Day: abril 20, 2020

Luis Felipe Salomão e Daniel Carnio Costa: Coronavírus e a recuperação de empresas

Momento excepcional exige sensibilidade a fim de preservar função social

A pandemia do novo coronavírus desafia as autoridades públicas a tomarem decisões necessárias para minimizar os seus efeitos devastadores sobre o sistema de saúde do país.

Essas medidas causam impacto também no funcionamento da economia e na vida das empresas. A análise desses reflexos nos países que já enfrentam o problema há mais tempo demonstra a gravidade da situação. Houve queda de cerca de 30% nos principais índices de mercados do mundo (Nikkei, Dow Jones e FTSE). A China divulgou que sua produção industrial despencou 13,5% em janeiro e fevereiro deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior. Em todo o primeiro trimestre, o PIB chinês encolheu 6,8%.

O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça - Marcus Leoni - 5.mai.19/Folhapress
No Brasil, tomando como exemplo as empresas aéreas, algumas apontam para quedas de até 90% na compra de passagens de voos domésticos e internacionais. O setor de serviços começa a sofrer dramáticas consequências do combate ao coronavírus, sem nenhuma previsão para a sua retomada.

As empresas de saúde privada, responsáveis por boa parte de atendimentos e leitos hospitalares em nosso país, diante do aporte elevado e inesperado de recursos, poderão sofrer desequilíbrios sérios.

É certo que o governo federal já anunciou medidas de auxílio financeiro para empresas e comerciantes autônomos no curto prazo.

Entretanto, não se pode esquecer que o Brasil ainda sente os efeitos da crise econômica iniciada em 2014, que fez com que o PIB nacional recuasse aproximadamente 7% nos anos de 2015 e 2016.

O estudo dos números de empresas em recuperação ajuda a entender o funcionamento da economia. Houve, a partir do ano de 2016, um aumento exponencial dos pedidos de recuperação judicial. Em abril daquele ano, por exemplo, registrou-se um aumento histórico de 94,8% no número de distribuição desses pedidos. Os índices de distribuição de processos de insolvência mantiveram-se crescentes desde 2015 até meados de 2017, conforme demonstram os indicadores da Boa Vista SCPC.

O tempo médio para aprovação do plano de recuperação judicial no estado de São Paulo pode chegar a 650 dias, e a lei impõe dois anos de fiscalização judicial do cumprimento do plano —é por isso que muitos desses processos ainda se encontram em andamento até os dias atuais.

Os efeitos econômicos colaterais do combate à pandemia também afetam com mais intensidade essas empresas que tentam a recuperação com o auxílio do Poder Judiciário.

O agravamento da crise da empresa em recuperação judicial, em decorrência do combate ao coronavírus, poderá representar motivo de força maior, de modo a justificar o descumprimento das obrigações por ela assumidas no plano de recuperação judicial e impedir a decretação da falência, podendo o juiz se valer da mediação para renegociação das dívidas.

A comissão que cuida desse assunto no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou medidas, aprovadas pelo plenário, apontando ao menos quatro consequências imediatas do combate ao coronavírus nos processos de recuperação judicial de empresas em andamento na Justiça: a) suspensão de prazos; b) adiamento de Assembleia Geral de Credores (AGC) ou sua realização por meio de videoconferência; c) possibilidade de prorrogação do prazo de suspensão das ações e execuções movidas pelos credores contra a devedora em recuperação judicial (“stay period”); e d) a utilização da força maior para determinar a renegociação de planos já aprovados pelos credores, abrandando os efeitos do descumprimento de obrigações assumidas pela devedora.

Fornecedores e agentes financeiros deverão ter a sensibilidade para a renegociação de seus créditos, esperando-se, para as novas demandas, a utilização em larga escala do sistema de recuperação extrajudicial (ferramenta prévia à recuperação judicial, que permite a negociação direta e extrajudicial da devedora com seus credores).

O momento excepcional vivenciado pelo país impõe que se tenha a necessária sensibilidade para analisar os impactos da pandemia nos processos de recuperação judicial, a fim de que se possa preservar a função social das empresas e salvaguardar o empreendedorismo, com manutenção dos benefícios econômicos e sociais que decorrem de suas atividades (empregos, renda, produtos, serviços e tributos).

Luis Felipe Salomão
Ministro do Superior Tribunal de Justiça e presidente da Comissão de Recuperação Judicial do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)

Daniel Carnio Costa
Juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (atuando como juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça)

 


Nabil Bonduki: Bolsonaro quer dar um autogolpe?

A história mostra que inúmeros autogolpes que geraram regimes autoritários foram justificados por supostas tentativas de golpes

Em 16 de março, após o presidente participar de atos contra o Congresso e o STF, e se misturar com os manifestantes, quando se iniciava o isolamento social e ainda não tínhamos nenhum morto por coronavírus no país, escrevi uma coluna com o título “Crimes de responsabilidade de Bolsonaro não podem ficar sem resposta”. Ficaram, pois o país vive um impasse político onde nem o presidente nem os que a ele se opõem têm força suficiente para se impor.

Cinco semanas depois, quando o país registra, pelos subestimados dados oficiais, 2,5 mil mortes e mais de 30 mil casos, ainda longe de atingir o pico, ele dobrou a aposta em uma manifestação claramente golpista. Nesse domingo (19), enquanto carreatas percorriam as ruas de várias cidades em seu apoio, Bolsonaro afrontou a democracia junto com manifestantes que pediam intervenção militar e AI-5. Incitou o povo contra a chamada “velha política” e sinalizou um autogolpe autoritário, falando em “fazer o possível para mudar o destino do Brasil”. E, ainda, defendeu o fim do isolamento, única forma de proteger a vida de pessoas frente ao inevitável avanço da Covid 19.

Embora esteja contrariando as recomendações do OMS, do Ministério da Saúde e dos especialistas e isolado politicamente, em conflito com governadores e parte significativa da classe política, limitado pelo STF, questionado por quase toda a mídia e entidades tradicionais da sociedade civil e sofrendo uma oposição de amplo leque político da centro direita à esquerda, com panelaços diários, Bolsonaro continua contando com expressivo apoio popular.

Pesquisa do Datafolha de 17/4 mostrou que 36% dos brasileiros consideram “ótimo e bom” seu desempenho em relação ao coronavírus enquanto que 23% consideram regular. E mais: 52% acreditam que ele tem capacidade de liderar o país. É necessário reconhecer que o discurso do presidente na crise sanitária sensibiliza segmentos expressivos da sociedade. Nada menos do que 52% dos empresários apoiam seu desempenho, enquanto que seu discurso agrada os que estão descontentes com o fechamento do comercio e com a falta de trabalho e renda.

Por outro lado, é forte o sentimento do “Fora Bolsonaro”, que une os que sempre o rejeitaram com os que se arrependeram do voto. Além de representar um risco à democracia e ao combate à pandemia, o presidente já cometeu crimes de responsabilidade suficientes para justificar a abertura de um processo de impeachment. Mas, com esse apoio popular, é uma temeridade falar, nesse momento, em impeachment.

Ademais, ele conta com o apoio de vários segmentos das forças de segurança, como as policiais militares e as patentes inferiores do exército, além das milícias, todos bastante contaminados pelo “bolsonavirus”. Frequenta com assiduidade os quartéis e não se intimidou em atacar a democracia em frente ao Quartel General do Exército. Inúmeros generais ocupam cargos de alto escalão no governo, embora não se saiba bem qual seria a posição da cúpula do exército no caso de uma crise aguda.

Não por acaso, na semana passada, Bolsonaro acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o governador de São Paulo, João Dória, e o STF de estarem preparando um golpe para tirá-lo do governo. Estaria buscando um pretexto para dar um autogolpe? A história revela que inúmeros autogolpes que geraram regimes autoritários foram justificados por supostas tentativas de golpes contra os governantes.

Em 1933, Hitler, recém empossado chanceler, utilizou o incêndio do parlamento alemão como pretexto para acusar uma suposta ameaça comunista e eliminar a democracia. As liberdades foram abolidas e 25 mil pessoas foram presas. 0 governo ganhou poderes para intervir nos estados.

Recentemente, em 2015, o presidente turco, Erdogan, usou uma tentativa frustrada de golpe para criar um estado de emergência, eliminar a liberdade de imprensa e reprimir a oposição. Cerca de 150 mil pessoas foram demitidas do serviço público e 50 mil foram detidas.

Entre nós, o presidente Getúlio Vargas, em 1937, acusou os comunistas de estarem preparando um golpe (Plano Cohen) como pretexto para permanecer no governo e acabar com a frágil democracia. Todos os legislativos do país foram fechados, a liberdade de expressão suprimida e foi decretada a intervenção nos estados. Foi como nasceu o Estado Novo.

Um processo de impeachment mal articulado pode servir de pretexto para uma aventura autoritária. O país está conflagrado, em um impasse político. O presidente não tem força para impor suas concepções antidemocráticas mas, por outro lado, sem maior apoio popular e sem coesão das forças políticas que a ele se opõem, não há possibilidade de removê-lo, ainda mais em meio a uma pandemia.

Mais do que nunca uma frente ampla democrática é essencial para o país se contrapor a qualquer tentativa autoritária.

A pandemia avança sem que haja uma coordenação nacional capaz de enfrentar a crise sanitária e econômica. A situação exige que se estruture formas de governança inovadoras que possam, ao menos parcialmente, cumprir tarefas que caberiam ao governo federal.

O bem sucedido consórcio dos governos estaduais do Nordeste talvez possa servir de referência para um consorcio mais amplo, que reúna todos os estados, para estruturar uma estratégia e uma ação coordenada para enfrentar a pandemia, como a compra de equipamentos e uma cooperação intergovernamental. Algo semelhante poderia ser pensado em relação à inevitável crise econômica. A nível nacional, o protagonismo do Congresso é essencial.

Para concretizar essa frente democrática, é necessário maior tolerância em relação às diferenças partidárias e ideológicas, especialmente as que dividem o centro da esquerda. Talvez uma experiência concreta para enfrentar a crise sanitária possa servir de ensaio para uma articulação que torne possível, a médio prazo, eliminar o risco autoritário representado pelo presidente.

*Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.


Demétrio Magnoli: Depois do vírus, Kant ou Hobbes?

China triunfou sobre os EUA no teste da pandemia

Volta à normalidade? A ideia sedutora do tempo circular, do retorno ao ponto de partida, não ajuda a decifrar a paisagem pós-pandemia.

Os analistas que apostam numa ordem global mais kantiana — isto é, mais integrada e cooperativa — erram tanto sobre a partida quanto sobre a chegada. Os pratos da balança inclinaram-se ao nacionalismo antes da pandemia e suas consequências acelerarão o curso do fechamento. Na “Foreign Policy” de 20 de março, Stephen Walt opinou que a pandemia “reforçará o Estado e o nacionalismo”, provocará um “retrocesso na globalização” e “criará um mundo menos aberto, menos próspero e menos livre”. Hobbes, não Kant.

Henry Kissinger, em artigo recente, chamou os EUA a rememorar os motivos que o levaram a erguer a arquitetura de cooperação internacional do pós-guerra. A suspensão do financiamento americano da OMS evidencia que Trump escolheu o caminho oposto.

O G7 só produziu palavras vazias. Os EUA isolaram-se na sua crise sanitária interna, que revelou ao planeta o despreparo governamental e os assombrosos níveis de exclusão social da superpotência. Na mesma “Foreign Policy”, Kori Schake prevê que os EUA “não mais serão vistos como líder internacional” pois “falhou no teste da liderança”. Como resultado do fracasso americano, a China ganhou a guerra da Covid, apesar do ocultamento inicial da epidemia e da fabricação de estatísticas altamente suspeitas.

No pós-guerra, o rival era a URSS, uma potência fechada no casulo geopolítico e econômico do bloco socialista. O rival de hoje, a China, pelo contrário, é uma potência conectada às redes da globalização. O triunfo chinês sobre os EUA no teste da pandemia não só amplia sua influência internacional como delineia uma aura de eficiência em torno de seu modelo autoritário de capitalismo de Estado. O conceito nacionalista de Trump sai fortalecido da emergência mundial. Mas, ironicamente, a vitória doutrinária é de Pirro: representa uma derrota estratégica para os EUA.

“Nosso maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial”, disse Angela Merkel, referindo-se tanto à Alemanha como à União Europeia (UE). A UE desapareceu na hora em que o tsunami do vírus atingiu a Itália e, diante do dilema do resgate econômico, repetiu a cisão Norte/Sul verificada uma década atrás, na crise do euro. A Espanha clamou por um “novo Plano Marshall”, intra-europeu, baseado na mutualização das dívidas emergenciais, e ganhou os apoios da França e da Itália. A Alemanha resistiu, uma vez mais, à emissão de títulos europeus (eurobonds), secundada por Holanda e Áustria. O bloco caminha sobre gelo fino.

A emergência sanitária devasta as economias europeias enquanto se desenrola a conclusão do Brexit — e sob as nuvens escuras da erosão da aliança transatlântica. Sem a parceria com os EUA, explicou Kissinger anos atrás, a Europa ficaria à mercê da China, reduzindo-se a mero apêndice da Eurásia. Merkel referiu-se a esse argumento quando, em janeiro, admitiu que, “como europeus, precisamos refletir agudamente sobre nossa posição no mundo”. Agora, diante da pandemia, a Alemanha deve encarar o que o espanhol Pedro Sánchez definiu como uma “encruzilhada crítica” na qual se decidirá a sobrevivência da UE.

“Um mundo menos aberto, menos próspero”. O Japão ensaia um programa de “repatriação” em massa de suas multinacionais estabelecidas na China, por meio de bilionários subsídios governamentais. Nos EUA e na Europa, dirigentes de corporações globais reavaliam os riscos embutidos nas extensas cadeias de suprimentos que conectam o Oriente ao Ocidente. O espectro de novas pandemias e o precedente das quarentenas alteram os cálculos econômicos de custos, gerando uma tendência à reaglomeração das cadeias produtivas.

Simultaneamente, os EUA invocam esquecidas leis de guerra para compelir a GM a fabricar respiradores hospitalares, e os países europeus alargam o conceito de ativos nacionais sensíveis para incluir a produção de equipamentos médicos, remédios e vacinas. Hobbes: a estratégia, razão do poder, impõe-se ao lucro, razão do capital. Chegamos à era da “desglobalização”?


Nelson de Sá: China se volta para o risco crescente da soja brasileira

'É fundamental resolver dependência e expandir canais de importação para diversificar riscos', reporta o financeiro Yicai 

Ecoada por portais chineses, extensa reportagem no Yicai, site de notícias financeiras do Grupo de Mídia de Xangai, destaca que “a estabilidade da importação de soja se tornou foco de atenção generalizada”.

O avanço do coronavírus no Brasil, EUA e Argentina, maiores exportadores ao mercado chinês, “vai trazer incerteza maior nos próximos meses”.

O Brasil responde por 65%, daí a atenção maior, a ponto de detalhar a cobrança do sindicato dos portuários de Santos por “equipamentos de proteção” e o risco de greve dos caminhoneiros, que podem “paralisar mais de metade do transporte de soja, dado o transporte ferroviário subdesenvolvido”.

Em suma, citando fontes diversas, “é fundamental resolver o problema da dependência, ampliar a autossuficiência e expandir os canais de importação de soja para diversificar os riscos”.

SORTE
Despacho da agência Xinhua mostra banda brasileira que se apresentaria em Xiam, na China, foi surpreendida pelo isolamento e ficou por lá. "No início, achamos azar, mas agora parece que tivemos muita sorte", afirma músico.

ETNOCÍDIO
O New York Times, com fotos de Victor Moriyama, foi à tribo dos Uru Eu Wau Wau para noticiar que "Bolsonaro cumpre promessas para Amazônia e indígenas temem etnocídio". Ele abre "agressivamente" a floresta à agricultura "no momento em que coronavírus apresenta ameaça mortal".

TESTES, TESTES
NYT, Wall Street Journal e Washington Post atravessaram o fim de semana voltados para, no dizer do WSJ, o quadro de “desordem, escassez, atrasos” nos testes do coronavírus no país.

Nova York e Nova Jersey, “epicentros”, pressionam Washington por testes, mirando-se na Alemanha, que segundo o NYT busca sair da quarentena com testes de anticorpos.

CHINA, CHINA
Também por NYT e WP, respectivamente, “Republicanos visam fazer da China o bode expiatório” e “Campanha de Trump vê vantagem em ligar Biden à China”, com nova propaganda. A campanha democrata já respondeu, com anúncio ligando Trump a Xi Jinping.

Os dois candidatos reagem a pesquisas que, segundo o Los Angeles Times, apontam que a maioria dos americanos quer até compensação financeira da China pela pandemia.

*Nelson de Sá é jornalista, cobre mídia e política na Folha desde a eleição de 1989.


Cacá Diegues: O delito maior

Numa hora em que precisamos nos livrar da peste planetária, o ministro foi vítima de suas virtudes

E lá se vai o Mandetta embora. Numa hora em que mais de 2 milhões de pessoas, no mundo inteiro, estão infectadas pela Covid-19, e por volta de 150 mil já morreram. Numa hora em que precisamos nos livrar da peste planetária, o ministro foi vítima de suas virtudes. Como a defesa intransigente do distanciamento social, um dos motivos pelo qual, neste momento, se tornou o homem público mais amado do Brasil (76% de aprovação popular). Na quinta-feira passada, dia de sua demissão, três discursos nos contaram o que estava acontecendo.

No primeiro depoimento, um ministro, virtualmente demitido há muito tempo, sorria glorioso, satisfeito com tudo o que propusera, inclusive a política que havia provocado a sua demissão. Esperei ouvir, a qualquer momento, o célebre pensamento do padre Antonio Vieira, que entendia dessas coisas: “Nessa terra, não há delito maior do que ser o melhor”. Mandetta convocava seus auxiliares, sobretudo os mais fiéis, a cooperarem entusiasticamente com o nomeado, os incentivava a colaborar com o novo ministro. No outro, o novo ministro improvisava uma fala técnica, um pouco convencional, justificável pelo pouco prazo da decisão. Nelson Teich expôs um programa muito pouco dessemelhante ao do exonerado. E completava com uma declaração de “alinhamento” que, por contraste com o que dissera, só podia ser para acalmar o ego excitado do chefe.

Entre os dois depoimentos, estava a figura principal do espetáculo, o protagonista do drama em cena, o nosso presidente Jair Bolsonaro. Todo mundo tem o direito (e até mesmo o dever) de procurar ser reconhecido pelos outros. Essa obsessão pelo sucesso pessoal não é necessariamente um sinal de psicopatia. Pelo contrário, ela pode até ser considerada uma característica natural do ser humano, que precisa ser domada para que ele possa viver em sociedade, outra característica natural do ser humano. O limite dessa obsessão é o reconhecimento do lugar do outro. Isso, porém, não estava no discurso lento e sem entusiasmo de Bolsonaro, como se estivesse dopado pelas circunstâncias, apesar do tratamento respeitoso com o demitido.

Para Bolsonaro, o debate não é nunca o esclarecimento entre duas ou mais afirmações distintas e opostas em conflito, mas a imposição de um poder sobre outro. De preferência, do mais forte sobre o mais fraco. E o mais forte, para ser o mais forte, tem sempre que sair vitorioso. Essa é a sua regra do jogo.

O que impressiona no ego de Bolsonaro é a sua capacidade de fazer o que lhe é visivelmente desagradável, para poder prejudicar aqueles que o incomodam. Se Mandetta tem enorme popularidade por sua política de saúde, é preciso então fazer o contrário do que ele sugere fazer. Mesmo que seja apenas para implicar com ordenamentos que não tenham sido promulgados por ele. Não conheço o presidente pessoalmente e sei que Bolsonaro jamais me daria um depoimento sobre o assunto. Acho que a ninguém. Mas não vejo nele, em seu rosto ou nas suas mãos, em seu corpo nervoso ou em seus sorrisos forçados, em seus diversos tiques faciais ou no que for, nenhum prazer em abraçar, dar a mão, beijar a testa de quem quer que seja, homem ou mulher, jovem ou idoso, gente bonita ou feia, quando o presidente sai às ruas para provocar aglomerações. Vejo, em seu comportamento, muito mais um recado de sacrifício aos correligionários, do que de algum prazer. Às vezes, quando assisto àquelas cenas na televisão, corro até o perigo de sentir pena do coitado.

Os delírios de Bolsonaro são sempre mais ricos quando se tornam limítrofes. Depois de uma tentativa de sobretaxar a crescente energia solar no país, Bolsonaro, no dia 7 de janeiro deste ano, em encontro com jornalistas (classe de gente que ele ama, mesmo que fale tão mal), quando perguntado pelo assunto, olhou para cima e disse: “Sol, fique tranquilo, não serás taxado”. O jornalista Elio Gaspari, no dia seguinte, publicou um artigo em que dizia: “O reino das trevas quis taxar o sol”.

Os amigos e colaboradores do presidente devem participar intensamente da construção de sua personalidade. No ano passado, em cerimônia no Ministério das Relações Exteriores, o chanceler Ernesto Araújo, de estrita confiança sua e de seus três filhos, comparou-o, com os olhos marejados, a Jesus Cristo. Há quem garanta que Bolsonaro também verteu algumas tantas lágrimas de emoção.


Bernardo Mello Franco: No QG do Exército, Bolsonaro saúda manifestação golpista

O presidente Jair Bolsonaro tirou a tarde de domingo para saudar uma manifestação de caráter golpista, com faixas que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Os manifestantes se aglomeraram em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. Antes disso, fizeram uma carreata contra as medidas de isolamento para combater o coronavírus.

Bolsonaro chegou em carro oficial, cercado por seguranças da Presidência. Saudado aos gritos de "Mito", ele desfilou sem máscara diante dos manifestantes, boa parte com camisas da seleção e com bandeiras do Brasil.

Em primeiro plano, faixas exibiam mensagens como "Intervenção militar já com Bolsonaro no poder" e "Intervenção militar, fechem o STF e o CN".

O presidente subiu na caçamba de uma camionete e elogiou os apoiadores. "Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil", disse.

Em seguida, enviou novo recado ao Congresso: "Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil". Em outra passagem, afirmou: "Acabou a época da patifaria, agora é o povo no poder".

Depois de falar por dois minutos, Bolsonaro teve um acesso de tosse. Interrompeu o discurso e se despediu com o slogan de sua campanha eleitoral em 2018.

As cenas foram filmadas por um assessor do presidente e transmitidas ao vivo nas redes sociais do presidente.


Hernan Chaimovich: As carreatas da morte

O Brasil é, aparentemente, o único país do mundo onde carreatas que podem ser consideradas verdadeiras manifestações a favor da pandemia COVID-19 se realizam com certa frequência em várias cidades, sem que o Estado tome qualquer providência.

Poder-se-ia pensar que a única ação possível para os que induzem, organizam e participam dessas atividades, que, além de irem contra qualquer racionalidade, são um chamado à morte, seria a recomendação de tratamento ou de internação psiquiátrica. Além de serem medidas de difícil implementação, existem ações bem mais concretas, legítimas e legais, que, por serem de implementação bem mais realista, devem ser praticadas com urgência, sob o risco de a loucura imperar em nosso país.

Para começar, transcrevo aqui um tweet de um médico que eu, por não estar autorizado, não posso identificar, mas com o qual me identifico “Eu trabalho em dois dos hospitais pelos quais passou a carreata da morte em São Paulo hoje. Saí de um deles as 7h a caminho de outro plantão. Na frente da gente, nas UTI´s gente lutando para não morrer de COVID. Do lado de fora “gente” querendo ver mais gente morrer. É desesperador”. Simultaneamente, compartilho uma notícia recente: “Presidente foi em comitiva ao Setor Militar Urbano, e participa de ato contra a quarentena e pró-intervenção militar em frente ao Quartel Geral do Exército, em Brasília” (@reporterenato).

Perante esta situação, nada mais eficiente do que sugerir algumas ações que dizem respeito às pessoas e às Instituições.

Começo pelo indutor mor, Jair Messias Bolsonaro. Um dos pedidos de afastamento do Presidente da República foi encaminhado à Procuradoria Geral da República pelo Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, onde cita diversas condutas de Bolsonaro que colocam em risco o país em relação à epidemia de COVID-19. Esse pedido, se a PGR aceitar, segue para o STF, que, se aceitar, pede autorização à Câmara para dar andamento. Como se pode perceber, esse procedimento é lento, e, no meio da pandemia, se requer ação rápida e processo pode não afetar tão cedo as carreatas da morte.

Outras ações que podem ser tomadas contra organizadores e participantes das carreatas estão em Leis e Decretos. O que chamo de “caravanas pró-pandemia” acontecem em cidades onde decretos estaduais e municipais impõem distanciamento social e uso de máscaras protetoras em público. Assim, burlar os Decretos estaduais de quarentena e de isolamento social deveria resultar em ação policial direta, pois o direito de ir e vir não colide com determinações legais que, por causa de uma emergência sanitária, limitam esses direitos.

Estas carreatas, com seus carros de som, fazem questão de se deter frente a hospitais e clínicas, afrontando as leis de Contravenções Penais além de diversas outras leis e decretos estaduais e municipais. A produção de sons acima de 50 dB no entorno de hospitais é passível de pena de reclusão. É evidente, pois, que existem condições onde o Estado está legalmente obrigado a coibir com força policial carreatas como a caravana a favor da pandemia.

Ora, se o Estado permanece inerte e as carreatas continuam, é dever dos indivíduos e das associações clamar contra o Estado na justiça. Desde os níveis mais básicos até o foro maior, o Supremo Tribunal Federal, se instâncias anteriores não forem efetivas, é imperioso recorrer contra um Estado que permite caravanas da morte. Por último, se nenhuma das instâncias nacionais aceitar que estas manifestações soturnas deveriam ser banidas, restam os foros internacionais que protegem os direitos humanos. Afinal de contas, dentro do rol dos diretos humanos, a vida é o direito mais fundamental.

Hernan Chaimovich, Professor Emérito do Instituto de Química da USP


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Autores || Revista Política Democrática Online | 18ª edição

Helio Bacha
Médico, com graduação e residência médica (UERJ), pós-graduação Saúde Pública Faculdade de Saúde Pública (USP), mestrado Doenças Infecciosas Faculdade de Medicina (USP), doutorado Doenças Infecciosas Faculdade de Medicina (USP) e Fellow American College of Physicians.

André Amado
Embaixador aposentado e diretor da Revista Política Democrática Online.

Lilia Lustosa
Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).

Gloria Alverez
Jornalista e voluntária da Obra do Berço do Rio de Janeiro.

Marco Aurélio Nogueira
Cientista político e professor da Universidade Estadual Paulista/Unesp.

Ricardo Tavares
Consultor internacional de empresas de tecnologia. É mestre em ciência política pelo Iuperj e membro do Council on Foreign Relations (CFR).

Eduardo Rocha
Economista pela Universidade Mackenzie com pós-graduação em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp.


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O Estado de S. Paulo: Discurso de Bolsonaro 'incentiva desobediência' e é 'escalada antidemocrática', dizem políticos

Parlamentares, presidentes de partidos e governadores criticaram discurso feito pelo presidente da República em ato que pedia fechamento do Congresso e intervenção militar

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

Lideranças políticas criticaram, neste domingo, 19, o discurso do presidente Jair Bolsonaro em uma manifestação que pedia o fechamento do Congresso e intervenção militar em Brasília. Os políticos classificaram como "grave", "incentivo à desobediência" e "escalada antidemocrática" a atitude de Bolsonaro de ir a um protesto antidemocrático e de incentivar a aglomeração de pessoas.

Na tarde deste domingo, o presidente voltou a descumprir as medidas de isolamento social, provocou aglomeração em frente ao Quartel General do Exército, na capital federal, e se dirigiu aos manifestantes do alto de uma caminhonete. "Eu estou aqui porque acredito em vocês, vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Nós não iremos negociar nada", disse, enquanto a multidão pedia o fechamento do Congresso Nacional, a volta do AI-5 e as Forças Armadas nas ruas.

Líder do Podemos no Senado, o senador Álvaro Dias afirmou que a atitude de Bolsonaro é um "estímulo à desobediência". "Fica difícil aceitar essa transferência de responsabilidade para o Congresso do fracasso do governo federal", afirmou o senador. "A atitude de Bolsonaro hoje (com manifestantes) foi grave. É um estímulo à desobediência. O presidente age como se estivesse em um parque de diversões."

O ex-ministro Bruno Araújo, presidente do PSDB, afirmou que Bolsonaro coloca em risco a democracia e desmoraliza a Presidência: " O presidente jurou obedecer à Constituição brasileira. Ao apoiar abertamente um movimento golpista, ele coloca em risco a democracia e desmoraliza o cargo que ocupa. O povo e as instituições brasileiras não aceitarão".

Já Roberto Freire, presidente do Cidadania, classificou a atitude de Bolsonaro como uma "escalada antidemocrática". "O STF e o Congresso devem ficar em posição de alerta. O presidente está se aproveitando da pandemia para articular uma escalada anti-democrática. Além de um ato criminoso contra a saúde pública, foi um cirme de responsabilidade apoiar um ato que prega a volta do AI-5 e contra o Congresso e STF".

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que vem travando debates com Bolsonaro desde que determinou medidas de isolamento social para combater o coronavírus, assim como a maior parte dos governadores, chamou de "lamentável" a atuação do presidente neste domingo. "Lamentável que o presidente da República apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5. Repudio também os ataques ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal. O Brasil precisa vencer a pandemia e deve preservar sua democracia."

O AI-5 foi o Ato Institucional mais duro instituído pela repressão militar nos anos de chumbo, em 13 de dezembro de 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus, e instalou a censura nos meios de comunicação. A partir da medida, a repressão do regime militar recrudesceu.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse neste domingo (19) que é “assustador” ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia.

Bolsonaro vem acumulando desgastes com o Congresso e governadores de todo o País por conta do enfrentamento do novo coronavírus. O presidente defende um relaxamento do distanciamento social por temer o impacto do isolamento sobre a economia brasileira. Na quinta-feira, 16,, o presidente atacou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao dizer que acha que a intenção do parlamentar é tirá-lo da Presidência.

Em reação às críticas, Maia disse que não entraria numa disputa pública com Bolsonaro: “O presidente não vai ter ataques (de minha parte). Ele joga pedras e o Parlamento vai jogar flores”, completou. Neste domingo, seu correligionário, o deputado Efraim Filho (PB), líder do DEM na Câmara, minimizou a participação do presidente da República na manifestação: "É hora de quebrar o retrovisor e pensar no amanhã em diante. Não é hora de trazer para o cenário mais uma crise política. A nação brasileira espera um gesto de paz e diálogo."

Na oposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que vai entrar com uma representação contra Bolsonaro na Procuradoria-Geral da República (PGR). "O senhor presidente da República atravessou o rubicão da tolerância democrática e ofendeu a Constituição em vários aspectos. Ele atentou contra as instituições do Estado democrático de direito e ofendeu inclusive o código penal", declarou.

O PSOL publicou uma nota de repúdio, assinada pelo seu presidente, Juliano Medeiros. "Essa provocação soma-se a outras tantas e comprova que ele não tem mais condições de seguir governando. É preciso que Bolsonaro deixe o poder imediatamente, pelos meios constitucionais disponíveis, para que o Brasil não siga sob as ameaças de um genocida", diz a nota.


Bruno Carazza: Não existem mocinhos e bandidos

Votação sobre o Carf ilustra jogo de interesses

Reducionismos são muito perigosos, principalmente em tempos de crise. Por trás de expressões bonitas como “interesse público”, “bem comum”, “proteção social”, “eficiência e produtividade” podem estar escondidas perigosas armadilhas. Em meio à comoção coletiva e com o noticiário dominado pelo mono assunto da covid-19, é preciso atenção redobrada. Os oportunistas estão à espreita.

Outro risco é acreditar em estereótipos e rotulagens. Frequentemente caímos no conto do mocinho versus bandido, do bem contra o mal. Relações sociais em geral são desiguais, e a maioria dos países busca aprovar legislações para evitar abusos contra o lado mais frágil, como empregados, tomadores de empréstimos e locatários. Quando erramos a mão na tentativa de regular a vida em sociedade, ocorrem distorções com consequências severas - imóveis vazios num país de enorme déficit habitacional, crédito caro e escasso, 40 milhões de trabalhadores informais. Mas isso é assunto para outras colunas.

O pior dos mundos acontece quando grupos de interesses muito bem articulados se valem de simplificações maliciosas e de um falso discurso de boas intenções para impor grandes prejuízos para a sociedade. A história aconteceu nas últimas semanas, e quando percebemos o leite já havia sido derramado.

Em outubro de 2019, muito antes de um simples vírus colocar de joelhos toda a humanidade, o governo Bolsonaro editou a Medida Provisória nº 899, que tinha por objetivo estabelecer as condições para que a União e seus devedores pudessem sentar na mesma mesa e encontrar uma solução consensual para seus litígios. A iniciativa, proposta pelos ministros Paulo Guedes (sob cujas asas está a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e André Luiz de Almeida Mendonça (titular da Advocacia-Geral da União), visava aumentar a probabilidade de recuperar os créditos da dívida ativa da União.

De acordo com os números apresentados na Exposição de Motivos encaminhada ao Congresso, o governo tem uma carteira de quase R$ 3 trilhões de reais de dívida questionada na Justiça, além de outros R$ 600 milhões em disputa administrativa, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf (guarde esse nome). Como boa parte desse crédito é de difícil recuperação - pois até que o processo judicial seja encerrado, as empresas já faliram, ou os devedores deram o seu jeito de desviarem o patrimônio -, a proposta era estimular uma solução negociada entre as partes, em que o devedor pague a dívida imediatamente, mesmo que com um desconto. Ao propor a MP, o governo seguia a velha máxima de que “um mau acordo é melhor do que uma boa demanda”. Cabia, porém, regular essa transação, revestindo-a de legalidade e dos devidos controles para evitar casos de corrupção e outros crimes contra a Administração.

Quando se trata de assuntos envolvendo tributação, os interessados ficam de olho. Durante a tramitação, os parlamentares fizeram 220 sugestões para “aprimorar” o texto. Duas delas merecem atenção. A emenda nº 9, de autoria do deputado Heitor Freire (PSL-CE), pretendia acabar com o voto de desempate do representante do Fisco nos processos do Carf que estabelecem o crédito tributário e o seu valor. Já a emenda nº 162, apresentada por seu colega Gilberto Nascimento (PSC-SP), buscava regular o pagamento do Bônus de Eficiência e Produtividade aos auditores e analistas fiscais da Receita Federal.

Nenhuma dessas duas sugestões foi acatada pelo relator da MP, o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP). Mas quando a matéria foi à votação, no dia 18/03, todos os olhos já estavam voltados para o coronavírus. Foi aí que o deputado Hildo Rocha (MDB-MA) propôs ressucitá-las, e o plenário da Câmara aprovou a sugestão sem qualquer resistência.

Com o Senado já realizando votações virtuais, a questão foi resolvida em uma única seção, no dia 24/03. Após ser alertado pelos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES), Carlos Viana (PSD-MG), Chico Rodrigues (DEM-RR) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) que os dois dispositivos incluídos pela Câmara traziam matérias estranhas à MP original, e por determinação constitucional não poderiam ser aprovados, o presidente em exercício da Casa, Antonio Anastasia (PSD-MG), colocou as questões em discussão. O bônus da Receita caiu, mas a mudança no critério de decisão do Carf não.

Bolsonaro teve a oportunidade de vetar o dispositivo do Carf. Dizem até que Sergio Moro se mostrou preocupado com os danos sobre a corrupção e as investigações ainda em curso da Operação Lava-Jato, mas a Lei nº 13.988 foi sancionada integralmente pelo presidente no último dia 14.

Essa história maçante sobre tramitação legislativa ilustra bem como se arruína um país com movimentos sutis. Sob argumentos nobres como a proteção do contribuinte, o princípio do “in dubio pro reu” (na dúvida, a favor do réu) e a necessidade de conter a voracidade do Fisco brasileiro, aumentou-se ainda mais o risco de corrupção. Se antes da mudança a Operação Zelotes já apresentava fortes evidências de beneficiamento indevido de grandes empresas nos julgamentos do Carf, não é difícil imaginar o que acontecerá com o voto de desempate agora contando a favor dos devedores.

Não há dúvidas de que o modelo tributário brasileiro precisa ser completamente revisto. A legislação é caótica, há muita margem para a interpretação do Fisco e o modelo ibérico de decisões administrativas passíveis de questionamento na primeira instância da Justiça traz insegurança e ineficiência. Mudanças sorrateiras feitas na legislação, porém, não têm o propósito de reformá-lo, e sim dar ainda mais poder para quem dispõe de grandes escritórios de advocacia e redes de lobistas para pagar menos impostos.

A história talvez também teria sido diferente se os órgãos de representação dos fiscais da Receita Federal tivessem utilizado sua pressão no Congresso Nacional para defender o interesse da sociedade e não para defender um penduricalho de até 80% nos seus já elevados salários. De boas intenções, o Congresso está cheio. Mas, no inferno, quem reside é a maioria da população brasileira.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”