Cristiano Romero: A Grande Devastação

No exterior, pessimismo em relação ao Brasil é impressionante.
Foto: Banco Central
Foto: Banco Central

No exterior, pessimismo em relação ao Brasil é impressionante

Ainda é muito cedo para fazer projeções confiáveis sobre o estrago que a pandemia do novo coronavírus provocará nas economias, mas, lá fora, o pessimismo em relação ao Brasil é impressionante. A Economist Intelligence Unit projetou contração de 5,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro neste ano, em linha com a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgada ontem, de queda de 5,3%. O número do Institute of International Finance, entidade que representa os maiores bancos do mundo, é menos pessimista – recuo de 1,8%.

No último boletim Focus, elaborado pelo Banco Central (BC) com base nas projeções feitas pelo mercado, a mediana das projeções prevê queda de 1,96% para o PIB do país em 2020, bem maior que a mediana das opiniões colhidas há uma semana (-1,18%). “Assusta ver uma instituição muito conservadora [o FMI] prevendo contração do PIB do Brasil maior do que a visão de consenso de mercado [no país]. Além disso, a recuperação do Brasil é lenta frente aos Estados Unidos, a Alemanha e por aí vai”, disse a esta coluna o economista Nilson Teixeira, sócio-fundador da gestora de recursos Macro Capital.

De fato, o FMI prevê, em seu Panorama Econômico Mundial, que em 2021 a economia americana, depois de levar um tombo de 5,9% neste ano, crescerá 4,7% no próximo ano, enquanto o Brasil deve ter avanço de 2,9%. A Alemanha teria crescimento negativo de 7% em 2020, mas teria expansão de 5,2% no ano que vem.

Em ambientes de incerteza como o que vivemos, a chance de as previsões errarem o alvo é enorme. Em favor dos economistas, e Nilson Teixeira é um que acerta com grande frequência as suas projeções – dos 18 anos que trabalhou no banco Credit Suisse, atuou como economista-chefe durante 14 -, diga-se que os cálculos não são meros chutes. As projeções são feitas com base na assunção de uma série de dados, a partir de um cenário que considera, inclusive, eventos políticos com força suficiente para interferir no funcionamento da economia.

O problema é que a pandemia do coronavírus é um fenômeno absolutamente inesperado, que não estava nas contas de ninguém. O vírus foi descoberto na China no último dia de 2019 e, apenas 20 dias depois, já havia se disseminado com velocidade incrível por várias cidades e províncias chinesas. O restante do mundo não se deu conta imediatamente da gravidade do que ocorria no país mais populoso do planeta e essa letargia, não se tenha dúvida, é a responsável pela contaminação devastadora que o vírus provocou em nações ricas como Itália, Alemanha, França e, por fim, Estados Unidos, onde está hoje o epicentro da pandemia.

A forma como a China decidiu enfrentar o avanço veloz do vírus – fechando a entrada e a saída de pessoas de cidades com até 15 milhões de habitantes – foi vista no Ocidente como coisa de país autoritário. Sim, o regime chinês é autoritário, mas, se tivessem olhado o tamanho do problema mais de perto, especialistas e autoridades da área de saúde teriam constatado rapidamente que o “lockdown” (o bloqueio das cidades, numa tradução imprecisa) promovido pelo governo chinês é a única estratégia à mão para de se conter a velocidade de contágio do coronavírus, um agente infeccioso novo e cujo DNA tem uma única missão: hospedar-se em células do corpo humano para se reproduzir.

A opção da China deu certo, uma vez que, à medida que os dias foram passando, a curva epidêmica do vírus foi sendo achatada, com o número de novos casos diminuindo dia a dia. O achatamento da curva não tem outro objetivo a não ser conter a evolução do contágio, alongar no tempo a chegada da contaminação ao seu ápice, de forma que o número de novos casos possa ser atendido pelo sistema de saúde de cada país.

Mas o perigo nunca está afastado, uma vez que há o risco de haver uma nova onda de contaminação, uma vez que a China, por exemplo, começou a relaxar as medidas de isolamento social e o “lockdown”. Um possível retorno da pandemia, dizem especialistas, é muito perigoso porque, como ainda não se descobriu uma vacina contra o vírus e a maioria da população ficou isolada em suas casas, o organismo das pessoas não desenvolveu anticorpos contra o novo coronavírus. Uma segunda onda teria, portanto, efeitos ainda mais fortes sobre a saúde da população e devastadores no que diz respeito à economia, à medida que o isolamento social e a restrição ao direito de ir e vir das pessoas teriam que ser novamente postos em prática, paralisando uma vez uma economia já fragilizada pela parada súbita anterior.

O “lockdown”, evidentemente, paralisa a atividade econômica de forma radical. O isolamento social, estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pelo Brasil e muitos países, é menos rígido que o “lockdown”, mas também faz um estrago gigantesco na economia, especialmente no setor de serviços.

No documento divulgado ontem, o FMI assim definiu o momento vivido pela economia mundial: “O Grande Bloqueio: a pior crise econômica desde a Grande Depressão”. E nós que achávamos que a crise mundial de 2008 tinha sido mais profunda desde 1929

Nesse contexto, as projeções de recuperação rápida em 2021 soam frágeis. Se o Brasil, que está sendo atingido por este tsunami com a economia fragilizada depois de três anos de recessão, seguidos de um triênio em que não avançou acima de 1,3% ao ano, crescer os 2,9% previstos pelo FMI no ano vindouro será o melhor desempenho em quase dez anos.

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