violência

Luiz Carlos Azedo: Quem acha vive se perdendo

“O presidente Jair Bolsonaro está dando mais importância ao próprio achismo do que ao planejamento estratégico com base em estudos e pesquisas científicas”

O trocadilho de Noel Rosa em Feitio de Oração — “Quem acha vive se perdendo/ Por isso agora eu vou me defendendo/ Da dor tão cruel desta saudade/ Que por infelicidade/ Meu pobre peito invade” —, como diria o colega Heraldo Pereira, ajuda a encaixar os fatos da conjuntura. O samba não se aprende no colégio, explica a canção antológica: “O samba na realidade não vem do morro/ Nem lá da cidade/ E quem suportar uma paixão/ Sentirá que o samba então/ Nasce do coração”. Entretanto, governar não é só paixão. Também se aprende no colégio.

O Brasil tem excelentes escolas de administração pública e uma alta burocracia muito bem qualificada, a quem cabe zelar pela legitimidade e consistência técnica das decisões. O achismo na gestão pública é uma perdição, ainda mais num país de dimensões continentais como o Brasil. A escritora norte-americana Bárbara Tuchman (1912-1989) escreveu um livro que trata do achismo e mostra a cegueira dos governantes em momentos decisivos da história: “Os seres humanos, especialmente as autoridades, costumam ser acometidos de um estranho paradoxo: tomar atitudes totalmente contrárias aos interesses da coletividade e, em última análise, a si mesmos, ainda que elas possam parecer o contrário”. Chamou o fenômeno de “a marcha da insensatez”, expressão que intitula seu livro.

A história está cheia de exemplos de decisões desastradas de governantes. A soberba dos papas da Renascença levou a Igreja Católica ao grande cisma protestante. O rei inglês Jorge III, ao tomar medidas extremamente impopulares em suas colônias americanas, impeliu-as a declarar a independência e a fundar os Estados Unidos. A ocupação de Moscou fez Napoleão perder a guerra na Rússia. As coletivizações forçadas de Stálin provocaram uma escassez crônica de alimentos na antiga União Soviética. O Grande Salto Pra Frente de Mao Zedong matou de fome milhões de chineses. A intervenção norte-americana no Vietnã levou os Estados Unidos ao seu maior desastre militar. Aqui no Brasil, recentemente, a “nova matriz econômica” da ex-presidente Dilma Rousseff jogou o Brasil na sua maior recessão e provocou seu impeachment.

O presidente Jair Bolsonaro está dando mais importância ao próprio achismo do que ao planejamento estratégico com base em estudos e pesquisas científicas, realizados para elaborar políticas públicas mais eficientes. As mudanças nas leis de trânsito, por exemplo, são eloquentes quanto a isso. A confrontação da legislação com seus resultados, em termos históricos e estatísticos, mostra que a política estava na direção correta ao desestimular o uso do automóvel e retirar das ruas os motoristas infratores contumazes. Não apenas devido aos indicadores de mortes violentas, mas também por causa do impacto físico e econômico dos acidentes de trânsito no sistema de saúde pública.

Erros estratégicos
O mesmo raciocínio vale para a questão da liberação de venda, posse e porte de armas. O fato de o banditismo ter aumentado devido ao tráfico de drogas não justifica uma política que, em última instância, vai armar os mais violentos. O indivíduo que deseja ter uma arma em casa para se proteger numa situação específica é uma coisa: moradores de zonas rurais, por exemplo; outra, bem diferente, é o sujeito ter uma arma e portá-la nas ruas, simplesmente porque gosta de atirar e pretende fazê-lo se tiver motivação e oportunidade. A maioria dos especialistas em segurança pública é a favor do desarmamento da população. A política correta é desarmar os bandidos (como o nosso Exército fez no Haiti, por exemplo), não é armar quem gostaria de fazer justiça pelas próprias mãos. Além disso, a quebra do monopólio do uso da violência pelo Estado é um risco para a democracia, porque possibilita o surgimento de uma militância política armada, como no fascismo.

Há inúmeros exemplos de achismos desastrosos na condução de áreas específicas do atual governo. É o caso do meio ambiente, onde o desmantelamento da política de proteção ambiental já produziu índices alarmantes de desmatamento na Amazônia, além de reações internacionais à compra de produtos agrícolas brasileiros, por causa da liberação quase que indiscriminada da venda de agrotóxicos. A maior vítima do achismo, porém, é o Censo de 2020, cujo questionário foi enxugado pela nova orientação dada ao IBGE. A alteração da série histórica com relação a diversos indicadores de qualidade de vida da população é uma maneira de varrer para debaixo do tapete nossas desigualdades e iniquidades sociais e pode levar a erros estratégicos graves, com consequências colossais. Cinco dirigentes do corpo técnico do órgão já pediram demissão por causa disso.

As opiniões de pé de ouvido da “bancada da bala”, dos ruralistas e dos caminhoneiros têm mais peso no Palácio do Planalto do que décadas de estudos e pesquisas de cientistas e órgãos especializados, mesmo de estudos de estado-maior das Forças Armadas sobre temas estratégicos para a coesão nacional e o desenvolvimento do país. A última pérola do achismo é o “Peso Real”, a nova moeda que o presidente Bolsonaro anunciou que pretende criar em parceria com o presidente argentino Maurício Macri, que os técnicos do Banco Central (BC), de gozação, já estão chamado de “Sul Real”.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quem-acha-vive-se-perdendo/


Luiz Carlos Azedo: O foco na vida banal

“Um dos focos do governo Bolsonaro é a vida banal, mas com desconstrução de políticas públicas. Talvez o melhor exemplo seja a nova política de armas”

Hoje tem manifestações em defesa da Educação, convocadas por entidades estudantis, associações de professores e partidos de esquerda. O protesto nos dará o tamanho da capacidade de mobilização da oposição ao governo Bolsonaro, com destaque para o PT, com suas bandeiras vermelhas e as palavras de ordem que mais mobilizam o partido: “Lula livre!”. Nem de longe se parecem com as manifestações do dia 15 de maio, que foram uma reação espontânea aos cortes de verbas nas universidades e demais estabelecimentos de ensino federais pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub.

As águas rolaram sob a ponte desde aquelas manifestações, que superaram as de apoio a Bolsonaro. O ministro da Educação sentiu o calor do caldeirão e afrouxou o garrote. O presidente da República aceitou o resultado das eleições na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e nomeou reitora a candidata mais votada, Denise Pires de Carvalho. Houve uma certa descompressão, apesar de o problema do corte de verbas persistir. Embora os protestos tenham conteúdo e mobilizem a comunidade universitária, sinalizarão apenas que a resistência à nova política para a Educação continua, mas não haverá uma escalada de radicalização da sociedade.

No decorrer da semana, as conversas entre o presidente Jair Bolsonaro e os presidentes dos demais poderes serviram para desanuviar o ambiente, mesmo com arroubos do tipo minha caneta é mais poderosa que a sua, para não falar outra coisa. Três vertentes do processo determinam a correlação de forças no Congresso: o mercado, as corporações e a sociedade. O governo também é obrigado a levar em conta o comportamento desses três atores. Quando dois deles se agrupam, o terceiro é que sai perdendo.

Nesse aspecto, as ações do governo vêm sendo pautada pelos interesses do mercado, como sua agenda ambiental, e algumas bandeiras que sensibilizam a sociedade, como a do programa anticrime, de Bolsonaro. A relação com as corporações é tensa por causa da Previdência, mas a tramitação da reforma está apenas começando. Os grandes embates se darão por ocasião das decisões em relação ao regime especial de algumas corporações, como policiais, professores, procuradores, magistrados etc. Aí é que o pau vai quebrar.

Agenda liberal
O falecido professor Milton Santos, notável geógrafo, era um observador da vida banal nas periferias do mundo, ou seja, o dia a dia dos cidadãos afetados pela globalização, com suas desigualdades e grande exclusão. Dizia que a captura das políticas públicas pelos grandes interesses privados acaba por deixar ao relento o cotidiano da população de baixa renda, que se vê obrigada a buscar alternativas de sobrevivência numa espécie de beco sem saída social, porque esses interesses estavam mais voltados para o lucro do que para os objetivos das políticas públicas.

Um dos focos do governo Bolsonaro é a vida banal, mas com desconstrução de políticas públicas. Talvez o melhor exemplo seja a nova política de armas, que promove uma ruptura com a ideia de que o emprego da violência deve ser um monopólio do Estado. Ninguém tem dúvida de que a violência é um dos principais problemas da nossa vida urbana e do campo, a venda de armas como alternativa de autodefesa para a população é uma resposta individualista ao problema, tem foco na vida banal, mas à margem da política pública, porque somente uma minoria tem acesso às armas, com destaque para os mais violentos.

Vários projetos do governo em discussão no Congresso têm repercussão em outros aspectos da vida banal, mas à margem das políticas públicas, alguns com objetivo de desarticular movimentos sociais ou reverter a mudança nos costumes. É uma agenda meio liberal, meio conservadora. Em alguns casos, retira o Estado da mediação dos conflitos, sem pôr nada no lugar para proteger os mais fracos dos abusos e da violência dos mais fortes. Os sinais estão em toda parte, inclusive nas perguntas do Censo de 2020, que serão reduzidas em 32% pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para economizar gastos. A maioria das perguntas versa sobre a vida banal da população, serviam para fundamentar políticas públicas, que estão sendo relativizadas ou mesmo abandonadas.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-foco-na-vida-banal/


Luiz Carlos Azedo: A charada do tsunami

“Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora. Seus eleitores querem um Estado capaz de manter a ordem, mas desprezam os políticos e os partidos”

O presidente Jair Bolsonaro sempre cria uma polêmica ou gera um grande suspense quando participa de eventos ou concede entrevistas tipo “quebra-queixo” (aquelas improvisadas, nas quais é cercado por repórteres e fotógrafos). Dessa vez, foi na saída de um evento da Caixa Econômica Federal (CEF), na sexta-feira, ao comentar as derrotas do governo na comissão especial da Câmara que examinou a reforma administrativa de seu governo. Enigmaticamente, declarou: “Sim, talvez tenha um tsunami na semana que vem. Mas a gente vence esse obstáculo com toda certeza. Somos humanos, alguns erram, uns erros são imperdoáveis, outros, não.” É uma charada.

O que será esse tsunami? Pode ser uma rebordosa de alguma medida já tomada, como o corte de verbas das universidades, que está provocando grandes manifestações de protesto de estudantes, professores, funcionários e pais de alunos, ou o espanto causado, entre os defensores dos direitos humanos e autoridades do setor de segurança pública, pela liberação do porte de armas para cerca de 20 categorias profissionais, como advogados e caminhoneiros, e praticantes de tiro ao alvo. Será que vem por aí uma nova greve de caminhoneiros, um dos segmentos de sua base eleitoral?

Pode ser também alguma coisa ligada ao evento em si, como anunciar a venda dos ativos da Caixa Econômica Federal (CEF), cujas atividades ficariam restritas ao financiamento imobiliário, como pretende o secretário das Privatizações, Salim Mattar. Na quarta-feira, em fala aos jornalistas após a primeira reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Mattar afirmou que é mais fácil para o governo vender participações em empresas, cujo prazo para conclusão do processo varia de 60 a 90 dias, do que a preparação de uma companhia estatal para venda, que demora de seis meses a um ano e meio, de forma a cumprir a legislação e as exigências dos órgãos de controle.

“Desinvestimentos acontecerão mais cedo, mas as privatizações vão acontecer. É uma questão de ajuste”, disse Mattar. Comparou os primeiros meses de gestão à preparação de uma orquestra sinfônica. “Nesses quatro meses de governo, estamos ensaiando para fazer essa orquestra funcionar, e vai funcionar”. Traduzindo, significa fazer uma lipoaspiração nas empresas estatais e mesmo na administração direta, vendendo ativos públicos, como no caso já citado da Caixa Econômica Federal (CEF). O governo planeja, por exemplo, focar o Banco do Brasil no crédito rural e a Petrobras, na exploração de Petróleo, desfazendo-se de outras atividades. Além disso, quer vender milhares de imóveis do patrimônio da União pelo país afora, começando pelos parques nacionais, santuários da nossa natureza.

Fricção política
A agenda do governo está mesmo repletas de temas polêmicos. “Na reforma da Previdência eu deixei mesmo o clima de Fla-Flu. É tudo ou nada”, declarou o ministro da Economia, Paulo Guedes, sexta-feira, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), durante o 31º Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), no centro do Rio, para debater Previdência e macroeconomia. Ao reiterar a urgência das mudanças previdenciárias, o ministro voltou a falar que o governo Temer deu um passo à frente rumo ao equilíbrio fiscal ao estabelecer um teto de gastos, mas não ergueu “paredes” para segurá-lo. Por isso a urgência da reforma da Previdência”.

Voltemos à charada de Bolsonaro? Afora essas agendas, os três temas de muita fricção do momento são a crise na Venezuela, que deu uma desanuviada com a reabertura da fronteira em Roraima; o estresse com os militares, por causa do controle da política de comunicação do governo pelo ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo; e a Operação Lava-Jato, cuja força tarefa costuma retaliar os políticos sempre que seus objetivos são contrariados. As derrotas sofridas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, na comissão especial da reforma administrativa, foram impostas por políticos que estão sendo investigados. Com a volta do ex-presidente Michel Temer à prisão, o julgamento do seu habeas corpus na próxima terça-feira, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), exacerbará essas tensões.

Uma coisa é certa: Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora em relação aos costumes e às políticas públicas, em todas as áreas. Seus eleitores querem um estado capaz de manter a ordem, mas desprezam a política, os políticos e os partidos. É uma contradição: como ter um Estado mais eficiente, ou seja, que cumpra suas finalidades, e renegar os meios oferecidos pela democracia para que isso ocorra: o sistema político? Na democracia é impossível; a dificuldade da democracia representataiva é essa, no mundo inteiro.


Luiz Carlos Azedo: A política noir

“As discussões têm tudo a ver com as polêmicas das décadas passadas, quando o assunto é violência, comportamento, direitos humanos e ideologias”

A política brasileira está parecendo um filme noir, gênero que fez muito sucesso nas décadas de 1940 e 1950, mas que somente foi reconhecido como tal após os anos 1970, consagrando detetives durões e anti-heróis dos antigos filmes policiais. Coube ao crítico francês Nino Frank a classificação do gênero, inspirada no expressionismo alemão e nas pinturas do barroco Caravaggio, cuja técnica claro/escuro era considerada “noir”(preto, em francês).

A atmosfera do filme noir era caracterizada pela iluminação em três pontos: uma fonte de luz para estabelecer as sombras, outra para o contraste com o negro e a terceira, cinzenta. O forte grafismo expressionista era garantido por escadas, persianas, portas e janelas entreabertas e grades de prisão. O Falcão Maltês (1941), Pacto de Sangue (1944), À Beira do Abismo (1946), Fúria Sanguinária (1949), Crepúsculo dos Deuses (1950), A Morte num Beijo (1955) e A Marca da Maldade (1958) são clássicos do cinema noir.

Esses filmes retratavam os conflitos da vida urbana, a violência policial, o crime organizado e a degeneração política, um tipo de crítica política e social que acabou duramente reprimida no período do macarthismo. Seus protagonistas tinham personalidade dúbia, eram cínicos e cruéis. As cenas eram marcadas por um ambiente opressor, perigoso e corrupto, nos quais até os homens de bem eram arrastados pela correnteza do mal. O herói noir é mal resolvido, bêbado, mulherengo, rejeitado pelos filhos, mas não entrega os pontos nem faz acordo com bandido. Era o fracassado capaz de coisas incomuns.

Acusado de “comunista”, o gênero foi banido de Hollywood, mas deu origem aos melhores romances policiais norte-americanos, originalmente publicados em capítulos, nos tabloides sensacionalistas, por escritores que foram roteiristas e precisavam encontrar um meio de sobreviver com seu talento, depois de marginalizados do cinema. Hoje, é um gênero literário reconhecido e copiado mundialmente, com seus grandes autores, como Dashiell Hammett e Raymond Chandler, traduzidos em dezenas de línguas.

Quem acompanha os debates no Congresso, transmitidos pelas tevês Câmara e Senado, verá muitos personagens dignos de um filme noir se digladiando em plenário. As discussões têm tudo a ver com as polêmicas das décadas passadas, quando o assunto é violência, comportamento, direitos humanos e ideologias. É uma espécie de viagem de marcha à ré.

Dá até para organizar um concurso para identificar, na cena política, um personagem como Gilda, a mulher fatal encarnada por Rita Hayworth no filme do mesmo nome. Não precisa ser, necessariamente, uma mulher. Pode ser uma figura como o craque do Botafogo Heleno de Freitas, passional dentro e fora dos campos. Nada mais noir do que o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro sobre a liberação do porte de arma, que foi o assunto do dia no plenário da Câmara e no mercado de ações, por causa da supervalorização, na Bovespa, das ações da Taurus, cujo lobby é representado pela chamada Bancada da Bala.

Cortina de fumaça

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, responsável pelo decreto, reconheceu em audiência que a decisão não foi tomada em razão da política de segurança pública, mas para atender uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro, que se autodefine como “armamentista”. O decreto libera o transporte de armas a político em exercício de mandato, advogado, oficial de justiça, caminhoneiro, colecionador ou caçador com certificado, dono de loja de arma ou escola de tiro, residente de área rural, agente de trânsito, conselheiro tutelar, jornalista de cobertura policial, instrutor de tiro ou armeiro, colecionador ou caçador, agente público da área de segurança pública — mesmo que inativo —, entre outros.

O porte de armas era privativo das Forças Armadas, guardas municipais, polícias civil, militar e federal, guarda prisional, Agência Brasileira de Inteligência, Gabinete de Segurança institucional da Presidência, auditor-fiscal e analista tributário, grupos de servidores do Poder Judiciário. A decisão está sendo questionada por grupos de defesa dos direitos humanos e pela oposição, que a consideram inconstitucional. Todos os estudos indicam que pode aumentar os indicadores de violência, inclusive feminicídios.

No plenário da Câmara, esse debate ofuscou completamente a audiência do ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão Especial que examina a reforma da Previdência. Na prática, a medida do governo, como outras polêmicas criadas pelo presidente Bolsonaro, funciona como uma cortina de fumaça em relação ao seu real engajamento na aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-politica-noir/


El País: Assassinato de mulheres por armas de fogo cresce na maioria dos Estados

Taxa de assassinatos femininos por disparos aumentou em 17 das 27 unidades da federação entre 2006 e 2016, revela o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado

A taxa de mortes de mulheres por armas de fogo (homicídios e suicídios) no Brasil caiu em 2,4% entre 2006 e 2016. Embora pareça trazer uma boa notícia, a redução da violência letal contra mulheres com emprego de arma de fogo, esse número esconde uma situação preocupante: em 17 das 27 unidades federativas foi registrado aumento das taxas de homicídios de mulheres por armas de fogo no período analisado. Esse é o resultado do levantamento realizado pelo Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), do Senado Federal, a pedido da Agência Patrícia Galvão.

Além de revelar uma grave disparidade regional nos registros desses assassinatos de mulheres, o resultado chama a atenção para a importância da análise de dados para orientar decisões relacionadas aos processos de formulação, implementação, avaliação e aprimoramento de políticas públicas.

No caso analisado pelo OMV, quatro dos cinco Estados mais populosos do Brasil apresentaram uma considerável redução na taxa de mortes de mulheres por armas de fogo, seja em razão de homicídios ou de suicídios, entre 2006 e 2016. A queda dessas taxas em São Paulo (-59,2%), Rio de Janeiro (-41,3%), Minas Gerais (-26,5%) e Paraná (-32,2%) ajuda a explicar a redução na ordem de -2,4% do número de mortes por armas de fogo por 100 mil mulheres no Brasil no período considerado. Contudo, esse dado esconde que a maioria dos Estados apresentou um aumento alarmante desses índices. Em Estados como Acre (+524,1%), Maranhão (+182,2%), Ceará (+165,2%), Rio Grande do Norte (+155,5%) e Roraima (+110,6%) verificou-se que a taxa de mortes de mulheres por armas de fogo em 2016 mais do que dobrou na comparação com 2006.

Mais armas, mais feminicídios

A análise desses dados ganha relevância no debate em torno das possíveis consequências de políticas públicas voltadas à segurança das mulheres. O Governo do presidente Jair Bolsonaro tem, por exemplo, na política de flexibilização da posse de armas de fogo um dos pilares para dar maior segurança à população. Coletivos feministas têm alertado para o risco de um aumento do assassinato e suicídio de mulheres em um contexto de violência doméstica e familiar, conforme mostra a campanha #ArmadasDeInformação.

Isso porque, em geral, o autor do homicídio no contexto de violência doméstica é o companheiro da vítima. O coordenador do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado, Henrique Ribeiro, manifesta preocupação de que “o acesso à arma de fogo poderia levar a um aumento no número de suicídios de mulheres em razão de sofrerem violência doméstica”. Ele lembra que um estudo publicado em 2016 pelo Ministério da Saúde já apontou que mulheres identificadas como em situação de violência pelos serviços de saúde apresentaram 29 vezes mais chances de serem vítimas de assassinato ou de cometerem suicídio em comparação com a população feminina em geral.

Dados de fontes seguras sistematizados em séries históricas têm ajudado a dimensionar o fenômeno da violência machista. Segundo Henrique Ribeiro, no caso das mortes de mulheres por armas de fogo, por exemplo, “a análise de informações em nível de município, ou mesmo de bairro, por exemplo, poderiam ajudar o poder público a evitar um maior número dessas mortes”.

Embora estejam sendo produzidas cada vez mais pesquisas que reúnem evidências importantes sobre a urgência e gravidade da violência de gênero, a subnotificação, ou seja, as vítimas que não denunciam casos de violência por medo ou vergonha, é apontada como um dos desafios a serem superados para abordar políticas públicas eficientes. A disseminação de uma cultura de dados abertos é visto como um fator fundamental que órgãos públicos podem facilitar nesse sentido.

Conteúdo produzido pela agência de notícias do Instituto Patrícia Galvão, uma organização feminista que atua nos campos dos direitos das mulheres e da comunicação desde 2001.

INFORMAÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA

O levantamento realizado pelo Observatório da Mulher contra a Violência, a pedido da Agência Patrícia Galvão, é apenas um exemplo simples de como a análise de dados pode ser útil ao desenvolvimento de ações governamentais mais efetivas. Na verdade, quanto mais informações puderem ser consideradas na análise, maiores as chances de se desenharem melhores ações.

Em março de 2019, o OMV lançou o Painel de Violência contra as Mulheresuma ferramenta de consulta que sistematiza dados oficiais de homicídios, notificações de violência doméstica pelos serviços de saúde, ocorrências policiais e processos judiciais relacionados a casos de violência contra mulheres no Brasil e em cada estado nos últimos anos.

Nesse mesmo sentido, o Instituto Patrícia Galvão e o Instituto Avon lançaram em 2018 a plataforma digital Violência contra as Mulheres em Dados, que reúne pesquisas e dados recentes sobre a violência de gênero no Brasil, com foco na violência doméstica, sexual e online, no feminicídio e na intersecção com o racismo e a LGBTTfobia.


O Globo: Perseguição. Pornografia de vingança. Ofensa sexual. A violência contra a mulher cresce nas redes

Pesquisa mostra aumento de relatos de abusos via internet, e mais casos chegam à polícia

Por Paula Ferreira, de O Globo

RIO - A distância física da vítima não é mais uma barreira para os agressores de mulheres. Em ambientes virtuais, elas também são submetidas a violências como insulto, humilhação, ameaça, perseguição e ofensa sexual.

Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Datafolha apontou que os casos de violência contra a mulher praticados via internet aumentaram de 1,2% das 1.051 brasileiras entrevistadas em 2017 para 8,2% das 1.092 mulheres que responderam ao questionário neste ano.

Para o levantamento, as mulheres foram questionadas sobre o tipo de local onde sofreram a violência mais grave nos últimos 12 meses. Em primeiro lugar, aparece a casa (42%); depois, a rua (29,1%); em seguida, lugar indefinido (9%); e a internet (8,2%).

— Podemos sinalizar que há uma ampliação do uso dessas ferramentas. Se antes não tínhamos tantas interações nesse ambiente, agora temos. O crescimento desse espaço virtual como espaço de interação vai reproduzir a vulnerabilidade da mulher à violência como ocorre no espaço público — avalia Cristina Neme, consultora de projetos do Fórum e uma das responsáveis pela pesquisa.

A titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de Duque de Caxias, Fernanda Fernandes, diz que o aumento no número de casos de violência virtual que chega à polícia é significativo. Entre as ocorrências mais comuns estão o “estupro virtual” — quando a vítima é coagida a produzir conteúdo sexual sob ameaça de divulgação de fotos e vídeos — e denúncias de pornografia de vingança, quando o agressor divulga vídeos íntimos das vítimas.

— Depois de alterações na lei no ano passado, tipificando por exemplo a pornografia de vingança, os casos começaram a aparecer. Vivemos em uma sociedade machista, em muitos casos a vítima era culpabilizada. Por outro lado, o aspecto positivo é que, com as redes sociais, passamos a ter a materialidade do crime. A violência doméstica acontece entre quatro paredes e muitas vezes não tínhamos provas, com a internet é importante que as vítimas façam prints desses conteúdos e guardem esses registros — afirma a delegada.

Legislação passou a incluir crime na web
No ano passado, uma lei que alterou o Código Penal tornou crime a importunação sexual — prática sem consentimento de ato libidinoso contra alguém— e também a divulgação de cenas de sexo e pornografia contra a vontade. As penas variam de um a cinco anos e, no caso da pornografia de vingança, pode ser agravada de um terço a dois terços quando o agressor manteve alguma relação de afeto com a vítima.

No caso do estupro virtual, o entendimento passou a ser usado a partir de um a alteração de 2009 no Código Penal, que ampliou o conceito de estupro. Apesar desses avanços, a advogada Tatiana Moreira Naumann afirma que a lei ainda não protege totalmente as mulheres:

— A legislação ainda é muito machista. A mulher tem uma vulnerabilidade muito grande, especialmente nas questões de família. Na disputa judicial, ela vai estar sempre desfavorecida.

Muitas vezes, no entanto, fazer a denúncia não é fácil. Clara* (os nomes das vítimas foram trocados) conta ter sido dissuadida até por advogados de denunciar a agressão que sofreu. Submetida a diversos tipos de violência na web, sofreu os maiores danos após a divulgação de um vídeo íntimo por um homem com quem se relacionou.

A veiculação das imagens ocorreu em 2010, mas até hoje ela não conseguiu retirar o conteúdo de plataformas pornográficas, sendo inclusive chantageada pelos próprios administradores dessas páginas.

— De tempos em tempos, alguém me avisa que viu o vídeo em algum site. A mulher, embora seja a vítima, sempre recebe a culpa. Afinal, por que eu fui tirar a roupa para um desconhecido? Tem ideia de quantas coisas eu deixei de fazer por medo de esse vídeo aparecer? Sou professora, e fico constantemente com medo de que esse vídeo venha à tona e eu não possa mais dar aula para crianças.

Laura sofreu violência parecida. Ela estava na casa do atual namorado quando foi surpreendida por um vídeo publicado por seu ex-marido no Facebook. Na publicação, o ex afirmava que ela havia forjado um abuso sexual contra a própria filha para incriminá-lo. Durante o vídeo, que ficou no ar por dez dias, até uma decisão judicial, ele exibia a página inicial do processo de guarda da filha e desmoralizava a ex-companheira.

— O vídeo circulou, teve mais de 6.500 visualizações, 300 compartilhamentos, e milhares de comentários dizendo que eu deveria estar morta e que eu era um monstro — conta ela, que abriu um novo processo, dessa vez por calúnia, injúria e difamação.


Luiz Carlos Azedo: Quem matou Marielle?

“Há provas suficientes de que o crime foi meticulosamente planejado e executado por profissionais. Não foi por outra razão que o ex-secretário de Segurança Richard Nunes responsabilizou as milícias”

A Polícia Federal realizou ontem, no Rio de Janeiro, uma operação para cumprir oito mandados de busca e apreensão relacionados às investigações do caso Marielle Franco, a vereadora do PSol assassinada numa emboscada, com o seu motorista, Anderson Gomes. O alvo das operações foram os policiais envolvidos nas investigações do caso que, até hoje, não foi elucidado, embora o então secretário de Segurança Pública, general Richard Nunes, tenha, à época, anunciado que as apurações haviam chegado muito perto dos envolvidos. As medidas foram autorizadas pela Justiça Estadual após serem submetidas ao Ministério Público do Rio de Janeiro, mas estão sendo determinadas pelo procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

A origem da investigação é um longo depoimento do miliciano Orlando de Curicica a dois procuradores federais, no Presídio Federal de Mossoró, no qual contou que o responsável pela Divisão de Homicídios, Giniton Lages, esteve no presídio de Bangu para ouvi-lo e queria que confessasse que matou Marielle a mando do vereador carioca Marcelo Siciliano, do PHS. Ambos foram acusados por um policial militar considerado a peça-chave da investigação feita pela Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. No longo depoimento, Orlando acusa a testemunha de ser um miliciano que se desentendeu com ele, disse ter respondido ao delegado Giniton Lages que não tinha envolvimento com o caso e que o delegado teria pedido então para ele acusar o vereador Marcelo Siciliano. “Fala que o cara te procurou, pediu para você matar ela, você não quis, e o cara arrumou outra pessoa. Mas que o cara que pediu para matar ela”, teria dito o delegado. Orlando também descreveu como atuam as milícias no Rio de Janeiro.

No jargão das investigações criminais, não existe crime de mando sem um “bode”. Isto é, alguém que possa ser incriminado por um crime porque teria algum tipo de desavença ou disputa com a vítima. No caso Marielle, há provas suficientes de que o crime foi meticulosamente planejado e executado por profissionais. Não foi por outra razão que o general Richard chegou a responsabilizar as milícias: “Era um crime que já estava sendo planejado desde o fim de 2017, antes da intervenção”, disse à época. “Ela estava lidando em determinada área do Rio controlada por milicianos, onde interesses econômicos de toda ordem são colocados em jogo.”

Quebra-cabeças
No começo das investigações, houve uma operação rocambolesca para prender os supostos responsáveis pela morte de Marielle. Policiais foram despachados para a Zona Oeste do Rio; Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; Petrópolis, na Região Serrana; Angra dos Reis, na Costa Verde; e até Juiz de Fora, em Minas. Em Angra, os policiais ficaram encurralados por traficantes na comunidade do Frade e precisaram da ajuda de policiais militares e de um helicóptero para sair do cerco. Em Juiz de Fora, PMs pararam a equipe para checar quem eram os homens armados que estavam circulando pela cidade, em carros descaracterizados. O delegado Giniton Lages comandou o show.

Na operação de ontem, um dos alvos foi o PM que testemunhou contra Orlando Curicica; outro, o delegado federal Helio Khristian Cunha de Almeida, o primeiro a ter contato com a testemunha, levada a ele pela advogada Camila Moreira Lima Nogueira, também investigada. Após um encontro na Urca, eles decidiram apresentar o PM ao então chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, que encaminhou todos para a Delegacia de Homicídios. Em janeiro passado, cinco pessoas foram presas em uma operação contra as milícias, entre elas o major Ronald Paulo Alves Pereira, suspeito de comprar e vender imóveis construídos ilegalmente na Zona Oeste do Rio, além de crimes relacionados à ação da milícia nas comunidades de Rio das Pedras, Muzema e adjacências, como agiotagem, extorsão de moradores e comerciantes, pagamento de propina e utilização de ligações clandestinas de água e energia. O ex-capitão Adriano da Nóbrega, que está foragido, é outro envolvido no caso.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quem-matou-marielle/


Bruno Boghossian: Marketing da matança deixa país sem rumo no combate ao crime

Cultura de execuções extrajudiciais vira política de segurança, mas não resolve violência

Ao entrar para a política, o ex-juiz Wilson Witzel (PSC) deve ter perdido o hábito de ler os autos antes de dar uma sentença. O governador se antecipou às investigações e declarou que a operação policial que matou 13 pessoas em favelas do Rio, há nove dias, foi “uma ação legítima para combater narcoterroristas”.

Os parentes dos mortos admitem que eles estavam envolvidos com o tráfico de drogas. Dizem, porém, que eles haviam se rendido e foram executados. Nove deles foram mortos juntos, dentro de uma casa. A polícia afirma que não houve ilegalidade, mas prometeu investigar o episódio. Witzel não quis nem fazer o teatro.

O governador só está interessado no marketing do sangue. Comemorou uma operação que não fez nem cócegas nas grandes facções e tentou explorar o caso para fazer propaganda do suposto “rigor” com que pretende agir contra o crime.

Se Witzel acha que essa é a saída para resolver o caos da violência pública e combater o domínio territorial dos traficantes, o Rio está lascado.

O palavrório do governador chancela uma cultura de execuções extrajudiciais até em situações em que não há confronto armado. O pacote de Sergio Moro, que amplia as hipóteses em que policiais podem atirar sem sofrer punição, é um incentivo adicional ao justiçamento.

No ano passado, o governador Camilo Santana (PT) desviou o olhar dos 14 mortos num tiroteio entre policiais e assaltantes de banco nointerior do Ceará. “O fato é que eles estavam preparados para assaltar dois bancos e não conseguiram assaltar nenhum”, celebrou.

Acontece que seis pessoas eram reféns que haviam sido levados pelos oito bandidos. No início, Santana duvidou: “É estranho um refém de madrugada em um banco”. O governador levou três dias para pedir desculpas às famílias das vítimas.

Quem vê coloração partidária nas declarações de Witzel e Santana não percebe que a matança virou método de governo. Nenhum dos dois parece saber para onde está levando a segurança de seus estados.


Luiz Carlos Azedo: Sargento de milícias

“O colapso dos esquemas de corrupção política tradicionais fortaleceu o poder político das milícias fluminenses, que agora rondam o Palácio do Planalto”

O romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, publicado integralmente em 1854, é um manual da picardia característica dos cariocas e fluminenses. Faz uma espécie de “fusion” identitária entre classe média e as camadas populares do Rio de Janeiro, na qual traça o arquétipo da malandragem. Foge das características do romantismo brasileiro da época, porque seu personagem principal, Leonardo, é um cara muito esperto, que se torna sargento graças à proteção de seu padrinho, Major Vidigal. Não é um herói nativista ou patriótico, capaz de servir de paradigma de nobres costumes para construção da identidade nacional, como outros personagens da literatura da época.

Como retrata a vida no Rio de Janeiro por ocasião da chegada de D. João VI e da corte portuguesa, em 1808, foge à regra das histórias baseadas no cotidiano das elites cortesãs, embora também faça a crítica do comportamento delas. É uma mistura de romance picaresco e crônica dos costumes, cuja originalidade e importância aumentam com o tempo, porque mostra características identitárias que se afirmaram como permanentes ao passar dos anos. Coube ao acadêmico Antônio Cândido destacar a importância literária do romance escrito em forma de folhetim e publicado originalmente no Correio Mercantil, entre 1852 e 1853.

No ensaio Dialética da malandragem, um marco da crítica literária no Brasil, Antônio Cândido mostra que o romance de Manoel Antônio de Almeida estabelece um nexo entre a ordem e a desordem, a primeira representada pelo Major Vidigal; a segunda, por Leonardo, mas ambos oscilam entre um polo e outro: ordem e desordem se articulam solidamente, mas “o mundo hierarquizado na aparência se revela essencialmente subvertido, quando os extremos se tocam”. Manuel Antônio de Almeida não faz juízo de valor sobre os personagens, cujas ações certas e erradas se misturam. Na sua obra, como na vida, o bem e o mal se contrabalançam a todo instante.

Entre o bem e o mal

É nesse universo que os extremos são mitigados um pelo outro. Não existe moral no livro, somente as ações e resultados. A leitura do romance ajuda a compreender a complexidade do problema das milícias do Rio de Janeiro, quando nada porque sua origem são as entranhas da força policial criada por Dom João VI logo após chegar ao Brasil, para manter a ordem na nova sede de seu império. Não há rebelião política ou guerra na história do Brasil, desde 1809, na qual a Polícia Militar do Rio de Janeiro não tenha estado presente.

O outro lado da moeda é o achaque, a contravenção e a venda de serviços de proteção por elementos ligados ou oriundos da Polícia Militar fluminense. No caso do Rio de Janeiro, o colapso dos esquemas de corrupção política tradicionais, que operavam na administração direta e nas estatais, momentaneamente, fortaleceu o poder político das milícias, que agora rondam o Palácio do Planalto. Predominantemente formadas por ex-policiais militares, operam na economia informal, principalmente na prestação de serviços de toda ordem: do transporte de van ao gatonet, do fornecimento de gás à cobrança de agiotas, da proteção aos bicheiros à partilha do tráfico de drogas, da receptação de cargas coligadas ao contrabando, da grilagem de terra aos condomínios irregulares, dos serviços de segurança às execuções. Não existe protesto de título em cartório nessa economia informal, a cobrança de dívidas é feita à bala. Não é à toa que os índices de investigação de homicídios são baixíssimos. As milícias do Rio de Janeiro são hoje uma tremenda força política e eleitoral, cujo poderio não deve ser subestimado.

Trairagem

O secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, perdeu o cargo porque teria vazado informações e fotos sobre as relações do clã Bolsonaro com o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de ser um chefão do “Escritório do crime”, grupo de extermínio das milícias do Rio de Janeiro sob investigação do Ministério Público Federal (MPF). Bebianno é aliado de Paulo Marinho, primeiro suplente de Flávio, que caiu em desgraça antes da posse, e do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, quem mais tentou mantê-lo no cargo. No Palácio do Planalto, há muita teoria da conspiração na suposta traição de Bebianno a Bolsonaro.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-sargento-de-milicias/


Luiz Carlos Azedo: Moro e Doria pagam pra ver

“A ‘convivência pacífica’ entre polícia e bandido nos presídio estava possibilitando, frequentes ameaças a promotores e juízes por homicidas confessos, em audiências e julgamentos”

O ministro da Justiça, Sergio Moro, e o governador de São Paulo, João Doria, pagaram para ver a reação do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminosa do país, ao transferir Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e mais 21 chefões do tráfico de drogas das penitenciárias estaduais de Presidente Venceslau e de Presidente Bernardes, no interior do estado, para os presídios federais de Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Brasília (DF), recém-inaugurado na Papuda. Não existe superlotação nem registro de fugas nesses presídios.

Efetivamente, essa é a primeira ação disruptiva de Moro nos presídios, em comum acordo com o governador João Doria, que alfinetou os antecessores ao dizer que esse tipo de medida já poderia ter sido tomada. Segundo o governo paulista, Marcola e seus comparsas estavam planejando uma fuga do presídio, em razão das propostas de endurecimento de penas e do regime carcerário.

A decisão é muito emblemática por causa da crise ocorrida no Ceará, após a transferência dos chefões do crime organizado dos presídios daquele estado para presídios federais — há mais dois: um em Campo Grande (MS) e outro em Catanduvas (PR) —, que são reservados para presos de alta periculosidade e líderes de facções criminosas.

A transferência da alçada estadual para a federal muda o status quo do tráfico de drogas em São Paulo, porque haverá uma desconexão entre os líderes históricos da PCC e toda a poderosa rede de tráfico de drogas, inclusive para o exterior, existente no estado. Além disso, põe fim à “convivência pacífica” entre polícia e bandido nos presídios, que estava possibilitando, inclusive, frequentes ameaças a promotores e juízes criminais de primeira instância por homicidas confessos, em audiências e julgamentos.

Plano de fuga
Segundo relatório dos serviços de inteligência da Secretaria de Segurança de São Paulo, os chefões do tráfico estavam preparando uma fuga espetacular, com utilização de aeronaves, veículos blindados, armamento pesado e homens treinados na Bolívia, inclusive estrangeiros, o que foi determinante para a transferência de Marcola e mais 15 chefões. Outros sete foram transferidos porque comandavam as conexões do PCC em 18 estados e outros países, conforme operação realizada no ano passado. Como houve retaliações do tráfico de drogas às medidas anteriormente tomadas pelo governo paulista para isolar os chefões nos presídios de segurança máxima estaduais, a segurança dos presídios federais para os quais estão sendo transferidos também foi reforçada.

A avaliação das autoridades paulistas é de que o PCC não tentará repetir em São Paulo o que houve no Ceará, porque foram pegos de surpresa, estão sem comunicação com os demais integrantes da organização e também enfrentam disputas com outras facções no Rio de Janeiro, no Norte e no Nordeste, não podendo, por isso, se enfraquecer em São Paulo, num confronto direto com as forças de segurança. Ou seja, Moro e Doria apostaram no enfrentamento da maior e mais poderosa facção do tráfico organizado como passo inicial da política de combate à violência e à criminalidade, sem se deixar intimidar por ameaças.

Ordem unida
De volta a Brasília, a primeira tarefa de Jair Bolsonaro no Congresso será restabelecer a ordem na sua tropa de choque. Além do “barata voa” na bancada de deputados federais, que não se entende, o filho caçula do presidente da República, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, resolveu desmentir publicamente o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que disse, em entrevista, ter conversado três vezes com seu pai sobre o caso da candidata laranja do PSL em Pernambuco, Maria de Lourdes Paixão, que recebeu R$ 400 mil da legenda sem fazer campanha.

Aparentemente, Bolsonaro deu aval ao filho, mas a turma do deixa-disso tenta pôr panos quentes e trata o assunto como coisa banal na política. Não é: trata-se do filho do presidente da República desautorizando publicamente um ministro com assento no Palácio do Planalto. Bolsonaro endossou o filho nas redes sociais e mandou investigar Bebianno.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-moro-e-doria-pagam-pra-ver/

 


GloboNews repercute reportagem da revista Política Democrática Online

Revista da FAP mostrou impactos socioambientais da Belo Monte em série de reportagens especiais

A falta de infraestrutura e a criminalidade na cidade de Altamira, no Sudoeste do Pará, foram destaque do programa GloboNews Especial desse domingo (10). O canal de TV por assinatura repercutiu o mesmo assunto da reportagem da revista Política Democrática online de janeiro. A publicação digital, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), mostrou os problemas urbanos que assolam moradores do município do interior.

» Política Democrática: Reportagem destaca impactos da Usina de Belo Monte em Altamira

Assim como fez a revista Política Democrática online após um trabalho de apuração iniciado em dezembro de 2018, o GloboNews Especial abordou o drama de famílias que ainda vivem em palafitas, construções de madeira sobre áreas alagadiças. O programa destacou o drama de um ex-funcionário da Norte Energia, responsável pela construção e operação da Belo Monte, que vive em casa de madeira. Além disso, a reportagem de TV também mostrou como os moradores de Altamira são vítimas da criminalidade no município.

A reportagem de TV ouviu, entre outros, a fundadora do coletivo Mães do Xingu, Malaque Mauad, que reúne outras mulheres que tiveram filhos assassinados na cidade após a construção da usina hidrelétrica. Malaque já havia sido ouvida, com exclusividade, pela equipe de reportagem da Política Democrática online. O depoimento dela pode ser visto no vídeo produzido pela equipe de reportagem e acessado na própria revista.

A revista editada pela FAP mostrou os impactos socioambientais da Belo Monte na série de duas reportagens especiais Existe vida no Xingu. A primeira delas revelou como o empreendimento tem mudado, drasticamente, o modo de vida e as tradições de comunidades indígenas. Na segunda, a revista contou, ainda, que o empreendimento deslocou moradores de comunidades ribeirinhas para Altamira, colocando parte deles em reassentamentos coletivos sem saneamento básico e rede de tratamento de esgoto.

Leia mais:

» Revista Política Democrática online de janeiro destaca reflexos de suposta corrupção na Belo Monte

» Ameaça da Belo Monte a índios é destaque da Política Democrática online de dezembro


Política Democrática: Reportagem destaca impactos da Usina de Belo Monte em Altamira

Famílias têm sido deslocadas da Volta Grande do Xingu e de palafitas para bairros construídos pelo empreendimento, alvo da Lava Jato

Cleomar Almeida

Investigada pela operação Lava Jato, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e as ações dela, como a criação de reassentamentos urbanos coletivos em Altamira, a 820 quilômetros de Belém, são destaque da revista Política Democrática online de janeiro. A reportagem revela que esses locais têm se tornado grandes favelas no município do interior, com moradores castigados pela falta de infraestrutura adequada, como saneamento básico de qualidade e casas de boa qualidade.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online de janeiro 

A reportagem especial é a segunda e última da série Existe vida no Xingu e traz conteúdos em vídeos, fotos e textos. Na primeira reportagem, publicada na edição de dezembro, a revista mostrou como a Belo Monte tem dizimado, aos poucos, tradições e culturas indígenas na região da Volta Grande do Xingu, no município de Vitória do Xingu, no Pará. O empreendimento é alvo da Lava Jato, que investiga suposta corrupção na execução do projeto da usina.

Já na edição de janeiro, Política Democrática online também mostra como os reassentamentos urbanos coletivos, construídos pela Norte Energia, responsável pela construção e operação da usina, têm sofrido com o descaso da empresa. Segundo moradores, a empresa não faz a manutenção adequada nesses novos bairros. A Norte Energia rebate, dizendo que oferece os serviços adequadamente e atende a todas as demandas da população desses locais.

A reportagem também mostra o crescimento da violência e criminalidade no município de Altamira, apesar de alguns índices criminais terem recuado nos últimos anos, de acordo com dados oficiais. No total, 635 homicídios foram registrados desde 2010, quando as obras da Belo Monte foram iniciadas na região. A cidade teve de receber um grande número de pessoas que se mudaram para lá apenas para trabalhar no projeto da Norte Energia.

Outro assunto abordado na reportagem é o esvaziamento de comunidades ribeirinhas. Moradores estão sendo retirados desses locais para serem levados para os reassentamentos urbanos coletivos, em Altamira, para que o projeto da Belo Monte opere de forma plena, até o final deste ano, quando deve ser concluído ao custo de R$ 40 bilhões, segundo estimativas da própria empresa.

Leia mais:

» ‘Movimentos sociais estão destroçados’, diz Luiz Werneck Vianna

» Revista Política Democrática de janeiro destaca reflexos de suposta corrupção na Belo Monte

» Revista Política Democrática de dezembro destaca viagem à Volta Grande do Xingu

» Política Democrática online de novembro repercute eleição de Bolsonaro

» FAP lança revista Política Democrática digital