teto de gastos

Míriam Leitão: O impossível nó do gasto público

O Brasil não está cumprindo a regra de ouro e o teto de gastos não entregou o que prometeu. No ano que vem será necessário pedir um crédito extraordinário de quase meio trilhão de reais para fingir que se cumpre a regra de ouro. Mesmo se não houvesse a pandemia, o problema existiria. O Brasil está há seis anos com déficit primário e só deverá voltar ao azul em 2027, no governo do sucessor do próximo presidente. É perigoso manter rombo por tanto tempo. Erros do passado e incapacidade no presente nos mantém nesse atoleiro.

Pela regra de ouro só se pode endividar para investimento ou amortização da dívida. Não pode ser para pagar despesas de custeio, e nisso entram os juros. Só que o Tesouro terá um custo alto no ano que vem com vencimento de papéis antigos. No começo do segundo governo Dilma, a taxa de juros disparou e foi a 14,25%. Naquela época, o Tesouro vendeu muita LFT, corrigida pela Selic, e por prazo de seis anos. Esses papéis estão vencendo em 2021, e terão que ser pagos. Agora, com os juros baixos, o Tesouro só consegue vender títulos de seis meses. Essa é uma das várias confusões do orçamento.

O teto de gastos foi apresentado com a promessa de reduzir a despesa lentamente. Ele foi aprovado em 2016. O Brasil reduziria a despesa primária em meio ponto percentual a cada ano, segundo as projeções. Em dez anos essa queda seria de 5 pontos percentuais do PIB. Então, teoricamente, se sairia de 2,5% do PIB de déficit em 2016 para um superávit de 2,5% em 2026. Só que não. Em 2016, quando o teto foi aprovado, a despesa era de 19,9% do PIB. Para o ano que vem, ela está projetada em 19,8% do PIB. E isso se o país crescer em 2021 os 3,2% que o governo está prevendo. O que deu errado? O país perdeu receita tributária. Exatos dois pontos percentuais do PIB. Primeiro, porque cresceu pouco, e depois veio novo tombo. No ano do teto, o déficit foi 2,6% do PIB, no ano que vem deve ser de 3% do PIB. Economistas dizem que sem o teto teria sido pior.

O Orçamento de 2021 traz alguns mistérios. Não tem dinheiro para o Renda Brasil, nem para o programa Pró-Brasil. Há apenas um aumento da verba do Bolsa Família. Insuficiente para o novo programa. Para os ministérios de Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas há redução de verbas. Imagine que o presidente Bolsonaro mude de ideia e deixe o ministro Paulo Guedes fazer o que ele havia planejado, acabar com o abono salarial e levar o dinheiro para o novo programa. Mesmo assim não resolveria. O dinheiro do abono do ano que vem já é devido a quem está trabalhando no mercado formal em 2020. O fato gerador ocorre este ano. Além disso, o Orçamento foi feito com o pressuposto de que será mantido o veto à desoneração dos setores que mais empregam. Se o Congresso derrubar o veto, abre-se um novo buraco de R$ 5 bilhões.

Apesar de não ter dinheiro para nada, o governo gastará R$ 4 bilhões capitalizando estatais. É que para vender a Eletrobras precisará transformar a Eletronuclear numa empresa 100% do Tesouro. E depois o plano é ela se endividar com garantia do governo. Esse buraco sem fundo tem nome: é Angra 3. Tem uma dívida de R$ 8 bilhões e não construiu nem metade da usina. Terá que gastar, segundo cálculo de um especialista, mais R$ 16 bilhões. E se a opção for desistir dela, terá que reconhecer um prejuízo de R$ 10 bi.

Por onde se olhe nos gastos públicos só há problemas. Aí o Ministério da Economia faz uma proposta que parece simples: quebre-se o piso. O secretário Waldery Rodrigues explicou que R$ 700 bilhões são despesas indexadas por índice de inflação, por salário mínimo ou pela receita corrente líquida. O que ele quer dizer com isso? Que educação e saúde não seriam corrigidos, que os benefícios previdenciários ficariam congelados. Se houver também a desvinculação seria obrigatório fazer várias mudanças na Constituição.

E se o governo conseguir criar um novo imposto? Mesmo se a receita crescer por causa de um novo tributo, não resolve, porque o teto só permite que as despesas cresçam pelo índice da inflação em 12 meses até junho. Foi de 2,1%. Para sair desse beco sem saída, era preciso ter um governo unido, com uma proposta clara, e base sólida no Congresso. Não se tem nada disso. O governo tem apenas um presidente correndo atrás da reeleição.


Arminio Fraga: Fim do teto. Não se, mas como

Limite sinalizou entendimento contra o crescimento ininterrupto dos gastos a partir dos anos 1990

A emenda constitucional nº 95 de dezembro de 2016 instituiu o teto de gastos públicos, que congelou em termos reais os gastos do governo federal. O teto sinalizou um bem-vindo entendimento quanto à necessidade de se lidar com o crescimento ininterrupto dos gastos a partir dos anos 1990.

Foi parte de uma guinada na gestão macroeconômica do país em resposta ao colapso fiscal que ocorreu a partir de 2014. A partir da guinada, as taxas de juros entraram em trajetória de queda, chegando aos inéditos níveis que prevalecem hoje.

Parecia claro desde o primeiro momento que a manutenção do teto por mais do que alguns anos seria difícil sem que se encarasse de frente a absoluta rigidez dos gastos obrigatórios. Um exemplo pode ajudar aqui. Sob as regras da EC 95, se o PIB crescesse a 2,5% por dez anos, o gasto federal cairia de 19% para 15% do PIB. Se todos os gastos públicos ficassem congelados, em termos reais, teríamos uma queda de 35% para 27%. Não faz muito sentido.

Havia esperança de que reformas mais profundas ocorreriam, o que permitiria em algum momento uma flexibilização do teto, sem grandes estresses. Mas não foi o caso. Algo se fez, como a reforma da Previdência aprovada no ano passado, mas não foi o suficiente: o espaço para cortes nos gastos correntes discricionários praticamente se esgotou e o investimento público está próximo de zero, o que é política e economicamente insustentável.

Não surpreende, portanto, que um exame mais detalhado dos fatos sugira que não se exagere o impacto causal do teto sobre as taxas de juros: a Selic (a taxa de curto prazo fixada pelo BC) está em 2% e a taxa dos títulos do Tesouro de dez anos em torno de 7,5%.

Ambas caíram bastante desde 2016. Parece razoável atribuir parte relevante da queda na Selic à enorme recessão que nos assola há sete anos. As taxas de longo prazo embutidas na curva de juros estão em torno de 9%.

Ou seja, o prêmio de risco segue elevado, espelhando juros reais acima de 4% e ainda algum medo de inflação. E isso num período em que as taxas de juros equivalentes para as economias avançadas caíram em cerca de 1,5 p.p..

Conclusão: o futuro macroeconômico do país ainda está longe de ser confiável. Quem vai investir em um país com indicadores tão incertos? O que fazer então com o teto?

Há quem acredite que um caminho seria abandonar o teto e seguir gastando e acumulando dívida (presume-se que por mais algum tempo). Alguns cogitam prorrogar o orçamento de guerra. Outros entendem que, no limite, seria possível reduzir a taxa de juros de curto prazo a zero (se a inflação permitir) e encurtar ainda mais o perfil de vencimento da dívida (na prática, "emitir moeda").

Acreditam também que haveria espaço para abrir novas frentes de investimento público e privado de boa qualidade. Essa opção conta com o atraente apelo de dispensar a definição de prioridades, bem como parece não impor custos.

Seria bom, mas não para de pé. Falta combinar com os russos. Não há confiança na capacidade de o governo executar bons investimentos. Tampouco há confiança interna e externa para financiar tal caminho. E não sem razão. Nas atuais condições, nem se fala. Seria mais crise na certa. Já vimos esse filme. O Brasil não é uma economia avançada. Os reais problemas seguiriam intocados.

Restam então duas alternativas: defender a ferro e fogo o teto ou buscar uma saída mais equilibrada. Não creio que a defesa pura e simples do teto seja uma solução viável por muito mais tempo, pelas razões que expus acima. Melhor planejar o quanto antes uma saída organizada e crível. A operação é muito delicada. Flexibilizar o teto sem uma nova âncora traria consequências dramáticas.

O quadro geral é bastante complexo. O país apresenta déficits primários há sete anos. O Ministério da Economia sinaliza compromisso com o teto. O presidente da República, pensando na reeleição, aposta suas fichas políticas no Renda Brasil e se opõe a cortes em outros benefícios e aumentos de impostos.
A PEC Emergencial, que ganharia algum tempo para o teto, não parece contar com o apoio do Executivo, pela mesma razão. Claramente a conta não fecha. O que fazer?

Tenho defendido uma estratégia de ajuste estrutural que começou com as reformas do BNDES e da Previdência (3 p.p. do PIB) e que ao longo de dez anos liberaria recursos crescentes, que poderiam chegar a mais 8 p.p. do PIB no décimo ano.

Perdoem-me a repetição, mas não vejo saída para o Brasil que não passe por alguma redução simultânea do nível e das distorções de uma parcela relevante do gasto público.

A economia viria da eliminação de subsídios e brechas tributárias regressivas, de ajustes na folha de pagamentos do setor público e de mais ajustes na Previdência. Boa parte dos recursos ficaria livre para gastos e investimentos em áreas de alto retorno social como saúde, assistência social, pesquisa básica, educação e infraestrutura, sempre que possível alavancados por capital privado. Ficaria livre também para reduzir a carga tributária.

Seria fundamental que a economia com o funcionalismo fosse obtida por meio de uma reforma de recursos humanos do Estado, que promovesse um salto na qualidade nos serviços públicos, seu principal objetivo e importante alavanca para o desenvolvimento.

O lobby do funcionalismo se opõe, mas se espera que o entendimento de que há muito privilégio e desperdício a eliminar acabará prevalecendo. O Brasil é um ponto fora da curva global no que tange ao peso do funcionalismo no gasto público. É prerrogativa do Executivo federal encaminhar ao Congresso uma proposta, mas aqui também a reeleição parece atrapalhar.

Parte do resultado da estratégia acima se destinaria à obtenção de um superávit primário capaz de viabilizar uma queda gradual do endividamento público, hoje elevado pelas barbeiragens, emergências e recessões dos últimos sete anos. O ajuste do primário deveria ser gradual, atingindo cerca de 3 p.p. do PIB em três anos.

Notem que o espaço de manobra seria limitado. No curto prazo haveria um (pequeno) aumento real no gasto público e um aumento da carga tributária. Com o correr dos anos, na medida em que as reformas mostrassem resultado, seria possível aumentar os gastos em termos reais, mas reduzi-los como proporção do PIB. O mesmo vale para a carga. Seria uma decisão política.

Como o único caminho que enxergo é gradual e a nossa credibilidade, baixa, me parece de todo essencial que se aprove o quanto antes uma versão da PEC Emergencial que ofereça ao governo as ferramentas necessárias para se desenhar e executar um orçamento plurianual crível.

Esse orçamento deveria indicar com clareza as metas mencionadas acima para o gasto público e o superávit primário. Só assim seria possível uma flexibilização segura do teto.

A bem-vinda discussão em curso sobre uma renda básica universal, que ampliaria e consolidaria os programas de assistência social existentes, teria que obrigatoriamente acontecer no bojo desse orçamento plurianual. Um igualmente desejável reforço do SUS teria que fazer parte do processo, disputando espaço com outras prioridades. A discussão de temas isolados é má prática econômica e política.

O tempo é curto e o espaço de manobra, ainda menor. Mas ainda temos a oportunidade de reduzir privilégios, buscar a saúde fiscal do Estado e perseguir um crescimento inclusivo. Isso requer metas claras e factíveis e um plano integrado como esboçado aqui. Requer também liderança política com visão de longo prazo.

*Arminio Fraga, sócio da Gávea Investimentos, é presidente do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro frita Guedes na primeira vez em que tenta governar

Presidente joga para a plateia e quer que ministro faça mágica no gasto social

Jair Bolsonaro tem de tomar sua primeira decisão relevante de governo: o dinheiro que seria destinado ao Bolsa Família Verde Amarelo. O que acontece então nessa situação inédita?

Bolsonaro frita o ministro Paulo Guedes (Economia) em público.

Em um palanque, disse que não vai tirar dinheiro de pobres para dar a paupérrimos. É fato que o Ministério da Economia havia vazado esse plano de renda básica sem ter o “tá ok” do presidente. Tais coisas acontecem porque o governo não tem rumo, programa e Bolsonaro lida com os ministros como se fossem estranhos: não governa, libera o desgoverno (Educação, Ambiente, Itamaraty) ou o não-governo (Saúde).

O pito de Bolsonaro virou rebu. Ministros vazaram intrigas contra Guedes para jornalistas e povos dos mercados. Azedou o clima entre credores do governo e negociadores de dinheiro em geral, que ignoraram pedidos de “patriotismo” de Bolsonaro. Juros e dólar subiram.

O ambiente na finança melhorou um tico quando Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e do parlamentarismo branco, reafirmou que não vai passar no Congresso qualquer tentativa de burlar o teto de gastos e que é preciso rever vinculações de despesas, sem dizer quais.

Maia também disse que a Economia vazou planos que não estavam autorizados por Bolsonaro. Ou seja, nesta rodada da refrega entre o governo e o ministro, bateu em Guedes. O deputado reassumiu a regência do programa econômico reformista, pois.

De que vinculações falava Maia? Do piso da saúde e da educação? É a última grande despesa carimbada. Os outros gastos obrigatórios relevantes são aqueles vinculados ao salário mínimo, como o piso da Previdência e de benefícios assistenciais, e salários de servidores.

Maia, assim como Guedes, está dizendo que o dinheiro para o Renda Brasil terá de vir do corte de outras despesas. Bolsonaro quer que Guedes faça mágica ou joga para a plateia (“não me deixam governar”).

Mantido o teto, não há dinheiro para os planos sociais que podem sustentar a popularidade presidencial a não ser que se compre uma briga social feia.

No entanto, mesmo o corte brabo de salários de servidores previsto na PEC Emergencial renderia uns R$ 15 bilhões em 2021 e R$ 37 bilhões em 2022. Isto é, o dinheiro demoraria a chegar e iria todo para o Renda Brasil. Assim, o investimento em obras cairia para perto de zero.

Guedes quer financiar o Renda Brasil com cortes do abono salarial, do Farmácia Popular e do seguro desemprego sazonal de pescadores, o que daria no máximo uns R$ 24 bilhões. Um Renda Brasil que pague R$ 270 mensais a 20 milhões de famílias custaria quase R$ 65 bilhões por ano (o Bolsa Família custa R$ 33 bilhões anuais). Bolsonaro quer um programa maior.

O que sobra para talhar?

Benefícios de Prestação Continuada (BPC), que pagam mais de R$ 60 bilhões por ano a idosos e pessoas com deficiência muito pobres. Ou uma redução de despesas com o seguro desemprego, que antes da calamidade estavam orçadas em R$ 35 bilhões em 2020. Esses cortes não passam no Congresso.

Logo, Bolsonaro está em uma sinuca de bico, como diz o povo. Começou a tratar Guedes como tratava Sergio Moro nos meses antes da degola: desautorizações e pitos do tipo “quem manda sou eu”. O Posto Ipiranga foi reduzido a loja de conveniência.

Muita gente acha que já tem uma faixa de “passa-se o ponto” na lojinha. Que fosse. Nada disso resolve o problema político-eleitoral de Bolsonaro. Para resolver, ou derruba o teto sem mais, à matroca, o que vai dar em besteira econômica, ou compra briga social.


Míriam Leitão: Economia tem escolhas difíceis

Não há mágica na economia. O presidente Jair Bolsonaro terá que escolher entre quebrar o teto ou propor ao Congresso medidas amargas para ampliar programas sociais. Mesmo criando impostos ele pode ter dificuldade de gastar mais porque o teto estabelece que as despesas só podem crescer de acordo com a inflação. O que ele vai escolher? O presidente quer combustível para o seu populismo e, portanto, o teto tende a cair. O ministro Paulo Guedes vai dizer que quem recebeu os votos foi Bolsonaro, portanto é ele que decide.

Ontem formou-se o tipo da situação em que ninguém tem razão. O presidente Bolsonaro jogou para a plateia, na sua agenda cada vez mais eleitoreira, ao dizer que suspendeu o projeto da equipe econômica, porque não tiraria “do pobre para dar ao paupérrimo”. O ministro Paulo Guedes erra sempre o mesmo erro: achar que é fácil o que é politicamente muito difícil. Acabar com programas sociais antigos, no meio de um recessão e alta de desemprego, só se tivesse muito apoio do presidente e grande articulação política. No ano passado tentou diminuir os beneficiados pelo abono salarial e o Congresso rejeitou.

O presidente está em campanha, é populista e nunca teve como agenda a austeridade fiscal. Em 2018, repetiu algumas frases que aprendeu com Paulo Guedes para vender a ilusão do liberalismo austero que o mercado financeiro comprou, com enorme dose de autoengano. Bolsonaro quer o bônus das bondades que o governo fizer, mas não quer ficar com ônus algum de eventual medida amarga. Na reforma da Previdência deixou que outros pagassem o custo de defendê-la, e lavou as mãos: “por mim não faria”. Guedes avalizou um político que durante sua carreira de deputado jamais demonstrou entender a importância do controle das contas públicas. Para completar, nem Bolsonaro como político, nem Guedes como economista têm intimidade com políticas sociais. A pandemia criou a necessidade de políticas de socorro para a população.

O auxílio emergencial nasceu de uma pressão da sociedade, o valor se elevou por decisão do Congresso. Mas agora, feliz com a popularidade, o presidente credita tudo ao governo e já prometeu: “resolvemos estender até dezembro”. E depois disso ele quer uma política social para dizer que é do seu governo, como fez com o Minha Casa, Minha Vida. Os juros caíram meio ponto percentual, mas na cerimônia do Planalto foi vendida a ideia de que era um programa novo.

O que a equipe econômica quer explicar é que uma pessoa que recebe abono salarial não é um “excluído”. Tem carteira assinada, 13º salário, FGTS. A política pública seria mais focalizada se estivesse voltada para quem está agora sem renda. A dúvida: é o único lugar de onde se pode tirar para ampliar o Bolsa Família? O Ministério da Economia já sabia que teria que brigar no Congresso, mas foi nocauteado pelo próprio presidente, que em vez de discutir internamente, expôs a divergência de público para faturar politicamente. Assim ele pode fingir a sensibilidade social que nunca teve.

O Big Bang Day do ministro Paulo Guedes é um conjunto de ideias que ele vem defendendo, mas nunca elaborou para apresentar. Vamos ver se agora consegue. Ele fala em desvincular, desindexar, e desobrigar o Orçamento como se fosse algo simples e inédito. Todas as equipes econômicas tentaram desengessar o Orçamento, e tudo o que conseguiram foi a flexibilização parcial com a DRU, a Desvinculação de Receitas da União.

Outra proposta que está sendo formulada é a da criação de um imposto. A assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, explicou que o novo tributo que está sendo pensado será amplo.

– A contribuição sobre pagamentos ganha nova conotação em relação à CPMF por conta da digitalização da economia. Quando se torna a economia menos corpórea, a forma de rastrear a economia sem dúvida é mais fácil por meio de pagamentos. Para ser um tributo de base ampla, ele não captura só as transações da economia digital. Tem que capturar todas as transações da economia.

Não é fácil fazer isso. Nada é fácil no Ministério da Economia em época de crise. Por isso é preciso se preparar para o debate político. Mas antes de tudo o presidente da República tem que saber se quer pagar o preço de governar, ou se quer apenas fazer demagogias de palanque.


Luiz Carlos Azedo: Mudança de franquia

“Guedes deu uma de bom cabrito, mas não se tem precedentes de um ministro à frente da Economia do país aceitar um pito público desses sem pedir demissão”

Perdão pela ironia, mas faz sentido: o presidente Jair Bolsonaro não quer mais saber de Posto Ipiranga, seu coração bate pela BR Distribuidora. Agora, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá de fazer uma escolha de Sofia: ou joga ao mar suas velhas teses e, com ela, o que resta da equipe de economistas liberais, ou pega o boné e volta para seus negócios. O que Bolsonaro fez, ontem, ao criticar publicamente a proposta do projeto Renda Brasil apresentada pela equipe econômica, é muito desmoralizante. Durante visita a Ipatinga, em Minas, o presidente da República desautorizou o ministro: “Ontem (terça, 25), discutimos a possível proposta do Renda Brasil, e falei: ‘Está suspenso’. A proposta, como apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobre para dar a paupérrimo”.

Guedes deu uma de bom cabrito, mas não se tem precedentes de um ministro à frente da Economia do país aceitar um pito público desses sem pedir demissão. É uma situação inimaginável, por exemplo, com o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que exigiu a saída de todos os ministros desenvolvimentistas que o desafiaram. Nem o senador José Serra, que foi ministro da Saúde, dava pitaco na economia. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso só tratava de divergências com Malan em privado. O mesmo pode ser dito em relação ao ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, no governo Temer. Grande artífice do “teto de gastos”, que foi fundamental para reverter a recessão do governo Dilma Rousseff, ninguém apitava publicamente na economia além dele, nem no auge da crise provocada pelo caso JBS, na qual o presidente Michel Temer, por duas vezes, teve que evitar um impeachment.

Guedes, porém, tirou por menos: “É assim mesmo. Ele é o presidente e é quem decide”, disse. Apesar da forte reação do mercado — em baixa no mundo inteiro, o dólar está disparando no Brasil; o índice Bovespa desabou ontem —, o ministro da Economia disse que a equipe deve apresentar “o cardápio” de programas que podem ser unificados ao atual Bolsa Família, criando o Renda Brasil. “Está tudo equacionado. Não tem truque nem fura-teto. Tudo será feito com total transparência”, disse à jornalista Cristiana Lobo, da GloboNews. Há controvérsias. Bolsonaro terá nova rodada com ministros e assessores para decidir o valor do novo programa de transferência de rendas para os mais pobres. Sua proposta era acabar com os descontos de despesas com saúde e educação no Imposto de Renda, uma mecanismo para transferir renda da classe média para os mais pobres. Bolsonaro discorda por motivos óbvios: está deslocando o eixo da sua base eleitoral para os mais pobres, mas não quer perder apoio da classe média mais do que já perdeu. Este é o xis da questão: Bolsonaro antecipou em dois anos e meio a sua campanha de reeleição. Toda a política econômica está sendo subordinada ao seu projeto eleitoral.

Pulo do gato

O problema mais urgente a ser resolvido pela equipe econômica é a prorrogação do abono emergencial de R$ 600, cujo valor o presidente da República quer que seja o mesmo do Renda Brasil, o programa que vai substituir o Bolsa Família. O auxílio emergencial de R$ 600 é pago a 64 milhões de pessoas; o Bolsa Família, que não passa de R$ 205, quando beneficia cinco pessoas, atende a 14 milhões de famílias. Não existe a menor possibilidade de manter essa escala nem esse valor, sem quebrar a economia, mesmo incorporando os recursos de 27 programas sociais do governo, entre os quais, o abono salarial e o seguro-defeso. Guedes propôs um programa no valor de R$ 250, mas Bolsonaro quer mais. Também não aceita o fim do seguro-desemprego, que entraria no bolo.

O ministro da Economia ainda acredita num pulo do gato, nos dois sentidos: a criação de um imposto sobre todas as operações digitais, que teria uma base praticamente universal, porém, pode levar ao entesouramento de moeda e ampliação de operações em dinheiro vivo, além de promover um grande efeito cascata. Isso ampliaria muito a carga tributária, ou seja, tudo ao contrário do que pregam os economistas liberais. Há setores simpáticos à tese no mercado financeiro, mais preocupado com a administração da dívida pública e com o deficit fiscal, bem como no Congresso, onde a base parlamentar do governo pressiona para que haja aumento de gastos com obras.

Entretanto, o maior adversário da proposta do novo imposto no Congresso é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Entre os economistas, a crítica à proposta baseia-se nas teses do economista Arthur Laffer, para quem a diminuição dos impostos cobrados das empresas pode aumentar a arrecadação do Estado. Segundo a “Curva de Laffer”, a partir de um certo ponto, por mais que a alíquota do imposto seja aumentada, o tributo deverá gerar menos receita fiscal. Nossa carga tributária é cada vez maior, por causa da progressiva criação e aumento de alíquotas de impostos. Segundo a Receita federal, a carga tributária bruta em 2019 atingiu 33, 17% do PIB, ou seja, um terço da renda nacional vai para os governos da União, estados e municípios; sem a contrapartida de investimentos e serviços de qualidade, a máquina administrativa consome quase tudo. Ninguém aguenta mais.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mudanca-de-franquia/

Fernando Exman: A fórmula bolsonarista em busca da reeleição

Desafio é conseguir manter a bandeira anticorrupção

O governo vai avançando, no discurso e na prática, em seu plano de ampliar o eleitorado disposto a reeleger o presidente Jair Bolsonaro.

A operação se dá em duas frentes e a primeira é voltada a expandir a base, além dos redutos sob a influência de aliados do Palácio do Planalto e da população ao alcance das novas políticas públicas federais. Em segundo lugar, a tarefa é evitar que eventuais desilusões com a atual administração aproximem os chamados “bolsonaristas raiz” de uma candidatura alternativa no campo conservador nos costumes, liberal na economia e identificada com o combate à corrupção.

No círculo mais próximo do presidente está claro que a aversão à política e o desgaste dos partidos com seguidos escândalos de corrupção, principalmente os protagonizados pelo PT, ajudaram-no a subir a rampa do Planalto. O desafio, a partir de agora, é manter a imagem do governo preservada, ao mesmo tempo em que o Executivo tenta se beneficiar da ampliação de sua base no Parlamento por meio de alianças com algumas dessas mesmas siglas.

A aproximação dos partidos do Centrão também pode facilitar, na visão de integrantes do governo, o trânsito de Bolsonaro nos redutos eleitorais nordestinos. Isso tende a beneficiar ambas as partes, uma vez que em 2018 ele se saiu comparativamente bem em praticamente todos os segmentos do eleitorado, mas pode melhorar muito seu desempenho na região.

Para aliados do presidente, o eleitor nordestino não tem, em geral, preferência partidária. Busca em grande parte dos casos estar próximo do poder público por necessidade e conveniência, ou seja, tende a ser receptivo em relação a quem pretende expandir sua atuação política nesses Estados e possui a máquina em mãos.

Por isso o futuro anúncio do Pró-Brasil e o lançamento do Casa Verde e Amarela podem ser vistos como parte de um esforço de refundação que está em curso no governo. A tentativa de construção de novos parâmetros no relacionamento com os outros Poderes também está nesse contexto.

O lançamento do Casa Verde e Amarela garante desde já, ao presidente e a seus aliados, um instrumento poderoso para sustentar o discurso de que as pessoas, sobretudo as mais carentes, passaram novamente ao centro das preocupações do poder central. O programa reduz a taxa de juros do programa habitacional, permite a renegociação de dívidas e promove um grande esforço de regularização de imóveis.

O poder eleitoral de uma escritura não pode ser menosprezado, assim como não passa despercebido que o programa tenha o ano de 2024 como prazo. As regiões Norte e, claro, Nordeste terão um tratamento diferenciado.

O governo fortalece seu discurso sobre o enfrentamento do deficit habitacional e faz um contraponto ao Minha Casa, Minha Vida petista.

Já o Pró-Brasil tende a propiciar ao governo um reposicionamento em outros campos estratégicos, como as discussões sobre o combate ao desemprego, a redução das desigualdades sociais, o uso mais eficiente dos recursos públicos e o tamanho do Estado.

Se por um lado esse pacotão pode conter o programa social que tentará deixar para trás a marca do Bolsa Família, o Renda Brasil, ele também deve contemplar medidas que buscam reduzir os custos de contratação e visam o aquecimento do mercado de trabalho. A recuperação da economia está no centro dos debates sobre o Pró-Brasil.

Num outro braço do pacote, Bolsonaro pode finalmente atender a uma crescente demanda de congressistas aliados e do setor privado para que envie ao Congresso uma reforma administrativa.

Neste caso, como costuma dizer, a bola passaria a estar com o Legislativo. Os ônus políticos seriam divididos e, num cenário extremo, ele até poderia novamente responsabilizar deputados e senadores por não conseguir implementar sua agenda.

É isso o que autoridades do Executivo têm feito para justificar aos bolsonaristas mais fiéis a demora na entrega de algumas promessas de campanha.

O governo pouco apresentou quando se olha para as pautas de costumes e de ampliação do acesso a armas e munições. Por diversas vezes o Planalto viu suas medidas provisórias ou projetos de lei serem retirados de pauta ou nem entrarem em discussão. Um exemplo recente ocorreu no Senado, que adiou a análise das propostas que alteram regras do Código de Trânsito como o prazo de validade da habilitação, a suspensão da carteira e o uso de cadeirinha para crianças.

Agora, o governo quer aproveitar esta nova fase de relacionamento com os presidentes da Câmara e do Senado para tentar convencê-los a pelo menos colocar em votação os projetos de autoria ou interesse do Executivo, mesmo que eles estejam fadados à derrota. Em outras palavras, defendem que a maioria do Parlamento possa impor sua vontade sobre cada tema e não se dependa da vontade dos presidentes das duas Casas do Legislativo.

O governo sabe que a pauta armamentista enfrentaria dificuldades. Mesmo assim, esse seria um jeito de dar satisfação ao eleitor cativo de 2018, que, por outro lado, assiste ainda impassível ao noticiário sobre as movimentações financeiras realizadas pelo ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz para as contas de integrantes da família do presidente.

Este assunto tira o presidente do sério em suas interações com a imprensa, mas é um tema do qual dificilmente conseguirá fugir quando a campanha se intensificar.

Os governistas intensificaram a estratégia de comunicação para mostrar que nos últimos 600 dias não houve um grande escândalo de corrupção. Eles também têm procurado dar visibilidade aos resultados de operações policiais e esperam poder se beneficiar das dificuldades enfrentadas na Justiça pelo ex-ministro Sergio Moro, que deixou o governo criticando a atuação de Bolsonaro na área. Isso tudo pode não ser suficiente para neutralizar o impacto das notícias relacionadas à atuação de Queiroz. A eleição está longe, mas a disputa ganha cada vez mais forma.


Vinicius Torres Freire:Bolsonaro tem de comprar briga social ou derrubar o teto para bancar plano verde-amarelo

Falta dinheiro para plano verde-amarelo; ideia é mexer em servidores e vinculações

Jair Bolsonaro quer mais do que dobrar a despesa com o Bolsa Família, associar o programa a um plano de emprego e rebatizá-lo de “Renda Brasil” ou de “Alguma Coisa Verde Amarela”. Não há dinheiro.

Assim, o governo faz um psicodrama fiscal em público: “Bolsonaro quer”; “heroica equipe econômica se debate” para encontrar o tutu. Não vai achar a não ser que:

1) derrube o teto de gastos;

2) corte salários de servidores: vai ser a próxima ofensiva, que tem apoio de Rodrigo Maia e ganha ares de campanha;

3) acabe com vinculações e indexação de despesas previstas na Constituição (como o piso para saúde e educação ou o reajuste do salário mínimo pela inflação);

Dado o teto de gastos, apenas é possível aumentar a despesa com o Bolsa Família Amarelo arrumando dinheiro em outra parte do Orçamento (zerando o gasto em obras ou dando cabo de programas sociais como o abono salarial).

Mesmo assim, fica-se longe do Renda Brasil de Bolsonaro: R$ 300 mensais para 20 milhões de famílias daria um aumento de despesa de quase R$ 40 bilhões. Por ora, derrubando o abono e algo mais, haveria pouco mais de metade desse dinheiro.

A história de financiar o Renda Brasil com o fim das deduções com instrução e saúde do Imposto de Renda é ficção (a não ser que se invente gambiarra). Haveria mais receita com esse aumento de imposto, de resto justo, mas o gasto desse dinheiro estaria limitado pelo teto.

Até o final deste mês, o governo tem de mandar para o Congresso o Orçamento de 2021. Em tese, teria de mandar tão logo quanto também as emendas constitucionais que permitiriam reduzir salários de servidores, desvincular despesas e derrubar o abono salarial. Ou então inventar um arranjo qualquer para fazer com que tais dinheiros, quando livres, pudessem ser gastos em outra coisa.

Mais que isso, Paulo Guedes quer vincular a nova renda básica à redução de impostos sobre a folha salarial, para o que conta com uma espécie de CPMF. Note-se o tamanho do salseiro.

O governo vai fazer tudo isso, de uma vez só? Tanta emenda constitucional que mexe com tanta gente, com o funcionalismo e que aumenta imposto?

Além do mais, vazou para os jornais um rumor de que o ministro da Economia quereria também complementar a renda de quem estivesse no Renda Brasil e tivesse emprego “verde-amarelo”, de modo a fazer com que o rendimento final do beneficiário chegasse a pelo menos um salário mínimo. Muito bem, mas não há dinheiro, repita-se, dado o teto etc.

Guedes quer bancar seus programas sem mexer no teto de despesas, fazendo com que o gasto seja mais eficiente e também mais justo em termos sociais, diz. Tudo bem. Em termos econômicos, apenas mudar a despesa de uma rubrica para outra não vai resolver o provável problema de cortar os gastos deste ano de calamidade: uma redução de meio trilhão de reais terá qual efeito na atividade econômica de 2021?

O governo passou uma tinta e consertou a fiação do programa Minha Casa Minha Vida, reinaugurado com o nome de Casa Verde Amarela, mas que terá pouco mais dinheiro e, no fundo, não mexe com o problema urbanístico-social do programa petista. Vai ter juros menores, talvez inclua mais gente e vai renegociar os atrasados (mas, na pobreza ainda mais acentuada de agora, é difícil ver como o calote não voltará a crescer). Não dá para aumentar o Casa do Picapau Amarelo porque, entre outros problemas, não há dinheiro.


José Roberto Mendonça de Barros: Encontro marcado para setembro (2)

Nunca estivemos tão perto de perder o controle da política fiscal

“O futuro do governo Bolsonaro e o comportamento da economia em 2021/2022 serão determinados pelo resultado de um grande embate que deverá ocorrer a partir de setembro, quando vários vetores relevantes tendem a se encontrar.”

Esses foram o título e o início de meu artigo de 14 de junho neste espaço. Pode-se dizer, hoje, que o embate continua marcado, mas será muito maior que o antes imaginado.

“Em primeiro lugar, por volta de agosto teremos mais clareza quanto ao tamanho da recessão, do desemprego e da insolvência de empresas.”

Hoje, podemos ver uma melhora no desempenho da indústria e do comércio, de junho em diante, mas modesta na área de serviços. Com isso, a expectativa de queda no PIB para 2020 está melhor, com a maioria das estimativas correndo na faixa de 5% a 5,5%. Ainda assim, um tombo enorme.

A pesquisa do IBGE, por outro lado, revela que 715 mil empresas quebraram, até o início de junho, o que pressiona bastante o emprego. De fato, temos um quadro bastante difícil com 12,8 milhões de desempregados, 19 milhões de pessoas que não procuraram emprego por conta da pandemia e 16,3 milhões de pessoas que assinaram acordos com redução de jornada e de salários. A volta a uma certa normalidade no mercado de trabalho será lenta.

“Também é, neste momento, que teremos uma noção mais precisa do enorme custo humano da pandemia.”

Aqui subestimamos o impacto da covid-19. Até o dia 20 de agosto, ocorreram mais de 110 mil óbitos, e não os 80 mil que havíamos indicado dois meses atrás. O número de casos e de óbitos parece estar querendo começar a cair pela primeira vez, o que significa que a pressão será grande pelo menos até outubro.

“Neste momento, a política econômica e as propostas para os próximos dois anos terão de ser repaginadas e se traduzirão no orçamento fiscal (embora não apenas aí).”

Dois meses depois do texto original, está claro que o embate será ainda mais difícil, uma vez que três movimentos se consolidaram:

  • A mudança do discurso público do presidente Bolsonaro (mas não suas convicções e práticas);
  • A percepção que o coronavoucher atingiu mais gente que o inicialmente esperado (64 milhões de pessoas), o que explica a redução da queda do PIB acima mencionada e que implicou elevação da aprovação do governo;
  • Consolidação de uma forte ala “desenvolvimentista” dentro do governo, que batalha para elevar gastos de investimento em obras públicas paralisadas, como forma de acelerar a retomada da economia.

Assim, temos uma formidável força a favor do gasto: o presidente quer consolidar sua campanha à reeleição, as Forças Armadas querem acelerar seus projetos de reequipamento, os ministros militares no Palácio, bem como aqueles ligados à infraestrutura e ao desenvolvimento regional, querem retomar obras públicas e a base política do governo adora e aplaude tudo isso.

Do outro lado, fica o Ministério da Economia, apenas com o apoio efetivo do presidente da Câmara e o suporte indireto da maioria dos agentes econômicos do setor privado.

Pergunta-se: quem vai ganhar o embate?

Desde já, é preciso que se diga que o grupo expansionista não desconhece nossa situação fiscal e, portanto, admite alguns ajustes, como transposição de verbas do abono salarial. Entretanto, o mais importante é o sinal verde para aprovação da nova CPMF (ops, imposto digital), como forma de elevar a receita e diminuir o conflito.

Além disso, não haverá pedalada fiscal a seco, porque não se repetem grandes erros do passado recente (isso não se aplica ao passado antigo, como pretendido pelo novo PND do governo Geisel). Logo, o furo do teto deverá ter base legal, mesmo que necessite de uma PEC.

Por conta do apertado do calendário político e da questão central acima esboçada, três baixas podem ser anunciadas: a reforma tributária, qualquer reforma administrativa que busque elevar a eficiência do Estado e a revolução liberal tão alardeada desde a campanha de 2018. A recente saída de importantes secretários do Ministério da Economia assim sinaliza.

Considerando-se que a dívida pública chegará, na melhor das hipóteses, a 95% do PIB no fim do ano, é imperioso reconhecer que nunca estivemos tão perto de perder o controle da política fiscal.

A explosão do dólar nesta última quarta-feira mostra o que poderá acontecer.


Têm ocorrido coisas extraordinárias no Brasil desses tempos. Descobrimos que o Amapá passou a pertencer ao Vale do São Francisco. Pelo menos é o que se depreende da mudança efetuada na Codevasf, e aprovada pelo Senado, que agora inclui áreas daquele Estado entre suas atribuições (PL 4731).

*Economista e sócio da MB Associados. Escreve quinzenalmente


Eliane Cantanhêde: Guedes, o mágico

Bolsonaro abre o cofre e está no seu melhor momento, mas tem muito o que explicar

Depois de calar a boca, mergulhar na campanha no Nordeste e subir nas pesquisas, o presidente-candidato Jair Bolsonaro dá aval ao ministro Paulo Guedes para assumir o governo e atuar em duas direções conflitantes: manter formalmente o teto de gastos, tão caro ao mercado, e jorrar dinheiro em alvos específicos, fundamentais para a reeleição em 2022.

Encontrar o ponto de equilíbrio entre economia e política passa por uma terceira área: a jurídica. É preciso desbravar as brechas da legislação para estourar o teto sem dar na cara e despejar recursos no Nordeste, nos desempregados, nas faixas de menos escolaridade e renda, nas pequenas e médias empresas. A atração de investimentos privados é uma das chaves nesse processo. O corte de gastos públicos é outra.

A inteligência disso tudo é ficar imune a críticas. Quem pode ir contra o auxílio a pessoas, empresas, empregos? A oposição não tem como atacar. Nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é crítico de Bolsonaro, mas aliado da política liberal de Guedes. E não pode condenar investimentos justos e neste momento absolutamente essenciais.

Com isso, Guedes promete a mágica de manter o teto, mas soltando a grana, e ganha a guerra interna no governo. Lança um pacote de renda e obras nesta semana, com um anúncio de grande repercussão política na terça-feira: o Renda Brasil, confirmando que, também em política, nada se cria, tudo se transforma. Fernando Henrique lançou o Bolsa Escola, Lula atualizou para Bolsa Família e Bolsonaro rebatiza de Renda Brasil. Tem sido tiro e queda para reeleições.

Há uma avalanche de anúncios isolados que se somam: auxílio emergencial para informais e desempregados até dezembro, mais dois meses de redução de jornada e de renda para beneficiar empresas e trabalhadores da iniciativa privada, o pacote de R$ 60 bilhões para Estados e municípios durante a pandemia, o veto de Bolsonaro, devidamente mantido pela Câmara, ao aumento de salário do funcionalismo público em tempos de guerra contra o vírus. Tudo isso enquanto a vacina salvadora da Pátria não vem.

Jair Bolsonaro, portanto, está no seu melhor momento, pronto para colher manchetes positivas. Fechou a boca – em boca fechada não entra mosca –, já foi a cinco dos nove Estados do Nordeste e reabasteceu o Posto Ipiranga, mas dando gás à ala gastadora do governo. Na sexta-feira, foi ao Rio Grande do Norte com o gastador-mor, o potiguar Rogério Marinho.

O Nordeste é estratégico para Bolsonaro porque tem 27% do eleitorado do País e foi a única região onde perdeu em 2018. Todos os Estados são governados pelo PT, seus aliados e apêndices. Para combater o PT ali, as armas do próprio PT: distribuição de bolsas e vales na veia. Com excessiva dependência do Estado, a base nordestina sustentou a Arena e o PDS do regime militar, migrou para Sarney, Collor e FHC, um atrás do outro, e concentrou-se no PT. É a vez de Bolsonaro?

Se tudo parece ir tão bem, não custa lembrar que são mais de 114 mil mortos de covid, com desdém do presidente e sem coordenação federal; Amazônia, cerrado, Ibama, ICMBio e Ministério de Meio Ambiente estão em chamas; líderes e aldeias indígenas estão ameaçados; a Cultura é uma vergonha; a Educação não existe; o Centrão está com tudo e está prosa.

Mais: o Ministério da Justiça faz dossiê contra policiais e professores, as Forças Armadas atraem holofotes na hora errada, da forma errada, pelas causas erradas e a reeleição de Trump nos EUA balança. Logo, Bolsonaro melhorou sua posição, mas não está no paraíso. E tem aqueles probleminhas: fantasmas, rachadinhas, lojas de chocolate, milicianos, nuvens de dinheiro vivo. Não é só no Nordeste que Bolsonaro replica a “velha política”.


Folha de S. Paulo: Teto de gastos, a âncora da estagnação brasileira e da crise social

Profissionais que trabalham com economia assinam manifesto pela extinção da Emenda Constitucional nº95

A grande recessão brasileira iniciada no primeiro trimestre de 2015 deu ensejo à construção de uma narrativa equivocada a respeito dos problemas da economia brasileira, focada quase que exclusivamente no desequilíbrio fiscal do setor público. Segundo ela, desde o início da década de 1990, o Brasil teria um desequilíbrio fiscal estrutural, caracterizado pelo crescimento excessivo dos gastos primários do setor público a um ritmo superior ao do PIB (Produto Interno Bruto).

Esse crescimento excessivo dos gastos públicos teria ensejado um aumento contínuo da carga tributária para a manutenção, a partir de 1999, de um superávit primário adequado para garantir a sustentabilidade da dívida pública no longo prazo. Ainda segundo essa narrativa, o crescimento contínuo da despesa primária e da carga tributária seria insustentável no longo prazo, de maneira que, em algum momento, um ajuste fiscal estrutural seria necessário para interromper uma suposta “morte súbita” da economia.

Ao longo dos anos de 2015 e 2016 foi sendo construído um consenso entre os economistas do mercado financeiro, a grande mídia e a maioria dos membros do Congresso Nacional a respeito da necessidade de introdução de um teto de gastos na Constituição Federal.

Não ficaram de fora desse consenso representantes diretos e indiretos dos setores produtivos que sustentavam serem também as despesas primárias de cunho social as responsáveis pela inibição das ações dos governos no apoio e fomento dos investimentos nos projetos produtivos da economia. Esse mecanismo de controle fiscal, introduzido pela Emenda Constitucional nº95, prevê o congelamento do gasto primário real da União, por um período de 20 anos, a partir de sua promulgação em 2016.

A ideia subjacente ao teto de gastos consiste em realizar um ajuste fiscal duradouro por meio da redução da despesa primária como proporção do PIB, recuperando o superávit primário estrutural do setor público e reduzindo o seu endividamento, o qual havia aumentado quase 20 p.p do PIB no período 2014-2016.

O curioso, no mínimo, é que precisamente o biênio 2015-16 caracterizou-se não pela suposta “gastança” do governo, mas pelo mergulho da economia, das receitas e pelo aumento da conta de juros já em meio à austeridade.

De todo modo, ainda durante os debates sobre a Emenda Constitucional nº95, vários economistas já haviam alertado para a insustentabilidade do teto de gastos no médio prazo. Em primeiro lugar, o congelamento da despesa primária da União em termos reais implicaria uma redução do gasto primário per capita devido ao crescimento da população brasileira a um ritmo de 0,8% a.a.

Num país com notórias deficiências nas áreas de saúde, educação, saneamento, moradia e segurança, não é uma ideia sensata perseguir essa redução. Alguma dose de prudência e bom senso apontava para a necessidade de se permitir, ao menos, o crescimento da despesa primária no mesmo ritmo do crescimento da população brasileira.

Um segundo problema com o teto de gastos é que a maior parte das despesas primárias da União —gastos com previdência social e com os salários dos servidores públicos— afeta o conjunto dos cidadãos portadores de direitos sociais e∕ou laborais (inclusive os servidores estáveis concursados) e é imprescindível para a execução das próprias políticas públicas.

Com efeito, os gastos com a previdência social, com mais de 30 milhões de beneficiários, têm um crescimento médio de 3,5% a.a. em termos reais, refletindo o ritmo de crescimento da força de trabalho no período em que as pessoas que se aposentam a cada ano entraram no mercado de trabalho. A folha de salários dos servidores públicos da União, incluindo civis, militares e inativos, por seu lado, tem oscilado em torno de 4,3% do PIB nos últimos 20 anos, não é explosiva, não cresce automaticamente —pois não há data base no serviço público—, e tampouco pode ser reduzida abruptamente ao sabor do ciclo político sem ferir a Constituição e desorganizar a prestação de serviços à população.

Nesse contexto, até o momento, as variáveis de ajuste de curto prazo foram as políticas sociais de educação, saúde e assistência e os investimentos da União, notadamente os investimentos em infraestrutura, necessários para aumentar a produtividade média da economia brasileira e a competitividade das empresas brasileiras nos mercados doméstico e internacional.

Não por acaso, a introdução de uma restrição fiscal exógena e autoimposta, que não decorre da incapacidade de financiamento do governo, coincidiu, passada a crise de 2015-2016, com um ritmo de crescimento de apenas 1,2% a.a no período 2017-2019, valor 57% inferior ao observado entre 1980-2014.

Ela fez com que a economia brasileira apresentasse a mais lenta recuperação cíclica já registrada e a taxa de desocupação sempre acima de 11%, extremamente elevada mesmo antes da recente crise sanitária. No final de 2019, o PIB brasileiro ainda se encontrava 5,5% abaixo do valor observado em 2014, mesmo com o avanço de várias reformas econômicas, como as trabalhista e previdenciária, que segundo a cartilha liberal resultariam em maior crescimento da economia.

A eclosão da pandemia do coronavírus em 2020 exigiu a adoção do mais amplo programa de transferência de renda da história do país a fim de evitar o colapso econômico e social. Em função desse dispêndio absolutamente necessário, a União deverá apresentar déficit primário inédito e um aumento expressivo da relação dívida pública/PIB, a qual deverá ultrapassar os 90% ainda neste ano.

O aumento da dívida pública como proporção do PIB tem levado os arautos do austericídio fiscal a propor o regresso do governo à trajetória de cortes de gasto já em 2021, defendendo a PEC 186 (Emergencial) —que aciona o gatilho de redução de até 25% das horas trabalhadas dos servidores federais com correspondente redução nos vencimentos—, a desvinculação de recursos da saúde e educação, ou mesmo nova rodada de reforma previdenciária.

Dessa forma, o ultraliberalismo brasileiro ignora o debate sobre política fiscal nos países desenvolvidos, onde a tônica tem sido a necessidade de continuar com estímulos fiscais para manter a atividade econômica, por intermédio do investimento público na descarbonização da economia, para atender a dupla necessidade de criar emprego e renda, e contribuir para o enfrentamento do grave problema ambiental e humano do aquecimento global.
O argumento de que o controle da dívida pública a fórceps levará a uma percepção favorável dos investidores externos é falacioso, e mesmo impatriótico, pois não se sustenta em qualquer base teórica e muito menos comprovação histórica.

Esquecem-se os defensores dessa suposta alternativa que o mundo inteiro estará, nos próximos anos, às voltas com a recuperação das economias nacionais. O fator primordial que sustenta expectativas favoráveis e ânimo para investimentos privados em um país alicerça-se em políticas públicas eficazes que respeitam compromissos ambientais assumidos e que buscam construir uma ambiência institucional estável e social mais justa.

O retorno da austeridade fiscal em 2021, propugnado sem constrangimentos pelo mercado financeiro, significará a maior contração fiscal da história do Brasil, pois promoverá uma redução no gasto primário como proporção do PIB de 27% para 19% num período de 12 meses. Tal contração fiscal, no contexto de uma economia com enormes níveis de ociosidade, com um PIB ao final deste ano pelo menos 10% inferior ao registrado em 2013, levará a um novo mergulho recessivo com aumento da desigualdade na distribuição de renda, com consequências sociais —e econômicas— imprevisíveis. A proposta de “furar o piso”, com redução da carga horária dos servidores, ademais, comprometerá ainda mais a prestação de serviços públicos de saúde, educação, etc. para a parcela da população brasileira mais atingida pelos efeitos da pandemia.

Deve-se deixar claro que o aumento do endividamento público é um fenômeno global, não apenas restrito ao Brasil, e que não existe evidência na literatura econômica nem na experiência internacional sobre a existência de um limite máximo para a relação dívida pública/PIB. Com efeito, países como a Itália e a Espanha, que não possuem dívida pública denominada na sua própria moeda, deverão ultrapassar, respectivamente, a marca de 150% e 120% do PIB para o endividamento público em 2020.

O Brasil possui uma grande vantagem com respeito a esses países, pois quase 100% da dívida pública brasileira é denominada em moeda nacional e é retida principalmente por residentes no Brasil. Um cenário de fuga de capital, por medo de uma eventual crise de confiança na sustentabilidade da dívida pública, é altamente improvável em nosso país, senão impossível. E mesmo que ocorresse, o Banco Central do Brasil possui os instrumentos necessários para lidar com essa eventualidade.

Isso posto, os economistas e profissionais que trabalham com economia abaixo assinados vem por meio desta se manifestar publicamente pela extinção da Emenda Constitucional nº95, dada a necessidade de se retirar as restrições autoimpostas aos gastos de investimento e demais despesas obrigatórias da União pelo teto de gastos.

A pandemia reforçou a necessidade de um pacto social mais harmônico. No Brasil, além de uma urgente reforma tributária progressiva, é imprescindível substituir o conjunto de regras fiscais atrasadas, sobrepostas e anacrônicas. Precisamos de novos instrumentos fiscais que permitam uma estabilização do ciclo econômico, viabilizem o aumento dos investimentos públicos e garantam as políticas de transferência de renda e a prestação de serviços públicos de qualidade.

Esses são elementos centrais à reorganização econômica e social do Estado, para que este possa atuar em benefício da grande maioria da população brasileira. Para fazer frente aos desafios do Século 21, é preciso repensar a atuação do Estado, o que necessariamente passa por uma revisão daquilo que sabemos que já não funciona.

ASSINAM ESTE TEXTO:
Ademir Figueiredo
Adhemar S. Mineiro
Adilson Soares
Adriana Amado
Adriana Marques da Cunha
Adriano Vilela Sampaio
Adroaldo Quintela Santos
Agnaldo Quintela dos Santos
Alan Hercovici
Alex Palludeto
Alex Rabelo Machado
Alexandre Favaro Lucchesi
Alexandre R. Motta
Aline Souza Magalhães
Ana Carla Magni
Ana Carolina Wanderley Beltrão
Ana Cláudia Arruda
Ana Cristina Cerqueira
Ana Georgina da Silva Dias
Ana Lucia Carvalho Santos
Ana Lúcia de Miranda Costa
Ana Rosa Ribeiro de Mendonça
Anderson Henrique dos Santos Araújo
André Biancarelli
André Amaral de Araújo
André Calixtre
André de Queiroz Faria
André L. Scherer
André Luis Campedelli
André Luiz de Miranda Martins
André Nassif
André Paiva Ramos
André Roncaglia
Andréa Costa Magnavita
Andrea Rodrigues Ferro
Ângela Medrado Brasileiro
Antonio Carlos de Moraes
Antonio Carlos Filgueira Galvão
Antonio Corrêa de Lacerda
Antonio Jose Alves Junior
Antonio Lassance
Antonio Melki Jr.
Antônio Negromonte Júnior
Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva
Áquilas Mendes
Aristides Monteiro Neto
Artur Ortiz de Araújo
Bárbara Cecilia M. F. De Souza
Bárbara Vallejos Vazquez
Bernardo Karam
Betty Nogueira Rocha
Bráulio Santiago Cerqueira
Bruno Andrade
Bruno de Araújo Andrade
Bruno Farias Stern
Bruno Leonardo Barth Sobral
Bruno Moretti
Bruno Setton
Camila Ugino
Camilo Bassi
Caren Freitas
Carlos Álvares da Silva Campos Neto
Carlos Cabral
Carlos Eduardo de Freitas
Carlos Eduardo Fernandez da Silveira
Carlos Pinkusfeld Bastos
Carmem Feijo
Carmen Garcia
Carmen Lúcia Castro Lima
Célia Vieira
César Roberto de Leite da Silva
Cezar Augusto Miranda Guedes
Christian Velloso Kuhn
Christiane Senhorinha Soares Campos
Cícero Péricles de Carvalho
Cid Olival Feitosa
Claudemir Galvani
Claudia Hamasaki
Claudia Beatriz Le Cocq D'Oliveira
Claudio Amitrano
Cláudio Antônio de Almeida
Cláudio da Costa Manso
Clovis Roberto Scherer
Cristiane Kerches da Silva Leite
Cristina Lemos
Daniel dos Santos
Daniel Negreiros Conceição
Daniel Negreiros Conceição
Daniela Freddo
Daniela Salomão Gorayeb
Danilo Severian
Danilo Spinola
David Deccache
Davyson Demmer Guimarães Barbosa
Débora Freire Cardoso
Denise Guichard Freire
Denise Lobato Gentil
Diego Farias de Oliveira
Dilson Renan de Souza
Dimas Alcides Gonçalves
Diogo Vieira Mazeron
Dione Conceição de Oliveira
Douglas Santos Nascimento
Édrio Donizetti
Edson Domingues
Edson Rodrigues
Eduardo Baumgratz Viotti
Eduardo Costa Pinto
Eduardo Fagnani
Eduardo Luiz de Mendonça
Eduardo Moreira Garcia
Eduardo Rodrigues da Silva
Eduardo Silva Ramos
Eliane Araújo
Elias Jabbour
Elisangela Luiza Araújo
Elmer Nascimento Matos
Emanuel Lucas de Barros
Emílio Chernavsky
Enildo Meira
Eron José Maranho
Esther Bemerguy
Esther Dweck
Eurílio Pereira Santos Filho
Euriques Fernandes Carneiro
Eustáquio José Reis
Evilásio Salvador
Fabiano Abranches Silva Dalto
Fabiano Camargo da Silva
Fábio Di Natale Guimarães
Fábio Eduardo Iaderozza
Fábio Guedes Gomes
Fábio Terra
Fabrício Missio
Fátima de Lourdes Aragão de Carvalho
Fernanda Cardoso
Fernanda Esperidião
Fernanda Feil
Fernanda Serralha
Fernando Ferrari Filho
Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt
Fernando Pacheco Dias
Fernando Pedrão
Fernando Sarti
Flávia Vinhaes
Flávio Cruvinel Brandão
Flávio José Domingos
Flávio mesquita Saraiva
Flávio Tavares de Lyra
Francisco Carneiro De Filippo
Francisco José Couceiro de Oliveira
Francisco Wagner Alves Rodrigues
Francyelle do Nascimento Santos
Frederico Gonzaga Jayme junior
Frednan Bezerra dos Santos
Gabriel Squeff
Gelton Pinto Coelho Filho
Gilberto Líbanio
Gina G. Paladino
Glaucia Campregher
Glaudionor Gomes Barbosa
Guilherme Carneiro Leão de Albuquerque Lopes
Guilherme da Costa Delgado
Guilherme Magacho
Guilherme Maia Rebouças
Guilherme Narciso de Lacerda
Guilherme Santos Mello
Gustavo Falcão
Gustavo Machado Cavarzan
Gustavo Souza Noronha
Helena Lastres
Helena Maria Martins Lastres
Hélio Mairata
Hugo Carcanholo Iasco Pereira
Hugo da Gama Cerqueira
Inês Patrício
Ingo Luger
Ismeralda Barreto
Jaderson Goulart Junior
Jales Costa
Jamile Souzza
Janice Câmara
Janúzia Souza Mendes
Jarpa Aramis Ventura de Andrade
Jason Tadeu Borba
Jennifer Hermann
João Carlos Nery de Brito
João Hallak Neto
João Ildebrando Bocchi
João Machado Borges Neto
João Santiago
Joaquim Andrade
Jorge Abrahão de Castro
Jorge Alano S Garagorry
Jorge Felix
José Antônio Lutterbach Soares
José Augusto Costa Lopes
José Carlos Peliano
José Celso Cardoso Jr.
José de Ribamar Sá Silva
José Eduardo Roselino
Jose Farias Gomes Filho
José Gabriel Porcile Meirelles
José Geraldo França Diniz
José Luis Oreiro
José Luiz Fevereiro
José Márcio Rego
José Mauro Gomes
José Moraes Neto
José Raimundo Barreto Trindade
José Rubens Damas Garlipp
José Sérgio Gabrielli de Azevedo
José Tavares Bezerra Júnior
José Valdecy Guimarães Júnior
Juan Pablo Painceira
Juarez V. Pont
Julia Braga
Júlia Marinho Rodrigues
Juliana de Paula Filleti
Juliana Pinto de Moura Cajueiro
Júlio Batista
Júlio Fernando Costa Santos
Julio Manuel Pires
Jurandir Santos de Novaes
Kalinka Martins
Ladislau Dowbor
Lafaiete Neves
Laudeny Fábio Barbosa Leão
Lauro Mattei
Lavínia Maria de Moura Ferreira
Lena Lavinas
Liana Carleial
Lícia Maria França Cardoso
Licio da Costa Raimundo
Lourival Batista de Oliveira Júnior
Luciano Dias de Carvalho
Luciano Manarin Dagostini
Luciano Pereira da Silva
Luís Carlos Garcia de Magalhães
Luis Gustavo Martins
Luís Otávio Reiff
Luiz Antônio Elias
Luiz Fenelon Pimentel Barbosa
Luiz Fernando de Paula
Luiz Filgueiras
Luiz Gonzaga Belluzzo
Luiz Gustavo de Oliveira da Silva
Luiz Martins de Melo
Magda Barros Biavaschi
Manuel Ramon Souza Luz
Marcel Guedes Leite
Marcelo Álvares de Lima Depieri
Marcelo Manzano
Marcelo Miterhof
Marcelo Pereira Fernandes
Marcelo W Proni
Márcia Flaire Pedroza
Marcio Pochmann
Marco Crocco
Marco Flávio Resende
Marcus Maia Antunes
Maria Angélica Borges Bocchi
Maria Aparecida de Paula Rago
Maria Carolina Capistrano
Maria Christina Cunha de Carvalho
Maria Cristina de Araújo
Maria Cristina Mascarenhas
Maria das Graças B. de Carvalho
Maria de Lourdes Rollemberg Mollo
Maria Fernanda Cardoso de Melo
Maria Luiza Falcão Silva
Maria Luiza Levi
Maria Luiza M. S. Marques Dias
Mariano Matos Macedo
Mariel Liberato Schwartz
Mário Jackson Siqueira Bayma Filho
Mário Rodoarte
Mário Theodoro
Marta Castilho
Marta Skinner
Martha Cassiolato
Maurício Borges Lemos
Maurilio Procópio Gomes
Mauro Osório
Mauro Patrão
Max Leno de Almeida
Miguel Huertas Neto
Mirian Beatriz Schneider
Mônica Beraldo Fabrício
Monica Landi
Nathalie Beghin
Nelma Souza Tavares
Nelson de Chueri Karam
Nelson Nei Granato Neto
Nelson Victor Le Cocq
Nicia Moreira da Silva Santos
Norma Cristina Brasil Casseb
Odilon Guedes
Orlando Ramos Moreira
Pablo SergIo Mereles Ruiz Diaz
Patrícia Cunha
Paulo César Machado Feitosa
Paulo Dantas
Paulo Gil Holck Introini
Paulo Kliass
Paulo Ricardo S Oliveira
Paulo Roberto Bretas
Paulo Sérgio Fracalanza
Pedro Garrido
Pedro Miranda
Pedro Noblat
Pedro Paulo Branco
Pedro Paulo Pettersen
Pedro Paulo Zahluth Bastos
Rafael Quevedo do Amaral
Rafael Ribeiro
Ramón García Fernández
Ranieri Muricy Barreto
Raphael Bicudo
Raul Ristow Krauser
Regina Maria d'Aquino Fonseca Gadelha
Reginaldo Muniz Barreto
Reinaldo Campos
Renata Lins
Ricardo Carlos Gaspar
Ricardo Carneiro
Ricardo de Melo Tamashiro
Ricardo Karam
Ricardo Lacerda
Ricardo Lobato Torres
Roberto Boccacio Piscitelli
Roberto Conceição dos Santos
Roberto Resende Simiqueli
Rodolfo Guimarães Regueira da Silva
Rodolfo Viana
Rodrigo Romeiro
Rodrigo Vilela Rodrigues
Rômulo Batista Sales
Ronaldo Coutinho Garcia
Rosa Maria Vieira
Rosa Maria Marques
Rosana do Carmo Ñ Guiducci
Rosângela Ballini
Roseli Faria
Rubens Sawaya
Samy Kopit
Sandro Silva
Sarah Regina Nascimento Pessoa
Sérgio Fornazier
Sérgio Guimarães Hardy
Sérgio Mendonça
Sidneia Reis Cardoso
Sílvio Humberto Cunha
Simone Deos
Sólon Venâncio de Carvalho
Tania Bacelar
Tânia Cristina Teixeira
Tereza Pozzeti
Thiago de Moraes Moreira
Thiago Rabelo Pereira
Thiago Varanda Barbosa
Thiago Xavier
Tiago Couto Porto
Tiago Oliveira
Ubajara Berocan Leite
Valcir Santos
Valdeci Monteiro
Valéria Moraes
Valéria Rezende de Oliveira
Vanessa Petrelli Corrêa
Vânia Souza
Verlane Aragão Santos
Victor Emmanuel Feitosa Hortencio
Victor Leonardo Figueiredo Carvalho de Araujo
Virgínia Oliveira
Vitor Hugo Tonin
Vítor Lopes de Souza Alves
Viviane Freitas Santos
Volnandy de Aragão Brito
Walbert Ribeiro Moreira Júnior
Weslley Cantelmo.
Wilnês Henrique


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro posa de responsável fiscal e fatura politicamente a crise do veto

Presidente aproveitou bobagem do Senado para fazer gol político, mas gosta de um gasto

Os senadores deram uma oportunidade para Jair Bolsonaro fazer um show de responsabilidade fiscal. O presidente fez pose no noticiário e no delírio das mídias sociais. Faturou politicamente uma bobagem demagógica do Senado. Só que não se trata disso, de responsabilidade.

O Senado havia derrubado veto de Bolsonaro a um parágrafo da lei de socorro a estados e municípios. A lei proíbe reajustes de salários e outros aumentos de despesas com servidores de todo o país até o fim de 2021. O parágrafo vetado abria exceção para profissionais de saúde, de assistência social, de limpeza, de policiais etc. envolvidos no combate à pandemia.

Nesta quinta-feira (20), a Câmara validou o veto, em um dia agitado como se estivessem reconstruindo os muros da Bastilha fiscal. Sim, o reajuste não faz mesmo sentido. Sim, há cheiro de queimado na praça financeira. Desde a segunda semana de agosto, as taxas de juros de prazo mais longo voltaram a dar saltos (em julho, haviam voltado a níveis pré-pandemia). Mas quem fez a chacrinha “fura-teto” foi o próprio governo, que de resto não tem projeto organizado para nada, das contas às “reformas”.

Bolsonaro não liga muito para o tamanho da despesa a não ser que: 1) veja uma possibilidade de fazer show midiático; 2) apareça um rolo com consequências notáveis para a sua reeleição.

O presidente quer o monopólio da concessão de benefícios e favores. Diminuiu o alcance da reforma da Previdência, deu reajustes para policiais, para as Forças Armadas e bilhões para uma estatal da Marinha fazer navios. Sabota o quanto pode a reforma administrativa e avacalha emendas constitucionais de redução de despesa com servidores que seu próprio ministro da Economia manda para o Congresso.

O próprio Bolsonaro apoiava a exceção que acabou enfim por vetar, por insistência de Paulo Guedes. Ele mesmo cruza a bola que cabeceia para fazer o gol da confusão permanente que é seu desgoverno.

O governo, de resto, fez um show com o tamanho dessa crise do veto. O Senado de fato colocou mais água no moinho das tentativas de elevar gastos, manobras avacalhadas para dar um jeito no teto de despesas sob o pretexto de estimular a economia e atenuar problemas sociais. Nada disso vai prestar, posto dessa maneira. Mas o governo superfaturou essa crise.

Segundo o governo e seus economistas, a derrubada do veto reduziria em dois terços a economia prevista com a proibição de reajustes, coisa de quase R$ 90 bilhões. Esse número não parece fazer sentido algum.

A derrubada do veto não implicaria reajustes, para começar. Para continuar, a despesa com “remuneração de empregados” nos estados e municípios foi de uns R$ 662 bilhões em 2019 (o governo federal está fora da conta porque se supõe que não concederia reajustes, certo?). Seria preciso dar baitas reajustes a todos os funcionários do país inteiro para essa conta parecer razoável.

E daí? Daí que a discussão é uma mixórdia de baixo nível, condizente, portanto, com esse governo. Nas mídias sociais, era possível ler o povo bolsonariano dizendo que os senadores haviam se dado reajustes, por exemplo.

O arranca-rabo desnecessário e de fancaria ajuda a complicar a vida de Guedes no Congresso, em particular no Senado, a quem acusou de cometer “um crime”, o que deixou a turma possessa por lá. A gente podia ouvir senador dizendo “quero ver o seu Guedes vir aqui com cara de pau falando de concórdia e pedindo suas reformas”.

Bolsonaro deve ter ficado feliz como pinto no lixo, na confusão, no caos que o revigora.


Rogério Furquim Werneck: Sob o teto de gastos

É preciso saber ir além do jogo de cena e dos esforços de manutenção das aparências

A questão não é saber se e quando Paulo Guedes sairá do governo. O que de fato importa é se houve mudança decisiva e inequívoca na forma como o Planalto percebe as possibilidades de condução da política fiscal no país. E, quanto a isso, já não há margem a dúvidas. Não há mais como alimentar ilusões sobre o real compromisso de Jair Bolsonaro com a preservação do teto de gastos.

É preciso saber ir além do jogo de cena e dos esforços de manutenção das aparências que terão lugar nas próximas semanas. E perceber, em meio ao discurso ambíguo de Bolsonaro, que a restrição de gastos passou a ser vista como um estorvo. Ao mesmo tempo que já não esconde que está explorando subterfúgios de contabilidade criativa para violá-la, o presidente declara-se disposto a patrocinar mudanças na legislação que garantam o disparo dos gatilhos requeridos para a preservação do teto.

Mas é bom lembrar que o propósito do teto e dos gatilhos é gerar desconforto. Fazer o sistema ranger. A ideia é que a compressão automática da remuneração dos servidores públicos — por redução de salários e de jornada de trabalho — e o risco de shutdown iminente da administração pública possam engendrar o senso de urgência que se faz necessário. E sirvam para dar ao Executivo, ao Congresso e ao Judiciário a convicção requerida para viabilizar formas mais racionais e sustentáveis de contenção de gastos.

Mas quem, a esta altura dos acontecimentos, acredita mesmo que Bolsonaro estará disposto a empatar seu capital político na aprovação de medidas que assegurem o disparo de gatilhos tão desgastantes de preservação do teto, como o que impõe compressão substancial nas remunerações dos funcionários públicos federais?

É preciso ter em conta que, por sete mandatos de deputado federal, Bolsonaro se dedicou, quase exclusivamente, à agenda sindicalista de defesa dos interesses de militares e policiais. E que, no ano passado, o presidente se permitiu patrocinar recomposição considerável da remuneração dos militares, na contramão do esforço de ajuste fiscal que se fazia necessário. Tampouco se pode esquecer a forma ostensiva com que, há poucos meses, o presidente atrasou a sanção da legislação que vedava reajustes salariais na esfera estadual, para que policiais militares escapassem à proibição e tivessem seus salários generosamente reajustados a tempo.

Salta aos olhos que Bolsonaro fará o que for possível para evitar um gatilho de compressão dos salários dos servidores federais. Pela mesma razão que não deixou que o projeto de reforma administrativa decolasse.

Embalado agora por seu bom desempenho nas pesquisas de opinião, Bolsonaro está convencido de que a pandemia não lhe causará tanto desgaste quanto temia. E que o segredo da reeleição continua o mesmo: expansão do gasto público. Quer turbinar o Bolsa Família, com o programa Renda Brasil, para preservar o ganho de popularidade que lhe foi propiciado pela concessão do auxílio emergencial. E está prestes a deslanchar centenas de projetos empacotados no novo Pró-Brasil.

Há poucos meses, ainda havia quem acreditasse que a batalha da preservação do teto de gastos seria marcada por um grande embate entre o ministro da Economia, solidamente respaldado pelo presidente da República, de um lado, e todo o resto da Esplanada dos Ministérios e boa parte do Congresso e do Poder Judiciário, de outro. Já está mais do que claro, contudo, que tal batalha está fadada a assumir configuração bem mais simples: um cabo de guerra, a cada dia mais desgastante, entre o Ministério da Economia e o Planalto. Alguém tem dúvida sobre que lado, afinal, prevalecerá?

Foi sob a sombra do teto de gastos que se pôde montar o espetáculo fenomenal de uma economia com inflação ineditamente baixa, taxa real de juros próxima de zero e contas fiscais escancaradamente insustentáveis. O que ainda não se sabe é com que rapidez tal espetáculo será inviabilizado, quando se disseminar a percepção de que a prometida preservação do teto se mostrou fantasiosa.