Day: abril 15, 2020

Defesa de causas: 10 dicas de Leandro Machado na Jornada da Cidadania

Meio ambiente e sustentabilidade, pacto federativo e uso do Twitter na política são outros assuntos do novo pacote de aula multimídia

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

As 10 principais técnicas profissionais para defesa de causas são ensinadas na nova videoaula da Jornada da Cidadania, curso de formação política realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) por meio de uma plataforma multimídia de educação distância totalmente online, interativa e com acesso gratuito. “A gente está vivendo a Era do ativismo, em que todo mundo quer encontrar uma causa para chamar de sua”, afirma o professor e cientista política Leandro Machado, cofundador do Movimento Agora, que aborda o tema de forma bastante didática. “Como fazer para defender uma causa de maneira lógica e eficaz, e não só um ativismo de sofá?”, questiona.

Na décima aula multimídia da Jornada da Cidadania, Machado dá detalhes importantes de como a pessoa pode se tornar grande protagonista na política, defendendo uma ideia relevante e de interesse da sociedade. “Causa sempre é uma demanda de grupos da sociedade”, explica. Ele aponta, ainda, dicas para definir melhor os objetivos, entender quem são aliados ou opositores para construir uma estratégia completa de defesa de causas e muito mais.

A principal videoula é seguida de outra, que aborda meio ambiente e sustentabilidade na política. O assunto é explicado, em vídeo, pelo deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Nas videoaulas seguintes, o presidente do partido no Rio de Janeiro, Comte Bittencourt, explica os principais pontos de um pacto federativo e a jornalista Jordana Saldanha aborda o uso do twitter na política.

Ainda para enriquecer a dinâmica da Jornada da Cidadania, o décimo pacote de aula multimídia sugere o filme Os Incríveis 2. Depois, antes de responder ao questionário e à pesquisa de satisfação, cada aluno deve ler o texto “Advocacy como instrumento, engajamento e mobilização” e ouvir o podcast que conclui as dicas para defesa de causas, ambos do professor Machado.

Didática do curso
O curso teve início no dia 12 de fevereiro, com 36 horas de duração, no total, distribuídas ao longo de 14 semanas. De acordo com o coordenador da Jornada da Cidadania, o advogado Marco Marrafon, o objetivo é formar e capacitar cidadãos acerca de conteúdos relevantes à política, além de fornecer bases fundamentais para possíveis candidatos que pretendem disputar as eleições municipais deste ano.

O conteúdo programático da Jornada da Cidadania está dividido em cinco pilares: ética e integridade na ação política; comunicação eficaz; fundamentos de teoria política e democracia; comunicação eficaz e casos de sucesso. Sempre às quartas-feiras, a plataforma disponibiliza novo pacote de aula multimídia. Dessa forma, o aluno pode se organizar ao longo da semana para aproveitar todos os conteúdos de cada aula.

Leia mais:

» Ciberpopulismo ameaça democracia? Jornada da Cidadania responde em nova aula

» Entenda liberalismo igualitário e progressista em aula da Jornada da Cidadania

»Marco Marrafon: CF estabelece cooperação federativa para superar crise do coronavírus

» Comunismo e social-democracia têm ponto em comum? Veja Jornada da Cidadania

» O que é liberalismo econômico? Jornada da Cidadania explica corrente em nova aula

» Como ser um líder de sucesso? Veja nova aula multimídia da Jornada da Cidadania

» Nova aula do curso Jornada da Cidadania aborda política como vocação

 


Vinicius Torres Freire: Dopado pela cloroquina, país esquece o essencial na guerra do coronavírus

Cadê a produção em massa de UTIs, testes e medidas para evitar mais ruína de empresas?

É uma obviedade fúnebre e terminal que o Brasil não tem política nacional para lidar com a epidemia. Há algumas ilhas mais racionais de governança, ainda assim inconstantes e precárias, nos estados, no Congresso e em partes de ministérios, quase todas sabotadas pelo indivíduo que ocupa a cadeira de Presidente da República.

No que resta de governança, é preciso prestar atenção ao essencial, que não é a conversa lunática sobre qual tipo de óleo de cobra cura a espinhela caída da Covid-19.

O que é essencial?

Primeiro, organizar ou determinar, se for o caso, a produção de bens para combater a doença, como numa guerra se produzem aviões e tanques.

Onde está a produção aumentada e em massa de equipamentos de UTI, testes, infraestrutura para analisar seus resultados, aparelhos de proteção para o pessoal da saúde? Nós não temos NEM AS ESTATÍSTICAS DA PRECARIEDADE.

Segundo, fazer testes em massa para combater a doença e inventar um plano de saída. NÓS NÃO TEMOS TESTES, nem meios nem planejamento de como fazê-los e para quê. É preciso falar de testes diariamente, à exaustão.

Terceiro, evitar ao máximo a ruína de empresas. A destruição de empresas não apenas dizima empregos, mas acaba com capital organizacional (conhecimento das empresas), “humano” (trabalhadores especializados em um setor ou desempregados de longa duração têm dificuldade de arrumar emprego). É preciso evitar que a recessão neste ano seja maior que o afundamento horrendo e somado de 2015 e 2016. Mais: sem evitar destruição maior de empresas e sem um plano também econômico de saída, a depressão pode durar muito além. 2023?

Na última semana de março, o governo federal dizia que haveria 22,9 milhões de testes para Covid-19. Na semana passada, dizia que haveria uns 9 milhões até julho. Em um boletim também da semana passada, dizia que “estaria mandando” uns 450 mil testes para os estados até hoje.

No começo do mês, o ministro Paulo Guedes (Economia) dizia a empresários que estaria negociando a compra de testes, o bastante para testar 40 milhões de pessoas por mês e, assim, dar “passaporte de imunidade” para trabalhadores.

Parece aquelas contas de trilhão dos economistas do governo. Cadê? São Paulo fez até agora uns 15 mil testes.

Falta ainda dinheiro para que empresas não naufraguem em massa, sejam micro ou médio-grandes, não importa. Faz duas semanas que está no governo uma conversa sobre dar crédito aos micro pelo sistema das maquininhas (pelo qual bancos financiam as vendas a crédito dos pequenos, em suma).

Cadê? Seja esta ou outra solução, está atrasada em relação ao crédito para as pequenas e médias, de resto insuficiente. Faz umas duas semanas se espera um plano de socorro para microempresas (com faturamento inferior a R$ 360 mil por ano) e para empresas maiores (faturamento anual de R$ 10 milhões por ano) que vão naufragar igualmente na paralisação da epidemia, a depender dos setores. Cadê?

Dizer que os pacotes de socorro devem atender primeiro os mais necessitados é uma obviedade e uma tolice enviesada por uma versão perversa e ora completamente fora de lugar da ideia de focalização de gasto social.

Sem poder gastar, o desempregado antes remediado ou que tinha rendimento bem acima da média nacional vai causar estrago no rendimento de quem vem abaixo na pirâmide socioeconômica. O desempregado da empresa maior deixará de comprar, pagar contas ou o empréstimo no banco. É uma cascata de quebradeira.


Rosângela Bittar: Fingindo de vivos

Bolsonaro e PT jogam para daqui a 3 anos sem saber o que acontecerá daqui a 3 horas

O PT, em plena pandemia, fez seu primeiro e inovador lance cibernético. Discretos, Lula e seus 111 companheiros do diretório nacional, por 12 horas, na véspera da Sexta-Feira da Paixão, ouviram e falaram com objetividade e disciplina.

Os ex-presidentes Lula e Dilma discursaram; o ex-candidato Fernando Haddad sintonizou-se; os governadores do Piauí, da Bahia e do Rio Grande do Norte transmitiram o consenso das gestões estaduais; prefeitos de Araraquara (SP) e São Leopoldo (RS) representaram os municípios; líderes na Câmara e no Senado, em nome das bancadas, contaram o estado da arte oposicionista no Congresso. Sempre dados ao excesso, foram concisos e disciplinados.

A reunião virtual do comando petista foi um sucesso surpreendente. Inovadora na forma, não se pode dizer o mesmo do conteúdo. Embora tenha mostrado um PT mais unido, ainda enraizado, bem articulado, a tese do renascimento apareceu ainda vestida por ranço antigo.

O que o PT vinha refletindo era sobre a urgência de abrir mão do protagonismo em nome da ampliação da aliança à esquerda e ao centro. O que decidiu foi reeleger como adversário o presidente Jair Bolsonaro, contrapondo-se a ele, para evitar o crescimento do centro na lacuna deixada pelo partido por tanto tempo.

Jair Bolsonaro, em plena pandemia e permanente campanha à reeleição, age, por sua vez, para transformar o PT em seu adversário eleitoral, e o faz combatendo os que podem abrir um caminho alternativo. Demonstram, com isso, inegável crescimento político do centro durante a pandemia.

Maiores ficaram os governadores, os prefeitos, os comandos da Câmara e do Senado, Judiciário, empresariado, organizações sociais, cientistas, médicos, universidades, organismos internacionais.

É contra esses inimigos que Bolsonaro sai por aí desdenhando da morte, brandindo sua espada, em comício a cada esquina, para um vírus invisível. Na mais histriônica encenação com a fantasia de médico, travestido às vezes de cientista, a profissão que abomina, o presidente da República escarnece da população aterrorizada.

É um vale-tudo. Faz a apologia de uma garrafada de feira – a cloroquina para o coronavírus, hoje, ainda é apenas isso –, toma quem acredita. Quem não acredita toma também, o que não tem remédio, remediado está. Mas sob controle e orientação abalizados. Que a inteligência proteja os que não podem tomá-la por seus efeitos colaterais, principalmente os arrítmicos, enquanto não chegam as conclusões das pesquisas.

Não foi Bolsonaro que a inventou, a droga está, desde o início, nos protocolos hospitalares, em um coquetel de fármacos que inclui antibióticos, antivirais, anticoagulantes e o que mais estiver à mão como armas de combate a inimigos desconhecidos, a exemplo do que a ciência fez com a aids. Só que sob um cerco de cuidados que Bolsonaro quer eliminar. O doutor presidente, pelo que se pode compreender, recomenda o produto como vacina, antes da doença, apressando o juízo final.

Bolsonaro está apostando no marketing da propriedade eleitoral da cura. Faz parte da mesma estratégia a escandalosa e desumana campanha contra o distanciamento social, mesmo que a pretexto de salvar empregos. Não importa se, para empregar-se, o trabalhador precise estar vivo.

Se os hospitais explodirem, azar. Azar do Brasil de chegar a um ano como este, a um momento como este, a um problema como este, com um presidente como este.

Ambos, Bolsonaro e PT, recrudescem a polarização para evitar que o centro, em crescimento evidente, os atropele. Jogam para daqui a três anos sem saber o que acontecerá daqui a três horas.

Mas já é possível prever que o voto antipetista não irá mais para Bolsonaro e o voto antibolsonaro não irá, necessariamente, para o PT. O mundo está se transformando e só as carolinas não veem.


Bruno Boghossian: Falta de testes ajuda campanha fantasiosa de Bolsonaro

Subnotificação pode ampliar falsa sensação de fim da epidemia e relaxar isolamento

"Ainda não estamos lá", afirmou Anthony Fauci, conselheiro da Casa Branca na crise do coronavírus. Enquanto Donald Trump ameaça governadores e diz ter autoridade para reabrir a economia, o imunologista disse à agência Associated Press que os EUA não têm testes e redes de rastreamento suficientes para fazer as vontades do presidente.

O médico já havia envergonhado Trump ao dizer que o governo americano deveria ter agido mais cedo contra a pandemia. Agora, ele expõe uma realidade que muitos líderes tentam esconder: não há como voltar à normalidade se não houver exames em massa para acompanhar o contágio e isolar doentes.

No Brasil, Jair Bolsonaro ainda precisa de uma dose dupla de vergonha. O presidente insiste em retomar a atividade econômica na marra e diz, talvez com base no próprio achismo, que "está começando a ir embora essa questão do vírus".

Bolsonaro gostaria de lançar o país numa espécie de roleta russa. Sem testes suficientes para detectar o coronavírus, será impossível identificar individualmente os trabalhadores contaminados, que transmitirão o vírus a outras pessoas. Para piorar, o presidente se aproveita da subnotificação de casos para fazer propaganda enganosa do fim da epidemia.

Especialistas alertam há semanas que o número de infectados e de mortes provocadas pela Covid-19 são mais altos do que os confirmados pelas autoridades. Só em São Paulo, havia uma fila de mais de 15 mil testes sem resposta. Os números oficiais de vítimas já são alarmantes, mas podem ser muito maiores.

A incerteza sobre o alcance real da doença favorece a campanha fantasiosa do presidente, que até hoje debocha do vírus. A subnotificação pode ampliar a falsa sensação de que a crise não é tão grave e de que o isolamento é desnecessário.

Com um número ínfimo de testes realizados, talvez o país só conheça a dimensão exata da pandemia tarde demais, quando decisões erradas aumentarem o desastre. No escuro, até Bolsonaro pode parecer ter razão.


Cristiano Romero: A Grande Devastação

No exterior, pessimismo em relação ao Brasil é impressionante

Ainda é muito cedo para fazer projeções confiáveis sobre o estrago que a pandemia do novo coronavírus provocará nas economias, mas, lá fora, o pessimismo em relação ao Brasil é impressionante. A Economist Intelligence Unit projetou contração de 5,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro neste ano, em linha com a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgada ontem, de queda de 5,3%. O número do Institute of International Finance, entidade que representa os maiores bancos do mundo, é menos pessimista - recuo de 1,8%.

No último boletim Focus, elaborado pelo Banco Central (BC) com base nas projeções feitas pelo mercado, a mediana das projeções prevê queda de 1,96% para o PIB do país em 2020, bem maior que a mediana das opiniões colhidas há uma semana (-1,18%). “Assusta ver uma instituição muito conservadora [o FMI] prevendo contração do PIB do Brasil maior do que a visão de consenso de mercado [no país]. Além disso, a recuperação do Brasil é lenta frente aos Estados Unidos, a Alemanha e por aí vai”, disse a esta coluna o economista Nilson Teixeira, sócio-fundador da gestora de recursos Macro Capital.

De fato, o FMI prevê, em seu Panorama Econômico Mundial, que em 2021 a economia americana, depois de levar um tombo de 5,9% neste ano, crescerá 4,7% no próximo ano, enquanto o Brasil deve ter avanço de 2,9%. A Alemanha teria crescimento negativo de 7% em 2020, mas teria expansão de 5,2% no ano que vem.

Em ambientes de incerteza como o que vivemos, a chance de as previsões errarem o alvo é enorme. Em favor dos economistas, e Nilson Teixeira é um que acerta com grande frequência as suas projeções - dos 18 anos que trabalhou no banco Credit Suisse, atuou como economista-chefe durante 14 -, diga-se que os cálculos não são meros chutes. As projeções são feitas com base na assunção de uma série de dados, a partir de um cenário que considera, inclusive, eventos políticos com força suficiente para interferir no funcionamento da economia.

O problema é que a pandemia do coronavírus é um fenômeno absolutamente inesperado, que não estava nas contas de ninguém. O vírus foi descoberto na China no último dia de 2019 e, apenas 20 dias depois, já havia se disseminado com velocidade incrível por várias cidades e províncias chinesas. O restante do mundo não se deu conta imediatamente da gravidade do que ocorria no país mais populoso do planeta e essa letargia, não se tenha dúvida, é a responsável pela contaminação devastadora que o vírus provocou em nações ricas como Itália, Alemanha, França e, por fim, Estados Unidos, onde está hoje o epicentro da pandemia.

A forma como a China decidiu enfrentar o avanço veloz do vírus - fechando a entrada e a saída de pessoas de cidades com até 15 milhões de habitantes - foi vista no Ocidente como coisa de país autoritário. Sim, o regime chinês é autoritário, mas, se tivessem olhado o tamanho do problema mais de perto, especialistas e autoridades da área de saúde teriam constatado rapidamente que o “lockdown” (o bloqueio das cidades, numa tradução imprecisa) promovido pelo governo chinês é a única estratégia à mão para de se conter a velocidade de contágio do coronavírus, um agente infeccioso novo e cujo DNA tem uma única missão: hospedar-se em células do corpo humano para se reproduzir.

A opção da China deu certo, uma vez que, à medida que os dias foram passando, a curva epidêmica do vírus foi sendo achatada, com o número de novos casos diminuindo dia a dia. O achatamento da curva não tem outro objetivo a não ser conter a evolução do contágio, alongar no tempo a chegada da contaminação ao seu ápice, de forma que o número de novos casos possa ser atendido pelo sistema de saúde de cada país.

Mas o perigo nunca está afastado, uma vez que há o risco de haver uma nova onda de contaminação, uma vez que a China, por exemplo, começou a relaxar as medidas de isolamento social e o “lockdown”. Um possível retorno da pandemia, dizem especialistas, é muito perigoso porque, como ainda não se descobriu uma vacina contra o vírus e a maioria da população ficou isolada em suas casas, o organismo das pessoas não desenvolveu anticorpos contra o novo coronavírus. Uma segunda onda teria, portanto, efeitos ainda mais fortes sobre a saúde da população e devastadores no que diz respeito à economia, à medida que o isolamento social e a restrição ao direito de ir e vir das pessoas teriam que ser novamente postos em prática, paralisando uma vez uma economia já fragilizada pela parada súbita anterior.

O “lockdown”, evidentemente, paralisa a atividade econômica de forma radical. O isolamento social, estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pelo Brasil e muitos países, é menos rígido que o “lockdown”, mas também faz um estrago gigantesco na economia, especialmente no setor de serviços.

No documento divulgado ontem, o FMI assim definiu o momento vivido pela economia mundial: “O Grande Bloqueio: a pior crise econômica desde a Grande Depressão”. E nós que achávamos que a crise mundial de 2008 tinha sido mais profunda desde 1929

Nesse contexto, as projeções de recuperação rápida em 2021 soam frágeis. Se o Brasil, que está sendo atingido por este tsunami com a economia fragilizada depois de três anos de recessão, seguidos de um triênio em que não avançou acima de 1,3% ao ano, crescer os 2,9% previstos pelo FMI no ano vindouro será o melhor desempenho em quase dez anos.


Sergio Fausto: Qualidades de liderança que o momento exige

Felizmente, o Brasil é bem maior e melhor do que o presidente. Não há mal que sempre dure

Tempos de crise servem de campo de teste para as lideranças.

Em todo o mundo, os governantes estão diante de um enorme e complexo desafio. Comandam uma batalha em duas frentes, sanitária e socioeconômica, em terreno pouco conhecido. Jamais a humanidade viveu uma pandemia num mundo tão interconectado e exposto a rumores e teorias da conspiração, tampouco uma crise econômica deflagrada por uma emergência sanitária que imponha tamanha restrição à produção e ao consumo. Como se fosse pouco, o inimigo é invisível e, por ora, apenas pode ser contido, não derrotado. A guerra será longa, com muitas fases e batalhas.

O desafio consiste em tomar decisões que atendam da melhor maneira possível ao duplo objetivo, nesta ordem, de reduzir as mortes e a contração econômica produzidas pela disseminação do novo coronavírus. Trata-se não apenas de tomar decisões e reavaliá-las, à luz dos dados sobre o desenrolar nas duas frentes da batalha, mas também de obter a adesão de empresas, famílias e pessoas para que as decisões tomadas possam surtir o efeito pretendido. Para isso é fundamental que a sociedade esteja convencida da correção das ações governamentais, ainda que, em última instância, o Estado possa valer-se de medidas coercitivas para implantá-las.

Como há vários e conflituosos interesses convivendo em sociedade, a liderança política, em especial nos países democráticos, precisa produzir convergência (ela não surgirá espontaneamente, ao contrário) em torno de uma estratégia de combate que mobilize recursos para proteger os setores sociais mais vulneráveis e os elos mais débeis das cadeias de produção e distribuição de bens e serviços básicos. Deve apelar a valores que unifiquem momentaneamente a sociedade e reforcem mecanismos de cooperação e solidariedade social. Sendo o inimigo um patógeno, cabe à liderança política basear suas decisões no melhor conhecimento das ciências médicas sobre a doença e suas formas de contágio. Mas como a pandemia tem efeitos e implicações socioeconômicas amplos, é preciso mobilizar várias áreas do conhecimento. À liderança política incumbe tanto promover o esforço interdisciplinar para dar base sólida ao processo decisório quanto traduzir em linguagem acessível ao cidadão comum as razões das decisões tomadas. Para não falar no dever mínimo de não propagar fake news.

A emergência sanitária e socioeconômica exige uma combinação de qualidades que não se encontra com frequência. Requer que políticos se elevem à condição de estadistas, quase da noite para o dia. Tem melhores condições de se erguer à altura do momento quem reúne um conjunto de qualidades: capacidade de acompanhar raciocínios científicos e compreensão de problemas complexos (para os quais há sempre uma resposta simples que está errada); inteligência estratégica para determinar ações congruentes no tempo e no espaço; ampla habilidade de articulação política e interlocução social, para aumentar a eficácia das políticas públicas e corrigi-las ou ajustá-las sem alvoroço e intranquilidade quando necessário; e, por último, mas não menos importante, empatia pelas diversas formas de sofrimento físico e psíquico por que estão passando as pessoas, em especial as mais vulneráveis.

Agora e no futuro previsível, a estatura das lideranças políticas será medida pela demonstração concreta que tenham dado (ou não) dessas qualidades em decisões tomadas no calor da hora diante de dilemas críticos e inter-relacionados. Por exemplo: quando e sob que condições transitar de uma a outra abordagem da emergência sanitária (seja para radicalizar, seja para amenizar as medidas restritivas a atividades econômicas e à circulação de pessoas)? Até onde expandir o gasto e a dívida pública para suprir a renda perdida por famílias e empresas?

Além da eficácia das decisões tomadas, as lideranças políticas serão avaliadas pelos valores que despertarem na sociedade. Seria ingênuo descartar a possibilidade de o nacionalismo xenófobo ou o individualismo exacerbado saírem fortalecidos da crise atual. Mas existe uma boa chance de que ao final prevaleça a revalorização da cooperação internacional e da solidariedade social para enfrentar os grandes desafios coletivos da nossa época (a pobreza, a desigualdade social, as mudanças climáticas e as pandemias).

Não escrevi este artigo para apontar o que antes já era óbvio ululante e agora se tornou dramaticamente claro: o Brasil está muito mal servido na Presidência da República. Seria patético, não fosse trágico, que um homem tão desprovido das qualidades para liderar o Brasil, em particular neste momento, esteja hoje ocupando o máximo cargo político do País.

Felizmente o Brasil, com suas outras lideranças, suas instituições, suas organizações da sociedade, sua gente, é bem maior e melhor do que Bolsonaro. Não há mal que sempre dure. Agora se trata de conter o imenso dano que ele pode causar. Em 2022, de evitar que a história se repita como tragédia.

*Diretor-geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP


Merval Pereira: A falta que faz

Bolsonaro joga suas fichas na divisão entre Câmara e Senado para conseguir reduzir o plano de ajuda emergencial

Na falta de apoio de uma base parlamentar sólida, que nunca teve intenção de construir nesse pouco mais de um ano de governo, o presidente Bolsonaro joga suas fichas na divisão entre Câmara e Senado para conseguir reduzir o plano de ajuda emergencial a estados e municípios aprovado pela Câmara, que tem que passar também pelo Senado.

Se não houver uma negociação às claras, teremos um impasse inaceitável em momento de crise. A Câmara aprovou na noite de segunda-feira uma recomposição das perdas do ICMS e do ISS por parte da União estimada em R$ 89,6 bilhões em seis meses, mas o governo quer limitar a ajuda a a R$ 40 bilhões. À noite, o Ministério da Economia ofereceu outras vantagens para compensar esse limite.

O projeto emergencial relatado pelo deputado Pedro Paulo foi negociado com a equipe do ministério da Economia, e a possibilidade de aval da União para empréstimos aos estados e municípios, incluída originalmente, foi retirada do projeto para dar mais segurança de longo prazo ao governo, que temia mais um calote, como muitos já havidos e renegociados.

Essa era uma ajuda em aberto, que nada tinha a ver com os problemas pontuais causados pela Covid-19. A área econômica do governo via nessa reivindicação uma tentativa de governadores resolverem problemas anteriores ao novo coronavírus em condições especiais.

Se o Senado fizer alterações, o projeto voltará à Câmara, e teremos perdido dias preciosos em situação de emergência. O próprio Bolsonaro está tendo uma série de reuniões com líderes do Centrão para tentar reverter essa decisão da Câmara, e teve um encontro sozinho com o presidente do Senado, David Alcolumbre, que costuma atuar em parceria com o presidente da Câmara Rodrigo Maia, mas também deseja ser protagonista do jogo parlamentar.

Além de o objeto do acordo ser uma redução da ajuda a estados e municípios, num ano em que estão marcadas as eleições municipais, a dificuldade está no histórico da relação de Bolsonaro com os parlamentares. Desde o princípio, o governo Bolsonaro tem tentado agir acima dos partidos políticos, e até mesmo os ministros do DEM, que formam a maioria entre os partidos, foram escolhidos à revelia, mais por interesses pessoais de Bolsonaro do que das legendas a que eventualmente pertencem.

Bolsonaro tentou fazer negociações transversais, temáticas, suprapartidárias, mas não conseguiu neutralizar as direções partidárias. Tentou controlar o partido de aluguel pelo qual disputou e ganhou a eleição, e não obteve sucesso. Hoje é um sem partidos, em busca de criar sua própria legenda.

Assim como não foram ouvidos na escolha, também não o são nas demissões, não havendo obstáculos políticos para a tomada de decisão. O ministro Ônix Lorenzoni, que não mantinha boa relação com o presidente da Câmara Rodrigo Maia, anda de lá para cá no governo - já foi chefe do Gabinete Civil, coordenador político e agora está no ministério da Cidadania - sem que o DEM seja ouvido nem cheirado.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, designado para o cargo graças ao apoio do governador de Goiás Ronaldo Caiado, pode ser demitido sem que o DEM tenha mudado de posição quanto a ele ou ao presidente. Ao romper com Bolsonaro, Caiado seguia uma posição pessoal, e não partidária, embora a relação de Rodrigo Maia com o governo seja tumultuada desde sempre, com pequenos períodos de calmaria.

Mais uma vez, Bolsonaro procura resolver suas questões partidárias com negociações individualizadas, mas precisará como nunca antes do Congresso para manter-se no cargo. A estruturação de uma rede de proteção parlamentar, embora imprescindível a curto prazo, não parece estar a alcance de Bolsonaro.

O presidente da Câmara ontem mesmo disse que o problema é que os políticos vão ao Planalto negociar, e na saída já estão sendo criticados nas redes sociais. Essas combinações pontuais podem até surtir efeito imediato, mas não fincam raízes, nem alimentam lealdade.

A falta de controle das redes sociais é problema grave para os parlamentares, pois o governo não tem capacidade, e às vezes nem vontade, de, depois de soltar suas feras virtuais, fazê-las recuar.


Vera Magalhães: Os líderes estão nus

Pandemia do coronavírus expõe de forma inédita políticos e gestores públicos

Um dos (poucos) efeitos saneadores dessa crise sem precedentes nem horizonte para terminar desencadeada pela pandemia do novo coronavírus foi desnudar políticos de sua capa de narrativa e bobajol ideológico e expô-los nus diante do mundo com sua incompetência, sua falta de empatia e de liderança inata e a incapacidade de lidar com dados, ciência, diálogo com os divergentes e fenômenos que desafiam as expectativas e ameaçam o futuro.

No outro lado do espectro, ela também tratou de reafirmar lideranças que podiam carecer de certo elã midiático ou parecer gastas pelo tempo de exercício do poder, mas que na hora do vamos ver mostraram que experiência e seriedade fazem a diferença e se destacaram. Também revelou jovens lideranças até então desconhecidas, que voavam abaixo do radar da polarização política estridente porque governavam nações menores, mas agora florescem oferecendo a seus povos o arroz com feijão do bom senso.

No primeiro grupo se destacam os bons companheiros Donald & Jair. Trump começou a lidar com a crise com o histrionismo e a fanfarronice que caracterizam sua presidência e, graças a uma era de bonança econômica, não pareciam ser para os americanos razões para não reelegê-lo, até os Estados Unidos pararem assolados pelo vírus.

Acontece que a falta de seriedade do presidente no início da escalada da pandemia em solo norte-americano hoje é aceita até por assessores seus como determinante para que a situação tenha fugido de controle.

“Se tivéssemos iniciado antes (o isolamento), poderíamos ter salvado mais vidas”, disse em entrevista à CNN Anthony Fauci, o chefe do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas dos Estados Unidos.

Como auxiliares técnicos que falam verdades baseadas em evidências costumam ser como pedras nos sapatos de governantes acostumados a lacrar nas redes sociais, desancar a imprensa, viver de fake news e bravatear com o poder de sua caneta, Fauci passou a ser alvo de hashtags pedindo-lhe a cabeça, incentivadas pelo próprio presidente.

Alguém já viu a franquia B desse filme a que os EUA assistem agora? Pois é, como toda produção com orçamento reduzido e atores de menos talento, a versão brasuca do presidente que dá de ombros para a pandemia tem como cenário cidades-satélites miseráveis de Brasília, como trama a apologia a remédios sem eficácia comprovada e como bravata uma ajuda aos mais pobres que nunca chega, num sinal inequívoco de que a preocupação em salvar empregos é apenas uma desculpa da boca para fora.

Aqui como lá, o líder que não lidera tem entre os vários inimigos o responsável pela Saúde. Mas Bolsonaro tem mais capacidade para demiti-lo, se quiser de fato. Não o faz porque lhe falta a coragem para assumir a fatura que lhe será cobrada se tudo descarrilar. Vai, então, de forma infantil minando o poder do auxiliar, que resolve mostrar que sabe brincar do jogo de quem pisca sem mexer a pestana.

Megalomaníaco em sua impotência, Trump resolveu, depois de semanas em que parecia conformado, ameaçar a Organização Mundial da Saúde, com base em teorias da conspiração que são populares por aqui também, nas hostes dos baba-ovos do presidente. Ao fazê-lo, ameaça agravar a situação global do combate à pandemia. Deve achar que, como em tempos em que presidentes dos EUA arrumavam guerras externas para recuperar popularidade, esgrimir com a OMS vai lhe trazer de volta a popularidade perdida.

Assim como seu primo pobre de terra brasilis, talvez Trump perceba tarde demais que uma pandemia, com a crueza com que ceifa vidas, confina pessoas e aniquila sonhos, também desnuda fraudes erigidas com base em ideologia barata e narrativa de Twitter. Convém a quem tem caneta parar de brincar enquanto tem gente morrendo.


Míriam Leitão: Difícil previsão no meio do nevoeiro

O que é uma recessão global de 3%? Ninguém sabe ao certo, porque não há precedente recente. Por isso o FMI foi buscar paralelo em 1929. Da mesma forma que desde que há estatísticas do PIB do Brasil não há o registro de uma queda de 5,3% em um ano, número previsto pelo Fundo para a economia brasileira para 2020. Hoje há muitos números pessimistas e é difícil saber qual é o mais realista. Faltam certezas mínimas para se fazer qualquer projeção. Mas não há dúvida de que estão mais certos os que projetam uma queda forte.

“Há uma extrema incerteza sobre a previsão de crescimento global”, diz o FMI. Para fazer qualquer cálculo é preciso saber antes quantos dias trabalhados deixarão de acontecer, quanto tempo durará a paralisação de atividades ou as medidas de distanciamento social. O mundo está diante de um enorme desconhecido. Não conhece o inimigo, não sabe como vencê-lo e pode apenas supor seus efeitos na economia.

Há pelo menos uma vertente de projeções que considera a recuperação em V, ou seja, a economia cai agora fortemente, mas se recupera de maneira vigorosa em 2021. O FMI acha isso. No cenário básico, que assume a hipótese de que a pandemia vai arrefecer no segundo semestre e as medidas de contenção vão sendo gradualmente reduzidas, a economia global cresceria então 5,8% no ano que vem. Outros economistas e centros de estudos acham que o mais provável é uma volta mais lenta. Até porque há riscos de ressurgência, até que se encontre vacina que neutralize o vírus. Nesse nevoeiro, em que há tantos fatores desconhecidos, é difícil qualquer projeção.

A queda prevista pelo FMI para as economias avançadas é de 6,1%, enquanto os países emergentes, puxados pela China e Índia, terão retração mais branda, de 1%. “É uma recessão profunda. Uma recessão que envolve questões de solvência e desemprego subindo e isso deixará cicatrizes”, diz a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath. No Brasil, pode significar, segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas, uma volta de dez anos. O país, que teve recessão em 2015 e 2016, e nos anos seguintes se recuperou muito lentamente, voltará ao PIB de 2010.

A mudança de cenário é brusca como nunca foi. O relatório do FMI de janeiro previa crescimento de 3% na economia do mundo e agora haverá uma queda de 3,3%, tirando 6,3 pontos do que poderia ter sido. Para se ter uma ideia da dimensão das perdas, o resultado negativo do PIB global em 2009, em decorrência da crise financeira que estourou em 2008, foi de 0,1%. Os Estados Unidos, que estavam com pleno emprego antes do coronavírus - uma taxa de desemprego de apenas 3,7% - deve ir para 10,4%, mesmo percentual da Europa.

Nem o relatório nem a economista-chefe do FMI concluem, diante desse desastroso cenário, que se deve retomar a atividade econômica a qualquer custo. Disse que não existe esse “trade-off”, como se diz no jargão econômico, entre salvar vidas e salvar a economia.

O governo brasileiro ainda mantém uma estimativa deslocada da realidade. Crescimento zero. Já está muito distante da mediana do mercado financeiro de -1,96%, e que está em queda há nove semanas consecutivas, desde antes do coronavírus no país. A projeção mais pessimista do Boletim Focus aponta retração de 6%. Quando o governo brasileiro revisar o seu número, terá que mudar as estimativas de receita, déficit e endividamento público.

Dos Estados Unidos, onde mora e dá aulas na Universidade Johns Hopkins, a economista Monica de Bolle foi uma das primeiras a alertar para o tamanho da crise que chegaria ao Brasil. Desde o início de março Monica já projetava recessão no país. No dia 10, criticada por vários analistas, ela escreveu “lembrem do dia de hoje quando o pessoal do mercado começar a temer a recessão”. No dia 20, refez o cálculo para -6%. Por isso, foi enfática em defender que o governo fosse rápido na adoção de medidas de estímulo e de proteção social, quando o mantra na equipe e no mercado ainda era de que a melhor resposta seria a aprovação das reformas. Essa demora em entender a mudança radical de ambiente econômico explica como até hoje o governo erra. A burocracia atrapalha a ajuda aos pobres, a luta política retarda as transferências para os estados.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)


Elio Gaspari: Triste Brasil

É como se o país tivesse virado um grande pernil e cada um vai lá para tirar sua fatia

Atribui-se ao professor San Tiago Dantas uma observação mortífera: “A Índia tem uma grande elite e um povo de merda, o Brasil tem um grande povo e uma elite de merda”. Com certeza, San Tiago disse que “vem se processando há séculos no Brasil um trabalho social de contínua desorientação das ‘elites’, que as vai afastando do exame cultural e político dos valores nacionais.” No discurso de posse que não viveu para ler, Tancredo Neves disse a mesma coisa: “Temos construído esta Nação com êxitos e dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a História com isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites.”

Nunca a elite nacional ofereceu um triste episódio como o que os Três Poderes da República e boa parte do andar de cima vêm oferecendo diante da epidemia. (Ressalvada a doação de R$ 1 bilhão pelo Itaú Unibanco, a maior da história nacional.)

O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. O século 20 teve 36 anos de ditaduras. Em 1978 o supermercado Carrefour foi expulso da Associação de Supermercados do Rio porque aceitava cartões de crédito. A ponte aérea Rio-São Paulo levou anos para dar aos seus passageiros acesso a programas de milhagem que existiam há mais de uma década. Os fazendeiros que insistiram em comprar escravos empobreceram. O supermercado que liderou a expulsão do Carrefour sumiu, e o oligopólio das aéreas foi à garra.

Sendo velho, o atraso poderia ter aprendido. Já morreram mais de mil pessoas e o oportunismo epidêmico do andar de cima agravou-se. O presidente da República diz que a Covid é uma gripezinha, afrontando a Ciência e a opinião pública. O ministro da Saúde é hostilizado pela charanga do Planalto porque defende o isolamento. Os inimigos de Bolsonaro passaram a ser seu ministro e os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Já à Covid, que está matando gente, ele deu compreensão. Do outro lado do balcão, a Câmara aprovou um pacote de ajuda aos estados que é visto como uma bomba fiscal, e o ministro da Economia avisa que o Executivo deverá vetá-lo. Empresários beneficiados pelos programas federais provisórios defendem sua transformação em mimos permanentes. Fazem tudo isso sabendo que depois da epidemia virá a recessão.

É como se o Brasil tivesse virado um grande pernil e cada um vai lá para tirar sua fatia. Admita-se que todos têm razão, inclusive Bolsonaro com sua gripezinha. Se cada um continuar gritando, quem ganha é a Covid. Os barões da medicina privada querem falar de tudo, menos do colapso de hospitais do SUS (que está carregando o piano). Falta que essas duas turmas conversem, partindo de uma premissa: “Eu não quero te quebrar, mas você não pode querer me matar”.

Todos os lados acham que têm razão, mas não conseguem conversar. À primeira vista pode-se achar que isso se deve à polarização bolsonariana. É pouco. Em 1830 o deputado Antônio Ferreira França apresentou um projeto de abolição gradual da escravidão. Ela acabaria em 1851. Acabou em 1888 porque havia gente interessada nisso.

Há hospitais públicos recusando-se a admitir pacientes. Por quê? Porque chegam mortos.


Bernardo Mello Franco: Devastação na pandemia

Nem a pandemia é capaz de frear a destruição da Amazônia. Em março, a devastação da floresta aumentou mais 30% em relação ao mesmo mês de 2019. Enquanto a economia formal agoniza, a indústria da motosserra aproveita a cumplicidade do governo para faturar.

Ontem os desmatadores receberam mais um incentivo de Brasília. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demitiu o chefe da fiscalização do Ibama. Olivaldi Azevedo foi exonerado depois de uma megaoperação que flagrou garimpeiros e madeireiros em terras indígenas no sul do Pará.

Os fiscais fizeram o que manda a lei. Reprimiram os invasores, apreenderam armas e destruíram tratores e retroescavadeiras. A ação irritou o Planalto. Nos últimos meses, o presidente Jair Bolsonaro criticou a inutilização de máquinas e festejou a queda nas multas por desmatamento.

Azevedo estava longe de ser um ambientalista. Major da PM de São Paulo, era visto como um cão de guarda de Salles. Mesmo assim, não conseguiu inviabilizar o trabalho dos servidores do Ibama. Agora os fiscais temem que ele seja substituído por alguém ainda menos comprometido com a missão do órgão.

“Bolsonaro desistiu de acabar com o ministério, mas nomeou um antiministro do Meio Ambiente. A tarefa de Salles é desmontar a área ambiental do governo”, resume Elizabeth Uema, dirigente da associação que representa os servidores da área.

A operação da semana passada contrariou outra obsessão de Bolsonaro: a liberação do garimpo em terras indígenas. Neste momento, a atividade traz um risco adicional. Os mineradores podem contaminar os povos tradicionais com o coronavírus.

“O recado do governo é claro: quem combate o crime ambiental está sujeito à demissão sumária”, diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. O ambientalista chama a atenção para outra ameaça iminente. O Congresso está prestes a votar a chamada MP da Grilagem, que facilita a invasão de terras públicas na Amazônia.

 


Marco Aurélio Nogueira: O vírus, a era global e a oportunidade que se abre

Se conseguirmos suportar o impacto da doença e não formos muito atrapalhados por governantes inescrupulosos, o vírus será controlado. A pandemia, porém, deixará marcas profundas

Pandemias já houve muitas na história. Todas produziram abalos e levaram a grandes transformações. Mas nenhuma foi como está sendo a do novo coronavírus.

A gripe espanhola (1917-1918), “a mãe de todas as pandemias”, foi uma variante mutante do vírus Influenza. Os cálculos sugerem que de 30 a 40% da população mundial foram infectados, com cerca de 50 milhões de mortes. Só no Brasil morreram 35 mil pessoas. Os números são imprecisos, mas indicam bem a letalidade da doença.

Antes dela houve a epidemia da cólera (1817-1824), que matou milhares de pessoas em praticamente todos os continentes. Causada por uma bactéria intestinal, a doença continua produzindo estragos pelo mundo, especialmente onde faltam condições básicas de saneamento básico e higiene.

A “peste negra”, a peste bubônica, causada por uma bactéria presente em ratos pretos assolou o norte da Europa e atingiu a China, o Oriente Médio e a Rússia, entre 1347 e 1352. Calcula-se que provocou mais de 25 milhões de mortes, ou seja, cerca de 1/3 da população europeia à época.

Depois da gripe espanhola, o mundo foi periodicamente sacudido por doenças pandêmicas. Quanto mais o mundo se integrou e manteve acesas as turbinas do produtivismo, mais os problemas se tornaram comuns a todos. Em 1957 houve a Gripe Asiática (2 milhões de mortos), dez anos depois a Gripe de Hong Kong (H3N2), que matou 1 milhão de pessoas, em 2009 foi a Gripe Suina (H1N1), que chegou a 187 países e provocou cerca de 300 mil mortes. De 1980 em diante, mais de 20 milhões de pessoas morreram devido a complicações da AIDS, causada pelo vírus do HIV, transmitido sexualmente. Uma epidemia trágica, ainda sem cura ou vacina.

O que há de diferente na pandemia do novo coronavírus?

Primeiro de tudo, ela é a primeira pandemia de uma época categoricamente global. Coincide com a expansão dos mercados, a porosidade das fronteiras nacionais, o desenvolvimentismo produtivista e antiecológico, a alta mobilidade e a circulação intensa das pessoas. Tudo isso facilita enormemente a que o vírus se espalhe. A própria estrutura complexa da vida atual, com seus componentes de fragmentação e individualização, contribui para que tudo reverbere com intensidade e meio fora de controle. Há risco, insegurança, incertezas, que se integram à experiência da vida cotidiana e fazem, entre outras coisas, com que todas as decisões se tornem dilemáticas. Ao mesmo tempo, vamo-nos dando conta do que há de intolerável e inadmissível no modo como vivemos: a desigualdade, o racismo, a miséria, a falta de condições dignas de existência, o desperdício, à agressão ao meio ambiente.

A época também é de crise da política e da democracia representativa. Isso abre buracos complicados entre os cidadãos, os legisladores e os governantes, dificultando a que as decisões tomadas no vértice estatal repercutam positivamente na vida comunitária. Os cidadãos desconfiam de seus governos e tendem a problematizar tudo o que parte deles. Recusam-se a obedecer, em nome de suas verdades e da convicção de que os governantes nada mais são do que “politiqueiros”. Sem uma dose mínima de “obediência”, uma pandemia como a do COVID torna-se quase impossível de ser debelada.

Como lembrou Byung-Chul Han, filósofo coreano que vive em Berlim, uma das vantagens dos asiáticos é que eles aceitam com facilidade a autoridade do Estado e suas ordens. Estariam mais predispostos a aceitar um Estado autoritário, que procede por tecnologia da informação e controles digitais. É um recurso de sobrevivência, mas também pode ser a porta de entrada de formas ditatoriais e não democráticas de organização da comunidade política, com controles permanentes sobre tudo e todos.

Em segundo lugar, a pandemia atual convive com redes e trocas frenéticas de informação. Isso, por um lado, é excelente, pois facilita a comunicação e a cooperação entre médicos, pesquisadores e cientistas. Ter dados disponíveis e acessíveis é uma poderosa ferramenta de conhecimento e gestão. A malha digital e a inteligência artificial são preciosas seja para monitorar ameaças, seja para debelá-las.

Por outro lado, porém, essa nova estrutura de informação e comunicação promove a produção incessante e a disseminação de notícias falsas, boatos e mentiras, que geram confusão e dificultam a gestão do problema. É o que a OMS chamou de “massivo infodêmico”, algo como um vírus que espalha desinformação e ideologias regressivas, anticientíficas e irracionais. No caso concreto do COVID-19, ativistas desse tipo – humanos e robôs, sistemas programados para disparar mensagens – estão na dianteira do “negacionismo” obscurantista (recusando-se a reconhecer a pandemia, o aquecimento global e até a curvatura da Terra) e da pregação de saídas nacionalistas hostis ao entendimento entre os Estados.

O COVID-19 irrompeu num momento de exuberância científica, de conhecimento ampliado, de reconhecimento do valor da ciência e de suas aplicações na área médica e sanitária.

Se os humanos conseguirem suportar o impacto inicial da doença (o confinamento) e não forem prejudicados por governantes inescrupulosos, que manipulam politicamente o problema e duvidam de sua gravidade, é de esperar que o vírus seja controlado. A vida, porém, não será mais a mesma. A pandemia deixará marcas profundas na experiência humana individual e coletiva, afetando a economia, o modo como se trabalha, os relacionamentos, a política.

O sistema produtivo conhecerá crise profunda, agravando ainda mais o mundo do trabalho, muita coisa nova surgirá, os desafios serão grandiosos. Será difícil que o neoliberalismo se reponha e uma nova versão do Estado social baterá às portas. Em meio a dor e medo, poderá se abrir uma oportunidade para que se comece a por em xeque o desenvolvimentismo produtivista, com sua cegueira ecológica, climática, ambiental, sua voracidade predatória. Poderá ser um bom momento para que se recupere a ideia, tão mal aproveitada antes, de “sustentabilidade”.

O problema é que falta uma alavanca que faça a roda reformadora girar: política democrática, programas de ação, agentes organizados que unifiquem os cidadãos e pautem os governos. Há um “vazio” existencial e político que impede a materialização de propostas democráticas consistentes. Caso não se reverta essa situação, a pandemia causará um efeito negativo adicional: levará à acomodação dos interesses dominantes e à reprodução (modificada em maior ou menor grau) do desenvolvimentismo prevalecente, com sua voracidade destruidora.

Poderá até ser pior. Em vez de reformas para frente, a pandemia poderá impulsionar o ressurgimento do “nacionalismo”, das pulsões “patrióticas”, em detrimento dos esforços de articulação internacional, a imposição do unilateralismo no lugar do multilateralismo. O que levará de roldão a democracia e parte importante do que há de humanismo, fraternidade e liberdade na experiência moderna.

*É professor titular de Teoria Política da Unesp