Valor Econômico: Derrotados nas eleições tentam manter influência no jogo político

O escritor e jornalista britânico George Orwell dizia que a história é contada pelos vencedores. Ouvir os perdedores, no entanto, ajuda a compreender o fim de um ciclo no Brasil, que varreu nomes históricos (ao menos temporariamente), levou a uma renovação de 53% na Câmara e de 85% no Senado e inaugura, no período pós-eleições de 2018, um novo cenário político.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Amália Safatle, do Valor Econômico

O escritor e jornalista britânico George Orwell dizia que a história é contada pelos vencedores. Ouvir os perdedores, no entanto, ajuda a compreender o fim de um ciclo no Brasil, que varreu nomes históricos (ao menos temporariamente), levou a uma renovação de 53% na Câmara e de 85% no Senado e inaugura, no período pós-eleições de 2018, um novo cenário político.

Na campanha eleitoral pautada pela rejeição a partidos, a políticos tradicionais e ao sistema vigente, venceu quem teve o menor descrédito e ocupou o vácuo de um centro que se esvaziou. Os perdedores foram, portanto, elemento definidor nos resultados das eleições, a começar da Presidência da República.

“Noventa milhões não votaram em [Jair] Bolsonaro, mas é preciso fazer um registro importante: 100 milhões não votaram no PT. Ou seja, o presidente foi eleito porque sua rejeição foi menor do que a petista”, afirma o analista político Carlos Melo, professor do Insper. Octavio Amorim Neto, professor titular da Fundação Getulio Vargas do Rio, emenda: “No desabamento completo do centro político brasileiro, quem preencheu o vácuo foi Bolsonaro”.

O fato de os perdedores estarem sem mandato não os tira do jogo a partir de agora. Alguns nomes, por meio de seus partidos e possíveis articulações e composições, funcionarão como peso e contrapeso, moldando as condições de governabilidade e a capacidade de sucesso do novo governo.

O jogo começará efetivamente no dia 1º, quando toma posse o novo Congresso. “Como teremos uma Câmara absolutamente fragmentária e um Senado que renovou 85%, haverá uma inexperiência brutal”, afirma Ciro Gomes, candidato derrotado à Presidência da República pelo PDT e que integra o bloco de oposição. “Se fizermos um movimento competente, poderemos forçar Bolsonaro ao jogo democrático. Estimulá-lo, mas ao mesmo tempo garantir, se for necessário, a imposição desse jogo a ele. E é disso que nós estamos cuidando.”

O “nós” incluía, até o mês passado, PSB, PCdoB, PDT e Rede, que conta com apenas um deputado, mas cinco senadores. Após a derrota acachapante de Marina Silva na eleição presidencial de 2018, o Rede, de futuro incerto, cogita uma fusão com o PPS, assunto que será tema de congresso do partido a ser realizado neste mês.

“Diante de riscos imediatos pela invocação que Bolsonaro faz contra questões muito importantes no processo político e civilizatório de qualquer nação, há necessidade de fazer uma oposição democrática”, diz Marina. Para ela, trata-se de não sabotar ou torcer pelo “quanto pior, melhor”. “Oposição contribui para o governo sendo oposição”, resume.

Ciro diz que quer fazer oposição em outro plano. “Não em cima do desastre, porque o desastre não me ajuda. O desastre ajuda a fortalecer quem deu a Bolsonaro essa vitória, o PT.” Ele afirma que aceitaria apoiar a reeleição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), desde que haja um compromisso com três agendas centrais: garantir a democracia, perseguir o interesse nacional e proteger os pobres, temas de um livro de sua autoria, que estava sendo finalizado em dezembro. “Quer dizer que Maia tem de romper com Bolsonaro? Não, [quem diria] isso é o PT! Achamos completamente legítimo que Maia dialogue com o presidente da República.”

Marina Silva defende que não se deve ter uma ansiedade tóxica sobre quem comandará a oposição. “Não precisa ter um centro fixo para um partido, para uma liderança. Senão você enfraquece a própria ação”, diz a professora e ex-candidata que retomou a rotina de aulas e palestras. Ela entende a frente como “um processo multicêntrico de contribuições”, ou seja, “em alguns momentos haverá alguém que terá uma fala com maior legitimidade, e essa fala se intercalará com outras”.

O governo assume sob uma situação econômica ainda adversa, já constrangido por suspeitas de desvios levantadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e diante de uma população ávida por saúde, emprego, combate à corrupção, segurança e educação, conforme pesquisa Ibope divulgada no mês passado. “Uma parcela da população votou em Bolsonaro porque deseja respostas rápidas. Se tivesse paciência, teria votado em Geraldo Alckmin [PSDB]”, diz Melo.

Nesse contexto, Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora aposentada do Departamento de Ciência Política da USP, lembra que o presidente Bolsonaro formou seu ministério sem negociar com os partidos que o apoiam, cumprindo uma promessa de campanha. Cita estudos de Octavio Amorim Neto, segundo os quais governos compostos dessa maneira, independentemente da qualidade dos escolhidos, são mais frágeis e sujeitos a crise na medida em que não possuem uma base firme no Legislativo. “Foi o que aconteceu no final do governo João Goulart e durante o governo Fernando Collor, dois presidentes que não completaram seu mandato”, afirma.

“No começo, governar assim é perfeitamente possível. Jânio Quadros fez isso, Fernando Collor fez isso. Mas, a partir de um certo momento, os presidentes vão sentindo a necessidade de uma integração maior com o poder político, com o Congresso Nacional”, diz o veterano Edison Lobão (MDB-MA), que acumulou 32 anos de mandatos no Congresso, governou o Estado do Maranhão, foi ministro em dois governos, presidiu o Senado Federal – e não se reelegeu senador em outubro.

Em seu currículo consta também a Emenda Lobão, que restabeleceu as eleições diretas de governadores e senadores a partir de 1982, mas ele mesmo se absteve na votação das Diretas-Já para Presidência da República por considerar que “era necessário haver mais segurança na consolidação do processo”. Hoje, diante da gestão Bolsonaro, Lobão questiona: “Quero saber até que ponto o presidente conduzirá o governo com essa linha de atuação”.

O professor de relações internacionais da USP José Augusto Guilhon-Albuquerque considera que será necessário articular uma coalizão estável em torno de um programa mínimo de objetivos. “Bolsonaro já está aprendendo a fazer política politiqueira, dificilmente fará as reformas vitais e terá de negociar no dia a dia, com um alto custo e aumento da insatisfação popular.”

Para o cientista político, a indignação do povo continuará a piorar, porque é praticamente impossível para o novo governo resolver problemas essenciais que atingem de imediato o homem comum e só podem apresentar resultados a longo prazo. Guilhon diz não acreditar que haverá lua de mel.

“Não esqueçamos que o desgaste de Dilma [Rousseff] começou na noite da apuração e só foi aumentando até a posse.”

Segundo pesquisa do Datafolha, no entanto, 65% dos entrevistados acham que a situação econômica do Brasil vai melhorar nos próximos meses, ante apenas 23% que diziam isso no levantamento anterior, de agosto de 2018. É o mais alto índice de uma série histórica que começa em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Segundo pesquisa CNI/Ibope, a expectativa de 64% dos brasileiros é de que governo Bolsonaro será ótimo ou bom. Desse percentual, 39% dizem acreditar que a futura administração será ótima e 25%, boa. Para 18%, o governo será regular; para 4%, ruim; e para outros 10%, péssimo.

Sobre o apoio formal do MDB ao governo eleito, Lobão diz que o partido tem sido parte do equilíbrio democrático e trabalha pela governabilidade. “Dependendo do convite que possa vir, não se furtará a ajudar o governo que chega com ideias, em muitos casos, parecidas com as do partido.” Já o correligionário Eunício Oliveira (MDB-CE), que ocupa a presidência do Senado e também não se elegeu, preferiu não conceder entrevista. Um interlocutor afirmou, no entanto, que Eunício defendia que o MDB “se desgovernasse” por um tempo, para se afastar da imagem de “partido do governo”, e então repense e se reestruture politicamente.

“Eunício está se reorganizando mentalmente para a política. E ainda não se desapegou das funções no Senado”, disse a fonte. Enquanto isso, prossegue o interlocutor, Eunício deverá manter-se na função de tesoureiro do partido, tendo o senador Romero Jucá como presidente e o ex-presidente Michel Temer como presidente de honra. Será preciso ver, no entanto, os desdobramentos da Lava-Jato sobre integrantes do MDB, como Lobão, Temer e Jucá, ainda mais considerando a aprovação por comissão da Câmara, em dezembro, do fim do foro privilegiado para crimes comuns. Isso faz com que ministros, parlamentares, governadores e prefeitos possam ser processados na Justiça de primeira instância.

Sobre a Lava-Jato, Lobão afirma que em relação a ele “existem investigações, algumas arquivadas por absoluta falta de provas. E outras em curso. Se há uma delação, é preciso uma investigação para mostrar que a delação não procede”. Dos seus 82 anos, diz que contribuirá com o partido como puder, oferecendo sua experiência por meio de aconselhamentos e opiniões. “Entendo que a política é exercida não apenas pelo detentor de mandatos eletivos, mas por quem tem vocação. Sairei do mandato, mas não da política.”

Para Amorim Neto, não se pode esquecer a frase do historiador e sociólogo brasileiro Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951): “A história do Brasil é um museu de elite”. Com isso, o professor da FGV quer dizer que as elites brasileiras não são totalmente superadas como no modelo europeu, em que a aristocracia é varrida do mapa e surgem novos atores. “Aqui, não. As velhas elites são preservadas de alguma maneira.” Muita gente, principalmente de uma geração mais antiga, vai aposentar-se, mas, a seu ver, a capacidade de perdedores ressurgirem das cinzas dependerá muito do desempenho do governo federal e da situação dos políticos em seus respectivos Estados.

“Se, por exemplo, a gestão de Wilson Witzel [PSC-RJ, eleito governador do Rio] der errado rapidamente, não é impossível que eleitores voltem a sentir saudades do MDB, que teve Eduardo Paes como candidato derrotado à reeleição. Além disso, quadros relativamente novos, como os ex-senadores Lindbergh Farias [PT-RJ] e Vanessa Grazziotin [PCdoB-AM] têm mais chance de retornar”, afirma Amorim.

Já Carlos Melo entende que se encerrou um ciclo, sem que o novo ainda tenha se consolidado. É possível que líderes como Romero Jucá, senador derrotado em Roraima, voltem a ganhar a eleição no seu Estado. “Regionalmente esses homens são capazes de se articular, dado o fracasso de seus sucessores. Jucá pode tornar a ser senador por causa do caciquismo regional. Mas voltará a ter a mesma mobilidade que tinha no Senado?”

Essa questão é, para o cientista político, uma incógnita, pois, por mais que tenha elementos para analisar como o senador pensa e age, Melo não faz ideia das características que o Senado terá daqui a quatro ou oito anos. “Gosto muito da frase ‘Nada é, tudo flui’, do [cientista político] Sérgio Abranches no livro ‘A Era do Imprevisto’. As instituições estão se alterando, ficando muito diferentes em relação ao que esses atores aprenderam sobre elas. Estarão eles capacitados para voltar a atuar nessas instituições? Creio que não.”

Melo lembra da acirrada eleição de 2014 entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) e compara com a situação em que esses políticos estão hoje. A ex-presidente da República, derrotada no próprio Estado, não conseguiu vaga para o Senado mineiro, enquanto Aécio teve de buscar um cargo de deputado federal para se proteger de denúncias com o foro privilegiado. Eram atores relevantes que “evaporaram” em apenas quatro anos.

De lá para cá houve fatos como Lava-Jato e impeachment, mas o professor do Insper atribui a velocidade da mudança, em grande parte, a transformações de caráter estrutural provocadas pela tecnologia digital. Passou a haver, de forma inédita, um uso massivo no campo político de canais como WhatsApp e redes sociais, eliminando intermediários, rompendo hierarquias e horizontalizando o poder, sem falar no peso da disseminação das notícias falsas.

Trata-se, a seu ver, de um fenômeno capaz de alterar instituições e configurações de liderança. Mais que fechar ciclos, essas mudanças provocam a necessidade de transição geracional. “Quem será o próximo líder do PT em dez anos? Não será Lula, e ninguém pode garantir que será [o candidato derrotado à Presidência Fernando] Haddad. Aliás, não se pode nem mesmo garantir que haverá PT nos próximos dez anos. Mas há dez anos você podia garantir que o PT continuaria existindo”, afirma.

O professor ainda cita outros casos: Leonel Brizola, Mário Covas e Ulysses Guimarães eram políticos com grande ascendência sobre os seus liderados. “Hoje, Ciro não tem a ascendência sobre o PDT que o Brizola tinha. Alckmin não tem a ascendência sobre o PSDB que Covas tinha. Aliás, este é um dos motivos da crise política”, avalia.

Para Cássio Cunha Lima (PSDB-PE), derrotado na reeleição ao Senado, os partidos em geral terão de se repensar porque perderam muita importância com as redes sociais. “Cada um com seu smartphone encontra seu nicho de pensamento e forma sua corrente política. Bolsonaro é presidente do Brasil ao largo dos partidos políticos. O partido político surgiu no século XIX a partir de pessoas com interesses, como os trabalhistas, convergindo ideias e temas. Hoje, as pessoas convergem pelas redes, e os partidos começam a ficar tontos nesse processo. O Congresso é analógico, mas a sociedade é digital”, afirma o ex-senador, que a partir de 2019 pretende voltar a advogar e prestar consultoria nos temas de gestão de crise.

O Congresso fragmentado do ponto de vista partidário requererá grande trabalho de articulação para constituir maiorias em apoio às propostas do governo, na visão de Maria Hermínia. “A gestão da economia e da questão fiscal, central para o êxito do governo, exigirá muita coordenação e negociação política, sobretudo porque esse governo tem uma agenda de reformas econômicas bastante ambiciosa, muitas delas requerem reforma constitucional, de difícil execução simultânea mesmo para um ministro mais familiarizado com o Congresso ou com os meandros da administração pública”, diz a cientista política.

O ponto mais sensível será a reforma da Previdência, crucial para o sucesso do governo estreante, como ressalta Argelina Figueiredo, doutora em ciência política pela Universidade de Chicago. “Reformar a Previdência é o que nós, cientistas políticos, chamamos de ‘política politicamente inviável’, porque afeta camadas muito grandes da sociedade e impõe algumas perdas para obter benefícios futuros.”

Argelina diz acreditar em uma boa vontade inicial dos partidos opositores em relação ao novo governo, lembrando que eles nunca foram obstáculo a nenhum governo. “A oposição feita ao Collor, por exemplo, não chegou a paralisar o governo nem mesmo em relação à drástica medida do confisco da poupança. Embora determinado por Medida Provisória, o Congresso poderia, a rigor, ter barrado, e mesmo quem não participava do núcleo eleito foi minorando os efeitos do confisco sem tomar uma atitude radical.”

Cunha Lima também diz acreditar que nos primeiros meses não haverá problemas de governabilidade. “A tradição brasileira é de absoluta boa vontade com os governos legitimados pelas urnas. Bolsonaro chega ao Palácio do Planalto com 57 milhões de votos e, num primeiro momento, ninguém vai brigar com essa decisão do eleitor”, afirma.

Após conversas internas e com o presidente no fim de 2018, o PSDB procurou afastar as ambiguidades, depois de uma campanha eleitoral que bateu duramente no candidato Bolsonaro. “Não podemos errar, o partido tem que ter clareza na posição de contribuição com o próximo governo, até por uma questão de brasilidade e também do interesse majoritário dos nossos eleitores”, afirma Antônio Imbassahy [PSDB-BA].

Derrotado na reeleição à Câmara, o deputado diz ainda não ter definido posição em relação às suas próximas atividades na vida pública. “Após o encontro que tivemos com Bolsonaro [em novembro], medimos as redes sociais e houve uma aceitação extraordinária, fenomenal, excelente. A população está nessa direção, de ajudar o cara, ajudar o país”, afirma. Procurado pela reportagem, Geraldo Alckmin, presidente nacional do partido, disse que não concederia entrevista neste momento.

Para Cunha Lima, o esforço será para preservar o PSDB coeso. “Existe uma nova realidade na composição de forças partidárias com a eleição do governador João Doria [em São Paulo]. No momento em que ele é o grande vencedor do partido, precisa de um papel de maior destaque. A política, como na vida: quem ganha leva. E quem ganhou foi João Doria”, afirma. “Agora, caberá a ele, como vencedor, ter a grandeza de saber conduzir essa vitória para agregar e somar com os tucanos fundadores do partido, que já deram contribuição muito grande. [A coesão] vai depender muito dele, da forma como conduzirá esse processo.”

O senador diferencia o PSDB do histórico inimigo PT: “Não faremos uma oposição irracional, cega, como a que deverá ser feita pelo PT.

Igualmente não seremos base incondicional do governo como o PSL. Vamos formar blocos na Câmara e no Senado para construir cada vez mais nossa posição de centro, sobretudo no campo econômico, e discutir outros temas de caráter comportamental, de relação com a sociedade. O espírito será de colaboração”, afirma. “Vai ficar, a meu ver, o PT isolado em uma posição mais extremada.”

Ciro Gomes diz que o PT não está descartado da frente de oposição. Reconhece a força de uma sigla que tem 56 deputados e conta com boas lideranças livres de escândalos, como Olívio Dutra, Tarso Genro, Henrique Fontana e Miguel Rossetto. Mas o que não aceita é sua hegemonia. O ex-ministro, no entanto, é mais crítico do MDB: “Isso é uma quadrilha. Vai chantagear no atacado e dividir no particular. Quanto a Jarbas Vasconcelos [eleito senador], se bem conheço sua história, não acho razoável que vá se somar a uma agenda maluca de Bolsonaro. O Eunício Oliveira não vem. E Renan Calheiros está assim [faz zigue-zague com a mão], não entendeu nada e quer ser presidente do Senado com o beneplácito nosso e do Bolsonaro”. Já Roberto Requião (MDB-PR), derrotado na reeleição ao Senado, deve compor o bloco de oposição.

Requião afirma que caberá a essa frente “fazer a crítica e tentar impedir barbaridades” do governo. Diz que poderia contribuir com ideias, mas se houvesse disposição ao diálogo. “Bolsonaro diz a mesma coisa há 27 anos. Como você pretende reeducá-lo? Que ideias ele aceita? Como acabar com o MST, em cruz de madeira ou câmara de gás?”, pergunta. Requião diz acreditar que contradições vão se estabelecer na gestão Bolsonaro: “Temos oficiais do Exército brasileiro. Esses direitistas nacionalistas vão concordar com a venda da Eletrobras, da Petrobras? Vejo um governo ancorado em uma visão sionista-cristã, suportado em algumas igrejas evangélicas e malucos, aderindo aos EUA e esquecendo o mundo, a América Latina, o Mercosul, a China. Só vejo disparates.”

O senador não descartaria o PT. “Sem o PT não sai uma frente, pela capacidade de mobilização e organização. A sigla tem quadros valorosos, embora grandes culpas também.” E bate na tecla: “Mas a hegemonia burocrática do PT, jamais”.

Ao defender algumas medidas petistas, diz que sofreu o efeito colateral do processo de derrocada. “Sou militante, não me arrependo de nada, o que fiz faria de novo mesmo sabendo que perderia a eleição”, diz ele, contando que continuará fazendo política por meio da participação em conferências no país e exterior.

Em entrevista publicada no Valor no mês passado, Haddad disse ser difícil o PT ter um bloco monolítico de oposição. “Precisaremos ter a agilidade necessária para angariar apoio e evitar retrocessos drásticos. Talvez sejamos minoritários no Congresso sobre temas como a venda da Embraer, mas em relação a direitos civis, talvez sejamos majoritários.”

Marina Silva vê a campanha eleitoral de 2014 – já turbinada por notícias falsas, as fake news, e dinheiro de corrupção – como o início do processo que culminou em Bolsonaro: “Em 2018, isso se aprofundou e os criadores [PT] acabaram tragados pela criatura. Por isso eu digo, não invente inimigos para derrotá-los. Ajude a ter amigos para poder ser conquistado ou conquistá-los”.

Para Argelina Figueiredo, o que a oposição derrotada nestas eleições precisará fazer é recompor a centro-esquerda, da qual o PT, a seu ver, não poderá ser alijado. “A esquerda tem de ocupar esse centro, até porque há tempos já vinha se dirigindo para essa posição. A eleição de 2018 comprovou: enquanto a direita migrou radicalmente para o extremo, os votos de partidos mais à esquerda não estavam no extremo oposto”, avalia.

A cientista diz acreditar que a oposição não precisa ter uma unidade de pensamento, mas sim uma ação concertada e com muito foco. “Não adianta ficar na crítica geral e superficial, é necessário atacar os pontos certos, para angariar algum apoio da população. Como se trata de um governo bem à direita, o papel da oposição será muito importante para colocar limites a certas ações”, afirma.

Amorim Neto também vê como fundamental a oposição democrática centrista para evitar o que ocorreu na Venezuela, onde os centristas entraram em depressão e não apenas se tornaram minoritários, se retiraram da política. “O vácuo centrista deixa o campo político exclusivamente ocupado pela extrema-direita e pela extrema-esquerda, com os quais não há diálogo possível. Por isso, mesmo que seja pequena, a oposição centrista brasileira tem de se fazer relevante. E aí vai depender habilidade política e da capacidade de se sintonizar com os clamores da população, atendendo eleitores que estão dispostos a ouvir um discurso mais racional, baseado em fatos.”

Isso inclui aprender a lidar com os novos instrumentos de comunicação via rede social, mas não só. Para promover essa reconexão, Argelina entende que a centro-esquerda precisará voltar a cultivar valores e bandeiras que vão além da inclusão social pelo consumo, tais como cidadania, igualdade de oportunidades e solidariedade – da mesma forma que a direita soube cultivar o valor do patriotismo. Além disso, diz ela, o PT terá de estimular a renovação das lideranças, diante de um grande perdedor de 2018, o ex-presidente Lula.

Mas o pêndulo da política é dinâmico. “Hoje, quem Bolsonaro chamar, vai [apoiá-lo], porque o poder é grande. Mas vai para fazer o que foi feito com a Dilma?”, questiona Ciro Gomes. Ele lembra quando Dilma estava fazendo a “faxina” de um governo que havia herdado, no intuito de atacar os malfeitos.

“Disse naquela época que isso daria errado. Quando a pessoa acaba de se eleger, todo mundo se encolhe, contemporiza. Mas, na hora que tiver uma crisezinha e virar a esquina, essas unhas todas vêm na goela dela. Não deu outra. Não porque sou profeta, é porque é uma obviedade.”

 

Nota Redação: na versão impressa, este texto foi publicado com o título A política dos perdedores

Privacy Preference Center