Day: novembro 11, 2020

RPD || Reportagem Especial: Risco de nova onda do coronavírus divide governos sobre volta às aulas presenciais

Maioria dos estados já decidiu pelo retorno gradativo às atividades nas escolas; profissionais da Educação criticam medida

Cleomar Almeida

Oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do novo coronavírus, em março deste ano, 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020. Em outros oito estados, governadores já se posicionaram pela volta dessas atividades somente no ano que vem, diante do risco da segunda onda de Covid-19 na Europa aumentar ainda mais os efeitos trágicos no Brasil. Professores e governos travam briga até na Justiça.

O sinal verde para a volta às aulas tem como parâmetro portaria do Ministério da Educação (MEC) publicada em julho e que define diretrizes para a retomada das atividades presenciais. Entre elas, está a obrigatoriedade do uso de máscaras, distanciamento social de 1,5 metro e afastamento de profissionais que estejam em grupos de risco. No entanto, governos estaduais e municipais têm autonomia para definição do calendário pedagógico a fim de reorganizar as aulas nas escolas.

Nos estados que já reabriram as salas de aula gradativamente, as escolas devem seguir uma série de protocolos sanitários estabelecidos em portarias dos governos e continuarem oferecendo ensino a distância aos alunos que optarem por essa modalidade. Nessa lista estão Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

Em geral, os governadores sustentam suas decisões na diminuição do número de casos de Covid-19 nos respectivos estados. As estruturas hospitalares emergenciais passaram a ser desmobilizadas. Dos leitos clínicos e de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS) abertos a partir do início da pandemia, 65% já foram fechados. Por outro lado, o Brasil é o segundo país com mais mortes – atrás dos Estados Unidos – e o terceiro com maior quantidade de contaminações registradas – atrás dos Estados Unidos e da Índia.

A segunda onda de Covid-19 na Europa é um alerta importante aos governadores que decidiram optar por cautela e autorizar retorno às aulas presenciais somente em 2021 ou após a confirmação de uma vacina para imunizar a população. Nesse grupo, estão Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Roraima. Bahia e Rondônia ainda não firmaram posição sobre o assunto.

Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado (DEM), aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contraria autorização de volta às aulas presenciais do próprio Comitê de Operações Emergenciais de Enfrentamento ao Coronavírus (COE), nas unidades de educação básica e superior. Para ele, as atividades escolares só devem ser normalizadas após a vacina. “Garantir vacinação antes do retorno às aulas é fundamental para evitar uma segunda onda da doença no Brasil”, afirmou ele.

De acordo com a imprensa internacional, a segunda onda de infecção pelo novo coronavírus em alguns países da Europa foi impulsionada pelo retorno antecipado às aulas, como ocorreu na França e Espanha. Ao voltar à escola e ter contato com outras pessoas, as crianças aumentam o potencial de proliferação do vírus. Hoje, os países estão sentindo o impacto dessa medida com a volta do toque de recolher e recessões maiores.

Em Roraima, apesar de manter aulas remotas neste ano, o governo estadual determinou o retorno dos professores ao trabalho presencial, exceto os que forem de grupo de risco. A diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima (Sinter), Josefa Matos de Freitas, e a Organização dos Professores Indígenas de Roraima (Opir) criticaram a medida. “Não é justo com o servidor ter que voltar, porque a pandemia nem acabou nem melhorou", disse a diretora.

No Distrito Federal e em Minas Gerais, a decisão sobre o retorno, ou não, às atividades presenciais está travada em imbróglio judicial. O governador Ibaneis Rocha (MDB) recorreu da decisão da Vara da Infância e Juventude do DF que determinou o retorno às aulas. “Essa é uma decisão que não caberia à Justiça. Mais uma vez, é a Justiça tentando governar", criticou. Ele argumentou falta de condições sanitárias adequadas e teve apoio do Sindicato dos Professores (Sinpro).

Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) trava outra briga com a Justiça, mas para garantir a retomada das atividades presenciais nas escolas. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Estado, concedendo liminar ao Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute). A categoria também disse que a medida do governo contraria as regras de isolamento e que não há dados que indiquem redução de contágio pela doença, nem diminuição do número de mortes no estado.

Em outubro, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou parecer que permitia a fusão dos anos letivos de 2020 e 2021, em um currículo adaptado, e estendia a permissão das aulas remotas por mais um ano, até dezembro de 2021. O documento ainda não foi homologado pelo MEC.

Contrários ou favoráveis ao retorno das aulas presenciais, todos os governos estão suscetíveis a reverem suas decisões, a qualquer momento, caso a situação do país melhore ou piore na pandemia. O Brasil tem taxa de cerca de 84 mil testes a cada 1 milhão de pessoas. O número é baixo se comparado a outros países como o Reino Unido, que tem 453 mil testes a cada 1 milhão de habitantes, ou mesmo ao Chile, com 209 mil testes a cada 1 milhão de habitantes.


Percentual de alunos sem motivação para estudar passou de 46%, em maio, para 54%, em setembro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Alunos estão mais desmotivados e com menos aproveitamento

A dinâmica das aulas remotas tem levado estudantes a ficarem ainda mais desmotivados e diminuírem o aproveitamento nos estudos com o passar dos meses, segundo pesquisa sobre educação na pandemia. Os dados foram obtidos pelo Instituto Datafolha, a pedido da Fundação Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures. Especialistas alertam para o risco de aumento de evasão escolar.

O levantamento aponta que o percentual de alunos sem motivação para estudar passou de 46%, em maio, para 54%, em setembro, conforme dados mais recentes. Segundo a pesquisa, outra grande barreira para os estudos na pandemia é a dificuldade de se organizar para estudar em casa. O índice de pessoas que confirmaram essa reclamação passou de 58% para 68%, no mesmo período.

A pesquisa ouviu 1.021 pais ou responsáveis de alunos de escolas públicas municipais e estaduais, de 6 a 18 anos, entre 16 de setembro e 2 de outubro. O chefe de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Ítalo Dutra, mostra preocupação com a perda do vínculo escolar durante a pandemia.

“Nós fechamos as escolas sem planejamento. Na maioria dos Estados, o que vimos foi recesso, férias e depois ensino remoto. E essas atividades evidenciaram as desigualdades educacionais que o país tem”, disse. “Em São Paulo, menos da metade dos alunos tinha acesso ao conteúdo online em maio, e estamos falando do estado mais conectado e rico do país. A não manutenção desse vínculo pode impactar no abandono escolar”, alertou.

O diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, destaca o risco de estes alunos desistirem da escola. “A evasão e o abandono escolar terão reflexo sobre o estudante, sua família e a sociedade, aumentando ainda mais a desigualdade”, disse ele. “O modelo criado na correria para dar conta de uma paralisação de dois ou três meses, e que acabou se estendendo para o ano inteiro, mostra desgaste”, avaliou Mizne.

Segundo a pesquisa, 92% dos estudantes receberam atividades para fazer em casa em setembro, contra 74% em maio. O índice aumentou em todas as regiões do país, especialmente no Norte, que passou de 52%, em maio, para 84%, em setembro. No entanto, o desgaste dos estudantes apontado na pesquisa indica o desafio para o ano letivo de 2021, que deverá ocorrer de forma híbrida, com aulas remotas e presenciais, além de rodízio das turmas.

Em julho, a pesquisa Pnad Contínua 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou pela primeira vez dados sobre o abandono escolar, além das análises sobre taxas de escolaridade. O país aumentou a proporção de pessoas de 25 anos ou mais com ensino médio completo, passando de 45%, em 2016, para 47,4%, em 2018, e 48,8%, em 2019. No entanto, segundo o levantamento, 69,5 milhões dos adultos (51,2%) não concluíram essa etapa educacional.

De acordo com o IBGE, entre os principais motivos para a evasão escolar estão a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). Entre as mulheres, aparecem como causa gravidez (23,8%) e atividades domésticas (11,5%).


Na busca por emprego, 56% dos alunos abandonaram os estudos durante a pandemia do novo coronavírus
Foto: Agência Brasília

Busca por emprego faz maioria dos alunos deixar de estudar

Aliada à baixa atratividade das aulas remotas e à perda de renda das famílias, a busca por emprego pressionou 56% dos alunos a abandonarem os estudos durante a pandemia causada pelo novo coronavírus. É o que mostra a pesquisa nacional TIC Covid-19, divulgada no dia 5 de novembro.
O levantamento ainda aponta que alunos mais pobres lideram a lista dos que não acompanharam as aulas remotas. Do total, 29% estão na classe D e E; 20%, na classe B; e 11%, na classe AB. A pesquisa foi realizada entre 10 de setembro e 1º de outubro, com 2.728 pessoas de 16 anos ou mais, usuários de internet, que estudam ou estudavam desde a educação básica até o ensino superior.

A pandemia de Covid-19 também gera alerta sobre a falta de preparo das escolas para garantir o direito à educação aos alunos. No total, 32% dos entrevistados declararam que deixaram de estudar porque a instituição de ensino não ofereceu aulas ou atividades do curso.

Outras barreiras apareceram para os alunos que tiveram conteúdos disponibilizados pelas escolas, como dificuldade para tirar dúvidas com professores (38%), baixa qualidade da conexão ou inexistência dela (36%), falta de estímulo para estudar (33%) e baixa qualidade das aulas (27%).
Em relação a equipamentos de conexão, a pesquisa revela que a maioria dos alunos acompanha as aulas online pelo celular (37%). Outros declaram que usam notebook (29%), tablet (1%) ou televisão (1%).


RPD || Entrevista Especial: Herança da ditadura, polícias militares são refratárias à democracia, diz Luiz Eduardo Soares

O antropólogo e filósofo Luiz Eduardo Soares, defensor da desmilitarização das polícias militares, avalia que somente uma coalizão pode dar ao país as condições políticas para que se faça uma reforma estrutural nessas corporações policiais

Por Caetano Araujo e Arlindo Fernandes Oliveira

Um dos 579 alvos de um dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça do governo do presidente Jair Bolsonaro, a partir do monitoramento secreto de um grupo descrito como “militantes antifascistas”, o escritor, dramaturgo, antropólogo, cientista político e pós-doutor em Filosofia Política Luiz Eduardo Soares é o entrevistado especial desta 25ª edição da revista Política Democrática Online.

Luiz Eduardo Soares, que já foi Secretário Nacional de Segurança Pública, vem propondo debates sobre segurança pública, polícias e justiça criminal no Brasil há mais de 30 anos. Para ele, a transição para a democracia no Brasil não foi completa porque as polícias militares mantiveram-se no tempo da ditadura e são agentes na desigualdade e no racismo estrutural que ainda assola o país, diariamente.

"Nós precisaríamos de uma grande coalizão e entender a necessidade de enfrentar a questão da governança das polícias e do que eu chamei um enclave institucional, alterando posturas do Ministério Público, da Justiça etc…", avalia Soares. "E não me referi à desmilitarização, ao ciclo completo, à carreira única, a todas essas propostas relativas à reforma das próprias instituições policiais. Elas se dariam no contexto de uma grande coalizão reformadora", completa.

Soares tem vinte livros publicados, como “Elite da Tropa” (com André Batista e Rodrigo Pimentel), editado em 2006 pela Objetiva, “Elite da Tropa II” (com os mesmos coautores e Claudio Ferraz), publicado pela Nova Fronteira, em 2010, “Espírito Santo” (com Rodney Miranda e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos), editado pela Objetiva, em 2008, além de “Rio de Janeiro; histórias de vida e morte”, publicado em 2015 pela Cia. das Letras, e os romances “Experimento de Avelar”, premiado pela Associação de Críticos Brasileiros em 1996, e “Meu Casaco de General”, este, finalista do Prêmio Jabuti em 2000. Foi professor da Unicamp e do IUPERJ, além de visiting scholar em Harvard, University of Virginia, University of Pittsburgh e Columbia University.

"NÓS TEMOS UM ENCLAVE QUE SE REPRODUZ, QUE É REFRATÁRIO À DEMOCRACIA E AO PODER REPUBLICANO. SE COMPREENDERMOS QUE ISSO ESTÁ NO CENTRO DAS QUESTÕES DEMOCRÁTICAS BRASILEIRAS, NÓS ENTÃO NOS CREDENCIAREMOS A ENFRENTAR"

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Revista Política Democrática Online.

Revista Política Democrática Online (RPD): Sua longa trajetória de estudo e atuação na área da segurança pública assegura-lhe autoridade indiscutível para avaliar como estamos hoje no Brasil. Em uma palavra: temos saída?

Luiz Eduardo Soares (LES): Essa é uma pergunta que exigiria muito mais do que o espaço de uma única entrevista. Em síntese, diria que uma possível saída envolve uma expectativa favorável relativamente à história brasileira e à história da democracia no Brasil. Isto é, se não houver saída para essas questões atinentes à segurança pública e à justiça criminal, não haverá saída para a democracia no Brasil. São duas faces da mesma moeda, mais do que isso, são dimensões interconectadas organicamente, e a incompreensão sobre esses laços, esses nexos, essa articulação profunda entre as problemáticas está no centro das nossas dificuldades, está no centro dos motivos pelos quais nós não fomos capazes como nação, até agora, de produzir uma alternativa.

E por que eu então digo isso? Porque temos um quadro que é, de fato, dantesco. Os qualificativos, os adjetivos não são puramente retóricos. Posso ser mais objetivo: no Rio de Janeiro, no ano passado, registraram-se 1.814 mortes provocadas por ações policiais. Isso corresponde a 40% dos homicídios dolosos perpetrados na cidade do Rio e a 30% daqueles cometidos no Estado. Temos ao longo dos anos um verdadeiro banho de sangue, em que as vítimas são sempre, com raríssimas exceções, negros, jovens habitantes dos territórios vulneráveis etc. E o que ocorre é que a polícia mais numerosa, que está presente em todo o país, 24 horas por dia, com algumas exceções, é a polícia militar. Ela é pressionada por todos os interlocutores, atores sociais – mídia, opinião pública, políticos etc. – a produzir resultados que, em geral, se confundem com prisão. Ocorre que ela é proibida constitucionalmente de investigar; resta-lhe prender em flagrante delito. Quais são os crimes passíveis de prisão em flagrante? Não são os mais importantes, mas serão eles o foco dos investimentos policiais. Portanto, aos vieses de classe, cor e território, acrescenta-se mais este crivo seletivo. Na prática, o alvo será o varejo das substâncias ilícitas.

Vejam, em vez de prevenir e investigar homicídios, os crimes mais graves, nós estamos lotando o sistema penitenciário com jovens não violentos e não ligados de fato a facções, não envolvidos com práticas criminosas profissionalizadas, com as consequências nefastas em todos os níveis e de todas as ordens, por conta de um casamento perverso entre uma lei de drogas absolutamente irracional e um modelo policial que foi determinado pelo artigo 144. E aí chegamos ao coração da matéria, o porquê dessa vinculação com a questão democrática. Sabemos muito bem que a promulgação da nossa Carta em 19988 foi o fruto histórico e extraordinariamente importante que correspondeu a uma conquista da sociedade brasileira, uma conquista democrática, singular em nossa trajetória; entretanto, ela se deu a partir de negociações, como aliás é típico da história brasileira. As negociações que nos deram o privilégio da liberdade e de um novo horizonte democrático também encontraram limitações oriundas da sua própria natureza.

"RESSALVADAS AS VARIAÇÕES INTERNAS, AS TENSÕES, AS DIFERENÇAS, AS POLÍCIAS DE MODO GERAL E A CULTURA POLICIAL MILITAR E CIVIL ERAM BOLSONARISTAS AVANT LA LETTRE, ANTES DE BOLSONARO, INDEPENDENTEMENTE DE BOLSONARO"

Uma das limitações – absolutamente estratégica e crucial – foi a imposição, por parte de representantes do antigo regime, de uma reserva estratégica, que se manteria impermeável ao processo de mudança desatado pela dinâmica de democratização. Que reserva é essa? Que área institucional é essa? É a segurança pública. Esse foi o legado à democracia de estruturas organizacionais forjadas na ditadura. A ditadura não inventou a violência policial, as práticas conhecidas e nem as instituições como as conhecemos, mas as reordenou, reorganizou e qualificou. Qualificar aqui tem sentido negativo e problemático. Essas instituições reformadas, reorganizadas e retemperadas pela ditadura, instituições muito problemáticas que têm passado obscurantista, autoritário, que dialoga com o pior da nossa tradição escravagista etc., essas instituições foram legadas pela ditadura acriticamente, por assim dizer.

Ou seja, nós, na democracia, herdamos as estruturas organizacionais. Ora, as estruturas organizacionais não vêm como organogramas vazios, elas vêm carregadas de seres humanos, homens e mulheres, com suas práticas, suas modalidades próprias de composição de identidade, lealdade, seus valores, suas visões de mundo e práticas. O fato é que os valores tradicionais, as visões de mundo cultuadas no período ditatorial permaneceram, foram reiterados e fortalecidos no convívio diário entre gerações, porque é na rua que essa cultura se reproduz, que a socialização se dá.

RPD: Qual seria a estratégia possível para alterar essa situação, ou seja, como é possível falar em desmilitarizar a polícia e descriminalizar o varejo da droga? Quais seriam os passos institucionais? O que o movimento cívico deveria pleitear para caminhar nessa direção?

LES: Algo importante e fundamental. Aprofundo os argumentos anteriores para derivar do diagnóstico mais complexo, digamos, essa resposta que é absolutamente decisiva. Voltamos à velha e sempre indispensável questão: o que fazer? As polícias que constituímos são um universo heterogêneo e dividido internamente por segmentos, perspectivas diferentes. Não dá para falar de uma unidade monolítica com cerca de 800 mil pessoas. Seria uma simplificação grosseira. Mas é necessário reconhecer que segmentos dominantes e perspectivas que predominam nesse enclave são fortemente, sempre foram, refratários à cultura democrática e à Constituição. E mais, à autoridade civil, pública, republicana, política – no sentido amplo da palavra. Nenhum governador do período democrático governou as polícias.

"A DITADURA NÃO INVENTOU A VIOLÊNCIA POLICIAL, AS PRÁTICAS CONHECIDAS E NEM AS INSTITUIÇÕES TAIS QUAIS COMO AS CONHECEMOS, MAS AS REORDENOU, REORGANIZOU E QUALIFICOU MUITAS DAS SUAS PRÁTICAS"

Houve variações, alterações aqui e ali, essa dificuldade evidentemente apresentou oscilações de acordo com contextos, conjunturas, circunstâncias, capacidade de mobilização das lideranças intermediárias etc., mas a governança democrática republicana não se realizou. E isso por conta de um arranjo muito peculiar em que o Ministério Público, que é responsável constitucionalmente pelo controle externo da atividade policial, não cumpriu sua missão constitucional, atitude abençoada pela Justiça por várias razões, o que contribuiu para a rotinização da tragédia. Vivemos uma ameaça para a democracia. Vamos concretizar tudo isso.

As polícias de modo geral e a cultura policial militar e civil – ressalvadas as variações internas, as tensões, as diferenças – eram bolsonaristas avant la lettre, antes de Bolsonaro, independentemente de Bolsonaro. Bolsonaro ocupa o lugar de messias nesse sebastianismo rústico, que deriva dos valores cultivados lá na ponta, na prática, valores que justificam execuções extrajudiciais e que se regem por princípios. Cito aqui palavras que estão sempre presentes nas redes sociais policiais com suas fotos que exaltam a violência, tais como: só há justiça com caos e destruição. Nosso papel é entrar nas favelas e destruir, nosso compromisso é fazer essa guerra. Como disse um coronel comandante da PM fluminense há não muitos anos, as polícias são inseticidas sociais.

Ou seja, a visão é essa: seu papel não é cumprir a lei, a violência policial não decorre do rigor excessivo no cumprimento da legalidade; as polícias não têm compromisso com a legalidade. Nós, os defensores dos direitos humanos é que somos legalistas, nós e aqueles policiais que resistem em nome do Estado Democrático de Direito a esse furor, a esse ímpeto, a esses valores que se apresentam como uma espécie de tsunami, atropelando todas as resistências internas legalistas.

E como isso é possível? Há várias mediações aí; de outra forma, não seria possível. E duas merecem destaque.

A primeira, que está na gênese da corrupção policial e das milícias, é a autorização para matar; não para usar a legítima defesa, evidentemente, mas para matar porque, quando se concede autorização para matar, se concede também ao policial na ponta a liberdade para não matar e vender a vida, negociar a sobrevivência do suspeito. E aí se cria uma moeda que degrada a instituição, suscita articulações entre crime e polícia, diluindo fronteiras. Não raro, policiais, por essa via, vão se associar ao velho esquema dos esquadrões da morte, da pistolagem a soldo ou vão provocar insegurança para vender segurança e daí por diante. Portanto, engana-se quem acredita que liberando as polícias para matar elas serão mais efetivas contra o crime. É justamente o contrário. Tolerar práticas policiais ilegais abre as portas para a degradação institucional e o fortalecimento do crime.

"SÓ UMA COALIZÃO PODE PROTEGER OS GOVERNOS QUE SE DISPONHAM A AGIR E NÃO ADIANTA PENSAR NAS FORÇAS ARMADAS COMO UMA SOLUÇÃO MÁGICA, PORQUE SE NÃO O RIO JÁ TERIA RESOLVIDO, POR EXEMPLO, O PROBLEMA COM AS MILÍCIAS"

A segunda mediação que deve ser entendida é a segurança privada informal e ilegal, um verdadeiro processo metastático absolutamente impune. Os governos lavam as mãos: o segundo emprego suplementa os salários insuficientes, às vezes baixíssimos, pagos à massa policial, e permite que o orçamento seja mantido nos termos pré-definidos sem grandes pressões, vale dizer, sem suscitar movimentos grevistas. É o que eu chamaria de “gato orçamentário”, usando a expressão popular que rotula uma conexão entre o legal e o ilegal. Daí porque os governos, não só do Rio, mas também de outros Estados, acabam tolerando a prática da segurança privada ilegal informal por parte de seus policiais. No fundo, lançam um manto de proteção sobre um conjunto vasto de atividades, as quais incluem desde esforços honestos – embora ilegais – de tantos que apenas buscam oferecer melhores condições às suas famílias, até as milícias. É essencial compreender este ponto: as milícias crescem à sombra dessa negligência sistemática, que atravessa as décadas inalterada.

As polícias são um enclave que se reproduz e que é refratário à democracia e ao poder republicano. Temos de reconhecer esse fenômeno, que está no centro das questões democráticas brasileiras, o que leva a reconhecer também sua magnitude, sua complexidade e, claro, a dificuldade de enfrentá-lo. Não seremos capazes de fazer frente a esse desafio sem a participação da sociedade, do Ministério Público, da Justiça. Em uma palavra: sem uma discussão e uma compreensão aprofundada por parte da sociedade, de maneira que tudo isso se torne não um programa de partido, mas uma questão de Estado. E, para tanto, impõe-se ampla coalizão, para, inclusive, proteger os governos que se disponham a agir. Sabemos que o preço a pagar seria muito caro e sabemos também que não adianta pensar nas Forças Armadas como uma solução mágica. Fosse assim, o Rio já teria resolvido seu problema com as polícias e as milícias. Tivemos a intervenção federal em 2018, nada mudou. Até hoje, os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes não conhecem solução.

RPD: No governo Temer, por iniciativa do ministro Raul Jungmann e de outros, foi aprovado no Congresso o chamado Sistema Nacional de Segurança Pública (SUSP), que teria esse propósito de promover uma articulação. Qual é sua avaliação do modelo proposto e de sua execução?

LES: O SUSP foi apresentado por mim, quando Secretário Nacional, no primeiro mandato de Lula, em 2003. Além de amigo pessoal de Raul Jungmann, velho companheiro, a despeito das enormes divergências que nós tivemos em função do que considero um golpe contra a presidente Dilma e da ilegitimidade do governo Temer, reconheço que ele fez um trabalho respeitabilíssimo, extremamente sério e muito superior ao que nós costumamos ter, e ao que temos hoje. Raul demonstrou quão importante pode ser uma contribuição federal. E tomou a iniciativa de retomar o fio da meada, que estava parado no Congresso Nacional, desfiado e reduzido.

O SUSP foi, por fim, aprovado. Qual é o problema do SUSP? Ele é fundamental como modelo de orientação, mas não pode ser convertido, como foi, em peça legal, infraconstitucional. Por quê? Porque, a qualquer momento, qualquer instituição envolvida pode denunciar inconstitucionalidade por sentir-se coagida a colaborar com outras, uma vez que a autonomia está dada constitucionalmente. Trata-se, portanto, de uma legislação que colide com a institucionalidade, uma espécie de puxadinho, improvisos que nós vamos fazendo porque não temos vontade política ou capacidade de operar mudanças estruturantes e estruturais. Esse puxadinho não pode dar certo.

Mencionei a necessidade de uma grande coalizão para se enfrentar a questão da governança das polícias, do que chamei um enclave institucional, alterando posturas do Ministério Público, da Justiça etc., mas faltou adicionar o tema da desmilitarização e das demais reformas necessárias, relativas à criação de ciclo completo e de carreira única nas instituições policiais. Elas se dariam no contexto de uma grande coalizão reformadora. Insisto nessa conexão entre o macro e o micro, por assim dizer, para mostrar que essas são questões interligadas. Defendo a proposta, que ajudei a elaborar, apresentada pelo então senador Lindbergh Faria, em 2013, a PEC 51, que é também bandeira do movimento policiais antifascismo.

"EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS MOSTRAM QUE AS POLÍCIAS MAIS BEM SUCEDIDAS SÃO AQUELAS QUE OPERAM COM ALGUMA AUTONOMIA NA PONTA, DESCENTRALIZADAS, COM FLEXIBILIDADE ORGANIZACIONAL QUE LHE PERMITAM ADAPTAÇÕES ÀS ESPECIFICIDADES LOCAIS"

Desmilitarização é um conceito que tende a assustar, quando se simplificam seu sentido e seu alcance. Tive sempre muito sucesso na persuasão de oficiais da polícia militar com espírito patriótico e senso de responsabilidade. Para além de ideologias e retóricas, eles reconhecem a imprescindibilidade de cortar o laço que prende a instituição policial ao Exército até hoje. E esse laço se traduz não só em uma dependência em termos de autoridade, propriamente, mas também na necessidade legal de copiar o modelo de organização.

Transpor a organização do Exército para uma polícia só seria razoável se as funções fossem análogas, mas a função da polícia ostensiva, constitucionalmente, não é defender a soberania nacional por meios bélicos, mas impedir, prevenindo e reprimindo, violações a direitos; é garantir direitos, é prestar um serviço público à cidadania. E as experiências internacionais mostram que as polícias mais bem sucedidas são aquelas que operam com alguma autonomia na ponta, de forma descentralizada, dialogando com as comunidades, com flexibilidade organizacional que lhes permita adaptações plásticas às especificidades locais etc. É todo o avesso do que nós temos. O modelo verticalizado e rígido, que faz sentido no Exército, não faz na polícia porque, entre outras razões, subtrai subjetividade, poder decisório dos policiais na ponta. Eles não podem ser definidos como soldados a cumprir ordens que vêm do Estado-Maior, distante das realidades locais. É impossível funcionar dessa maneira.

RPD: Durante a gestão do Presidente Geisel, o Presidente Jimmy Carter teve enorme influência na área dos direitos humanos, no Brasil e no mundo. Diante da vitória de Biden, poderiam os Estados Unidos voltar a exercer influência importante na área dos direitos humanos no Brasil, influência que, decerto, se poderia estender à área do meio ambiente?

LES: Eu diria que sim, sem dúvida, esses contextos produzem impacto. É claro que isso depende de construção política. Fóruns internacionais não têm incidência direta no Brasil, mas, com um jogo geopolítico distinto e algum amparo para o discurso universal dos direitos humanos, talvez se crie algum constrangimento para o governo brasileiro. Como sabemos, a palavra do Presidente, o gesto, as iniciativas do Presidente, mesmo quando não são aprovadas no Congresso, têm efeitos. Os exemplos são graves: a supressão de culpa no caso de mortes provenientes de ações policiais, o excludente de licitude; a flexibilização do acesso às armas e munições; a redução dos controles de rastreamento. Essas posturas incitam a violência, sobretudo a violência policial e tendem a promover as milícias, estimulando sua participação crescente no universo político. A esperança é, portanto, que uma mudança no cenário internacional, no cenário geopolítico, possa facilitar negociações internacionais com fóruns que gerem algum tipo de comoção, como no caso ambiental, por exemplo, e termine influindo nas políticas defendidas pelo governo. Talvez seja um wishful thinking, mas enfim…


RPD || Editorial: O eleitor pragmático e as tarefas da oposição

O país ingressou na reta final de uma campanha eleitoral atípica. O primeiro pleito a se realizar na vigência da proibição de coligações nas eleições proporcionais sofreu, em cheio, o impacto da pandemia. Mudaram o calendário e a sistemática da votação, para aumentar a segurança de mesários, fiscais e eleitores. Mudaram também as estratégias dos candidatos, na divulgação de suas ideias e na procura do voto.

De maneira geral, a tendência seguiu o rumo da redução das atividades presenciais, do corpo a corpo com o eleitor, das reuniões nos espaços públicos e privados. A propaganda por meio do rádio e da televisão não parece, contudo, haver recuperado pelo menos parte da relevância perdida em 2018. Em contraste, a campanha por meio das redes sociais continua a prosperar.

No tocante ao movimento das intenções de voto, capturado na sequência das pesquisas divulgadas até o momento, contudo, emergem dos dados disponíveis hipóteses interessantes, todas, evidentemente, a serem objeto de verificação após o confronto com os resultados finais do pleito.

Vemos configurado de forma clara o aparente paradoxo de a popularidade do Presidente da República, ainda elevada, não render dividendos eleitorais no pleito municipal. O cenário insólito de nenhum candidato com apoio ostensivo do Presidente lograr êxito nas capitais parece próximo de se realizar. Em contraste, os prefeitos em exercício transitam com facilidade nas campanhas, seja em benefício próprio, nos casos de tentativa de reeleição, seja no posicionamento de seus candidatos na liderança das pesquisas ou, ao menos, num dos lugares do segundo turno.

Tudo indica que prevaleceu no eleitorado a tendência ao pragmatismo, à separação prudente das esferas nacional e municipal da política. O programa de transferência de renda em vigor, reconhecido como fundamental para enfrentar a crise em curso, é atribuído, corretamente ou não, a uma decisão do Presidente da República e retribuído com avaliações positivas nas pesquisas de popularidade. O combate à pandemia, por sua vez, é considerado tarefa dos prefeitos e todos aqueles com desempenho minimamente aceitável nesse quesito disparam nas pesquisas de intenção de voto. Nesse quadrado da política, o eleitor parece nortear-se pela garantia da segurança, para sua saúde e sua vida.

Nessa conjuntura, cabe às forças de oposição prosseguirem na convergência programática, no fortalecimento de um amplo leque de alianças para o segundo turno das eleições, em torno do eixo político hoje fundamental: defesa da saúde, da vida e da democracia.


RPD || Rubens Ricupero: Decifrando as lições da eleição americana

A extrema direita sofreu um golpe notável ao perder o controle do poder na maior potência do mundo e a união de todas as forças progressistas e de centro foi o que permitiu a derrota da Trump, avalia Rubens Ricupero

Muito do que se predisse da eleição americana não se realizou. Mais uma vez as pesquisas se enganaram feio, a mídia voltou a subestimar Trump, a onda Democrata se revelou uma marolinha. Os Democratas não conquistaram o Senado (até agora), perderam espaço na Câmara, não ganharam na Flórida nem no Texas.  

Qual foi o efeito eleitoral do alinhamento de Trump ao programa Republicano de reduzir impostos para os ricos e tentar derrubar o Obamacare? Essa traição das promessas da campanha explicaria sua derrota em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Como entender, então, que, em West Virginia, bastião de brancos pobres, ele tenha vencido por 7 a 3?    

Teremos de esperar análises da classe social dos eleitores para ver até que ponto se manteve fiel a Trump o setor de operários industriais brancos prejudicados pela globalização.

Biden afirma que a eleição foi uma disputa pela alma da América. Nesse caso, o resultado indica que o país teria duas almas. Uma, urbana, moderna, educada, das grandes cidades das costas Leste e Oeste, foi conquistada por Biden. A outra, conservadora, com menor grau de educação, das zonas rurais e pequenas cidades do Oeste, Sul e Meio-Oeste, permaneceu com Trump.  

O crescimento da economia e do emprego antes da pandemia ajudou o governo. Já o fiasco em lidar com a Covid-19 o prejudicou amplamente, embora não seja claro que tenha alienado os idosos, como se antecipava na Flórida.  

O acirramento do conflito racial em torno dos protestos do “Black Lives Matter” mobilizou o eleitorado negro. Ao mesmo tempo, a violenta destruição de estátuas e as demandas radicais de corte nos recursos das polícias ocasionaram reação adversa de medo e ressentimento.    

Essa enumeração incompleta dos fatores que influíram sobre os resultados serve para mostrar o risco de extrapolar para realidades diferentes o que deriva das especificidades americanas. Feita a ressalva, que lições de interesse geral seria possível extrair da derrota de Trump?

A primeira talvez seja sobre o autoritarismo de extrema direita, que dava a impressão de onda irresistível do futuro. Embora tenha revelado resistência insuspeitada, é indiscutível que sofreu golpe notável ao perder o controle do poder na maior potência do mundo. Movimentos similares na Europa, no Brasil e outras regiões tampouco se saíram bem na pandemia, o que sugeriria que o pico da tendência está ficando para trás.  

A segunda conclusão decorre do exemplo. O que permitiu derrotar o apelo populista de Trump foi a união de todas as forças progressistas e de centro. Sem o apoio de Bernie Sanders e de Elizabeth Warren, num extremo, e de Republicanos desiludidos, no outro, teria sido difícil vencer. Esse é um dos méritos do bipartidarismo americano, que obriga a concentração de forças rivais no seio de coligações heterogêneas.  

Em comparação, o sistema brasileiro de múltiplos partidos e eleição em dois turnos atua em sentido oposto, estimulando a dispersão de candidaturas no primeiro turno, o que dificulta e deixa pouco tempo para a união no segundo.  

Uma terceira observação tem a ver com o tipo de vínculo quase religioso que une o líder carismático a seus fiéis fanatizados. Trump não trouxe de volta empregos industriais perdidos para a China, não reduziu o déficit comercial, não reverteu o declínio do carvão, fracassou na luta contra a pandemia.  

Nada disso impediu que seu núcleo de apoio continuasse leal. É que o carisma depende muito mais da identificação entre líder e seguidores que dos resultados concretos das políticas. Haveria nisso alguma lição para os que descansam na crença de que o fiasco econômico de Bolsonaro bastará para derrotá-lo?

A conclusão mais importante para nós de fora se refere ao potencial que a eleição de Biden tem para mudar o mundo, muito mais que mudar os Estados Unidos. Na esfera interna, não será fácil, sem controlar o Senado, aumentar impostos das corporações, aprovar pacote trilionário de estímulo, alterar a ideologia da Suprema Corte.

Já na área externa, Biden terá mais latitude para voltar ao Acordo de Paris, converter o meio ambiente em prioridade central, liderar a busca de vacina na OMS, convocar a prometida Cúpula em favor da Democracia, restituir à diplomacia e ao multilateral o papel central na política externa. Se não fizer mais nada, já terá transformado a agenda mundial de modo decisivo.  

*Rubens Ricupero é jurista, historiador e diplomata brasileiro com proeminente atividade de economista. É presidente honorário do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, sediado em São Paulo.


RPD || Paulo Baía: O destino manifesto da negação

Eleição norte-americana escancara o negacionismo de Trump e, por tabela, do presidente Jair Bolsonaro, avalia Paulo Baía em seu artigo, onde analisa o bolsonarismo na visão de Jairo Nicolau, autor do livro O Brasil dobrou à Direita

Dentro de uma eleição analógica para a Presidência dos EUA, nada mais pertinente do que a fala do Presidente Jair Bolsonaro – “a esperança é a última que morre”, torcendo para que o atual presidente norte-americano Donald Trump se reeleja. Em tempos de negacionismo, a maior democracia mundial vive momentos em que o poder nas mãos de um populista de extrema-direita questiona o sistema eleitoral, negando as regras democráticas do país, que funciona da mesma forma há séculos. E o espelho ao Sul da América deixa de ser representante de uma nação para virar cabo eleitoral e torcedor fervoroso daquele que acredita ser seu amigo. E quem sabe assim uma boa relação de favor não resolva os graves problemas brasileiros. O interessante é que o atual Presidente da República do país representante da liberdade, garantidor dos valores liberais e iluministas, é aquele que deseja ser reeleito no tapetão, suspendendo a contagem de votos dos que não votaram nele.

É o retrato da negação. Nas terras de cá, negam-se os mais de 14 milhões de desempregados, o aumento da pobreza extrema, a crise fiscal por causa da pandemia, a inflação nos produtos da cesta básica por conta do aumento do dólar e o empresariado preferindo vender para o mercado externo do que o interno, diminuindo a oferta e aumentando a procura. Tampouco existe pandemia nem morreram mais de 160 mil brasileiros: portanto, a vacina não deve ser obrigatória. Ou seja, todos os graves problemas por que passa o Brasil são reflexos de uma disputa partidária, criados pelos adversários para roubar seu poder.

Jairo Nicolau, professor de Ciência Política, acaba de lançar o livro: O Brasil dobrou à Direita. Neste livro, ele compila uma série de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cruzando dados como, por exemplo, idade, gênero, religião, educação etc., o pesquisador chega a conclusões muito interessantes sobre os eleitores de Bolsonaro. Ele foi o primeiro candidato que rompeu a ideia de que, para vencer, o presidente precisa de uma máquina eleitoral. Bolsonaro foi o preferido nas três faixas de ensino: fundamental, médio e ensino superior. Em 2018, foi a primeira vez em que o fator gênero se fez presente.

Bolsonaro foi o preterido de 2 a cada 3 homens, batendo o adversário em 10% a mais. E teve, respectivamente, 53% votos das mulheres e 64% dos homens; já Haddad obteve 47% dos votos dos homens e 36% das mulheres. Outro fator diz respeito ao cruzamento entre dados de homens e instrução: Bolsonaro ganhou em todos os níveis de ensino, todavia, quanto maior a instrução, menor a aceitação. Na variável religião, Bolsonaro ganhou nas duas maiores religiões do país em número de adeptos: católicos e evangélicos. Todavia, no setor evangélico, ele teve 70% a mais no número de votos. Para Jairo Nicolau, não houve influência na polarização petismo e antipetismo. Na pesquisa usada de opinião, 10% do eleitorado se identificavam com o PT, ao passo que 1/3 do eleitorado o rejeita.

O maior número, porém, representando metade do eleitorado, é de neutros, não rejeitam nem o apoiam. Dessa forma, o bolsonarismo é um fenômeno urbano. Nos 36 municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes, ele venceu em 30 cidades. Para Jairo Nicolau, o PT está agora restrito às pequenas cidades e, com um eleitorado com pouca instrução, entenda-se, até o nível fundamental.

Neste sentido, pode-se resgatar Weber e ampliar uma questão nova sobre o tema de sua obra A ética protestante e o Espírito do Capitalismo, apontando existir uma simetria entre o ideal de salvação das matrizes protestantes e a interpretação e conduta ascética, de que produzir e guardar dinheiro é sinônimo de salvação, principalmente no calvinismo e no puritanismo. Dessa forma, o livro lança uma questão: quais são as éticas protestantes, principalmente, dos grupos evangélicos que mais crescem no Brasil, a saber, pentecostais e neopentecostais, que vão ao encontro da urbanização, ou então, deste estilo de vida das grandes metrópoles?

Como Weber nos ensinou, isolar um fenômeno pode ser um bom caminho para o entendermos. Bolsonaro ganhou em todas as faixas de renda, inclusive, nos mais pobres. Em termos sociológicos, pode-se dizer que o discurso bolsonarista apresentou ampla hegemonia, termo tomado emprestado de Gramsci, que se refere à capacidade de ordenação. Ter o conhecimento de que o eleitorado simpatizou com o discurso do presidente é um caminho para entender melhor este fenômeno urbano eleitoral – o bolsonarismo.

*Paulo Baía é sociólogo e cientista político


RPD || José Luis Oreiro: Reforma Administrativa ou retorno ao Estado Patrimonialista?

Reforma Administrativa com o objetivo de preservar o teto de gastos parece ideia desprovida do mínimo senso de realidade, avalia José Luis Oreiro em seu artigo

Recentemente, o Ministério da Economia encaminhou proposta de Reforma Administrativa na forma da PEC 32/2020. A proposta parte explicitamente do pressuposto de que existiria uma série de distorções na administração pública que aumentariam o gasto com os salários e benefícios dos servidores públicos a patamares elevados como proporção do PIB na comparação com outros países, além de tornar os serviços públicos de má qualidade. Nesse contexto, a reforma administrativa permitiria reduzir de forma significativa o gasto com o funcionalismo público, liberando espaço no orçamento fiscal para o aumento do investimento público, sem violar a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, promulgada em 2016, que estabelece o congelamento do valor real da despesa primária da União por um prazo de 20 anos.

A realização de uma Reforma Administrativa com o objetivo de preservar o teto de gastos parece-me ideia desprovida do mínimo senso de realidade. No debate econômico brasileiro atual é crescente o consenso de que não é possível manter o Teto de Gastos (EC 95), que estabelece o congelamento dos gastos primários da União em termos reais até 2036, devido ao crescimento dos gastos com Previdência Social a um ritmo de 3% a.a, mesmo após a Reforma da Previdência, realizada em 2019. O que levará a um esmagamento progressivo das despesas discricionárias como, por exemplo, os gastos com investimento público e com o custeio de Saúde e Educação.

Além disso, o elevado nível de desemprego da força de trabalho combinado com alta ociosidade da capacidade produtiva na indústria, resultantes dos efeitos combinados da grande recessão de 2014-2016 e da pandemia do coronavírus, exige aumento expressivo da demanda agregada, o que, nas condições atuais, só pode ocorrer por intermédio do investimento público. O que esbarra nas limitações legais ao aumento de gasto público imposto pela EC 95. Para não mencionar que a experiência das reformas administrativas nos países europeus após a crise financeira internacional de 2008 mostra que os ganhos fiscais obtidos são, na melhor das hipóteses, irrisórios.

Um dos principais problemas da PEC 32 é que acaba sendo vazia, uma vez que deixa para regulamentar o essencial posteriormente – como a definição de quais serão as carreiras típicas de Estado, os critérios de avaliação de desempenho e as novas formas de acesso ao serviço público, tanto quanto a política remuneratória e de benefícios percebidos pelos servidores, as regras para a ocupação de cargos de liderança e assessoramento, e a progressão e a promoção funcionais que serão tratados por projeto de lei complementar.

Outro ponto crucial é que a reforma proposta deixa de fora as maiores fontes de distorções no serviço público – os militares, os juízes e membros do Ministério Público, e os parlamentares. No caso dos militares, parece que até obterão ganhos com essa reforma, ao poderem acumular determinados cargos (docência e empregos na saúde, sob certas condições), o que é explicitamente facultado no novo texto.

Presumiu-se que seria inconstitucional o Poder Executivo arbitrar regras para membros de outros poderes. Mas a Reforma do Judiciário promulgada em 2004 foi feita a partir de uma PEC apresentada pelo então deputado Hélio Bicudo, com adendos inclusive do Executivo, com vistas a ampliar as funções da Justiça Federal. Em 2005, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) e declarou a inexistência de qualquer “vício formal” na proposta apresentada por outros Poderes que não o Judiciário.

A reforma cria também novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir fortemente os cargos com estabilidade. Os concursos públicos e a estabilidade são avanços da Constituição Federal de 1988. Os concursos são processos seletivos democráticos, transparentes, comprovam a qualificação e o conhecimento de maneira impessoal (rompendo a prática de indicações, nepotismo, trocas eleitorais, ou seja, com o velho Estado Patrimonialista). A estabilidade busca dar mais liberdade aos concursados para atuarem tecnicamente, sem a necessidade de consentir com todas as práticas de seus superiores.

E já existe a possibilidade de demissão dos servidores, sendo que desde 2003 foram demitidos 7.766 servidores federais, 566 os quais em 2018, por exemplo. Esse número não está distante de outros países (levando em conta a quantidade de servidores), como é o caso do Canadá, em que houve uma média de 130 demissões ao ano entre 2005 e 2015.
Em suma, a PEC 32, ao fragilizar a estabilidade dos servidores públicos, pode transformar os servidores em funcionários do governo de plantão, ao invés de funcionários do Estado Brasileiro, constituindo-se assim num retrocesso em direção ao velho Estado Patrimonialista.

José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB.


RPD || Murilo Gaspardo: Indicado por Bolsonaro, o que esperar de Kassio Nunes no Supremo?

Kassio Nunes Marques substituindo Celso de Mello no STF por indicação de Bolsonaro pode conferir a um líder que despreza as instituições a possibilidade de influenciar o Supremo a partir de dentro, avalia Murilo Gaspardo

A democracia liberal combina eleições competitivas para as funções de representação política e Estado de Direito. A garantia do Estado de Direito depende da atuação legítima e eficaz do Poder Judiciário, em especial de seu órgão de cúpula – no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF). A legitimidade do STF não tem como fundamento a expressão da vontade da maioria do povo, mas sim a racionalidade substantiva de suas decisões e seus procedimentos decisórios. Isso não significa que exista apenas uma interpretação correta das normas jurídicas ou que decisões judiciais sejam politicamente neutras. Entretanto, a coerência lógico-argumentativa é imprescindível, o que inclui a valorização da colegialidade, a inadmissibilidade do casuísmo e o respeito aos precedentes (sua modificação deve apresentar fundamentos objetivos).

Nesse quadro, o processo de indicação de um Ministro do STF cumpre dois papéis: a demonstração de que é detentor de notável saber jurídico e reputação ilibada (CF, Art. 101, caput), indicação de que tem capacidade para produzir decisões coerentes e fundamentadas; e o escrutínio público da orientação política da interpretação constitucional do indicado (CF, Art. 52, III e 84). Como não existe neutralidade na interpretação constitucional, cada Ministro será mais liberal ou conservador, garantista ou punitivista etc. Há, assim, coerência na sistemática constitucional em atribuir a instância de representação política às competências de indicação (Presidente da República) e aprovação (Senado Federal), inclusive porque, após a nomeação, o Ministro adquire plena autonomia em relação a quem o indicou e aprovou.

O desenho institucional do processo de aprovação pelo Senado (Regimento Interno, Art. 383) prevê, antes da votação, o escrutínio público sobre a trajetória, a experiência e as posições do indicado sobre questões constitucionalmente sensíveis, mediante, inclusive, análise de publicações acadêmicas e decisões judiciais pretéritas (quando se trata de magistrado), com possibilidade de participação da sociedade por meio do encaminhamento de informações e sugestões de perguntas para a arguição pública (sabatina), ou até mesmo a realização de audiência pública.

Qual a razão, então, para a preocupação em relação à indicação do Desembargador Kassio Nunes Marques pelo Presidente Jair Bolsonaro para a vaga no STF, aberta com a aposentadoria do Ministro Celso de Mello?

Primeiramente, estamos tratando de um Presidente com perfil e atuação autoritários e populistas, que desrespeita e ameaça diuturnamente as instituições essenciais à democracia – inclusive o STF. Em segundo lugar, por meio de decretos e outros atos normativos, da precarização de órgãos de fiscalização e do exercício de seu poder simbólico, Bolsonaro também ataca a Constituição. E o STF tem funcionado como uma espécie de trincheira em sua defesa – por exemplo, na suspensão de decisão que revogou a proteção de manguezais e restingas. Por outro lado, o predomínio de decisões individuais sobre as colegiadas, uma jurisprudência errática e, muitas vezes, casuística e precariamente fundamentada, fragiliza a legitimidade do STF.

Nesse contexto, a indicação de um Ministro por Bolsonaro, o que conferiria a um líder que despreza as instituições a possibilidade de influenciar o STF a partir de dentro, já constitui motivo para preocupação. A escolha também é controversa. Embora Kassio Nunes preencha os requisitos constitucionais para a indicação e tenha trajetória respeitável, certamente não é um dos mais notáveis juristas brasileiros (impressão reforçada pelos títulos equivocadamente inseridos em seu currículo), nem um dos expoentes da Magistratura – o que, em verdade, não é um privilégio dele entre seus novos pares.

A posição política que orienta a interpretação constitucional do indicado (conservadora) não é um problema intrínseco – mas o caminho de sua escolha, que passa pela proximidade do novo ministro com o Centrão e as especulações de que seja parte da estratégia para blindar o Presidente e seus familiares das investigações e dos processos criminais em curso, não condizem com os princípios republicanos. Soma-se a isso o fato de o Senado não ter exercido a contento seu papel constitucional no processo de aprovação da nomeação. A questão não é a decisão favorável, mas a não realização de uma arguição pública digna desse nome, que exigisse minimamente a demonstração pelo indicado de seu notável saber jurídico e de sua orientação na interpretação constitucional.

Enfim, é necessário aguardar o início do exercício de suas funções pelo novo Ministro para saber se o fará de forma autônoma, bem como se a afirmação do Presidente, de acordo com a qual ele está “100% alinhado”, é restrita à posição conservadora ou também compreende um alinhamento pessoal, portanto, não republicano.

*Murilo Gaspardo é diretor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP – Campus de Franca – SP. Livre-docente em Teoria do Estado pela UNESP e Doutor em Direito do Estado pela USP.


RPD || Lilia Lustosa: Tenet - O que passou, passou?

Lilia Lustosa nos brinda com a crítica de Tenet, de Christopher Nolan, filme que marca a reabertura das salas de cinema em quase todo o mundo e leva o espectador em uma jornada que mescla espionagem e ficção científica

O momento tão esperado pelos cinéfilos já é realidade: a reabertura das salas de cinema! E, como anunciado, o filme-símbolo deste retorno é o blockbuster de Christopher Nolan, Tenet (2020). Uma mistura de filme de espionagem com ficção científica, que é um verdadeiro quebra-cabeça cinematográfico!

Com lançamento marcado para 17 de julho, o filme só chegou às telonas do Brasil no fim de outubro e já ultrapassou os US$ 330 milhões de bilheteria mundial, pouco mais da metade do que estimava sua produtora, a Warner. As razões me parecem óbvias: salas funcionando abaixo da capacidade, horários reduzidos e alto custo para manter os protocolos de segurança em dia, para atrair espectadores ainda bastante temerosos.

Confesso que os números altos da Covid me intimidaram a encarar a sala escura pelas duas horas e meia que dura Tenet. Ao mesmo tempo, as tantas cadeiras vazias jogaram-me na cara, semicoberta pela máscara, a quantidade de empregos perdidos durante a pandemia. Entendi a real necessidade de campanhas como a #juntospelocinema e tantas outras organizadas mundo afora. Quando as luzes se apagaram, porém, esqueci-me da ficção-científica nossa de cada dia para mergulhar na de Nolan. Tenet me embalou, apesar de não me ter encantado, nem convencido. Não acho que seja seu melhor filme. Origem e Interestelar são superiores!

O diretor britânico parece ter errado a mão desta vez, exagerando na (aparente) complexidade da trama, através de uma fragmentação excessiva do tempo e da inserção da física quântica como elemento-chave para entender o desenrolar da história. Passei o filme inteiro tentando assimilar a tal de inversão do fluxo da entropia e nada… senti-me ignorante do começo ao fim. E olhe que gosto de filmes que exigem do meu intelecto! Mas acho que Tenet peca ao falar para um grupo muito seleto de espectadores, fazendo os demais se sentirem incapazes de adentrar à mente labiríntica do diretor.

A história, contextualizada em plena guerra fria, se passa em vários países (Inglaterra, Ucrânia, Índia, Noruega, Itália, Vietnã) e em tempos indeterminados, à exceção de um tal dia 14… O protagonista, interpretado por John David Washington (filho de Denzel Washington), é americano, não tem nome e não sabe muito bem qual é sua missão, cuja única referência é o palíndromo “Tenet”. Seu companheiro de aventura, Neil (Robert Pattinson), é igualmente misterioso e tudo que sabemos é que ele vai e volta no tempo na tentativa de encontrar a última peça de um algoritmo para salvar a humanidade de uma provável terceira guerra mundial.

A ameaça principal não é mais uma bomba atômica, mas sim uma tecnologia do futuro capaz de produzir armas de curso invertido e que permite ir e vir no tempo, possibilitando assim alterar o rumo da história. O vilão, Andrei Sator (Kenneth Branagh), um ucraniano violento, viu sua cidade ser destruída por um desastre nuclear e transformou essa energia em sua fonte de riqueza e loucura. Tornou-se um traficante de armas megalomaníaco, controlador compulsivo, mantendo relação perversa e destruidora com sua esposa Kat (Elizabeth Debicki), com quem tem um filho. Uma “viagem” até interessante, se Nolan não tivesse complicado tanto!

O grande senão de Tenet é não se aprofundar em nada, nem nas relações humanas, nem nas relações internacionais, nem nas questões ambientais que são, em teoria, uma das grandes motivações da trama. Os personagens são rasos, assim como os jogos políticos ali apresentados, deixando tudo muito na superfície. Uma combinação explosiva para distanciar o espectador da reflexão, mergulhando-o de vez na ação e nos efeitos especiais, que pedem de fato a tela grande, como Nolan tanto dizia. Nisso, ele acertou em cheio, já que a força de Tenet está justamente em seus efeitos inusitados e na estética de games empregada. O ritmo do filme também merece destaque, já que prende do começo ao fim, como costuma acontecer com bons filmes de ação. Porque Tenet é isso, um ótimo filme de ação! Certo faz quem escuta o conselho da cientista (ou de Nolan?) já nas primeiras cenas, ao explicar a inversão do fluxo da entropia para o filho de Denzel: “Não tente compreender, sinta!”

Ainda assim, pinçando algumas falas perdidas em meio a tantas balas invertidas, Tenet nos deixa a pergunta: o que poderíamos ter feito diferente no passado para evitar chegar onde estamos? Reflexão mais do que apropriada para 2020. Ora, o que passou, passou, o que está feito, está feito, mas isso não significa que não podemos tentar reparar erros cometidos. Em nossa real-ficção-científica, o ontem (ainda) não pode ser mudado, mas o hoje e o amanhã, sim!

*Lilia Lustosa é crítica de cinema.


RPD || Ligia Bahia (UFRJ) e Mario Scheffer (USP): Como o SUS sairá da pandemia?

Promessas não cumpridas, omissões, evasivas e o reconhecimento da indisponibilidade de insumos estratégicos para o Sistema Único de Saúde têm marcado a gestão do Governo Federal no combate à pandemia

A pandemia do Covid-19 e seus trágicos desdobramentos sanitários, políticos e econômicos concederam ao Brasil lugar destacado entre os países com respostas tardias e insuficientes à prevenção de casos e óbitos. A demora e desproporção entre a quantidade de recursos para rastreamento e tratamento de pacientes mobilizados e a magnitude da epidemia passaram a ser um problema em si. Entre fevereiro e agosto de 2020, houve nítida mudança no conteúdo de pronunciamentos governamentais. No primeiro semestre, a preocupação com a “falta” de leitos, equipamentos e testes competiu com debates em torno do uso ou não da cloroquina.

Em seguida, o foco das atenções convergiu para o auxílio emergencial e para a abertura das atividades econômicas. Em maio de 2020, três meses após o Governo Federal ter declarado o estado de emergência em saúde pública no Brasil, em 4 de fevereiro, o SUS, os profissionais da saúde e a população diretamente afetada pela Covid-19 ainda conviviam, em muitas cidades, com grave insuficiência de leitos de internação, falta de médicos e de equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde, assim como era precário o fornecimento de ventiladores e kits de testes diagnósticos.

O tom otimista e tranquilizador de autoridades governamentais sobre a “preparação do País” e a “capacidade do SUS” para o enfrentamento da pandemia foi pouco a pouco substituído por promessas não cumpridas, omissões, evasivas e o reconhecimento da indisponibilidade de insumos estratégicos. Por ocasião do registro oficial do primeiro caso positivo no país, em 26 de fevereiro, o então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que recursos novos estariam sendo investidos para a expansão de leitos, compra de equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde e em laboratórios para a realização de testes.

O alegado investimento, como outros anúncios oficiais que se seguiram, teve pouca repercussão prática. Em maio, ainda estava explícita a carência extrema de testes e leitos para internação, além do colapso de unidades de terapias intensiva em capitais como Fortaleza, Manaus e Rio de Janeiro. Entre os meses de fevereiro e maio, embora menos eufóricos, discursos oficiais insistiam, no ápice da pandemia, em anunciar a expansão da rede hospitalar e a aquisição de insumos que deveriam ter sido providenciados muito antes da explosão da Covid-19 no País.

Em pleno agravamento da falta de vagas para internação de pacientes no SUS, transmitido diariamente pela mídia, ainda se ouvia que muitos leitos estariam disponíveis somente quando estivessem prontos novos hospitais, concluídas reformas e readequações na rede pública ou iniciadas negociações de compra de vagas do setor privado. Um dos principais parâmetros para a saída do isolamento social, o indicador de ocupação hospitalar, restava inviável, num cenário em que sequer os leitos prometidos e necessários eram ofertados. A tentativa tardia de responder, face à constatação da imensa subnotificação de casos, que em parte pode até hoje ser atribuída à ausência da testagem em larga escala, foi malograda. O então Ministro da Saúde, Nelson Teich, prometeu que o governo compraria 46 milhões de testes, quando sequer a divulgação de Mandetta, o ministro anterior, de distribuir 23,9 milhões de testes, havia sido concretizada. Similarmente, a divulgação oficial de que o Ministério da Saúde cadastraria cinco milhões de profissionais da saúde para reforçar o enfrentamento ao coronavírus fracassou.

Foram crescentes a falta de médicos, de especialistas em medicina intensiva e de pessoal na linha de frente assistencial, em condições de trabalho inadequadas e inseguras, com excesso de pacientes, sobrecarga de horas de trabalho, estresse emocional, infecção, bem como os óbitos de trabalhadores da saúde. Sem uma gestão coordenada de recursos humanos, viu-se a dificuldade de contratações temporárias e improvisadas, delegadas a organizações sociais privadas, fragmentadas em editais e chamadas pouco atrativas. Promessas de recursos financeiros com dois dígitos de bilhão, testes com dois dígitos de milhão, respiradores e leitos com dois e três dígitos de milhar, respectivamente, não se concretizaram, nem nas compras anunciadas, nem nos prazos previstos, nem nas datas de entrega, invariavelmente atrasadas, se e quando ocorreram. Expressões como “colapso do sistema de saúde” e “pontuação em UTI”, para avaliar quem vive e quem morre, chegaram a ser naturalizadas em determinado momento.

O fenômeno biológico do coronavírus e as dificuldades objetivas que o cercam, como a inexistência de terapias eficazes e de vacina, definitivamente, não são da mesma natureza da desorganização de um sistema de saúde e dos desmandos políticos que repercutiram decisivamente no aumento do número de mortes e, mais de seis meses após a entrada da Covid-19 no Brasil, são responsáveis por péssimos indicadores de controle da pandemia. Mesmo em meio às incertezas sobre a doença, diversos países resolveram as equações para o controle da disseminação e a redução da letalidade no âmbito do sistema de saúde, das instituições e dos serviços.

Os obstáculos objetivos para a contagem de todos os casos de Covid-19, assintomáticos e sintomáticos, comuns a tantos países, são bem distintos das barreiras que, no Brasil, impediram a contagem transparente de leitos de internação, o acompanhamento da execução orçamentária excepcional, da quantidade de testes ou do número respiradores colocados à disposição da população.

Imprecisões das informações sobre o modo de transmissão e disseminação da doença não são comparáveis à precariedade dos registros administrativos para o exercício do controle social e a produção de conhecimento científico sobre as respostas governamentais à epidemia. No Brasil, essa confusão, seja proposital ou não, impede até agora o discernimento dos rumos tomados pelo SUS e pelas políticas de saúde durante a pandemia.

Dos recursos previstos, de rotina do SUS ou excepcionalmente autorizados para a pandemia, o que de fato foi liberado e entregue, quando e para quem? A magnitude dos recursos que foram de fato operacionalizados é compatível com as necessidades de atendimento e as demandas acrescidas durante a pandemia?

A pergunta a ser respondida futuramente é se o SUS, que passou a ser reconhecido como um sistema de saúde adequado ao Brasil, sai maior, mais potente e com maior aceitação social após a pandemia do novo coronavírus?

*Lígia Bahia é médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980), mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (1990) e doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (1999). É professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

*Mario Scheffer é professor Doutor do Departamento de Medicina Preventiva (DMP) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), na área de Política, Planejamento e Gestão em Saúde.


RPD || Hernan Chaimovich: A Bandeira Mapuche e as manifestações no Chile

Bandeira do povo indígena Mapuche foi um símbolo que fortaleceu ainda mais o registro da convulsão social que tomou o Chile desde o ano passado e já resulta na aprovação de processo constituinte em novembro de 2020

Uma parte da população que ainda se interessa, no Brasil da pandemia e do Bolsonaro, pelo que sucede em volta de nosso país, está sendo pouco esclarecida pelo fenômeno social ímpar em curso no Chile. Não é que a situação do Chile seja fácil de entender, embora os meios de comunicação teimem em simplificar, daí se equivocarem. Como exemplo, menciono o fato de que o consistente uso da bandeira Mapuche como símbolo nas manifestações pouco tem a ver com a batalha contra o capitalismo agressivo que, sustentado pela Constituição de 1980, afeta a grande maioria da população chilena.

Em uma das manifestações mais populosas que, de certa forma, mostraram o peso do comoção social chilena no ano passado, mais de um milhão de cidadãos clamando por mudanças profundas no sistema institucional, em uma praça central de Santiago. A foto abaixo mostra que, além das bandeiras chilenas, outra flâmula se destaca.[1]

Trata-se da bandeira do povo Mapuche, chamada de Wenüfoye (canelo del cielo), um dos símbolos mais usados pelos manifestantes no Chile. Com início em outubro de 2019, os protestos de parte significativa da sociedade chilena já resultam na aprovação, por ampla maioria, de processo constituinte em novembro de 2020.

Antes de analisar como e por que este símbolo passa a ser protagonista em um movimento social muito mais amplo, é necessário descrever sinteticamente sua origem e significado. No peso simbólico desta flâmula, consta o reconhecimento da existência do povo Mapuche, que, apesar de perseguido, conseguiu resistir ao aparato estatal que, desde a conquista espanhola no século XVI, tentou persistentemente eliminá-lo, ou assimilá-lo. Wenüfoye é, pois, um símbolo de rebeldia, um grito que não aceita a institucionalidade existente, um estandarte de luta.

O guerreiro-poeta espanhol do século XVI Alonzo de Ercilla y Zúñiga (1533 – 1594), depois de viajar ao Chile, onde participou na guerra contra os indígenas araucanos (denominados hoje Mapuches), escreveu um poema épico, chamado La Araucana.[2] Nele, o autor rompe com uma tradição dos conquistadores ao enaltecer a coragem e a capacidade militar dos adversários. Ercilla confere aos Mapuches a dignidade e a humanidade que os conquistadores, e a religião que os acompanhava, lhes negavam. [3] Segundo Ercilla, o conceito de liberdade, e não a pátria, seria para os Mapuches um bem supremo, e a afronta a sua liberdade e sentido de justiça os levaria à guerra contra os espanhóis. Os conquistadores espanhóis nunca conseguiram dominar o território Mapuche, e, em um fato inédito, assinam o tratado de paz “El Pacto de Quilin” em 1641. Nesse tratado, os espanhóis reconhecem a independência Mapuche e o rio Biobío como fronteira natural entre ambos os povos. Apesar deste tratado, e durante toda a colônia, os embates entre espanhóis e Mapuches são frequentes, e nunca os indígenas abandonam sua luta.

Nos primeiros anos depois da independência em 1810, os republicanos chilenos se voltam para o passado heroico dos Mapuches, chamados de “índios chilenos”, para demonstrar simbolicamente que eles seriam a semente de um povo valente amante da liberdade, justamente o povo chileno.

Esta visão durou pouco na República independente, pois o poder, formado por criollos (a denominação dos estratos dominantes na época) compreendia somente a burguesia mercantil, mineradora ou terratenente. Este conjunto dominante visava construir e expandir um estado-nação cujas fronteiras deviam se estender até o sul do Chile, território ao sul do rio Biobío, terra dos Mapuches. Muito cedo esta imagem do “índio valiente” desaparece do imaginário nacional para considerar o Mapuche um povo bárbaro, miserável, que se podia pilhar. Esta visão, de uma ou de outra forma, persiste até hoje, especialmente porque a resistência contra as consequências das políticas do liberalismo selvagem na região deu origem ao movimento Mapuche revolucionário, nas décadas pós-Pinochet.

Wenüfoye, símbolo complexo que representa os Mapuches como povo, nasce em outubro de 1992. A própria denominação Mapuche já pressupõe algo a respeito da relação com o território, pois “mapu” se traduz como gente, e “che”, como terra. Grupos representantes da diversidade de territórios ocupados pelos Mapuches no sul do continente americano (lafkenche, nagche, wenteche, nagche do Chile e inclusive puel mapu da Argentina) se reuniram e incorporaram nesta bandeira as propostas provenientes das distintas etnias Mapuches.

A bandeira é altamente simbólica, e o artista Jorge Weke, indígena que participou na reunião de criação de Wenüfoye, em entrevista dada em 2003, assim os descreve:

«El color negro y blanco representan el equilibrio o la dualidad entre el día y la noche, la lluvia y el sol, lo tangible y lo intangible, etc. El azul representa la pureza del universo; el verde nuestra mapu, el Wallmapuche o territorio de asentamiento de nuestra nación. Y el rojo la fuerza, el poder, la sangre derramada por nuestros ancestros. Al medio el kultrung y todos sus significados ya conocidos y en el extremo inferior y superior la representación de los kon«.

Em outras fontes, se percebe que “Cultrún (kultrung ou kultrug), o tambor Mapuche; em sua superfície plana, que representa a superfície da Terra, o desenho circular da cosmovisão Mapuche é traçado: os quatro pontos cardeais e entre eles o sol, a lua e as estrelas; símbolo do conhecimento do mundo. Guemil (ngümin), cruz escalonada ou estrela - semelhante à "cruz andina" ou chacana - ou losango com borda em ziguezague: representa a arte da manufatura, da ciência e do conhecimento; escrevendo prompt de comando.[4] "

O que a sociedade chilena vê hoje na Wenüfoye? Talvez mais democracia e resistência. Mas, também, um símbolo de libertação, de autorreconhecimento, de acreditar na unidade na diversidade, de respeitar e valorizar as contribuições que cada segmento pode aportar na construção de uma sociedade mais justa. É palpável que um novo contrato social é efetivamente necessário. Da mesma forma, é notável que a sociedade dita "de baixo" é mais multicultural do que a classe dominante, ou "de cima". É por isso que Wenüfoye se tornou o principal emblema do gérmen de uma nova sociedade que nasceu, e da luta pela democratização da cena política do país.

*Hernan Chaimovich é brasileiro, nascido no Chile, Professor Emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.

[1] Foto de Suzana Hidalgo tomada na manifestação da Praça Baquedano, Santiago, Chile (Plaza Dignidad) em 27/10/2019.

[2] Disponível na Biblioteca Digital Hispánica [http://bdh.bne.es].

[3] Leandro José Nunes (2010) Uma análise da Obra “La Araucana e a sua Crítica ao Colonialismo”, Tese de Doutorado da Universidade Federal de Uberlândia.

[4] Esta Nota se inspira em artigo do Fernando Paraican https://www.ciperchile.cl/2019/11/04/la-bandera-mapuche-y-la-batalla-por-los-simbolos.


RPD || Evandro Milet: Uma agenda para o novo desenvolvimento

Sem ênfase em educação e exportações, o Brasil não conseguiu seguir o exemplo de países como o Japão e a Coreia do Sul, que alcançaram um forte desenvolvimento industrial e tecnológico com sólida atuação do governo

O Brasil passou muitos anos com sua economia fechada, colocando a culpa da falta de desenvolvimento em fatores externos, subsidiando empresas para substituir importações e acreditando que o governo é o grande motor da economia. Grande símbolo desse processo foi o Artigo 219 da Constituição de 1988 estabelecendo que o mercado interno integra o patrimônio nacional e deverá ser incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, […] e a autonomia tecnológica do País. Imaginava-se seguir o exemplo de Japão e Coreia em um desenvolvimento industrial e tecnológico com forte atuação do governo e reserva de mercado para as empresas nacionais. Mas eles tinham duas coisas que nós não tínhamos e, aliás, não temos até hoje: ênfase em educação e exportações.

Problemas que se estendem até hoje: empresas ineficientes, incapazes de competir internacionalmente; baixa produtividade; governo grande, caro, também ineficiente e corrupto; carga tributária alta; despesa maior que receita implicando dívida alta; ambiente de negócios burocratizado e demonizando o lucro; justiça lenta e que não promove segurança.

Uma nova agenda para o desenvolvimento tem de romper com tudo isso. Precisamos de um choque de capitalismo com uma revolução na educação, uma rede focada na proteção social e uma abertura para o exterior – as empresas brasileiras precisam competir internacionalmente.

Mas também o capitalismo de hoje está diferente. Serviços e tecnologia adquiriram peso muito maior, o mercado financeiro criou novos mecanismos que precisamos absorver e a sustentabilidade ambiental é um valor fundamental.

Apesar dos problemas, o Brasil teve um setor com avanços extraordinários, muita tecnologia e sem subsídios: commodities, com agronegócio e mineração. Há certo preconceito contra commodities, como se fossem coisa menor, sendo obrigatória uma agregação de valor nos produtos. A agregação de valor pode ser feita na cadeia, com investimentos privados na logística de ferrovias e portos, insumos e equipamentos, inovação e tecnologia e serviços acoplados, abrindo outras oportunidades de negócios nesses setores. A riqueza gerada pelas commodities e suas cadeias alimenta todas as outras e gera novos espaços de competição na indústria e nos serviços.

O mercado financeiro também abre novas oportunidades. O Brasil nunca teve juros e inflação tão baixos. O investimento em startups, no venture capital e na bolsa, assim como o empreendedorismo em geral, tão comuns nos Estados Unidos, não cresciam no Brasil pela oportunidade das altas taxas de juros reais nas aplicações de renda fixa e pelo financiamento subsidiado para empresas no BNDES. O mercado está em ebulição nesses aspectos e nas oportunidades em privatizações, concessões e PPPs, antes malvistas e agora aceitas pela sociedade.

De outro lado, as taxas de juros internacionais em torno de zero provocam a procura da poupança internacional por investimentos seguros pelo mundo. Toda a infraestrutura brasileira (saneamento, logística, energia, digital) pode sofrer uma revolução com implicações sociais na saúde e no emprego.

Mas os problemas são a insegurança jurídica para investimentos de longo prazo e a incerteza na economia. Quem investe sem saber quais serão a taxa de juros, a inflação e o câmbio nos próximos anos? O equilíbrio fiscal é fundamental para garantir um futuro previsível para investidores.

Para o ambiente de negócios falta uma reforma tributária que reduza burocracia e impostos, uma reforma da justiça para ser mais rápida e mais estável nas suas decisões, e uma reforma administrativa que racionalize a atuação do governo, reduza o custo e elimine as disfuncionalidades do sistema de controle.

Falta atender à grande demanda atual não só dos governos, mas também dos consumidores mundiais, pela preservação do meio ambiente. A importância brasileira nesse tema é tanta que pode nos abrir espaço para exercer um soft power mundial com ótimas repercussões nos negócios em geral e na nova bioeconomia.

Para o pleno desenvolvimento do País, é fundamental a redução das desigualdades sociais com programas focados nos mais pobres e na redução dos problemas que tiram grande parte da população da atividade produtiva. Cabe aqui enumerá-las: evasão escolar, gravidez na adolescência, homicídios, acidentes de trânsito, discriminações em geral e a falta de creches e escolas de tempo integral, o que tira mulheres do mercado de trabalho.

Porém, é possível eleger o maior problema para o desenvolvimento do país: a falta de uma educação de qualidade e igual para todos, pobres e ricos, que coloque o país entre os primeiros do mundo nesse fundamento, com muita tecnologia e inovação.

*Evandro Milet é consultor em inovação e estratégia