado no marco regulatório que contemple a participação e a autonomia dos povos indígenas”. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) já havia se posicionado contra o PL. Mas agora é a própria Vale, a maior mineradora do país, que se coloca contra o projeto que está tramitando em regime de urgência no Congresso.

Muitas empresas grandes brasileiras têm criticado o projeto, mas não publicamente. Ocorre que esta proposta e a maneira como ele está sendo encaminhada — de forma açodada e não democrática — será um tiro no pé do setor produtivo brasileiro caso seja aprovada.

Quem acha isso, e me disse ontem numa entrevista na Globonews, foi o economista José Roberto Mendonça de Barros, que ocupou os cargos de secretário de Política Econômica e secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior no governo Fernando Henrique.

— O projeto de lei é uma loucura, não tem nada a ver. É aproveitar uma situação de fato — a falta de potássio — para realizar uma pauta ideológica absurda. Uma mina de potássio leva de cinco a dez anos para ficar pronta. As maiores reservas estão fora de Terras Indígenas, e as reservas da Amazônia são de difícil exploração. É um disparate econômico — diz.
A Vale, em longo posicionamento, respondendo a uma pergunta feita por mim, disse que o reconhecimento de os indígenas serem ouvidos, serem informados e decidirem livremente, conhecido pela sigla CLPI, “é fundamental para atender aos diretos das populações indígenas de determinar o próprio desenvolvimento e o direito de exercer a autodeterminação diante de decisões que dizem respeito aos seus territórios”.

A Vale não tem mais qualquer direito minerário, nem desenvolve pesquisa ou lavra em Terra Indígena no Brasil porque no ano passado ela devolveu as que tinha e desistiu de qualquer exploração nessas áreas. Ela atua no Canadá. “A Vale desenvolve atividades em terras tradicionais em países onde há regulamentação vigente, como é o caso de Voisey’s Bay no Canadá, sempre com estrita observância dos princípios mencionados acima, com destaque para o Consentimento Livre, Prévio e Informado”.

O PL 191 está tramitando em regime de urgência, porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, atendeu a um pedido do presidente Bolsonaro, que alegou necessidade de potássio para a agricultura brasileira. Isso não é verdade, mas o assunto já entrou na campanha. Ontem, na Qi 26 em Brasília, Lago Sul, um outdoor era visto com os dizeres: “O Brasil é agro. Agradecimento pela aprovação do PL 191. Com adubo do Brasil a comida fica mais barata. Produtores rurais da Amazônia.” Como se nas terras indígenas houvesse o adubo que está faltando hoje ao Brasil. Com o regime de urgência não tem debates nas comissões. Lira criou uma comissão não prevista no regimento e que não terá poderes. Será mais uma forma de enganar.

No Congresso se diz que está difícil para os partidos acharem quem queira fazer parte. A informação das fontes políticas é a de que Bolsonaro prometeu isso aos grandes garimpeiros — que são os que têm muito capital e investem em maquinário pesado — durante a última campanha eleitoral e agora está sendo cobrado por eles. Então decidiu passar o trator aproveitando a guerra como pretexto.

Mendonça de Barros disse que esse projeto elevará as barreiras contra o Brasil, e a guerra mostrou isso, o peso do risco reputacional.

— Um efeito da guerra que ninguém esperava foi que mais de 400 companhias do mundo inteiro decidiram sair da Rússia. Por que fizeram isso? Pelo péssimo comportamento da Rússia. Isso é efeito direto da pauta ESG. Isso virou uma realidade concreta, empresas vão conscientemente perder dinheiro, ativos e mercado. A mesma coisa acontecerá aqui — disse ele, referindo-se ao aumento do desmatamento e às propostas como o PL 191.

Segundo o economista, haverá “chance zero” de a Europa aceitar produto de um país que apoia garimpeiro ilegal e desmatador. Ele explicou que a guerra levará os países a procurar fornecedores alternativos para tudo. Poderia ser uma chance para o Brasil, inclusive na área industrial. Mas sem a proteção da Amazônia o Brasil será barrado.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/vale-e-contra-o-projeto-de-lei-191.html


Pedro Fernando Nery: Bolsonaro, do Bolsa Família ao Auxílio Brasil

Pedro Fernando Nery / O Estado de S. Paulo

Fábrica de ruminantes. Bolsa Farelo. Voto de cabresto. Vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz nada.

Tem meninas no Nordeste que batem a mão na barriga grávida e fala ‘esse aqui vai ser uma geladeira’, ‘esse aqui vai ser uma máquina de lavar’. E não querem trabalhar.

Se, hoje em dia, eu der R$ 10 para alguém e for acusado de que esses R$ 10 seriam para a compra de voto, eu serei cassado. Agora, o governo federal dá para 12 milhões de famílias a título de Bolsa Família definitivo, e sai na frente com 30 milhões de votos.

Disputar eleições num cenário desses é desanimador, é compra de votos mesmo.

O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder. Nós devemos colocar, se não um ponto final, uma transição a projetos como o Bolsa Família.

O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque, se for trabalhar, perde o Bolsa Família.

Para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia e agradar a quem quer que seja para buscar voto.

É um programa que temos que manter e, por questões humanitárias, olhar com muito carinho.

A mentira mais estapafúrdia que existe, em especial na Região Nordeste, é a de que eu iria acabar com o Bolsa Família. Muita gente precisa dele para sobreviver. Jamais pensaria em acabar.

Nós somos defensores do Bolsa Família.

O gasto em 2020 com auxílio emergencial equivale a 13 anos de Bolsa Família. Por que fizemos isso? Porque governadores simplesmente mandaram fechar o comércio.

Ontem nós decidimos, como está chegando ao fim o auxílio emergencial, dar uma majoração ao antigo programa Bolsa Família. Agora chamado Auxílio Brasil, de R$ 400.

Ninguém vai furar teto, ninguém vai fazer nenhuma estripulia no Orçamento. Mas seria extremamente injusto deixar aproximadamente 17 milhões de pessoas com valor tão pouco no Bolsa Família.

Impossível os que mais necessitam viverem com tão pouco.

Então um governo que tem sensibilidade, sim, com os mais humildes. Até o ano passado o Bolsa Família pagava em média 190. Agora o Auxílio Brasil, desde dezembro do ano passado, tá pagando no mínimo 400 reais. Ou seja, uma ajuda a quem precisa.

O Auxílio Brasil é um programa que é eterno. Veio pra valer.

*O texto reúne falas do presidente Bolsonaro nos últimos 12 anos

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pedro-fernando-nery-bolsa-familia-auxilio-brasil-jair-bolsonaro,70004015642


Eliane Cantanhêde: Temer e um ‘pacto nacional’

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

As coisas não estão fáceis. Aliás, andam muito complicadas. É por isso que o ex-presidente Michel Temer tem sido procurado por todos os presidenciáveis, exceto o petista Lula, e defende que só há uma solução para quem se eleger presidente da República em outubro: propor um pacto nacional consistente para reconstruir as condições políticas e o País.

Um pacto com presidentes de Poderes, partidos, governadores, empresários e as frentes da sociedade civil, mas principalmente dirigido para os derrotados e seus seguidores, para o(a) eleito(a) ter condições de governabilidade, poder virar a página e escrever o futuro, depois de uma polarização tão destrutiva.

Se o ex-presidente Lula vencer, os bolsonaristas estarão em pé de guerra contra as urnas eletrônicas, o Supremo, o TSE, o eleito e o novo governo. Se o presidente Jair Bolsonaro conquistar a reeleição, os petistas vão lotar as ruas, pintar e bordar.

“O presidente que ganhar a eleição nesse clima vai passar quatro anos atormentado, com denúncias, ameaças, pedidos de impeachment”, disse Temer ontem, em seu escritório de São Paulo. Ele ligou para o TSE sugerindo que a propaganda institucional deste ano seja focada na paz. “O Brasil precisa de paz, de pacificação. Aliás, como a Constituição determina.”

Como professor de Direito Constitucional, teoriza: “A vontade primeira é a do povo. Todo poder emana do povo e as autoridades constituídas são secundárias, não existem três Poderes, existe um, o povo. Eles são órgãos do poder, exercem funções para atender o povo”.

Já o político Temer, mais prático, condena quem insiste que a terceira via não vai dar em nada. “Isso desmotiva o eleitor, desarticula os que tentam construir uma coluna do meio, o que não é uma homenagem a um candidato, mas ao eleitor que não quer nem um nem outro (Lula e Bolsonaro).”

O ex-presidente diz que há “uma grande intranquilidade” e aponta um dos grandes problemas da polarização: “Todo mundo vota contra, não a favor de alguma coisa. O próprio voto do Bolsonaro foi contra Lula, como o de Lula agora é contra Bolsonaro”.

Segundo Temer, “ainda há muita indefinição na eleição”. “As certezas de ontem já não são certezas hoje. As pesquisas de hoje refletem hoje, não amanhã.” Pode haver surpresas? Ele: “Claro!”.

Uma pulga atrás da orelha: será que Temer, 81 anos, sonha em ser a “coluna do meio”? Medindo as palavras, ele diz que, daqui e dali, falam nisso e ele desconversa: “Se a eleição fosse aqui (onde a ideia surge), quem sabe? Mas um presidente precisa de 60 milhões de votos. Com oito, nove candidatos? É muito difícil”.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,michel-temer-e-um-pacto-nacional,70004015829


Antipetismo supera petismo, de acordo com pesquisa BTG/FSB

Davi Medeiros / O Estado de S.Paulo

Partido dos Trabalhadores é o mais lembrado pelos brasileiros quando questionados sobre preferência por uma agremiação política, segundo pesquisa FSB/BTG divulgada na segunda-feira, 21. Dos entrevistados pelo levantamento, 16% disseram gostar mais da sigla de Lula que de outras, o maior índice entre os partidos. Entretanto, o PT também ficou em primeiro lugar entre as legendas mais rejeitadas, o que revela polarização. Nesse caso, a taxa foi ainda superior, de 28%.

Metade das pessoas consultadas pela pesquisa disse não rejeitar nenhum partido, e a maioria não tem nenhum partido de preferência (76%). Depois do PT, os mais rejeitados foram o PSOL e o “partido do Bolsonaro” - que é o PL, mas parte dos entrevistados não sabia -, ambos empatados com 7%. Depois, vem o PSDB, com 5%, e nomeadamente o PL, com 4%. O MDB foi lembrado por 3% das pessoas; o PSL e o PCdoB, por 2% cada.

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Entre os partidos pelos quais há preferência, o PT foi o mais lembrado pelo nome. Em segundo lugar, com 2%, vieram menções ao “partido de Lula”. Foram 7% os que disseram preferir “outros”, o que também inclui o “partido de Bolsonaro”, o MDB e o PSOL. 

A pesquisa FSB/BTG ouviu 2 mil pessoas por telefone entre os dias 18 e 20 de março. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. O levantamento foi registrado na Justiça Eleitoral sob o código BR-09630/2022.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pesquisa-btg-fsb-petismo-antipetismo-pt-lula,70004015951


'Historiadores dirão que momento atual foi o início da 3ª Guerra Mundial'

Mariana Sanches / BBC News Brasil

A provocativa interpretação sobre o conflito armado que eclodiu na Europa nas últimas semanas é feita pelo cientista político da Universidade de Chicago Paul Poast, estudioso de como o poderio financeiro é central em esforços de guerra.

Poast argumenta que a participação ativa na guerra vai bem além do envio de tropas a um campo de batalha. Para ele, armar ou financiar um dos lados de um conflito é também participar ativamente dele. E por isso, tanto os Estados Unidos quanto a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) - que nas últimas semanas não só enviaram bilhões de dólares em ajuda aos ucranianos como aplicaram as maiores sanções econômicas da história à Rússia de Vladimir Putin - já poderiam ser considerados partícipes da guerra atual.

Assim, na prática, as maiores potências econômicas mundiais e bélicas (Rússia, Estados Unidos e Europa Ocidental), já estariam em confronto direto, e já viveríamos o princípio da Terceira Guerra Mundial.

Há precedentes históricos para apoiar a interpretação de Poast. O principal deles, segundo o cientista político, seria o próprio ataque dos japoneses a Pearl Harbor, ato que arrastou os americanos para os campos de batalha da Segunda Guerra Mundial.

De acordo com o pesquisador, o ataque do Japão ao território americano, em dezembro de 1941, aconteceu porque os japoneses se viram incapazes de vencer a guerra que lutavam na China e atribuíam seu insucesso na Ásia às sanções impostas pelos americanos ao petróleo japonês e ao auxílio financeiro e armamentício que o governo dos EUA vinha oferecendo à China.

Por esse mesmo raciocínio, Poast acredita que é apenas uma questão de tempo - e de capacidade de organização e força militar - para que a Rússia ataque a Polônia, por onde hoje escoam a maior parte dos comboios de ajuda da Otan e dos EUA para a Ucrânia. Isso, no entanto, acarretaria em uma importante escalada da guerra, já que a Polônia é membro da Otan, o que implicaria que os demais países da aliança viriam a seu socorro nos campos de batalha.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Poast à BBC News Brasil, editada por clareza e concisão.

O cientista político Paul Poast, da Universidade de Chicago (EUA)
Legenda da foto,O cientista político Paul Poast, da Universidade de Chicago (EUA)

BBC News Brasil - Já estamos vivendo uma guerra mundial sem que ainda tenhamos compreendido completamente isso?

Paul Poast - Temos ouvido do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que nós já estamos na Terceira Guerra Mundial, e outros líderes e pensadores têm dito coisas semelhantes.

A minha resposta é que depende de como se define guerra. Algumas pessoas usam a expressão Terceira Guerra Mundial para se referir a um conflito em que as armas nucleares estão sendo usadas e, portanto, seria realmente uma guerra muito curta porque seria a aniquilação nuclear. Outros dirão que uma guerra mundial tem que acontecer em vários locais ao redor do mundo ao mesmo tempo. Ou seja, não pode ser apenas como na guerra atual, apenas na Ucrânia, mas teria que incluir dois ou três continentes. Mas, na minha opinião, você não precisa necessariamente ir tão longe.

A chave para definir se algo é uma guerra mundial é realmente pensar sobre até que ponto diferentes países estão participando desse conflito. E isso está muito relacionado a outro conceito que muitos formuladores de políticas e estudiosos usam, que é a noção de uma guerra entre grandes potências, algo que muitos defendem que não acontece desde a Segunda Guerra Mundial. Então, minha resposta é que acho que podemos estar nos estágios iniciais do que os historiadores podem dizer mais tarde ser o início de uma guerra mundial, mesmo que armas nucleares nunca sejam usadas.

BBC News Brasil - E por que pensa isso?

Poast - A razão pela qual digo isso é porque, em primeiro lugar, você já tem uma grande potência envolvida diretamente, a Rússia. Em segundo lugar, embora outras grandes potências, como os Estados Unidos, não lutem na guerra diretamente, estamos muito perto disso. Os Estados Unidos estão abertamente fornecendo todos os tipos de armas à Ucrânia para combater a Rússia. E o fato de não fazerem em segredo, como no Afeganistão, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão em 1989, é algo que realmente diferencia a guerra atual das chamadas guerras por procuração mais tradicionais, quando as potências apoiam um dos lados de forma velada, sem divulgar isso abertamente.

O Iêmen é um ótimo exemplo de uma guerra por procuração entre, digamos, a Arábia Saudita e o Irã, que vivem em uma espécie de guerra fria há décadas, na qual os dois países têm tentado evitar conflitos militares diretos entre si, mas têm investido em muitos conflitos militares indiretos no Iêmen.

Mas no conflito da Ucrânia, os lados são muito claros. De um lado, temos a Rússia, com alguma ajuda da Bielorrússia e tentando ajuda de outros países como a China. De outro lado, a Ucrânia com a Otan, os Estados Unidos e vários outros países do chamado Ocidente que os apoiam. E então, nesse sentido, as linhas de batalha, os lados são muito claros. O campo de batalha é muito claro. E também, novamente, o apoio na participação dos lados é muito claro. Então, nesse sentido, ele tem muitas características das coisas que você procuraria ao tentar dizer que algo é uma guerra entre grandes potências e, dependendo de quantas grandes potências estão envolvidas, você pode dizer que é realmente uma guerra mundial.

Biden discursa
Biden acusou Putin de planejar ataque por meses e tem abertamente fornecido ajuda financeira e armamentícia à Ucrânia

A única coisa que atualmente levaria alguém a dizer que não estamos em uma guerra mundial é que ainda não temos aquele confronto militar direto entre, digamos, as forças da Otan ou os Estados Unidos contra a Rússia. Mas se você olhar para comentários que Zelensky e outros fizeram, há um tom de que isso inevitavelmente deverá acontecer e, quando os historiadores olharem para esse período, dirão que em fevereiro 2022, quando a guerra começou, os lados já recebiam assistências de outros países e, eventualmente, isso alimentou o confronto militar direto. Mas essa é a única coisa que ainda não vimos. É uma grande coisa, claro, mas todo o restante dos fatores já indica para uma guerra mundial.

BBC News Brasil - O governo americanotenta estabelecer limites para a participação dos EUA na guerra. Biden já disse que não enviará combatentes americanos para lutar contra os russos em território ucraniano, mas não parece ver como participação de guerra o envio de armas e recursos financeiros. No entanto, a participação dos americanos nas duas guerras mundiais começou exatamente pelo auxílio econômico e armamentício que os americanos enviaram aos seus aliados.Então, como explicar essa linha de não participação que parece bastante artificial?

Poast - Acho que artificial é a palavra certa aqui. Uma grande área da minha pesquisa é o que chamo de economia política da guerra ou economia da guerra, então levo muito a sério a ideia de fornecer fundos, suprimentos, recursos e sobre como isso é tão vital para a guerra. Para mim, se você é o financiador/ fornecedor essencial, você é um contribuinte-chave para o esforço de guerra. E por isso é difícil dizer que você não é um participante dessa guerra. E por isso essa palavra artificial é muito importante, porque se olharmos para a participação dos EUA na Segunda Guerra Mundial, em particular, os americanos foram fundamentais para suprir os aliados por muitos anos antes de diretamente se envolverem nos conflitos.

Entre 1940 e 1941, embora os EUA não enviem tropas oficialmente para a guerra até 1942, eles já estão fornecendo as armas e, do ponto de vista da Alemanha, do ponto de vista de Hitler, já estão envolvidos no conflito e já são vistos como uma grande ameaça. E, portanto, da perspectiva do inimigo, não importa muito se você declarou guerra ou se se reconhece como parte da guerra, se ao financiar ou armar um dos lados você se torna o principal motivo pelo qual o inimigo está perdendo essa guerra ou está tendo mais dificuldade para vencê-la.

É possível ver que o Putin opera com essa lógica de entender a ajuda para a Ucrânia vinda do Ocidente, da Otan, dos Estados Unidos, como parte do conflito. Ele inclusive fez declarações sobre como essas sanções já são uma guerra econômica. Da perspectiva de Putin, ele já está em guerra com o Ocidente, com os Estados Unidos. Para ele, não importa que ainda não tenham sido usadas tropas americanas. Claro que é possível dizer que importa, já que a presença do exército americano seria um ponto-chave de escalada no conflito. Mas se Putin continuar tendo seu progresso militar frustrado na Ucrânia, ele dirá que a causa disso é a assistência que está sendo fornecida pelos Estados Unidos, pela Otan. E então, de sua perspectiva, não é uma luta entre a Rússia e a Ucrânia, ele se vê lutando contra o Ocidente na Ucrânia. Por isso que eu acho que artificial é uma boa palavra, porque sim, Biden pode dizer que ainda não está em guerra, mas Putin vê a situação de forma diferente.

BBC News Brasil - E, de acordo com seu raciocínio, Putin não está errado em pensar assim.

Poast - Sim. Há quem questione esse raciocínio dizendo: bem, Putin ainda não atacou um país da Otan, se ele realmente acha que estava em guerra com a Otan, ele já não teria atacado a Polónia? E a resposta pode ser, bem, o tempo dirá. Pode ser que nas próximas semanas ele ataque a Polônia. E pode ser que ele não o tenha feito ainda porque não tem a capacidade de abrir uma nova frente militar por conta das dificuldades grandes na Ucrânia. Ele pode, na verdade, ser alguém racional o suficiente para dizer 'não quero disparar uma arma nuclear porque ainda não estou em uma situação desesperadora o suficiente para fazer isso'.

Mas acredito que se ele tivesse condições militares um pouco melhores, ele já teria expandido essa guerra. No início da guerra, eu falei sobre como, dependendo de quão fácil fosse conquistar a Ucrânia - o que obviamente se mostrou bastante difícil - Putin procuraria expandir o conflito para os países vizinhos, então acho que a única razão pela qual ele ainda não atacou outros pontos da Europa ocidental é que ele simplesmente não conseguiu vencer ainda na Ucrânia, e por isso não tem como redirecionar forças.

BBC News Brasil - Mas isso seria um cenário em que as intenções de Putin vão muito além da Ucrânia. Na sua avaliação, o que Putin deseja com sua ofensiva militar?

Poast - Acho que seu objetivo final era recriar pelo menos uma parte do Império da União Soviética, possivelmente até mesmo do Império Russo. E percebe-se isso em sua retórica antes da invasão. E se tivesse sido fácil, creio que ele teria buscado a anexação completa da Ucrânia para tornar a Ucrânia não apenas um estado independente subserviente à Rússia, mas realmente torná-la parte da Rússia. E se ele tivesse conseguido isso, acho que teria mirado em outras ex-repúblicas soviéticas que não estão totalmente alinhadas com a Rússia, como a Moldávia ou a própria Geórgia. E se isso se mostrasse fácil o suficiente, ele se voltaria para os estados bálticos, embora, é claro, os estados bálticos sejam um cenário totalmente diferente porque estão na Otan.

Agora, na minha opinião, ele teve que ajustar seu objetivo. Acredito que ele ainda espera conseguir uma mudança de regime na Ucrânia. O cenário, no entanto, é que ele pode acabar em um atoleiro na Ucrânia, de onde não quer recuar, mas onde também não consegue avançar em seu objetivo final.

Volodymyr Zelensky
Zelensky tem comandado a resistência ucraniana, mas mudança no regime ainda é objetivo de Putin, diz Poast

BBC News Brasil - Antes da invasão, Biden deixou claro que forças da Otan ou dos EUA não lutariam diretamente na Ucrânia, mas não anunciou qualquer restrição em termos de apoio financeiro ou armamentício a Zelensky. Recentemente, no entanto, os americanos e seus aliados excluíram a possibilidade de envio de aviões de guerra para a Ucrânia. Por que barrar o envio de aviões se já estão enviando drones antiaéreos?

Poast - Enviar aviões seria uma receita pronta para escalar o conflito. Isso porque enviar os aviões por terra, para uma zona de guerra, seria um enorme desafio logístico. Então os jatos teriam que decolar de algum território da Otan, conduzir operações militares e depois voltar para a base. E por isso mesmo, inicialmente, a ideia era de que os aviões partissem de uma base na Alemanha e não na Polônia, já que a partir da base aérea polonesa, perto da fronteira com a Ucrânia, os aviões e a própria base aérea seriam alvos fáceis para os russos. Mas o problema não é só esse. Mesmo que os pilotos fossem ucranianos, seriam aviões poloneses, partindo de uma base dos Estados Unidos na Alemanha para atacar em território ucraniano e depois retornar à base. Os russos evidentemente veriam nisso uma escalada na participação de EUA e aliados da Otan.

BBC News Brasil - Certo, mas os Estados Unidos e seus aliados estão continuamente enviando armamentos para os ucranianos e essas armas passam normalmente pela fronteira da Polônia com a Ucrânia. Então qual é a diferença entre enviar aviões ou outras armas a partir do território polonês?

Poast - Sim, e por isso uma das maiores preocupações atuais está na possibilidade de a Rússia mirar esses comboios de recursos e suprimentos, que estão cruzando a fronteira entre a Polônia e a Ucrânia. E por isso mesmo eu acho que se há algum membro da Otan com maior probabilidade de ser atacado pelos russos hoje é a Polônia.

É verdade que Putin tem interesses territoriais nos Balcãs e que antes eles seriam um alvo mais óbvio, mas a Polônia é hoje quem oferece assistência à Ucrânia mais diretamente e é fácil para os russos dizerem que a Polônia é o canal de armas para os ucranianos, além de ser para onde boa parte dos refugiados está seguindo. Então, esse poderia ser precisamente o argumento da Rússia para atacar um país da Otan acusando-o de ter agredido primeiro, acusando de ser blefe esse argumento dos líderes políticos dos Estados Unidos de que exista uma distinção entre fornecer armas e operá-las diretamente em uma guerra.

Pessoa caminha ao lado de outdoor com rosto de Putin
"A Rússia não começa guerras, acaba com elas", dizia outdoor com rosto de Putin, na Crimeia

BBC News Brasil - Existe algum precedente histórico de uma situação como essa?

Poast - O melhor exemplo disso, historicamente, são os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

Em 1937, o Japão se envolveu em uma guerra na China e então os Estados Unidos acabaram impondo um embargo de petróleo no Japão por causa disso. Mais tarde, a China também foi beneficiada com suprimentos no Lend-lease (um programa do presidente americano Franklin Roosevelt para financiar, por meio de empréstimo, armas e recursos para países aliados). E, no limite, isso levou o Japão a perceber que não teria condição de vencer a guerra na China dado o apoio americano e à decisão dos japoneses de atacar Pearl Harbor.

Basicamente, o ataque do Japão a Pearl Harbor tinha o objetivo de interromper o auxílio de guerra à China, mesmo que os americanos não tivessem qualquer tropa em território chinês. Esse é um caso clássico em que os EUA tentaram não se envolver efetivamente no conflito, mas foram percebidos como uma ameaça tão significativa que acabaram sendo atacados e levados ao conflito diretamente.

BBC News Brasil - A China é central no destino desse conflito e tem mantido uma postura ambígua até agora. Na semana passada, o líder chinês Xi Jinping e o presidente americano Joe Biden conversaram por quase duas horas sobre a situação. Os americanos têm acusado os chineses de cogitar financiar os russos na Ucrânia, o que Pequim nega. Depois da conversa, Xi afirmou que os países não devem se confrontar em campos de batalha. Como vê a situação chinesa?

Poast - A posição da China durante toda esta crise tem sido de ambiguidade, eles não fizeram declarações fortes contra ou a favor da Rússia. O que parece sair dessa conversa entre os EUA e a China, de que devem evitar se confrontar diretamente na Ucrânia, pode ser lido de várias maneiras. Não significa que a China não apoiará a Rússia. Significa apenas que, como Biden, Xi não pretende enviar tropas chinesas diretamente para a Ucrânia. Os dois países não querem que uma potencial guerra por procuração entre ambos se torne uma guerra direta entre os EUA e a China. E vale lembrar que os dois países já estiveram em lados opostos em conflitos depois da Segunda Guerra Mundial - o Vietnã é o melhor exemplo disso.

Mas se não devemos esperar confronto direto entre os países, ainda está na mesa para a China fornecer algum tipo de assistência direta à Rússia. E a ameaça de sanções econômicas (pelos EUA) certamente não são o suficiente para barrar a China de fazer aquilo que ela acha ser de seu interesse estratégico primordial. As pessoas apontam as enormes trocas comerciais entre EUA e China para dizer que uma guerra entre os dois países é improvável pelo custo econômico que acarretaria a ambos e ao mundo. Mas em 2017, quando houve a crise dos mísseis da Coreia do Norte, a China aliviou a crise, mas deixou claro que se os EUA atacassem a Coreia do Norte, os chineses defenderiam o país, embora tenham deixado claro que ficariam neutros se um ataque americano fosse motivado por uma provocação norte-coreana. Naquele momento, eles foram capazes de aliviar a crise, mas deixaram claro que arriscariam um conflito com os americanos em nome de sua aliança estratégica com a Coreia do Norte.

E a assistência à Rússia segue a mesma lógica. Recentemente Putin e Xi assinaram esse acordo de amizade, se veem como parte dessa nova ordem internacional que querem liderar. E por isso essa é uma das maiores implicações desse conflito, que vai muito além das cenas horríveis de ataques a civis e destruição de um país. Se a China optar por uma aliança com a Rússia para tentar criar uma ordem internacional alternativa ao Ocidente, isso teria enormes implicações basicamente para o resto do século 21.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60829662


Moraes ganha respaldo de ministros do STF e do TSE ao enfrentar Telegram

Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — Após o Telegram cumprir a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e se mostrar disposto a cooperar com as autoridades brasileiras, ministros da Corte avaliaram o resultado da determinação do colega como positivo.

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Na última sexta-feira, Moraes determinou a suspensão do acesso ao Telegram em território brasileiro por sucessivas falhas do aplicativo em atender decisões e intimações judiciais, questão agravada pela falta de uma representação formal da empresa no Brasil.

Integrantes do STF ouvidos reservadamente pelo GLOBO afirmam que a determinação do ministro obteve o melhor resultado possível, uma vez que conseguiu, sem que fosse preciso bloquear de fato o Telegram, estabelecer uma comunicação com a plataforma — que desde 2018 vinha ignorando as tentativas de contato por parte das autoridades brasileiras.

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Para esses interlocutores da Corte, a decisão de Moraes, embora arriscada, atingiu o objetivo desejado. Também entre os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a decisão foi amplamente apoiada.

Para um integrante da Corte eleitoral, a ordem de Moraes de proibir o aplicativo no Brasil serviu para mostrar que o Brasil é um "santuário onde a lei não alcança".

Em dezembro do ano passado, o então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, mandou um ofício para o diretor-executivo do Telegram, Pavel Durov, pedindo cooperação no combate às fake news. O comunicado, no entanto, não foi respondido.

Na sexta-feira, após a decisão de Moraes, Durov pediu desculpas ao STF pela "negligência" do aplicativo em atender a intimações da Corte e alegou que houve uma "falha de comunicação" com a Corte, que teria, de acordo com o diretor do aplicativo, usado um e-mail antigo da empresa para enviar as intimações.

Também fruto da decisão dada por Moraes, o aplicativo informou ao STF que o advogado Alan Campos Elias Thomaz foi nomeado representante legal da plataforma no Brasil, assim como a adoção de sete medidas para combater a desinformação na plataforma.

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Instalado em 53% dos smartphones no país, segundo levantamento do site MobileTime em parceria com a empresa de pesquisas online Opinion Box, o Telegram preocupa as autoridades eleitorais pelo potencial de uso descontrolado nas eleições, como a possibilidade de grupos para até 200 mil pessoas e canais com capacidade ilimitada de inscritos. No WhatsApp, principal rival do aplicativo no país, grupos têm limites de 256 membros.

A plataforma tem sido usada principalmente pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL) como forma de tentar evitar eventuais punições das plataformas digitais, como ocorreu com o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/moraes-ganha-respaldo-interno-de-ministros-do-stf-do-tse-ao-enfrentar-telegram-25442636


Bloqueio do Telegram impulsiona perfil de Bolsonaro no aplicativo

Levy Teles / O Estado de S.Paulo

A suspensão do Telegram no Brasil, decretada na sexta-feira passada e revogada anteontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, impulsionou os perfis da família Bolsonaro no aplicativo, mostra levantamento do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia, realizado em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) a pedido do Estadão.

Nos últimos três dias, o presidente Jair Bolsonaro ganhou 142 mil inscritos em sua página no aplicativo, um aumento de 13,1%. Ontem, o perfil do chefe do Executivo tinha 1,2 milhão de seguidores. Bolsonaro ganhou quase três vezes mais seguidores que o total do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (51 mil) no Telegram.

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O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) registrou 11 mil seguidores a mais no período e chegou aos 100 mil inscritos na rede social, um aumento de 12,1%. O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que tinha 77 mil inscritos até sexta, ganhou 10 mil seguidores – um crescimento de 12,3%. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) conquistou 3 mil seguidores, um aumento de 5%.

“A ação de Moraes causou um redemoinho nos grupos de extrema direita”, afirmou o coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais, Leonardo Nascimento, que monitora articulações da extrema direita no Telegram. Segundo o pesquisador, os grupos monitorados trocaram cerca de 300 mil mensagens ao longo de sexta-feira, dia do anúncio do bloqueio do Telegram – número próximo ao registrado no 7 de Setembro, um dos mais intensos na plataforma.

“Se olharmos os efeitos políticos disso, a ação causa um clima de guerra nos grupos de extrema direita, algo que alimenta a ação deles”, observou Nascimento.

'Implacável"

Bolsonaro voltou a criticar ontem a decisão de Moraes e se disse alvo de “perseguição implacável” por parte do ministro. “Sabemos da posição do Alexandre de Moraes. É uma perseguição implacável para cima de mim”, afirmou o presidente à Jovem Pan. “Sabemos o que eles querem. Querem eu fora de combate e o Lula, eleito.”

Bolsonaro considerou, ainda, a medida contra o aplicativo um “crime”. “Um crime, um ato lamentável. São milhões de pessoas que usam Telegram, você não pode prejudicar”, declarou./COLABOROU EDUARDO GAYER

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Fonte: O Estado de S. Paulo


Com possível saída de Braga Netto, Bolsonaro avalia nova troca no comando do Exército

Alice Cravo e Daniel Gullino / O Globo

BRASÍLIA — Por trás da indicação de que terá o general Walter Braga Netto como vice em sua chapa, o presidente Jair Bolsonaro avalia outra mudança considerada estratégica dentro do governo: o comando do Exército. No xadrez político em discussão no Palácio do Planalto, o atual chefe da Força, Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, deve ser promovido a ministro da Defesa, abrindo a disputa por sua vaga.

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O mais cotado para ocupar o posto é o general Marco Antonio Freire Gomes, como revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim no domingo. O general é o atual Comandante de Operações Terrestres e considerado linha-dura entre integrantes da tropa. Num sinal de prestígio, ele viajou com o presidente na comitiva que foi à Rússia e à Hungria no mês passado.

Caso Freire Gomes seja mesmo o escolhido, será a segunda vez que Bolsonaro vai ignorar a ordem de antiguidade na escolha do comandante, a exemplo do que fez ao nomear Paulo Sérgio, em março do ano passado. Entenda, em reportagem exclusiva para assinantes, como a possibilidade de Bolsonaro realizar a terceira troca no comando do Exército em três anos de governo repercutiu internamente, segundo generais ouvidos pelo GLOBO. Saiba qual a avaliação sobre Paulo Sérgio e como é visto o nome de Freire Gomes.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/com-possivel-saida-de-braga-netto-bolsonaro-avalia-nova-troca-no-comando-do-exercito-1-25442700


Ministro da Educação diz priorizar amigos de pastor a pedido de Bolsonaro; ouça áudio

Paulo Saldaña / Folha de S. Paulo

Em conversa gravada obtida pela Folha, ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirma que o governo federal prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores que não têm cargo e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC (Ministério da Educação).

Milton Ribeiro diz que isso atende a uma solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro na conversa em que participaram prefeitos e os dois religiosos.

Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura têm, ao menos desde janeiro de 2021, negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.

Os recursos são geridos pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC controlado por políticos do centrão.

Autoridades aparecem de pé à frente de dezenas de pessoas em um auditório. Eles são na maioria homens, de ternos escuros, há uma mulher à esquerda de rosa
Presidente Jair Bolsonaro (PL) participa de evento no MEC, em fevereiro de 2021, com ministro Milton Ribeiro e, ao lado dele, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura - Reprodução

Na reunião dentro do MEC, Ribeiro falava sobre o orçamento da pasta, cortes de recursos da educação e a liberação de dinheiro para essas obras na presença de prefeitos, lideranças do FNDE e dos pastores Gilmar e Arilton.

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz o ministro na conversa.

Milton Ribeiro também indica haver uma contrapartida à liberação de recursos da pasta. "Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas".

Na gravação, ele não dá detalhes de como esse apoio se concretizaria.



O governo Bolsonaro tem sido marcado por cortes de recursos da educação. Os investimentos da pasta, nos dois primeiros anos da atual gestão, foram os menores da década.

Questionados, MEC, FNDE e a Presidência não responderam. Gilmar Santos e Arilton Moura foram procurados, mas também não se manifestaram.

Os dois pastores têm proximidade com Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. Em 18 de outubro de 2019, participaram de evento no Palácio do Planalto com o presidente e ministros.

Em 10 de fevereiro do ano passado, por exemplo, estiveram ao lado de Ribeiro e também do presidente Bolsonaro em evento no MEC com 23 prefeitos —os nomes dos pastores não aparecem na agenda oficial.

A atuação dos pastores foi revelada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Quatro homens estão sentados, atrás deles há duas bandeiras
Bolsonaro recebe os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura no Palácio do Planalto em evento no dia 18 de outubro de 2019 - Carolina Antunes/PR

Segundo relatos de gestores e assessores feitos sob anonimato, os pastores negociam pedidos para liberação de recursos a prefeituras em hotéis e restaurantes de Brasília.

Depois, entram em contato com o ministro Milton Ribeiro, que determina ao FNDE a oficialização do empenho —o primeiro passo da execução orçamentária, que reserva o recurso para determinada ação.

Políticos chegaram a ser recebidos na residência do próprio ministro, fora da agenda oficial, após reuniões no hotel Grand Bittar, na capital federal.

Em 5 de janeiro, o prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), gravou um vídeo com o ministro direto do apartamento dele, na Asa Norte de Brasília. Calvet falava sobre encontro "para tratar de liberação de recursos para construção de escolas, de uma creche e equipamentos".

O prefeito disse à reportagem que foi um encontro informal, mas que acabou rendendo mais. "Milton Ribeiro é pastor evangélico, amigo de outros pastores. Por causa desses amigos, estivemos juntos", disse ele, que reforçou a atuação de parlamentares nas demandas do município.

Calvet Filho negou que tenha negociado obras com os pastores. Disse conhecer Arilton pessoalmente e ter falado com Gilmar só por telefone. As conversas com os dois, diz o prefeito, foram para organizar pregações de Gilmar na cidade.

O prefeito afirma que conseguiu a liberação de cinco obras de educação. Pelo regramento do PAR (Plano de Ações Articulações), as transferências do FNDE devem seguir somente critérios técnicos analisados de modo impessoal pelos técnicos do órgão.

Em 15 de abril do ano passado, os pastores participaram de evento no MEC, em posição de destaque ao lado do ministro e, no mesmo dia, negociaram obras de educação com gestores no hotel Grand Bittar e no restaurante Tia Zélia, ambos em Brasília.

Prefeitos presentes nesses encontros conseguiram liberação para novas obras. O município de Anajatuba (MA), de 27 mil habitantes, por exemplo, teve seis obras empenhadas —a prefeitura nem sequer comprou os terrenos.

O prefeito Helder Aragão (MDB) esteve no MEC em 15 de abril e se encontrou com o pastor Arilton no hotel Grand Bittar, local usado recorrentemente pelos pastores.

"Esse pastor Arilton eu conheci em Brasília. Não tenho amizade com ele, fui até um hotel em Brasília onde tinha vários prefeitos e ele falava que conseguia obra para o FNDE", disse Aragão.

Aragão afirmou que, mesmo em Brasília, não negociou obras com os pastores nem com qualquer pessoa do MEC, e que os empenhos foram garantidos pelas vias burocráticas.

Há três homens na foto, de terno: o ministro está à esquerda, de olhos fechados e cabeça inclinada; o outro segura fala ao microfone e o terceiro aparece ao fundo
Ministro da Educação, Milton Ribeiro, com os pastores Arilton Moura (ao fundo) e Gilmar Santos em culto em Goiânia (GO) - Reprodução/ redes sociais

As intermediações dos pastores também ocorreram em eventos pelo interior do país, sobretudo na região Norte. Ambos acompanharam o ministro e o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, em viagens a municípios.

Em maio passado, estiveram em Centro Novo (MA), município de 22 mil habitantes. Ambos integraram oficialmente a mesa da solenidade e tiveram falas, como se fossem integrantes do governo.

"Minha história com Centro Novo começa com Arilton, esse homem que pegou no meu pé e insistiu para que eu desse atenção ao Maranhão. Depois conheci o Gilmar, o líder da igreja, que também ficou no meu pé", disse o ministro, em vídeo publicado pelo município.

O presidente do FNDE agradeceu aos pastores pela organização do evento, o que evidencia o protagonismo de ambos na definição da agenda da pasta. O prefeito de Centro Novo, Júnior Garimpeiro (PP), foi procurado, mas não respondeu.

No mesmo mês, Arilton viajou com o ministro em aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) a Alcântara (MA), segundo informações oficiais. O município garantiu empenhos para cinco obras num valor total de R$ 27,4 milhões.

Em ao menos seis solenidades oficiais, ambos se sentaram na mesa reservada às autoridades.

O pastor Gilmar Silva dos Santos comanda a igreja Ministério Cristo para Todos, em Goiânia (GO), ligada à Assembleia de Deus. Ele nasceu em São Luís, no Maranhão, estado onde concentra forte articulação com os prefeitos, assim como no Amazonas.

O Maranhão teve 94 municípios atendidos com 267 empenhos para transferências do FNDE no ano passado. Esses empenhos referem-se a obras ou aquisição de equipamentos ou veículos que somam R$ 684 milhões (considerando o valor total do projeto, não somente o empenhado).

Gilmar Santos preside uma entidade chamada Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos, da qual Arilton aparece como secretário.

Milton Ribeiro chegou ao cargo em julho de 2020 após a demissão de Abraham Weintraub. Sem experiência em políticas públicas, foi escolhido por Bolsonaro exatamente por ser evangélico, como um aceno para a base religiosa que apoia o governo —Ribeiro lidera uma igreja presbiteriana em Santos (SP).

Não é a primeira vez que seu nome aparece em suspeitas envolvendo outros evangélicos. Em maio de 2021, a Folha revelou que o ministro atuou a favor de um centro universitário privado suspeito de fraude no Enade (avaliação do ensino superior).

A Unifil, de Londrina (PR), é presbiteriana, assim como o ministro. Ribeiro protelou o envio do caso à Polícia Federal, como preconizava a área técnica do MEC.

Nos primeiros meses como ministro, ele chegou a ser apontado nos bastidores como decorativo, por não se inteirar das rotinas da pasta. Mas, com o passar dos meses, reforçou iniciativas ideológicas e se aproximou de políticos do centrão para se estabelecer no cargo.

A administração do terceiro ministro da Educação de Bolsonaro ainda acumula erros em transferências de recursos exatamente do FNDE. No ano passado, o fundo cometeu equívocos da ordem de R$ 766 milhões em transferências do principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/ministro-da-educacao-diz-priorizar-amigos-de-pastor-a-pedido-de-bolsonaro-ouca-audio.shtml


Pastores liberam dinheiro no MEC em prazo recorde de até 16 dias

André Shalders, Breno Pires e Julia Affonso, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O gabinete paralelo formado por pastores no Ministério da Educação tem obtido uma taxa de agilidade na liberação de verbas da pasta para municípios fora dos padrões de repasses federais. Desde o começo do ano passado, os religiosos Gilmar Santos e Arilton Moura, que, como revelou o Estadão, controlam a agenda do ministro Milton Ribeiro, intermediaram encontros de prefeitos no MEC que resultaram em pagamentos e empenhos (reserva de valores) de R$ 9,7 milhões dias ou semanas após promoverem as agendas. 

Em um dos casos, uma prefeitura conseguiu o empenho de parte do dinheiro pleiteado apenas 16 dias depois do encontro mediado pelos religiosos. Só em dezembro foram firmados termos de compromisso, uma etapa anterior ao contrato, entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e nove prefeituras, de R$ 105 milhões após reuniões com os pastores. 

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Especialista em finanças públicas, Eduardo Stranz afirmou que é “difícil” um prefeito conseguir liberar recursos em apenas 16 dias. “Isso é muito difícil. Temos coisas que não são pagas desde 2010, para você ter uma ideia. Conseguir essa liberação tão rápido… tem que ter muita vontade de todo mundo para sentar e conseguir essa liberação do dinheiro”, disse ele, que é consultor da Confederação Nacional de Municípios (CNM). “Isso tudo envolve muita burocracia, muito papel, muita negativa.”

Presidente Jair Bolsonaro esteve com pastor
O presidente Jair Bolsonaro discursa ao lado do ministro Milton Ribeiro, da Educação, e do pastor Gilmar Santos. Foto: Catarina Chaves/MEC - 10/02/2021

Ao menos 48 municípios foram contemplados após encontros com pastores entre os primeiros meses de 2021 até agora, sendo 26 deles com recursos próprios do FNDE – o restante recebeu dinheiro de emendas do orçamento secreto. 

A prefeita Marlene Miranda, de Bom Lugar (MA), teve o pedido de dinheiro atendido em apenas 16 dias, prazo fora dos padrões da distribuição de recursos federais. Em 16 de fevereiro, ela esteve no MEC acompanhada do marido, o ex-prefeito Marcos Miranda, numa agenda intermediada pelos religiosos Gilmar Santos e Arilton Moura. No último dia 4, o FNDE reservou R$ 200 mil para pagamento à prefeitura. O recurso foi destinado para a construção de uma escola de educação infantil, obra estimada pelo município em R$ 5 milhões. Procurada, a prefeita não quis comentar. 

Rapidez

Tal celeridade não é usual na liberação dos recursos. Não é raro que um pagamento caia na rubrica de “restos a pagar” e demore anos para ser quitado. Em 2021, por exemplo, o FNDE quitou um empenho de R$ 198,7 mil destinado à Secretaria de Educação de Pernambuco cuja data original era de novembro de 2012, quase dez anos antes.

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Prefeita de Bom Lugar-MA, Marlene Miranda (PCdoB), conseguiu liberar R$ 5 milhões em 16 dias após pastores intermediarem encontro com ministro Foto: Instagram de Marlene Miranda - 16/2/2022

Dos recursos empenhados, a maior parte (R$ 5,2 milhões) foi para a rubrica orçamentária de “apoio à infraestrutura para a educação básica”, que inclui a construção de creches e escolas. Também foram liberados recursos para a compra de ônibus escolares e para a construção ou reforma de quadras de esportes, além da compra de materiais didáticos.

Outro caso de liberação célere de recursos ocorreu em Centro Novo do Maranhão. Em maio passado, o pastor Gilmar Santos levou o ministro da Educação à cidade de 22 mil habitantes. Noventa e seis dias depois, em 18 de agosto, o ministério empenhou R$ 300 mil para a construção de uma escola infantil. Na ocasião da visita, o pastor deixou claro seu papel no evento: “Estamos levando aos municípios os recursos”.

Advogados dizem que os religiosos podem ter incorrido no crime de usurpação de função pública, punível com até dois anos de prisão, por não terem cargo no ministério, mandato parlamentar ou ligação com o setor de ensino. Em encontros promovidos com os dois pastores, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, já declarou que prefere fazer o contato com os prefeitos sem a intermediação de parlamentares.

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Obras

Também em agosto, a cidade de Amapá do Maranhão recebeu o empenho de R$ 300 mil para a construção de uma escola de educação básica. Três meses antes, a prefeita esteve em Brasília para uma visita ao ministro da Educação – novamente, com a presença de Gilmar e Arilton.

No caso de Guatapará (SP), o município conseguiu receber no ano passado R$ 214 mil do FNDE para a compra de ônibus escolares para crianças da zona rural. O pedido estava represado desde junho de 2019, mas foi liberado depois que representantes da cidade estiveram no MEC acompanhados dos pastores em duas ocasiões: em 23 de dezembro de 2020 e em 27 de maio de 2021.

Situação parecida ocorreu em Israelândia (GO). A cidade conseguiu, em 2021, quitar um empenho de R$ 214 mil para a compra de ônibus escolares que estavam inscritos nos chamados “restos a pagar”, o que ocorre quando a verba federal é empenhada, mas não paga. No caso de Israelândia, o empenho original era de dezembro de 2019. A prefeita Adelícia Moura (PSC) esteve no MEC em janeiro passado. Foi incluída na reunião por Arilton. “O rapaz que organizou para ele (Arilton) que me incluiu na lista dessa reunião”, disse ela. Procurada, a prefeita afirmou que a entrega não teve relação com a reunião no ministério.

As agendas dos pastores incluem reuniões também com Djaci Vieira de Souza, chefe de gabinete de Milton Ribeiro. Em 24 de fevereiro de 2021, Arilton solicitou e foi recebido em audiência levando o prefeito de Tuntum (MA), Fernando Portela (Solidariedade). A agenda do MEC registra a reunião com o tema “obras”. Em dezembro, o município celebrou termos de compromisso de R$ 1,2 milhão e de R$ 279,2 mil, para compra de veículos. Do montante total, R$ 280 mil já foram empenhados.

Lideranças

Gilmar e Arilton se apresentam como presidente e assessor da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, respectivamente. O Estadão revelou que eles participaram de 22 agendas oficiais do MEC, sendo 19 delas com a presença do ministro, do ano passado para cá. 

Procurados, os religiosos admitiram que levam prefeitos ao gabinete de Milton Ribeiro, mas não explicaram por que participam de reuniões onde são discutidas liberações de recursos. Disseram que não pedem contrapartida pelo acesso ao ministro e que fazem isso porque são “homens de Deus”. “Nunca houve (contrapartida)”, disse Gilmar. Arilton alegou que nunca participou de reunião sobre obras, embora conste de agenda do MEC. O ministério não comentou.

Entenda como funciona a atuação: 

Reunião: Na manhã do dia 16 de fevereiro, uma quarta-feira, a prefeita de Bom Lugar, no Maranhão, Marlene Miranda (PCdoB), esteve em Brasília para uma reunião com o ministro da Educação, Milton Ribeiro. O encontro foi intermediado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

Demandas: De acordo com o site da prefeitura de Bom Lugar, Marlene Miranda entregou a Milton Ribeiro uma pauta de demandas, como a “construção de novas escolas e novos ônibus escolares”.

Liberação: Apenas 16 dias depois da reunião entre prefeita e ministro, o sistema de pagamentos do governo federal, o Siafi, registrou um empenho de R$ 200 mil para a prefeitura de Bom Lugar. O empenho é uma reserva que o governo federal faz para quitar depois. Segundo a nota de empenho, o dinheiro se destinava ao “apoio à implantação de escolas para educação infantil”.

Recursos: Desde o começo do ano passado, pelo menos 48 prefeitos que participaram de reuniões intermediadas pelos pastores conseguiram a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Entre empenhos e pagamento de débitos antigos, foram R$ 9,7 milhões.

‘Termo de compromisso’: O dinheiro empenhado representa uma pequena parte do valor prometido pelo FNDE aos municípios por meio dos chamados “termos de compromisso”. Em pelo menos nove das 48 cidades, estes “termos” somaram R$ 105 milhões.

Pagamentos: Em Bom Lugar, foram três “termos de compromisso” com o FNDE que somaram quase R$ 20 milhões. Os termos foram assinados entre 22 e 31 de dezembro de 2021. A cidade já tinha recebido outros pagamentos no ano passado, antes mesmo da assinatura dos termos.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministerio-da-educacao-acelerou-liberacao-de-verbas-a-prefeitos-apos-intermediacao-de-pastores,70004015772