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Zeina Latif: Entre intenções e dura realidade

O quadro dramático das contas públicas exige ações concretas

O ministro Paulo Guedes tem uma capacidade de comunicação pouco vista em chefes da pasta da Economia, o que é importante ingrediente para o debate público avançar. Merece reconhecimento o esforço para explicar temas como privatizações e redução da rigidez orçamentária, e os alertas quanto à necessidade de rever políticas públicas, como o Sistema S e a Zona Franca de Manaus.

Em entrevista ao Valor Econômico, o ministro desabafou: “O Estado brasileiro quebrou”. Melhor mesmo deixar isso claro. É essencial a sociedade compreender que o esforço fiscal comprometerá parte relevante da agenda econômica nos próximos anos. A visão de que a reforma da Previdência resolveria o rombo fiscal é equivocada. A agenda de eliminação de renúncias tributárias e corte de despesas obrigatórias mal começou e não há espaço para redução de impostos.

Guedes (felizmente) reafirma o compromisso com a manutenção da regra do teto – gastos públicos não podem crescer além da taxa de inflação – e demoveu o presidente Bolsonaro da ideia de flexibilizá-la. Uma vez que os gastos com a Previdência, que representam mais da metade do orçamento federal, vão continuar crescendo mais do que a inflação nos próximos anos, mais ações para corte de despesas serão necessárias.

O ministro pretende reduzir a rigidez orçamentária, em linha com os alertas do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, que aponta que 70% do orçamento da União está vinculado ao comportamento da inflação. Isso requer reformas constitucionais, e o governo começou a tocar no assunto ao sinalizar com uma reforma administrativa que, entre outras iniciativas, deverá prever o fim da estabilidade para a maioria dos servidores públicos entrantes. Esse é, sem dúvida, um tema essencial para o debate público.

Sinaliza-se também um programa de privatizações e a venda de ativos como forma de reduzir a dívida pública. No primeiro caso, não é algo para já, até porque depende de aprovação do Congresso. Além disso, não houve detalhamento do que será feito, mas apenas uma lista de intenções. Apesar de Guedes falar em fast-track para privatizações, cada empresa precisará ser analisada isoladamente, por suas especificidades. Há empresas que deveriam ser simplesmente liquidadas. Importante mencionar que a decisão de privatizar deve visar em primeiro lugar a busca de eficiência da economia, ainda que riscos fiscais devam ser considerados.

No segundo caso, de concessões e venda de ativos, a agenda já está em curso, mas o impacto fiscal é limitado às concessões de infraestrutura, que geraram receita de R$ 5 bilhões no acumulado do ano até julho. A venda de ativos das empresas estatais, como o controle da BR Distribuidora pela Petrobrás, não gera receita à União.

Nem tudo são flores. A promessa de zerar o déficit público este ano não vingou e, a julgar pelas últimas notícias, pressões de curto prazo estão também moldando as decisões do ministério. Discute-se artifícios para facilitar o cumprimento da regra do teto, como o fim da multa extra de 10% sobre o FGTS, o que liberaria R$ 5,6 bilhões de gastos, a transferência de R$ 9,3 bilhões do salário-educação para Estados e municípios e a desvinculação de R$ 12 bilhões de fundos específicos do governo federal. Como aponta o analista da XP Victor Scalet, estas não são medidas de ajuste fiscal.

Também chama atenção a demora na definição da reforma tributária, como para sepultar uma nova CPMF. Mais uma fonte de incertezas no quadro econômico. É inevitável a leitura de que se busca algum aumento da carga tributária.

O quadro dramático das contas públicas exige ações concretas com divulgação das propostas de reformas. A da Previdência será em breve página virada e não se pode perder a “janela reformista” do primeiro ano de governo. E não basta enviar as matérias ao Congresso. São necessários o diálogo e a negociação entre vencedores e perdedores de cada reforma proposta. Hora de colocar a bola no chão.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Não ignore os sinais

Os ataques à globalização, ainda que injustos, dominam cena global

No início de junho discuti que o mercado financeiro, principalmente o local, sofria de miopia. Celebrava o corte da taxa de juros no curto prazo pelo Fed, o banco central americano, e minimizava os riscos de médio/longo prazos advindos da desaceleração da economia mundial.

Já os investidores globais foram mais cautelosos, mostrando-se seletivos na alocação de seus recursos. Ao longo do primeiro semestre, houve aumento da demanda por títulos da dívida de governos de países desenvolvidos e por ouro, e menor fluxo para países emergentes.

O humor dos mercados pode mudar rapidamente, e isso aconteceu no mês passado. Existindo ou não a “maldição de agosto”, não convém ignorar os sinais emitidos. O investidor global está ainda mais preocupado e quer proteger seu patrimônio.

Crescentemente, os investidores globais têm preferido colocar seus recursos em “portos seguros”, pois a expectativa de ganho com investimentos mais arriscados não compensaria o risco corrido. O resultado é a queda da taxa de juros dos títulos públicos de economias avançadas e a alta expressiva da cotação do ouro.

A elevada liquidez mundial, fruto da injeção de recursos feita pelos bancos centrais como resposta à crise global de 2008-09, empurra ainda mais para baixo os juros desses papéis por conta da elevada demanda por proteção. Na Europa, as taxas de juros estão negativas. Os investidores pagam para ter seus recursos protegidos.

A ideia que os juros baixos/negativos no mundo desenvolvido estimulariam os fluxos de capitais para países emergentes, como o Brasil, é equivocada. É justamente o contrário. Os juros baixos refletem a falta de apetite por investimento nesses países. O ambiente global precisa melhorar para o investidor ficar menos conservador.

Nos EUA há uma outra patologia: os juros da dívida pública com vencimento mais longo, como as Treasuries de 10 anos, estão no campo positivo, mas são inferiores à taxa básica ou às de curto prazo. Na linguagem técnica diz-se que a curva de juros está invertida. O normal seria os juros mais longos serem mais elevados do que os de curto prazo, afinal o risco é maior conforme se estende o vencimento da dívida.

O problema é que esse fenômeno tem sido associado a recessões adiante. O canal seria pelo mercado de crédito. As instituições de crédito tomam recursos no curto prazo e emprestam no longo prazo.

Com juros longos mais baixos, a oferta de crédito tende a se retrair, machucando a atividade econômica.

Com a fraqueza da economia mundial, muitos analistas defendem políticas de estímulo, como cortes de juros pelos bancos centrais e aumento dos gastos do governo. As chamadas políticas anticíclicas são bem-vindas, mas nem sempre estão disponíveis (não convém países com problemas fiscais gastarem mais) ou são efetivas (estímulos ao crédito podem ter efeito limitado quando é o endividamento na economia é alto).

O que realmente poderia mudar a dinâmica da economia mundial seria algo difícil de acontecer tão cedo: a volta de políticas de abertura comercial. Os ataques à globalização, ainda que injustos, dominam a cena global.

O crescimento do comércio mundial gerou aumento da produtividade, maior crescimento e bem-estar social no mundo. Houve também melhora da distribuição de renda no mundo em favor de economias emergentes e redução da pobreza. Claro que há perdedores: há evidências de que o avanço do setor produtivo nas economias asiáticas gerou perda de empregos da classe média nas economias desenvolvidas.

Porém, não parece correto responsabilizar a globalização por toda bronca dessa classe média. A fatura precisa ser dividida com a crise global da década passada.

Com poucas exceções, como o acordo Mercosul-União Europeia, a agenda de abertura comercial está congestionada, em meio ao enfraquecimento dos organismos multilaterais. Justo aquilo que seria o verdadeiro remédio para a retomada do crescimento mundial está em baixa.

Tempos desafiadores que exigem perseverança na agenda doméstica.

*Economista-chefe da XP Investimentos


dólar

Zeina Latif: As dificuldades da intervenção no dólar

Ativismo excessivo em um mercado tão fluido e com um leque de fatores não é boa ideia

São comuns manchetes apontando a maior valorização ou o maior enfraquecimento do real na comparação com demais moedas. Ocorre que o real é das moedas mais voláteis do mundo, devido à sua relevância nos mercados globais e à própria instabilidade da economia brasileira.

Procurar conter a elevada volatilidade do real é decisão acertada do Banco Central, pois ela prejudica o funcionamento da economia. Dificulta as decisões de importação e exportação, investimento e planejamento das empresas.

Estabelecer limites para a oscilação do dólar – sonho de muitos – seria, porém, grande equívoco. Não é possível ter meta de inflação e de taxa de câmbio ao mesmo tempo. Já utilizamos no passado regimes de administração da taxa de câmbio e eles se mostraram insustentáveis, enquanto o regime de metas de inflação tem sido bem-sucedido.

O que os bancos centrais procuram fazer é suavizar a oscilação da moeda, sem estabelecer limites e sem buscar alterar seu ciclo. Este último é, em boa medida, determinado por fatores externos, ou seja, pelo próprio ciclo do dólar no mundo. Grosso modo, em momentos de tensão ou quando a economia norte-americana vai melhor que o resto do mundo, o dólar se fortalece, como agora.

O Banco Central conta com uma série de instrumentos de intervenção que podem ser usados: a compra ou venda de dólar aumentando ou reduzindo as reservas internacionais; a venda de dólar com compromisso de recompra posterior; e os inovadores swaps cambiais ou swaps reversos, que equivalem a compromisso de venda ou compra de dólar no futuro e, tendo como contrapartida, receber ou pagar juros básicos ao investidor.

O papel das intervenções é basicamente o de corrigir distorções de curto prazo que prejudicam a formação de preços no mercado cambial, gerando saltos nas cotações e dinâmicas nos preços descolados dos fundamentos domésticos e do que ocorre nos mercados mundiais. Importante lembrar que o mercado financeiro é vulnerável a situações de euforia e pânico e ao “efeito manada”, que é quando o operador do mercado toma uma decisão seguindo os demais, a despeito de suas convicções divergirem, por temer estar errado e perder dinheiro sozinho.

Falar é fácil, difícil é fazer. É complicado diagnosticar o quanto a dinâmica do mercado reflete ajustes naturais a eventos não esperados ou distorções que demandam ação dos bancos centrais. Há complexos fatores técnicos necessários para definir a estratégia de intervenção – momento, duração, dosagem e instrumento –, como a dinâmica dos preços, a liquidez dos mercados, o sentimento de investidores e o cenário externo.

Bancos centrais também não podem fechar os olhos a fraquezas domésticas, que tornam mais difícil a tarefa de evitar excessos de depreciação do que de valorização da moeda, como mostra a experiência de países emergentes. Em uma economia com fundamentos frágeis, como contas públicas e externas desequilibradas, não convém forçar a queda da cotação do dólar. Sua oscilação é peça importante para o ajuste da economia.

Um ativismo excessivo em um mercado tão fluido e impactado por amplo leque de fatores não é boa ideia. Pode trazer mais incertezas e, portanto, pressão cambial, por exemplo ao reduzir as reservas internacionais em momentos de estresse e ao sugerir o temor da autoridade monetária com o enfraquecimento da moeda ou mesmo uma maior preocupação com o quadro econômico. A política pode se mostrar inócua ou, pior, contraproducente, gerando resultados diferentes do desejado e custos fiscais desnecessários.

A nova gestão do Banco Central tem exibido um perfil mais intervencionista, inclusive retomando as vendas de dólar no mercado à vista. É possível que a intenção seja também de reduzir o volume de reservas internacionais, visando a redução de custos fiscais. Talvez não seja um bom momento.

É natural que as novas ações do Banco Central gerem ruídos no mercado cambial. Isso exige maior capacidade de comunicação da autoridade monetária. Convém evitar ruídos desnecessários em quadro já tão complexo.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif || Não alimente o Leviatã

O Brasil deveria criar um fundo para evitar o mau uso da receita do petróleo

O Brasil está diante de uma riqueza imensa de petróleo da camada do pré-sal a ser explorada nos próximos anos. O especialista Adriano Pires estima uma receita na casa de US$ 750 bilhões em 15 anos. O ministro Paulo Guedes apontou algo nessa mesma magnitude: entre US$500 bilhões e US$ 1 trilhão no mesmo período. A intenção do governo federal é garantir a repartição desses recursos com Estados e municípios.

É crucial evitar que os recursos sejam gastos com despesas correntes. Utilizar uma riqueza finita (um recurso não renovável que já vem sendo paulatinamente substituído por outras fontes de energia mais sustentáveis) com despesas que não geram crescimento econômico futuro é receita para o desastre.

O Estado do Rio de Janeiro é exemplo de fracasso nesse quesito: tem usado há anos os recursos dos royalties de petróleo para cobrir o rombo na Previdência estadual, em vez de fazer reformas.

Exemplos semelhantes não faltam entre municípios. Muitos tornaram-se mais dependentes desses recursos e não colheram avanços nos indicadores econômicos e sociais.

Segundo a imprensa, o Ministério da Economia pretende enviar uma proposta ao Congresso vedando o uso dos royalties para o pagamento da folha, devendo ser usados para investimentos e para pagar dívidas com a União e precatórios judiciais. A motivação é clara: a tentação para usar os royalties para pagar as despesas crescentes com a folha é elevada.

Na bonança, Estados e municípios elevaram bastante o número de funcionários públicos e promoveram aumento generoso de salários. Com o envelhecimento populacional, os gastos com inativos crescem rapidamente, pressionando os orçamentos públicos. Segundo o Tesouro Nacional, o déficit previdenciário dos Estados atingiu R$ 101,3 bilhões em 2018.

O Brasil deveria seguir a experiência mundial e criar um fundo de estabilização soberano para evitar o mau uso da receita do petróleo. Países vizinhos já o fizeram: o Chile em 1985 e a Colômbia em 2011.

A ideia é poupar a receita da exploração (riqueza explorada que ganha liquidez) e gastar apenas a renda decorrente (rendimento do fundo). Na década passada, houve proposta de criar um fundo soberano com recursos do pré-sal aplicados no exterior, que é o que fazem os demais países. Infelizmente a ideia não prosperou.

São várias as motivações para um fundo soberano:

Primeiro, por uma questão de justiça intergeracional. Não é justo as gerações atuais se beneficiarem de uma riqueza natural que deveria ser de todos.

Segundo, para evitar que os gastos públicos tenham caráter pro-cíclico, conforme a oscilação de preços do recurso natural, com repercussões sobre o equilíbrio fiscal e a oferta de serviços públicos nas fases de baixa na receita. Na mesma linha, para afastar o risco de elevada dependência do orçamento público no recurso não renovável.

Terceiro, para preservar um ambiente macroeconômico estável, afastando o risco de excessos e bolhas nos mercados. Vale pontuar que a economia brasileira já é bastante sensível ao ciclo de preços de commodities. A desaceleração mundial em curso e seu impacto no Brasil servem de alerta.

Quarto, para afastar a chamada doença holandesa, que traz dificuldades para os demais setores, particularmente os mais sensíveis à concorrência externa. O termo se refere ao efeito da descoberta de gás natural na Holanda na década de 1960 e da escalada posterior de seu preço sobre o influxo de recursos externos e a cotação do florim, cujo fortalecimento contribuiu para a desindustrialização daquele país.

Finalmente, seria desejável reduzir a dívida pública para níveis mais próximos dos registrados em países parecidos, visando à reconquista do grau de investimento.

Em tempos de grave crise fiscal e da constante tentação para a busca de atalhos e artifícios que aliviem as contas públicas, como agora na discussão do “Pacto Federativo”, convém evitar promessas de recursos sem estabelecer contrapartidas ou regras para os gastos. O Leviatã é perigoso.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Contenha o entusiasmo

O BC parece esperar demais da reforma; é preciso lembrar que o risco fiscal seguirá elevado

Uma das mais importantes políticas públicas nos países é a Previdência Social. E é natural que assim o seja. Aposentadoria é assunto sério demais para dispensar a ação estatal. Os seres humanos nem sempre são racionais, sendo suas escolhas também baseadas em fatores subjetivos, como o valor dado ao status social. Assim, os indivíduos podem escolher consumir bastante hoje e não poupar para a aposentadoria. O resultado seria a pobreza na velhice. Esse é um problema enfrentado pelo Japão, onde as regras previdenciárias são muito restritivas.

Por outro lado, a Previdência pública pode se tornar um desincentivo à poupança dos indivíduos, por conta de renda previdenciária (valor presente da soma dos benefícios descontada a contribuição) elevada. Além de deprimir a poupança privada, reduz a poupança do governo, devido ao peso dos gastos com aposentadorias e pensões no orçamento público.

O impacto da aposentadoria na poupança privada não é um assunto bem estabelecido na literatura econômica, nem mesmo nos modelos teóricos. Um problema central é que nem toda poupança dos indivíduos visa ao consumo na velhice, decorrendo também de fatores como as limitações para acesso ao crédito (indivíduos poupam para adquirir bens ou pagar a educação dos filhos), a insegurança sobre o recebimento da aposentadoria pública no futuro e o desejo de deixar herança.

As evidências empíricas tampouco são conclusivas, sendo que os diferentes regimes previdenciários nos países dificultam identificar de forma robusta a direção e a magnitude do impacto.

No Brasil, é bastante provável que a Previdência reduza a poupança dos indivíduos, por ser muito generosa. A taxa de reposição é elevada e destoa da experiência mundial. Segundo Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery, as aposentadorias equivalem a 70% do salário para aqueles com salários elevados e 85% para os salários menores. Esse quadro decorre, principalmente, da vinculação dos benefícios ao salário mínimo, que por sua vez teve importante valorização desde a gestão FHC.

Ocorre que a reforma da Previdência, provavelmente, não vai alterar sensivelmente esse quadro, pois boa parcela da sociedade, justamente a que poupa menos, não será afetada. Segundo Nery, 60% da população será preservada, o que inclui trabalhadores rurais, idosos no Benefício de Prestação Continuada (BPC), servidores públicos estaduais e municipais. Além disso, o economista aponta que trabalhadores urbanos mais pobres continuarão conseguindo 100% de reposição na aposentadoria, mesmo com o tempo mínimo de contribuição de 15 anos.

Em relação à poupança do governo, esta não se elevará tão cedo. Pelo menos não neste mandato presidencial. Isso porque, por alguns anos, os gastos da União com a Previdência vão apenas se estabilizar como proporção do PIB. Os gastos totais provavelmente aumentarão, pois Estados e municípios não foram contemplados na reforma e terão de fazer as próprias reformas caso não avance essa discussão no Congresso.

Fosse a reforma mais ambiciosa, tal que os gastos previdenciários como proporção do PIB convergissem para patamares mundiais, levando em conta a demografia, talvez fosse possível elevar a poupança na economia. Samuel Pessôa e Carlos Eduardo Gonçalves calculam que, nessa situação, a taxa de poupança seria 5 pontos porcentuais maior em relação ao patamar atual. Não é o caso dessa reforma.

Talvez seja precipitada, portanto, a avaliação do Banco Central de que a reforma da Previdência vai gerar um aumento da taxa de poupança e a consequente redução da taxa de juros estrutural (aquela que mantém a inflação estável). Apesar de corretamente pontuar a contribuição do menor risco fiscal para a queda da taxa de juros estrutural – sem a reforma o crescimento dos gastos e da dívida pública seria explosivo –, o BC parece esperar demais da reforma.

Há razões para celebrar, mas sem perder de vista que o risco fiscal seguirá muito elevado.

*Economista-chefe da XP investimentos


Zeina Latif: O novo normal da Selic

BC pode estar mais confiante ou vendo uma janela para cortes futuros em meio a incertezas

Inflação acima da meta e taxa de juros básica de dois dígitos ficaram para trás. O Brasil, aos poucos, supera esse obstáculo ao crescimento. Pena que tardiamente – os países vizinhos da costa do Pacífico há muito operam com juros baixos – e já no fim do bônus demográfico. Este exigirá maior esforço para o País crescer, pois o crescimento da população idosa, fora do mercado de trabalho, já supera o populacional.

O valor que a sociedade atribui à inflação baixa é exemplo de avanço institucional no País, no sentido mais amplo utilizado por Douglass North. A aprovação da reforma da Previdência pode ser vista como reflexo desse amadurecimento. A classe política – destacadamente o “Centrão” – compreendeu a ligação entre desequilíbrios fiscais e inflação. Não convém colocar toda a culpa do atraso nos políticos. Muitos centros acadêmicos pregam que a inflação mais elevada não é um problema e que os juros altos decorrem de incompetência e interesses escusos do Banco Central, enquanto desconsideram a importância da disciplina fiscal.

A inflação está praticamente estável, oscilando conforme a ocorrência de choques, benignos ou adversos; neste último caso, com efeito menos persistente em comparação ao passado. Exemplos disso foram a rápida superação da alta da inflação causada pela greve dos caminhoneiros e os choques de energia e alimentos no início deste ano. Trata-se de um sinal muito favorável.

Não foi sempre assim. No governo Dilma, pressões transitórias, como na inflação de alimentos, acabavam contaminando outros itens da cesta de consumo, como serviços. Os choques adversos tinham impacto expressivo e duradouro. O que mudou desde então foi o avanço da agenda fiscal aliada aos ganhos de credibilidade do BC.

Isso não significa que a inflação nunca mais subirá ou gerará necessidade de juros mais elevados adiante. Afinal, o desafio fiscal dos próximos anos é grande e a tendência é de redução da ociosidade de fatores (máquinas, infraestrutura e mão de obra) na economia. Mas vale celebrar a retomada da agenda de ajuste fiscal e as consequências benignas sobre a inflação.

Esse quadro vem permitindo a inflação doméstica se beneficiar da inflação mundial mais baixa. Com a política econômica equivocada do passado, isso não era possível.

As taxas de inflação ao redor do mundo seguem ciclos parecidos, ainda que com diferentes patamares, refletindo a própria sincronia dos ciclos econômicos. O Brasil passou anos descolado desses ciclos e com a pior combinação possível: economia fraca e inflação elevada. Surfar a onda mundial não é para todos. Precisa haver acertos internos.

A inflação mundial caiu, inclusive nos países emergentes. Nota-se empiricamente, nesta década, uma menor sensibilidade ao desemprego em queda, que poderia ser fonte de inflação. Além do papel da tecnologia e da globalização, que elevam a competição na economia, é importante considerar a desaceleração do comércio mundial, que reduz a pressão sobre preços de commodities e insumos.

Nesse contexto, abriu-se espaço para nova queda de juros pelo BC, especialmente com o menor risco de uma reforma da Previdência muito tímida, ainda que a exclusão de Estados e municípios preocupe bastante e outras medidas de ajuste fiscal sejam necessárias nos próximos anos para permitir o cumprimento da regra do teto (os gastos públicos não podem aumentar além da inflação).

A dosagem de corte de 0,5 ponto porcentual, levando a taxa Selic para 6% ao ano, e não um 0,25 ponto porcentual, mais cauteloso, sugere um BC confiante em sua estratégia ou talvez enxergando uma janela de oportunidade para reduzir os juros em meio a incertezas futuras.

Pode haver divergências quanto ao espaço para cortes da Selic. De qualquer forma, juros mais baixos de forma consistente podem ajudar no avanço de reformas que estimulem o investimento e ganhos de produtividade.

Precisamos pavimentar o caminho do crescimento, pois este não virá apenas pelos juros baixos.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Cair na real

A fraqueza da economia não é conjuntural e transitória, mas sim estrutural

Em meio a doses de desânimo em relação ao quadro econômico, muitos questionam quando será possível uma arrancada do crescimento. A resposta passa pela compreensão do porquê o Brasil está estagnado.

Fazer diagnósticos não é tarefa fácil e há muitas divergências entre os economistas. Alguns dão mais peso a choques de curto prazo, como a Argentina ou a greve dos caminhoneiros no ano passado. No entanto, estivesse a economia mais sólida, choques adversos teriam impacto mais modesto e transitório.

Outros apontam para a mudança da política econômica nos últimos anos, com o corte dos gastos públicos e do crédito dos bancos estatais. Seria como uma crise de abstinência pela falta dos impulsos econômicos promovidos no passado, sem uma compensação tempestiva do setor privado.

Sem dúvida, há setores que sentem bastante o menor protagonismo estatal, como a construção civil. O segmento habitacional, por exemplo, sofre com o encolhimento do Minha Casa Minha Vida, que era responsável por mais de 70% da oferta de moradias. Vale também colocar na conta os grandes projetos de infraestrutura. Ocorre que foi a mudança do regime de política fiscal que permitiu taxas de juros do Banco Central inéditas no País, produzindo a recuperação paulatina do crédito e o crescimento do mercado de capitais.

Ainda que esses fatores acima possam ser relevantes para compor o quadro de estagnação, não seriam a razão principal para a fraqueza da economia. A importância excessiva dada a eles acaba sendo justificativa para a defesa de estímulos de curto prazo, como a liberação do FGTS.

É crucial, porém, que essas políticas estejam inseridas em um contexto mais amplo de reformas estruturais, para evitar desperdício de recursos e de tempo. Isso porque o grande problema da economia brasileira é estrutural, com encolhimento do potencial de crescimento. Pelas estimativas do economista sênior da XP, Marcos Ross, ele seria atualmente ligeiramente inferior a 1%, ante em torno de 3,5% na média das gestões FHC e Lula.

Foram muitos recursos públicos gastos de forma ineficaz, como o crédito subsidiado para setores que poderiam acessar o mercado de capitais e sem impor contrapartidas de metas de investimento; renúncias tributárias setoriais, em vez de se promover a inovação e o treinamento da mão de obra para todos os setores; projetos questionáveis de infraestrutura, etc. Além disso, houve aumento da insegurança jurídica, em função das frequentes mudanças de regras do jogo, como na tributação e em regulações de setores. O resultado é a infraestrutura insuficiente e deteriorada, mão de obra pouco qualificada, parque produtivo obsoleto e problemas de gestão das empresas, que sofrem com o custo Brasil.

Os problemas não param aí. O difícil ambiente de negócios gera distorções na estrutura produtiva, pois é barreira natural para entrada de novas empresas em muito setores e ameaça as médias empresas existentes. O resultado é a maior concentração nos setores, prejudicando os consumidores. Além disso, estimula-se a informalidade, reduzindo a produtividade da economia.

Há analistas que depositam excessivo otimismo no avanço das reformas. Um ambiente econômico estável contribui certamente para o avanço da agenda econômica (gastamos tempo demais discutindo a taxa Selic), mas não é automático. É necessário esforço reformista, o que não é fácil. Basta notar as idas e vindas de anúncios do governo, como a redução das tarifas de importação de bens de capital e informática. E não será uma reforma sozinha que permitirá a aceleração do crescimento ao menos para o patamar mundial (3,5%), como no passado. Não há bala de prata.

Vamos encarar os fatos. Não há milagre para gerar uma arrancada de crescimento. A fraqueza da economia não é conjuntural e transitória, mas sim estrutural.

Caberá ao governo Bolsonaro avançar na agenda de reformas, com a ingrata realidade de que o grosso do benefício poderá ficar para uma próxima administração.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Responsabilidade compartilhada

Houve esforço na reforma para reduzir as diferenças entre o regime do setor privado e o regime próprio dos servidores da União

A reforma da Previdência tem muitos méritos. O principal é estabelecer a idade mínima de aposentadoria para (quase) todos (servidores públicos estaduais e municipais não foram incluídos). Atualmente, apenas os mais humildes, que não conseguem comprovar o tempo mínimo de contribuição à Previdência, se aposentam por idade.

Não é possível dizer que foi a reforma “possível”, pois o governo evitou temas polêmicos, como igualar a idade de aposentadoria de mulheres e homens, e defendeu corporações.

Houve esforço para reduzir as diferenças entre o regime do setor privado e o regime próprio dos servidores da União. Elevou-se a idade mínima no caso geral, em linha com o setor privado (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), mas com idade menor para professores (57/60) e policiais (55), e com regra de transição mais suave para quem ingressou no setor público antes de 2003 (idade mínima de 55/60 e a possibilidade de integralidade do valor da aposentadoria), grupo que representa significativos 45% do total de servidores.

A diferença entre as regras do setor público e do setor privado foi reduzida, mas não satisfatoriamente; e reconhecendo que a eliminação completa, sujeita a judicialização. Computando todos os ajustes feitos na proposta do governo, a Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que a desidratação no regime próprio da União é de 45%. No regime geral do setor privado foi menor, de 15%.

No entanto, a crítica que o presidente Bolsonaro falhou no combate à desigualdade precisa ser ponderada. É importante reconhecer que os mais pobres foram mais preservados, com o ajuste pesando mais sobre os mais privilegiados.

Vale lembrar que melhorar a distribuição de renda não foi pauta da campanha de Bolsonaro. Seu foco foram as classes mais favorecidas, que é, por sua vez, quem melhor aprova o governo e exibe aumento de aprovação desde o início do ano, segundo a pesquisa da XP.

A Câmara também procurou reduzir a desigualdade. Houve a preservação da vinculação dos benefícios ao salário mínimo, sendo retiradas as mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), ainda que ajustes fossem necessários em ambos. Afinal, segundo relatório do Banco Mundial, 76% dos beneficiários de aposentadoria rural e 70% do BPC pertencem ao grupo dos 60% mais ricos da população, isso já contabilizados os benefícios. Há provavelmente um problema de falta de focalização desses programas, pelo seu desenho, bem como por decisões judiciais e irregularidades, que é o foco da MP 871.

Quem decepcionou mesmo foi uma parcela da esquerda, justamente onde se espera maior sensibilidade social. Não por terem votado contra a reforma, pois isso faz parte do jogo democrático, mas por não defenderem a inclusão de Estados e municípios e por terem feito propostas para suavizar regras de grupos mais favorecidos.

Para citar alguns, o PSOL apresentou destaque para suprimir as necessárias mudanças na regra de abono salarial. Segundo pesquisa do Banco Mundial, 67% dos benefícios são dirigidos aos 60% mais ricos. O Podemos e o PDT propuseram regras mais brandas para o funcionalismo e o PT propôs mudanças no cálculo de pensões por morte, apesar da enorme distorção das regras (reposição de 100% da renda), que aumentam a renda per capita da família, o que destoa da experiência internacional.

Todas as medidas com custo significativo para os cofres públicos. Felizmente, foram rejeitadas.

Uma reforma mais dura, e que contemplasse Estados e municípios, seria melhor para a população mais pobre que depende dos serviços públicos, cujo orçamento é comprimido pelo aumento das aposentadorias. Faltou também um olhar para o grupo mais humilde que tem pouco tempo de contribuição (subiu para 40 anos para ter direito ao benefício integral).

Há ainda o desafio de aprovar a reforma em segundo turno na Câmara e, também, no Senado. Que não tenhamos mais sustos.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: O país do debate difícil

O avanço da agenda de reformas estruturais esbarra nos velhos hábitos

O debate econômico no Brasil evolui muito lentamente, e muitas vezes sofre retrocessos. No governo Dilma, por exemplo, velhas experiências fracassadas de intervencionismo estatal foram retomadas. A ideologia e o consequente distanciamento da boa prática na gestão de políticas públicas contaram com o apoio de parcela do setor privado que se beneficiou dos estímulos e proteções do governo. Deu errado. Assim como o governo militar deixou como legado a “década perdida” de 1980, Dilma produziu mais uma nos anos 2010.

Um sinal da baixa maturidade do debate público no País é que foi necessária uma grave crise econômica, sucedida de mais um impeachment, para retomarmos uma agenda econômica mais racional e cuidadosa.

Na raiz deste pouco amadurecimento há o estado patrimonialista, que oferece sua mão mais generosa para grupos organizados que têm maior participação nas políticas públicas e no orçamento, tanto nos gastos, como nos benefícios tributários. A mão perversa (a fatura) fica para o restante da sociedade.

Os grupos privilegiados se organizam para manter seu status quo, congestionando o debate público e resistindo a reformas. O resultado é um país que cresce pouco e sofre com a desigualdade de oportunidades. Não por acaso, temos uma classe média pouco instruída e com reduzida participação política e outros tantos pobres vivendo em condições indignas.

A reforma da Previdência avança no Congresso, mas com pelo menos 20 anos de atraso na comparação internacional. Outras reformas estruturais parecem ainda distantes.

Há décadas especialistas apontam a necessidade de uma reforma tributária, que só agora entra no radar. Os diagnósticos são claros: é necessário diminuir a complexidade e a cumulatividade (imposto incidindo em cascata sobre a cadeia produtiva) do sistema atual, de forma a reduzir também a insegurança jurídica. É crucial substituir o ICMS por um imposto sobre o valor agregado (reformá-lo tornou-se inexequível). Sua complexidade, decorrente das diferentes legislações em cada Estado, gera perdas de arrecadação, distorções alocativas (decisões de investimentos produtivos nos estados são distorcida por benefícios tributários) e enorme contencioso tributário.

O caminho da reforma tributária, que deveria ser prioridade do governo após a reforma da Previdência, não será fácil, pois o debate público está atrasado, havendo propostas demais de reforma e consenso político de menos.

O projeto mais ambicioso e sólido tecnicamente é o liderado pela Câmara de Deputados (do relator Baleia Rossi), que prevê a criação de um imposto sobre o valor agregado (imposto sobre bens e serviços, IBS), reunindo os cinco impostos indiretos nas três esferas de governo. Essa reforma não conseguirá corrigir todas as distorções e injustiças do sistema tributário, mas seria um passo largo para atacar questões urgentes.

Os sinais do governo, no entanto, têm sido de propor uma reforma alternativa, com um imposto sobre o valor agregado no nível federal apenas, além da equivocada proposta de um imposto sobre operações financeiras.

O movimento Brasil 200 vai mais longe ao propor a criação de um imposto único sobre operações financeiras com alíquota elevada, de 2,5%. Trata-se de um tributo regressivo (pesa mais sobre os mais pobres, cujo consumo consome maior parcela da renda), que aumenta a cumulatividade do sistema, penalizando os setores com cadeia produtiva mais longa, dentre outros problemas. Os defensores acreditam que cairia a carga tributária, o que é equivocado. A carga total continuaria a mesma, alterando, na verdade, sua divisão. Sob certas circunstâncias, poderia haver uma redução da carga sobre alguns setores. Porém, aumentaria em particular a tributação sobre o consumo e as exportações, por ser um imposto que é repassado ao consumidor final.

O Brasil retomou a agenda de reformas estruturais do governo Temer, após dez anos de retrocessos e paralisia. Seu avanço, no entanto, esbarra nos velhos hábitos.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Sinais confusos

Com a saída de Levy do BNDES, sacrificou-se um quadro técnico preparado

O comportamento do PIB brasileiro calculado mensalmente pelo Banco Central – 2% abaixo do fechamento de 2018 em abril, já descontado o padrão sazonal – sinaliza uma economia que voltou a encolher, coincidindo com a queda da confiança dos empresários. Diante desse quadro, o setor privado aguarda as indicações do governo quanto à agenda econômica para o Brasil voltar a crescer. Os últimos sinais, porém, foram na direção contrária.

O presidente Bolsonaro defendeu a criação de uma moeda única com a Argentina. Uma boa ideia, mas apenas para aquele país. Apesar de a crise fiscal no Brasil ser grave, a inflação está baixa e as reservas internacionais são elevadas, situação oposta à argentina. Uma moeda única implicaria juros mais elevados dos que os praticados atualmente pelo Banco Central. Certamente, esse tema não irá prosperar, devido aos ambientes econômicos tão distintos dos países. No entanto, a fala do presidente não foi um bom sinal, pois sugere a ausência de clareza dos problemas econômicos.

Outra notícia negativa foi a não inclusão de mudanças de regras para aposentadoria de servidores de Estados e municípios no relatório da reforma da Previdência apresentado na Comissão Especial da Câmara. Os Estados enfrentam, em diferentes graus, grave crise fiscal, principalmente por conta de gastos elevados e crescentes com a Previdência.

Apesar de o relatório não ser obra do Executivo, este tem sim responsabilidade sobre seu conteúdo. Faltou mais empenho do governo na coordenação e no diálogo com os governadores, de forma a buscar soluções majoritárias. Aparentemente, o governo julgou que incluir os entes subnacionais reduziria as chances de aprovação da reforma. O próprio Bolsonaro afirmou que o tema da Previdência dos entes subnacionais era problema do Congresso. Este raciocínio ignora os riscos fiscais no nível federal decorrentes da crise dos Estados. Desconsidera também que o colapso dos serviços públicos impacta a aprovação do governo e que a diminuta capacidade de investimento dos Estados pesa no crescimento da economia.

Além disso, o relatório embutiu temas alheios à Previdência, como o aumento da tributação de bancos, com a justificativa de que isso agradaria a sociedade. Elegeu-se um vilão para ser penalizado, sem qualquer estudo técnico e diagnóstico respaldando a decisão. Isso faz mais mal do que bem para o crescimento.

O Brasil precisa de reforma tributária, e não de improvisos para ajudar a pagar as contas. Sem contar que a decisão não afeta o cumprimento da regra do teto, que impõe limite ao crescimento dos gastos, independentemente do comportamento da arrecadação.

Essa decisão aumenta a imprevisibilidade do sistema tributário, enquanto o setor privado se ressente com as mudanças frequentes de regras do jogo, sem critérios. Ainda que não tenha sido decisão do governo, este deveria se colocar frontalmente contra a medida. Ao não fazê-lo, é natural que outros segmentos do setor privado temam novas medidas tributárias contra seus setores. Mais uma fonte de incertezas.

Novos ajustes na proposta de reforma da Previdência poderão ocorrer até a votação no plenário da Câmara, possivelmente no segundo semestre. Que se evitem decisões equivocadas para garantir o emblemático R$ 1 trilhão de impacto fiscal no nível federal. Não é apenas o valor que importa.

Em outra frente, não foi nada alvissareira a decisão de forçar o pedido de demissão de Joaquim Levy do BNDES. Sacrificou-se um quadro técnico preparado, com reputação mundial e que iniciou as chamadas “despedaladas” do banco quando ainda era ministro da Fazenda de Dilma. Parece faltar ao Planalto a compreensão sobre as dificuldades técnicas e da burocracia para conduzir essas políticas.

Esses erros do governo denunciam alguns problemas de diagnóstico sobre o baixo crescimento do País que precisam ser resolvidos para que se defina a agenda pós reforma da Previdência.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Miopia

Os mercados estão excessivamente otimistas quanto ao espaço para políticas anticíclicas nos países

O ambiente internacional é um importante elemento para permitir a travessia do Brasil sem maiores sobressaltos até a aprovação de reformas estruturais e a volta do crescimento econômico. A estagnação da economia torna o País mais vulnerável a ventos de proa do cenário mundial. Basta lembrar as consequências da alta do dólar e dos derivados de petróleo no ano passado, que culminaram na grave paralisação dos caminhoneiros.

Em dezembro do ano passado, discuti que 2019 seria, provavelmente, mais um ano de desaceleração do crescimento mundial. Retorno ao tema, pois novos elementos estão presentes. Alguns mais preocupantes e outros até positivos.

O ritmo de desaceleração global ganhou ímpeto nos últimos meses. Pior, os sinais recentes são de quase estagnação na produção industrial e no comércio mundial, tanto em economias avançadas, como emergentes, cuja performance atual nem de longe lembra a do passado. Não restam dúvidas que a guerra comercial EUA-China e as decisões equivocadas de Donald Trump de isolar os EUA dos parceiros comerciais cobram seu preço. Enquanto isso, a Europa, com escassez de lideranças fortes, não consegue fazer o contraponto.

A fraqueza do comércio mundial é preocupante porque, aliada às incertezas globais, implica menos investimentos e inovação e, portanto, menor potencial de crescimento do mundo.

A desaceleração na China segue, apesar das várias políticas de estímulo – monetária, creditícia, fiscal, regulatória – conduzidas desde meados do ano passado. A cada rodada de indicadores econômicos mais fracos, novos estímulos são anunciados.

Ainda que essas medidas venham a ser bem-sucedidas em compensar o impacto da guerra comercial, que penaliza as exportações chinesas (20% do PIB), não se pode desconsiderar que fatores estruturais e duradouros também produzem a desaceleração econômica, como a demografia (envelhecimento da população), o menor êxodo rural e a mudança paulatina de modelo econômico.

De quebra, a China enfrenta a chamada armadilha da renda média. Atingir patamares mais elevados de renda per capita exigirá reformas estruturais pró-mercado, reduzindo a intervenção estatal.

Importante ponderar que um acordo para pôr fim à guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo talvez não ocorra tão cedo e quando ocorrer, talvez seja em etapas, enquanto a disputa tecnológica veio para ficar. Mesmo que Trump não se reeleja, o fato é que se trata de uma agenda de Estado, não de governo, ainda que o presidente norte-americano dificulte bastante o diálogo.

Os EUA também dão alguns sinais de desaceleração. Não está claro o quanto ela é provocada pelo aperto monetário promovido pelo Federal Reserve, que deve ter seu impacto máximo na economia este ano, ou pelo fato de a economia estar operando em seu pleno potencial, o que naturalmente limita o avanço. A taxa de desemprego está nas mínimas históricas e, assim, o custo da mão de obra começa a subir, ainda que sem pressionar a inflação.

Talvez o Fed decida cortar a taxa de juros por conta do efeito da guerra comercial sobre a demanda (consumo e investimentos). Difícil, porém, enxergar grande espaço para corte, pois o conflito comercial provocará também pressão de custos e menor potencial de crescimento. Bloquear importações chinesas produz ineficiências.

A inflação baixa e a existência de instrumentos para tentar conter a desaceleração mundial tem sido um alento aos investidores. Bom mesmo seria se isso não fosse necessário. De qualquer forma, este quadro tem proporcionado baixa volatilidade nos mercados globais, o que poupa os mercados e a economia brasileira de maiores solavancos.

Avalio que os mercados estão excessivamente otimistas quanto ao espaço para políticas anticíclicas nos países e, também, quanto à sua eficácia. Isso não ficará claro tão cedo. Como o horizonte temporal dos mercados é curto, de alguns meses, preserva-se a baixa volatilidade dos mercados, o que, por ora, ajuda em nossa travessia. Não convém, porém, contar com a sorte.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Zeina Latif: Distorções para todo lado

A integralidade da aposentadoria não é justa e o custo tornou-se insuportável

O debate econômico amadurece e hoje há amplo entendimento que a aposentadoria dos servidores pesa muito nas contas públicas, apesar de beneficiar a poucos. Este reconhecimento não é pouca coisa. Com maior pressão social, temos uma oportunidade inédita de mudar as regras da Previdência dos servidores de forma contundente, ainda que não seja possível eliminar completamente as diferenças entre o regime geral do setor privado (RGPS) e o regime próprio dos servidores (RPPS).

Temos assistido às reações de corporações do funcionalismo, como a inclusão de 104 emendas ao projeto de reforma da Previdência, de um total de 277, segundo o Valor Econômico. Essa cifra dá uma dimensão da hiper representatividade dos servidores no Congresso.

Chamando ou não de privilégio, o fato é que as regras para aposentadoria dos servidores são generosas e injustas, não apenas pelo tratamento desigual entre empregados do setor privado e servidores públicos, mas também pela desigualdade dentro do próprio RPPS, com diferentes regras dependendo do ano de ingresso do indivíduo no setor público.

Os que ingressaram antes de 2003 contam com regras de integralidade (aposentadorias equivalentes ao último salário) - e paridade (reajustes em linha com os concedidos aos servidores na ativa) dos benefícios. Se for antes de 1998, há ainda a possibilidade de aposentar antes da idade mínima de 60/55 anos para homens/mulheres. Para 2003 em diante, não há mais as regras acima, mas ainda assim os servidores se beneficiam da regra de cálculo das aposentadorias, que é a média dos 80% maiores salários. Vale lembrar que o funcionário público atinge, via de regra, o topo da carreira rapidamente, inflando o valor das aposentadorias. Já os servidores que ingressaram na União após 2013 (quando foi criado o fundo de Previdência complementar, o Funpresp) estão sujeitos à regra de idade mínima e ao teto da remuneração do RGPS (R$5.646).* Para Estados e municípios, a data de corte depende do ano que se implementou a Previdência complementar, sendo que em muitos casos isso não ocorreu. Além disso, há os regimes especiais para professores e policiais, que representam 56% da folha dos estados.

Há, portanto, grande disparidade de tratamento dos servidores, que, na verdade, já vem dos rendimentos no período ativo, como apontado por Daniel da Silva Barros. Com base em dados da PNAD de 2013, o pesquisador calcula que a desigualdade no setor público é muito superior à do setor privado (índice de Gini de 0,744 e 0,439, respectivamente). Isso se reproduz nas aposentadorias e pensões. Esse quadro provavelmente piorou após a reforma de 2003 O sistema é também muito generoso. Segundo a OCDE, a taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e a média dos salários na ativa) está em 110% no Brasil, mesmo com a alíquota de contribuição previdenciária de 11% para inativos (exceto para os que ingressaram antes de 1993), algo pouco observado na experiência mundial. Na Coreia do Sul, Austrália e México, as taxas de reposição oscilam em torno de 64%.

Uma outra forma de apresentar este ponto é pelo cálculo do subsídio implícito da Previdência, que mede a expectativa de ganho dos inativos vis-à-vis a contribuição (incluindo a patronal) na fase ativa. Segundo o Ministério da Economia, o subsídio do setor público é muito superior à do setor privado, e os subsídios são mais elevados para os contribuintes de maior renda, em ambos os setores. Com a reforma, pretende-se reduzir essas distorções.

A integralidade de aposentadorias não é justa e o custo para sociedade tornou-se insuportável tendo em vista o quanto se compromete as demais políticas públicas. Cabe ao governo divulgar as informações à sociedade e fazer o devido enfrentamento das corporações. Isso é essencialmente papel do Executivo, e não do Congresso. Será que Bolsonaro é “bom de briga”?

(*)Informações obtidas no livro “Reforma da Previdência: por que o Brasil não pode esperar”, de Pedro Fernando Nery e Paulo Tafner.

*Economista-chefe da XP Investimentos