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Zeina Latif: O poder das manifestações

Em 2013, os protestos em nada mudaram os rumos do governo, apesar dos alertas feitos a Dilma sobre a necessidade de ajustar a economia

As manifestações do último domingo surpreenderam positivamente pelo tom moderado e pela defesa inédita da reforma da Previdência, ainda que não tenha sido seu tema majoritário. Difícil saber, no entanto, quais suas consequências concretas para a economia. São movimentos democráticos, que precisam ser respeitados, mas que não necessariamente ajudam no avanço da agenda econômica. Basta lembrar os protestos de 2013, que em nada mudaram os rumos do governo, apesar dos alertas feitos a Dilma sobre a necessidade de ajustar a economia. São muitos aspectos envolvidos que poderiam se resumir em duas perguntas principais.

Primeiro, haverá daqui para frente protestos em sequência, com alternância de grupos que aprovam e desaprovam o governo? Vale mencionar que a mais recente pesquisa da XP/Ipespe indica que estes grupos já têm tamanho similar (36% das pessoas desaprovam e 34% aprovam o governo). Quando ocasionais, os protestos servem de chamamento para o senso de urgência e responsabilidade da classe política. Porém, um quadro de inquietação social persistente, com pautas difusas, pode produzir incertezas no cenário de reformas e no sentimento de empresários e consumidores, ambos em queda. Durou pouco a lua de mel.

A segunda pergunta é: qual a capacidade de reação da classe política às manifestações? É essencial haver liderança do presidente e plano de governo estruturado para que os protestos se traduzam em avanço das reformas. A ideia de um pacto entre os poderes da República, como proposto, é iniciativa de baixa efetividade. Ela só faria sentido se houvesse algo a ser pactuado. Não se trata de propor uma lista de medidas, mas sim de se ter um plano consistente e construído com diálogo.

Além disso, é importante pontuar que a lentidão da tramitação das reformas reflete, em boa medida, a combinação de erros na articulação política do governo e do fato de se tratarem de temas espinhosos, que dependem de diálogo com o Congresso e que enfrentam oposição de grupos organizados, como as corporações do setor público, que precisam ser enfrentadas pelo presidente. Falta também uma melhor comunicação do governo sobre os pontos principais da reforma e sua importância. Não seria justo acusar o Congresso de estar bloqueando as reformas.

Quanto às perguntas acima, é difícil responder à primeira. A estagnação da economia e os 25% da força de trabalho que está desocupada, subocupada ou desalentada trazem preocupação. Este quadro não deverá mudar rapidamente.

A resposta à segunda pergunta é pouco alvissareira. Nota-se, por ora, uma dificuldade de definição de uma agenda de governo estruturada além da reforma da Previdência. O governo parece perder a oportunidade de dar continuidade aos projetos iniciados no governo anterior, como os marcos regulatórios de infraestrutura e a privatização da Eletrobrás, e de apoiar iniciativas do Congresso que caminham na direção correta e que são compatíveis com a agenda liberal de Paulo Guedes.

Um exemplo é a reforma tributária que está tramitando na Câmara, que propõe a criação de um imposto sobre o valor agregado a partir da unificação de 5 impostos indiretos das 3 esferas de governo. Trabalho sério que conta com apoio do setor produtivo e que seria passo largo para atacar aquele que é o maior problema do sistema tributário: a complexidade de regras, que pressiona os custos das empresas, produz insegurança jurídica e elevado contencioso tributário. De quebra, no caso dos impostos dos entes subnacionais, abre espaço para a chamada guerra tributária, que gera perdas de arrecadação e má alocação de recursos na economia.

Sem apoio do Executivo, é improvável o avanço dessa importante iniciativa. Por ora, o governo continua defendendo reformas sua cujas sinalizações – IVA federal, imposto sobre operações financeiras - mais causam inquietação no setor produtivo do que alívio.

Que a indignação da sociedade, de qualquer lado, renda frutos.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Cisão que dói

País precisa evitar armadilha que beneficia os grupos organizados antirreformas

O Brasil é um país heterogêneo e complexo desde sua formação. Insatisfação popular e interesses locais em conflito com o poder central marcaram o Império e a República Velha. Manter a unidade territorial do País e conter rebeliões e greves exigiu grandes esforços e implicou muitas perdas e traumas causados pela mão forte do Estado. Na ausência de instituições democráticas estruturadas ou de um poder moderador de fato, os conflitos eram frequentes.

A construção do poder central era inevitavelmente impactada pelo ambiente instável, e suas reações aos conflitos com frequência agravavam o quadro. Por exemplo, na República Velha, presidentes civis buscaram apoio em oligarquias locais, o que foi institucionalizado na chamada Política dos Governadores. No arranjo, o governo central apoiava o poder local, por ele indicado, em troca da eleição de bancadas no Congresso fiéis ao presidente, por meio do “voto de cabresto”. Estava plantada a semente da Revolução de 1930, com a deposição de Washington Luiz por uma junta militar, com apoio dos tenentes, dos 3 estados sublevados e de segmentos liberais que ansiavam por democracia. Grupos heterogêneos, mas circunstancialmente unidos por uma causa comum.

A turbulenta era Vargas, com seus contornos autoritários e o fim trágico, só fez aumentar a divisão da sociedade, entre getulistas e não getulistas. A consequente instabilidade política compôs o quadro que culminou no golpe militar de 1964. Enfim, como ensina Bolívar Lamounier, a história é feita por eventos encadeados, e não por eventos independentes.

A divisão do País não é, pois, elemento novo e esteve sempre latente na sociedade. Sua intensidade foi exacerbada ou contida, dependendo da postura do presidente da República. Políticos progressistas optam por fortalecer as instituições e promover a coesão social, o que não impede o enfrentamento de grupos de interesse. Já os de perfil populista, confrontam as instituições, enfraquecendo a democracia, e exacerbam a divergência. Elegem inimigos externos para manterem o apoio dos aliados, buscando vitórias políticas de curto prazo. Dividir a sociedade, no entanto, é decisão arriscada que tem efeito perverso adiante, como mostra nossa história.

Em dezembro de 2017, discuti a importância da coesão para a governabilidade e para a aprovação de reformas pró-crescimento. Sociedades mais coesas - o que significa pessoas mais tolerantes à diversidade e às divergências, e com maior confiança nas instituições e nas demais pessoas - facilitam a construção de soluções majoritárias.

As lideranças políticas precisam estar abertas ao diálogo e promover políticas públicas que contribuam para a coesão social, como o investimento em educação e a promoção da igualdade de oportunidades.

O discurso de posse de Bolsonaro de que seria o presidente de todos parece estar caducando. O presidente tem tropeçado, apresentando comportamento pendular. Sua primeira reação a contrariedades, aparentemente mais espontânea e emocional, é atacar os supostos inimigos e as instituições democráticas. Em um segundo momento, mais ponderado, ele recua e adota tom conciliador, o que é bom. O problema é que, muitas vezes, é difícil corrigir o estrago da intempestividade.

Exemplo recente foi a convocação para manifestações em apoio ao governo no dia 26 próximo, alimentando o ataque (e não simplesmente a crítica) aos demais poderes. Mesmo não participando do evento, a convocação em si aumenta o clima de disputa entre bolsonaristas e não bolsonaristas. Atiçar a cisão latente da sociedade é mau negócio, especialmente diante do frágil quadro econômico.

O Brasil precisa sair dessa armadilha que beneficia grupos organizados antirreformas, mas prejudica a todos ao final. Deveria ser tarefa de todos os presidentes promover o dialogo e fortalecer a coesão social. Bom para o crescimento e também para a valorização de nossa diversa cultura.

*Economista-Chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: O que será o amanhã?

Traçar cenários no Brasil é complexo. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo

Empresários e investidores perguntam se o Brasil vai dar certo. Como responder a essa pergunta se não sabemos sequer como será 2020?

Vamos assumir que o Brasil dar certo significa ao menos crescer em linha com o mundo, pouco acima de 3%. Seria um belo resultado, em termos per capita, acima de 2%, dado que a população cresce menos de 1%. Bem maior que a média observada desde o Plano Real, que foi pouco mais de 1%.

Como discutido adiante, esse parece um cenário improvável para os próximos anos. O crescimento será provavelmente mais modesto. Mas quanto? E este tanto será suficiente para promover um ambiente estável? O motivo dessa indagação é que o baixo crescimento tende a deixar o país fica mais vulnerável a acidentes de percurso, que também se tornam mais difíceis de serem superados. O cenário “meio do caminho” também guarda muitas incertezas.

Traçar cenários no Brasil é tarefa complexa. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo. A instabilidade da economia e a escassez de séries históricas longas são entrave. No passado recente, o intervencionismo estatal e a manipulação dos números fiscais do governo Dilma comprometeram a eficiência dos modelos de projeção.

Nos últimos anos, o quadro político ganhou protagonismo na construção de cenários econômicos. Isso porque, para voltar a crescer, o Brasil necessita urgentemente de reformas estruturais que dependem de aprovação no Congresso. Não fosse o quadro econômico tão frágil, não faria tanta diferença ter ou não um governo reformista, aqui entendido pela agenda proposta e a capacidade de execução.

As dificuldades não param por aí. É também importante analisar a reação da sociedade. O descontentamento com a economia e com os serviços públicos pode ser gatilho para protestos e greves, com implicações na política e na economia. Analistas econômicos cada vez mais precisam dialogar com os profissionais das demais ciências humanas.

A depender de como terminaremos este ano, poderão ser tempos difíceis a partir de 2020. Não por incertezas sobre o comportamento das variáveis econômicas em 2019 – há poucas dúvidas de que será um ano de baixo crescimento e inflação bem comportada –, mas pelas sementes que serão plantadas, ou seja, pela agenda econômica a ser entregue e outras a serem encaminhadas para o País voltar a crescer.

Uma reforma da Previdência desidratada não irá gerar o devido alívio aos cofres públicos nas três esferas. Os serviços públicos, que tanto impactam o sentimento dos eleitores, irão piorar. O risco fiscal, que impacta o sentimento de investidores, continuará elevado, com risco de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da regra de ouro (impõe limites ao endividamento do governo federal) e de inviabilização da regra do teto (estabelece limites ao crescimento dos gastos públicos), regra esta que foi essencial para trazer a taxa de juros do Banco Central para níveis inéditos. Qual será o tamanho desta fatura?

Como será o encaminhamento das demais reformas, já que a da Previdência, mesmo que não desidratada, não irá trazer crescimento de verdade? Os sinais não são bons, como o pouco alcance das medidas para melhorar o ambiente de negócios, o desconhecimento dos diagnósticos sobre o problema da educação e as trapalhadas na discussão sobre a reforma tributária, que insiste na tributação de transações econômicas, na contramão do recomendado.

Teremos, provavelmente, anos de crescimento modesto adiante. Será um cenário apenas desafiador ou de fato mais instável? Se por um lado, a classe política tem maior compreensão sobre a necessidade de reformas, por outro, o quadro econômico é muito frágil e a sociedade está mais exigente e vocal. Há muitas incertezas no radar e isso atrapalha os tomadores de decisão.

Muitas manifestações do governo revelam compreensão superficial dos problemas. Podem agradar os eleitores fiéis, mas não serão suficientes para manter as ruas calmas e empresários e investidores confiantes.


Zeina Latif: Escolhas

Os recursos são limitados, mas há demandas de todos os lados por ajuda do governo

Os recursos são limitados, mas há demandas de todos os lados por ajuda e benefícios do governo. Por isso, os governantes têm de encarar a difícil tarefa de fazer escolhas. Com frequência, são demandas de grupos organizados, que gritam mais, em detrimento do bem comum.

Pior, muitas decisões são tomadas no escuro, sem diagnósticos e sem estudo de seu impacto. Boas intenções que não se traduzem em benefício para a sociedade e, com o passar do tempo, nem mesmo para os grupos beneficiados. Quando a fatura chega, todos perdem.

Um exemplo foi a política de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para aquisição de caminhões com juros subsidiados. Gerou crescimento artificial da frota, redução do valor de fretes e, ao final, descontentamento geral. Melhor teria sido utilizar os recursos para investir em infraestrutura.

Não faltam exemplos de intervenção estatal desastrosa. A julgar pelo baixo potencial de crescimento, nós mais erramos do que acertamos. É momento de desmonte dessas políticas. Menos é mais.

O presidente Bolsonaro, porém, custa em se livrar de velhos hábitos. A intervenção na política de preços da Petrobrás é o mais recente episódio.

Bolsonaro errou ao ceder à pressão dos caminhoneiros, suspendendo a elevação do preço do diesel e anunciando crédito do BNDES para este grupo (de novo?). O receio das ameaças de paralisação não deveria ser guia para a tomada de decisão dos governantes. Além disso, se no ano passado houve amplo apoio da sociedade à greve, em um contexto de um governo desgastado, este não é o caso agora. Caberia uma postura mais firme do presidente. O sinal foi ruim, ou de fraqueza ou de descuido na tomada de decisões, sem avaliar as consequências.

É prática comum no mundo ajustar os preços internos dos derivados do petróleo aos preços internacionais. Pode-se discutir a frequência de ajuste e fórmula adotada, posto que a atividade de refino é monopólio da Petrobrás. Evitar o ajuste é um equívoco que prejudica a empresa, pela receita que deixa de receber, afetando seus planos de investimento, mas também o País, pelo sinal negativo dado ao setor privado, afastando investimentos. Se o governo quer subsidiar os caminhoneiros (o que deveria ser evitado), que o faça direcionando recursos no orçamento a ser aprovado pelo Congresso, e não impondo perdas à Petrobrás.

Os erros, na verdade, já vieram de antes, com a decisão de manter o tabelamento do frete feito no governo Temer. Decisão equivocada que causou elevação de custos e distorções que penalizam o setor produtivo, mas que, ainda assim, foi preservada pelo novo governo.

Em meio a escolhas equivocadas houve um acerto esta semana: a decisão de ajustar o valor do salário mínimo apenas pela taxa de inflação, e não mais também pela variação do PIB. Do ponto de vista do mercado de trabalho, a fixação de piso salarial elevado pode gerar maior dificuldade para redução da taxa de desemprego. A imposição de custos salariais extras às empresas, superando os ganhos de produtividade, que andam deprimidos, não é boa notícia para a geração de empregos.

Além disso, pressionar os gastos públicos – por conta do impacto do ajuste do salário mínimo na Previdência – é má notícia. Além da maior dificuldade para cumprir a regra do teto, rombos fiscais afetam a confiança de investidores e empresários.

Importante reconhecer que a política de recomposição do salário mínimo teve importante papel para melhorar a distribuição de renda, desde o governo FHC. Ocorre que, com desemprego tão elevado e o problema fiscal tão sério, não convém utilizar este instrumento no momento, até porque seu valor não está deprimido considerando o valor histórico real.

O quadro fiscal é grave e a economia está muito frágil. Não aceita desaforos. Se bobearmos, caímos em recessão. A margem para erros é mínima e o foco precisa ser combater o desemprego. A cada decisão a ser tomada, o presidente deveria perguntar ao ministro Guedes: a medida vai gerar empregos de forma consistente? Se a resposta for não, melhor não fazer.

*Economista


Zeina Latif: A verdadeira nova política

Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista

Uma boa forma de avaliar o início do governo Bolsonaro na área econômica é verificar o grau de continuidade da agenda do governo anterior. Em outubro, defendi que, apesar da renovação política, seria essencial dar prosseguimento à agenda econômica iniciada por Michel Temer.

Por este aspecto, há, naturalmente, boas e más notícias. Do lado positivo, há a proposta de reforma da Previdência e os leilões de infraestrutura - aeroportos, terminais portuários e ferrovia Norte-Sul. Em ambos os casos, em diferentes graus, há continuidade. Com competência, o ministro de Infraestrutura Tarcisio de Freitas, ex-secretário do PPI (Programa de Parcerias de Investimento) de Temer seguiu o trabalho iniciado no governo anterior. Já a proposta de reforma da Previdência, apesar de ser um novo projeto, reflete o aprendizado com a experiência do time antecessor.

A nota negativa é a pouca efetividade da Casa Civil, que é a responsável pela coordenação do governo e definição de prioridades. A percepção é de que muitos esforços iniciados no governo anterior foram descontinuados. Mudanças nos marcos regulatórios de setores de infraestrutura e no funcionamento de agências reguladoras, por exemplo, não parecem estar tendo o devido cuidado. Nada que não possa ser corrigido. Afinal, passaram-se apenas 100 dias.

É na política onde se acumulam os maiores equívocos, que são mais difíceis de corrigir. Bolsonaro errou ao fragilizar a relação com seu mais importante aliado no Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Antes disso, deu tratamento inadequado ao seu colaborador desde a campanha, o ex-ministro Gustavo Bebiano. São sinais ruins na política, onde confiança é essencial. Um governo que sofre com a carência de lideranças políticas hábeis não poderia perder colaboradores.

Bolsonaro procura corrigir erros, o que é positivo, mas não será possível reverter a situação rapidamente. A confiança não é facilmente construída e, uma vez abalada, custa a ser reconquistada. É necessário perseverança.

O risco de isolamento político do presidente é real, especialmente com sua popularidade em rápida queda. Diante da urgente agenda de reformas constitucionais, este quadro preocupa. Como agravante, Bolsonaro não defende com a necessária ênfase sua agenda de reformas. O Congresso irá fazê-lo?

A classe política reage aos tropeços de Bolsonaro. Assistimos a um protagonismo crescente do Legislativo, e isso tem consequências.
Começando pelas negativas, tivemos a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) tornando impositivas as emendas parlamentares de bancada. Quase a totalidade dos gastos se tornará obrigatória.

Além disso, o Senado aprovou uma PEC que determina o repasse direto de recursos de emendas individuais aos caixas dos entes subnacionais, sem a necessidade de convênios com a União. A tinta da caneta está acabando. Isso sem contar as (justas) discussões sobre limitar a utilização de medidas provisórias pelo Executivo.

Assim, apesar do grande poder do governo de intervir na esfera econômica, o presidente da República pouco pode do ponto de vista orçamentário, por conta do elevado volume de despesas obrigatórias.

Que fique por aí. Pauta-bomba no Congresso seria irresponsabilidade. Felizmente, Maia sabe disso.

Do lado positivo, a Câmara finalizou a votação do cadastro positivo, apesar da ausência de empenho do governo, e agora discute a reforma tributária que prevê a criação de um imposto sobre o valor agregado em substituição a vários impostos indiretos. Se prosperar, esta medida será um primeiro grande passo para elevar o potencial de crescimento do Brasil, posto que a complexidade do sistema tributário é o fator que mais deprime a posição do País nos rankings globais de competitividade.

Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista, com maior papel do Congresso. Esta sim é a nova política. Sobram dúvidas, porém, sobre sua capacidade de conduzir reformas. Que ao menos não falte responsabilidade do Congresso com o País.


Zeina Latif: Perda de foco ou desinteresse?

Não seria exagero afirmar que, com a crise prolongada, temos uma geração perdida

O presidente Bolsonaro perde o foco com facilidade. Em vez de discutir políticas públicas para promover o crescimento e atacar o desemprego elevado, ele voltou a criticar o IBGE pela metodologia de apuração da taxa de desemprego. Ele afirma que seria feita para “enganar a população”, sugerindo que o quadro é melhor do que o indicado.

Qualquer que seja o patamar “verdadeiro” do desemprego, o fato é que a sociedade sente na pele as dores de uma economia que pouco cresce. O medo do desemprego é elevado e os consumidores se mantêm pessimistas neste início de ano.

A taxa de desemprego é apenas uma métrica, e que atende às recomendações e aos padrões internacionais. Não se trata de ser verdadeira ou falsa. Como qualquer métrica, tem suas limitações. De fato, ela não permite uma visão completa do que ocorre no mercado de trabalho. Por isso especialistas analisam o desemprego sob vários ângulos. O time econômico certamente o faz. E o retrato não é nada bom.

A taxa de desemprego é a razão entre pessoas sem trabalho e procurando emprego em relação à força de trabalho. Se a pessoa não está trabalhando, mas também não está procurando trabalho, ela não entra na estatística.

Em períodos de mercado de trabalho ruim, com pouca oferta de vagas, observa-se que parcela dos trabalhadores deixa de procurar emprego, pois acredita que a probabilidade de encontrar algo é muito baixa. Não valeria a pena o esforço.

Conforme o mercado de trabalho começa a melhorar, esta probabilidade aumenta e o grupo de desalentados retorna ao mercado procurando emprego e pressionando a taxa de desemprego. Ou seja, mesmo com o aumento da oferta de vagas, o desemprego recua lentamente, pois há mais pessoas procurando trabalho. A chamada taxa de participação (parcela da população em idade ativa que está no mercado de trabalho, tanto ocupada, como desocupada) aumenta.

A taxa de participação está apenas ligeiramente acima da média histórica. Aliás, ela caiu desde o pico recente em outubro. Fazendo um cálculo alternativo da taxa de desemprego, assumindo a estabilidade da taxa de participação, observa-se números próximos ao da estatística oficial e até uma piora do indicador recentemente, segundo cálculos da AC Pastore & Associados. A bronca do presidente não se justifica.

Os resultados dos últimos meses indicam deterioração adicional do mercado de trabalho. A crença de muitos de que o fim da eleição iria contribuir para dar um “empurrão” na economia não se concretizou. O número de desalentados é significativo. São 4,9 milhões de pessoas ou 2,8% da população em idade ativa. Valor recorde na série iniciada em 2012.

Ainda, a Organização Internacional do Trabalho recomenda ampliar o grupo daqueles que deveriam ser considerados desempregados, considerando também os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Neste caso, a taxa de desemprego estaria acima de 18,5%, e não na casa atual dos 12%.

Os jovens são bastante prejudicados. A taxa de desemprego dos indivíduos entre 18 e 24 anos está acima de 26%. A falta de perspectivas é veneno para esta faixa etária. Não seria exagero afirmar que, com a crise prolongada, temos uma geração perdida.

O desemprego da população adulta preocupa também, e muito. São arrimos de família. A perda de emprego do chefe de família afeta os demais membros. Os números são ruins. Ainda que a taxa de desemprego dos que têm entre 40 e 59 anos seja mais baixa, de 7,5%, o contingente é grande. Representa quase 23% dos desempregados.

O governo vai completar seus 100 dias. Não se identificam ações para suavizar o sofrimento dos desempregados no curto prazo ou agenda de longo prazo para geração de empregos. Será que teremos novidades adiante ou irá prevalecer o que hoje se vê no discurso oficial, que dá ênfase a temas irrelevantes ou secundários, sem a devida preocupação com o desemprego?

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Sobrou para o BC

É recomendável evitar idas e vindas na Selic, em especial com mudança de membros

Os números falam por si só. A economia brasileira está praticamente estagnada e os sinais são de um crescimento modesto do PIB este ano. Analistas rebaixam as projeções, que estão agora em 2,1%. O risco é de número mais modesto. A fraqueza da economia acendeu o debate sobre a possibilidade de o BC retomar o ciclo de corte da Selic interrompido em maio de 2018, com a taxa em 6,5% ao ano.

Convém discutir o espaço para corte dos juros, mas não defender a redução com vistas a estimular a economia, como pregam alguns. A meta a ser perseguida pelo BC é de inflação, e, não, de crescimento do PIB.

A fragilidade da economia decorre de fatores conjunturais e estruturais. No primeiro caso, um País que sofre com os resquícios da recessão. Muitas empresas ainda enfrentam dificuldades financeiras, o que, aliado à ociosidade elevada, contém a contratação de mão de obra. No segundo caso, uma economia com potencial de crescimento muito baixo, possivelmente abaixo de 2%, devido aos limites de infraestrutura, mão de obra qualificada e capital instalado.

Questões conjunturais são assunto para o Copom. Se a economia evolui lentamente, a ponto de tornar a convergência da inflação às metas muito demorada, convém cortar os juros para evitar inflação abaixo da meta por muito tempo e sacrifício desnecessário da sociedade.

Já o baixo crescimento decorrente de limitações estruturais não deveria ser razão para redução dos juros. Pelo contrário. Um baixo potencial de crescimento poderá significar volta mais rápida da inflação no futuro. Afinal, facilmente um aquecimento da economia geraria descompasso entre demanda e oferta de bens e serviços, esta última limitada por fatores estruturais.

Difícil separar o que é estrutural e o que é conjuntural do fraco desempenho atual do PIB, o que dificulta a tomada de decisão do BC. De qualquer forma, no fim das contas, é o comportamento da inflação e das expectativas inflacionárias que deve guiar o BC.

O quadro inflacionário é benigno, sem tendência clara de aceleração. Mas o melhor já passou. O ciclo de desinflação foi concluído, a julgar pelo comportamento de várias métricas (núcleos de inflação) que ajudam a separar fatores transitórios e duradouros que têm impacto na inflação. Há uma tendência de aumento da inflação de bens finais, mesmo excluindo itens voláteis, como alimentos in natura e combustíveis (2,5% na variação anual em fevereiro ante 0,9% em 2018). Por outro lado, a inflação de serviços segue relativamente estável (em torno de 3,5%).

A estabilidade da inflação, a despeito da atividade tão fraca, sugere que a economia não está operando tão longe assim do potencial. Por exemplo, se o potencial de crescimento do PIB é 2,5% e a economia cresce apenas 1%, a ociosidade tende a aumentar e a inflação cai. Não é o caso. O espaço para redução da Selic, se existir, seria possivelmente modesto.

Além disso, a reforma da Previdência é importante fator de risco para a inflação. Uma reforma tímida terá repercussões na percepção de risco fiscal, pressionando a cotação do dólar e, portanto, a inflação. Convém o Copom aguardar para decidir sobre a política monetária. Como a inflação não está em queda e as expectativas de inflação de 2020 estão na meta, em 4%, o risco de cortar agora e ter de reverter pouco tempo depois não é desprezível. É recomendável evitar idas e vindas na trajetória da Selic, especialmente com a mudança dos membros do Copom. Construção de reputação não combina com precipitação.

Por mais que o baixo crescimento traga descontentamento e preocupação, o BC não tem instrumentos para resolver o problema, exceto no curto prazo quando a inflação permite. A contribuição do BC ao crescimento é justamente pela manutenção da inflação na meta. Promover o crescimento é missão do governo. Não é na porta do BC que devemos bater.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Menos Brasília?

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas

As políticas públicas da União, Estados e municípios não são independentes entre si; umas impactam as outras. Sem a devida coordenação, geram desperdícios, ineficiências e perda de bem-estar da sociedade. A ação dos entes da federação necessita de regras que definam a divisão de poder, direitos e obrigações, visando o bem comum. É disso que trata o chamado pacto federativo.

O debate sobre a revisão do pacto federativo é antigo, e gira em torno, sobretudo, de questões fiscais.

A Constituição de 1988 promoveu significativa descentralização da arrecadação federal em favor de Estados e municípios, via transferência de recursos, mas sem redistribuir simultaneamente a responsabilidade sobre os serviços públicos. Com despesas e obrigações crescentes geradas pela Carta, a União reagiu com o aumento da carga tributária. Além disso, ao longo dos anos, promoveu-se o aumento das obrigações estaduais e municipais em gastos sociais, apertando o orçamento destes entes.

Outro sério problema foi que as regras de repasses estimularam a criação de municípios via emancipação de distritos. O resultado foi uma pior alocação de recursos públicos. Atualmente, a principal fonte de recursos de 60% das prefeituras é o Fundo de Participação dos Municípios, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas, em parte por fatores estruturais. O ICMS tornou-se um imposto obsoleto, como ensina José Roberto Afonso. Sua capacidade de arrecadação é decrescente devido às mudanças no setor produtivo, como o maior peso do setor de serviços. Um sério agravante é a chamada guerra fiscal entre os Estados – redução do ICMS para atrair investimentos produtivos. A arrecadação cai há décadas. Uma reforma tributária mudando o regime do ICMS (cobrar no destino sobre o valor agregado) é urgente e essencial na discussão do pacto federativo. Como está hoje, todos perdem.

Esse quadro se agravou na gestão Dilma. O governo federal, equivocadamente, promoveu renúncias tributárias em impostos compartilhados, para estimular a economia. Além disso, estimulou a leniências fiscal dos entes ao autorizar o aumento do endividamento com aval da União e reduzir exigências para receber os repasses. Ainda que deletérios, esses fatores não são a real razão da crise dos Estados, que decorre de decisões equivocadas na contratação de servidores e aumentos de salários acima dos ajustes no setor privado. O maior endividamento não resultou em aumento de investimentos, mas sim em gastos com a folha.

Em grave crise, a maioria dos governos estaduais pressionam por ajuda do Tesouro Nacional.

Não há espaço para transferir mais recursos tributários aos entes, por conta do rombo fiscal da União. Tampouco seria uma decisão sábia até que reformas estruturais mudem a dinâmica dos gastos nos Estados e municípios. Seria água no ralo.

O governo acena com outro tipo de ajuda: garantias da União para novos empréstimos aos Estados, mesmo sem contarem com nota de crédito suficiente para ter direito ao aval. Não parece medida adequada antes de ações concretas para cortes de despesas e aprovação da reforma da Previdência.

Além disso, propõe-se reduzir a rigidez orçamentária eliminando regras constitucionais que regem o orçamento, o que impactaria basicamente gastos com saúde e educação. O debate é necessário, mas o impacto da medida é limitado, não vai salvar ninguém, pois o grande peso no orçamento é a folha de ativos e inativos. O tema é polêmico e será difícil o Congresso aprovar sem um amplo debate.

Acredito que um outro debate deveria ser o de inserir meritocracia nos repasses aos entes. Estados e municípios que fazem boa gestão e têm bons resultados em termos de qualidade do serviço público deveriam ser premiados.

Rever o pacto federativo não é sinônimo de socorrer Estados. Se o lema é “menos Brasília e mais Brasil”, os Estados precisam fazer sua parte, adotando medidas para elevar a arrecadação e conter despesas. Sem isso, vamos continuar a assistir as visitas periódicas dos entes subnacionais à Brasília pedindo ajuda.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: O otimismo cauteloso

O poder público não cunpre bem o papel de regular e fiscalizar a atividade privada

A expressão “otimismo cauteloso” tem sido utilizada com frequência por lideranças do setor privado para descrever o atual sentimento em relação ao Brasil. Por ora, o quadro de incertezas sobre o cenário econômico faz a balança pender mais para o “cauteloso” do que para o “otimismo”.

Os empresários estão mais confiantes, mas não a ponto de aumentar contratações e investimentos. Aguardam os sinais da política. Ajuda, e muito, a alta qualidade da proposta de reforma da Previdência, buscando uma importante economia de recursos, incluindo os Estados e contemplando um sistema mais justo socialmente. Sua aprovação será fator central para redução das incertezas. O primeiro semestre será de compasso de espera.

Em que pese o emblemático fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, ao menos o pessimismo tem tido peso bem menor no sentimento dos empresários. Afinal, não estamos em 2015, apesar de a situação fiscal ser mais grave. É um outro perfil de presidente, mais pragmático e humilde quanto ao seu desconhecimento de Economia; outro debate econômico, menos influenciado pelo equivocado nacional-desenvolvimentismo, que produziu uma crise sem precedentes; e outro contexto político, mais benigno, já que Bolsonaro ganhou a eleição com margem confortável e não carrega o peso de um primeiro mandato conturbado.

Por outro lado, há razões para cautela. O quadro econômico é frágil, com a economia quase estagnada. As reformas necessárias para resolver a crise fiscal são politicamente desafiadoras e envolvem contrariar muitos interesses. Os grupos afetados, principalmente do funcionalismo, estão se organizando e poderão frustrar bastante as pretensões do time econômico em relação ao escopo da reforma. O governo inexperiente e pouco coeso tropeça na política.

O Brasil é um país difícil, e isso não será mudado rapidamente. Os tristes acontecimentos neste início de ano que ceifaram vidas servem de alerta da falência do Estado. O poder público não cumpre bem o papel de regulação e fiscalização da atividade privada e os governos gastam boa parte do dinheiro público com a folha do funcionalismo e sua Previdência, deixando de cuidar das pessoas e da infraestrutura.

Isso não quer dizer que a sociedade não tenha sua parcela de responsabilidade. Não o mais humilde, que não tem acesso à educação de qualidade e sofre com a desigualdade de oportunidades, mas a elite, que deveria dar o exemplo.

Um exemplo singelo: na terça-feira, a capa do Estadão trouxe a triste foto do lixo carregado pelo Rio Tietê por conta das fortes chuvas. Não é só culpa do mau funcionamento do Estado, que não cuida devidamente da limpeza das ruas, da coleta e tratamento do lixo. É também da sociedade. Quando se percorre os bairros ricos em São Paulo, o lixo espalhado pela rua, algo pouco visto nos vizinhos da América Latina, indica que necessitamos de um choque civilizatório. Somos uma sociedade em que o sentimento de responsabilidade social é fraco.

Em um contexto mais amplo, as reações dos diferentes grupos à reforma da Previdência são mostra de nossas dificuldades para olhar o outro. A bancada da agropecuária ameaça não apoiar a reforma se o ministro Guedes insistir em políticas de cunho liberal para o setor. Justamente o setor que menos paga impostos. Alguns governadores pressionam o Congresso e o governo por uma nova renegociação da dívida e outras benesses como contrapartida por apoiar a reforma da Previdência, apesar de os governos estaduais serem beneficiados pelas mudanças no regime previdenciário. Corporações do funcionalismo exercem forte pressão para não perderem seus privilégios. E assim vai.

Economia e política não andam separadas por muito tempo. A fraqueza da economia impacta a política, cedo ou tarde, e a aprovação de reformas econômicas depende da política. Caberá ao presidente exercer liderança para não cair nesse círculo vicioso.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: A verdadeira batalha

Como os políticos irão reagir quando eleitores começarem a atacar a reforma?

Passados pouco mais de três meses desde a vitória nas urnas, a agenda econômica do governo vai ganhando contornos, com o que será e o que não será feito. Uma reforma da Previdência que impacta a todos, sim; uma reforma tributária ampla consolidando os impostos indiretos, não. Haverá algumas privatizações de empresas “não estratégicas” (a da Eletrobrás não está clara), sendo maior a ênfase na venda de ativos de empresas e bancos estatais, conforme as recomendações do time econômico anterior.

O mais recente capítulo foi o vazamento da minuta da reforma da Previdência. A Secretaria da Previdência trabalhou bem, fazendo jus à elevada reputação do time. A proposta é muito boa e mais ambiciosa do que a de Michel Temer, como na introdução da idade mínima e na regra de transição. Ela inclui temas novos, como a mudança das regras de abono salarial e de pensão por morte, além da criação do regime de capitalização. Para Estados e municípios, é considerado um prazo de dois anos (parece muito tempo) para a mudança das regras de aposentadoria. Não ocorrendo, valeria a nova regra dos servidores federais.

Já discuti em artigos anteriores que o desafio maior não é o de desenhar as reformas econômicas, mas sim aprová-las. Não que se possa minimizar o desafio técnico. Afinal, defender ideias gerais é fácil. Difícil é detalhar as medidas, com base em diagnósticos corretos e levando em consideração o arcabouço legal vigente. O desafio maior, no entanto, é o da política.

Para começar, não sabemos qual será a decisão final de Jair Bolsonaro, um político sensível à opinião pública, conforme aponta Christopher Garman. A proposta vazada ainda não passou pela chancela do presidente, sendo que membros do governo apontaram que ela será desidratada.

O episódio também reforça a visão de que o governo não constitui ainda um time coeso. A vida de Paulo Guedes da porta para fora do Ministério da Economia não é fácil. Mal o documento circulou, e o vice Hamilton Mourão afirmou que nem ele nem Bolsonaro concordam com a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres. Também se manifestou o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, afirmando que “a proposta será bem diferente do texto vazado”. Não teria sido mais adequado o próprio ministro da Economia, e apenas ele, se manifestar?

A dificuldade política é inevitável e ainda desconhecida. Afinal, somos um país tomado por grupos organizados que bloqueiam reformas liberais. Talvez por isso mesmo Guedes busque o diálogo com os demais poderes da República, para acelerar a tramitação da reforma e evitar grandes mudanças no seu teor, e reduzir o risco de judicialização.

Possivelmente a batalha no Congresso será menos dura do que no governo anterior. O debate sobre a Previdência está mais maduro e Bolsonaro conta com elevado capital político. Em compensação, se para Temer esta reforma era uma opção, uma vez que a proximidade das eleições trazia alguma perspectiva aos agentes econômicos, para Bolsonaro ela é a condição de sua sobrevivência política; e ele sabe disso.

Para muitos analistas, a renovação no Congresso é um facilitador. Isso tampouco está claro. O novo Congresso está repleto de políticos que representam corporações e que se elegeram por conta das redes sociais. Os eleitores não reelegeram os parlamentares reformistas que relataram as principais reformas aprovadas por Temer, incluindo o secretário da Previdência Rogério Marinho, relator da reforma trabalhista na Câmara.

Como os políticos irão reagir quando seus eleitores começarem a atacar a reforma?

Ao contrário do que se imagina, o resultado da pressão social nem sempre é positivo. Não à toa cientistas políticos alertam para o risco da consulta direta à sociedade sobre políticas públicas. As escolhas da sociedade, com frequência, não são aquelas que privilegiam o bem comum, desta e das próximas gerações.

A batalha começou.

* Economista-Chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Olhar para o longo prazo

A sociedade olha o curto prazo, algo compreensível em um país com baixo capital humano

Este primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro tem peculiaridades quando comparado ao de presidentes anteriores. Por um lado, ele herdou um quadro macroeconômico mais estável, por outro, há uma sociedade que deseja mais crescimento econômico, sem saber que reformas serão necessárias para isso. A experiência mostra que nem sempre presidentes reformistas são valorizados pela sociedade.

Bolsonaro herdou de Michel Temer um quadro macroeconômico estável, com inflação baixa e sem artificialismos como tarifas públicas defasadas ou taxa de câmbio sobrevalorizada. Afasta-se, assim, a necessidade de guinadas na política econômica. Além disso, com Temer, o debate sobre políticas públicas evoluiu. Os que defendiam não ser necessária a reforma da Previdência ou mudaram de ideia ou já não têm a mesma influência sobre a classe política. Isso facilita o trabalho do time econômico, que não precisará pregar no deserto. Um cenário em que reforma alguma da Previdência é aprovada é improvável.

Mas tudo tem o outro lado, no caso, os anseios da sociedade, que estão focados no curto prazo e mudam ao longo do tempo. Com inflação baixa, agora a sociedade espera aceleração do crescimento e queda do desemprego. A sociedade, porém, não compreende que a inflação baixa depende da aprovação da reforma da Previdência. Só se enxerga o fardo, e não o benefício. A sociedade não aceita retrocessos no ambiente econômico e, pelo contrário, espera avanços. E a volta do crescimento também dependerá de mais reformas.

O descompasso entre a percepção da sociedade e a política econômica costuma dar dor de cabeça aos governantes.

FHC assumiu o governo em 1995 sob os holofotes do Plano Real. Apesar do árduo caminho para sua consolidação, pela fragilidade das contas externas e das finanças públicas, além do difícil ajuste dos bancos à inflação baixa, o sentimento da sociedade era de alívio com a queda da inflação. No segundo mandato, FHC conduziu reformas essenciais para garantir a sustentação da inflação baixa e construir o alicerce para o crescimento. Para a sociedade, no entanto, o segundo mandato não foi bom, afinal, a inflação já estava baixa. A sociedade queria avanços, mais crescimento, que foi mais lento e com aumento do desemprego. Como resultado, FHC não conseguiu eleger seu sucessor, apesar das importantes reformas.

Depois da tumultuada campanha eleitoral que jogou a taxa de inflação para o pico de 17% em maio de 2003, Lula tinha diante de si o desafio de conquistar a confiança dos agentes econômicos, o que compreendeu rapidamente. Deu continuidade e consolidou a política econômica de FHC. Os frutos vieram rapidamente. A inflação fechou em 9% em 2003. O segundo mandato, porém, teve retrocessos. Foi marcado por estímulo excessivo e artificial à economia. O que começou como uma resposta à crise global se tornou estratégia para eleger Dilma. Para a sociedade, no entanto, o segundo mandato de Lula foi melhor do que o primeiro, pois o crescimento foi maior.

Dilma seguiu um caminho equivocado. Mas a sociedade só começou a desconfiar que havia algo errado em 2013.

Este primeiro ano de Bolsonaro poderá definir, em boa medida, o restante do mandato presidencial. Uma reforma da Previdência ambiciosa, nos moldes certamente pretendidos por Paulo Guedes, vai gerar mais reduções da taxa de juros estrutural e abrirá espaço para mais reformas na sequência, como a tributária.

O esforço agora poderá reduzir a popularidade do presidente no curto prazo, mas valerá a pena adiante. Com foco, Bolsonaro terá tempo de colher os frutos, o que não ocorreu com Temer.

A sociedade olha o curto prazo, algo compreensível em um país com baixo capital humano e com 60% da população vivendo com até um salário mínimo. O olhar do presidente, porém, precisa ser para o longo prazo, com a busca de reformas estruturantes, nem sempre compreendidas pela sociedade e correndo o risco de não ser reconhecido. O cenário alternativo, porém, é pior.

*Economista


Zeina Latif: Devagar com o andor

Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia

Volto ao tema da fraqueza da indústria, pela sua importância na dinâmica da economia e pelos cuidados que inspira na condução da política econômica.

A produção industrial está estagnada. Ela pouco reagiu ao corte inédito de juros promovido pelo Banco Central. É verdade que o estímulo monetário promovido pode ser menor do que se imagina (discuti esse assunto em março de 2018). Mas isso parece muito pouco para explicar o fraco dinamismo da indústria. Não seria uma taxa Selic 1 ponto porcentual mais baixa que mudaria radicalmente a situação da indústria.

São muitas as consequências desse quadro: o empresário da indústria está inesperadamente menos confiante do que o do comércio (índice de confiança em 94,8 em dezembro de 2018, ante 105,1); investiu menos na aquisição de máquinas e equipamentos (-0,5% até novembro de 2018) e gerou poucos empregos (apenas 11 mil empregos com carteira nos últimos 12 meses, e perdendo fôlego).

O mercado de trabalho sofre impacto em função da importância da indústria na geração de emprego formal. Apesar de o número de ocupados total já ter recuperado o patamar pré-crise, o mesmo não ocorre com o emprego com carteira (10% abaixo do patamar pré-crise). Isso acaba limitando o aumento do consumo, um ponto já analisado por Affonso Celso Pastore e Marcelo Gazzano. Com renda mais incerta por conta da informalidade, o consumidor tende a ser mais conservador.

Ainda que choques temporários tenham prejudicado a indústria em 2018, como a greve dos caminhoneiros, parece haver algo mais grave acontecendo. Fatores estruturais podem estar pesando mais na performance no setor.

A indústria está tecnologicamente muito defasada. Desde 2010 não aumenta seu investimento em bens de capital. Com o avanço da fronteira tecnológica no mundo, a indústria brasileira tornou-se obsoleta rapidamente. Provavelmente, nem sequer consegue compensar a depreciação das máquinas em um parque industrial que envelhece.

Vale lembrar que a indústria é particularmente afetada pelo custo Brasil. Além de ter carga tributária mais elevada do que os demais setores, sofre mais com a reduzida e cara infraestrutura, o elevado custo da energia, a baixa qualidade da mão de obra e a complexidade regulatória. O resultado é sua baixa produtividade.

Assim, mesmo com a queda dos salários em dólar em 2018, por conta da pressão cambial, o que implicaria maior competitividade externa do setor, tem havido um aumento da participação de bens industriais importados no consumo interno. A correlação histórica entre essas variáveis inverteu-se em 2018. As importações em alta não são a causa da fraqueza da indústria, mas sim a consequência.

O fraco desempenho da indústria, mesmo com expressivo corte da taxa Selic e sensível pressão na taxa de câmbio, reforça a visão de que o problema de baixa produtividade do setor não será resolvido pela política macroeconômica do BC. O que o setor precisa é de um ambiente de negócios mais saudável. Para problemas estruturais, reformas estruturais.

A entrega de reformas não é caminho fácil e tampouco gera frutos imediatos. Assim, vale um alerta para este ano: mesmo com o avanço nas reformas, a fraqueza estrutural da indústria poderá atrapalhar a aceleração do crescimento do PIB em 2019.

Os frutos virão ao longo do tempo. Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia. Mas será necessário compensá-las com medidas para a redução do custo Brasil, de forma a não fragilizar ainda mais a saúde do setor. Combater a complexidade e cumulatividade de impostos que tanto penalizam a indústria merece especial atenção.

A agenda de Paulo Guedes promete ser ambiciosa. No entanto, na economia, o presidente não parece tão reformista assim. Os sinais recentes não foram bons, com o apoio à manutenção do tabelamento do frete e autorização dos incentivos tributários regionais, sem contar as falas que foram corrigidas por assessores. Precisamos aguardar os próximos passos do presidente.

*Economista-chefe da XP Investimentos