são paulo

Vera Magalhães: Mas sua filha vota

Degrau geracional no voto em SP mostra urgência de falar com eleitor jovem

Apenas dois anos separam os jovens Bruno Covas (40 anos) e Guilherme Boulos (38). Mas as estratégias definidas pelas duas campanhas à Prefeitura de São Paulo levaram a que se estabelecesse um “degrau geracional” no voto de ambos que pode projetar cenários importantes para a política nacional, além das fronteiras da capital paulista.

Em 16 de novembro, dia seguinte ao primeiro turno, o ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Walter Casagrande postou a mesma pergunta a Boulos e Covas: ele, dependente químico em recuperação, queria saber a política de ambos para as drogas. Boulos levou menos de duas horas para responder. Covas levou dez. No último fim de semana, Boulos fez uma live com o youtuber Felipe Neto, que tem 40 milhões de seguidores no YouTube, para jogar AmongUs, um jogo eletrônico que é febre entre jovens, acompanhado das filhas. Até a noite de ontem o vídeo tinha 3,1 milhões de visualizações.

Pesquisa Datafolha divulgada na madrugada desta terça-feira explicita a diferença geracional que se estabeleceu no voto do paulistano. A idade é “O” fator de decisão de voto em Boulos, mais que renda, como poderia supor o militante de esquerda. O prefeito vence em todos os extratos sociais, mesmo entre os eleitores que recebem até 2 salários mínimos.

Quando se analisa a faixa etária do eleitor, a coisa muda drasticamente de figura. Boulos dá uma lavada em Covas na faixa entre 16 e 24 anos, vence com folga no grupo imediatamente mais velho, até 34 anos, e quase chega lá entre os eleitores entre 35 e 44 anos.

E é aí que mora o maior risco para a reeleição de Covas, ao qual seus aliados estão atentos: o eleitorado mais velho é também o mais suscetível a não comparecer para votar, num ano marcado por um recorde de abstenções. O risco de contaminação pelo novo coronavírus no momento em que os casos voltaram a subir de forma preocupante pode impactar ainda mais o segundo turno que o primeiro.

Covas praticamente não tem engajamento nas redes sociais. Preferiu fazer uma campanha “old school”, com grande tempo de TV e muito profissional. Deu certo: ele passou tranquilo pelo primeiro turno e lidera com margem de 10 pontos a poucos dias do pleito. Mas ignorar as redes sociais e a personalidade que o eleitor jovem adquiriu nessa campanha pode ser um erro para políticos que queiram alçar voos futuros, e é nesse ponto que a campanha de Boulos serve como case nacional.

A distopia bolsonarista parece ter atingido o eleitor jovem mais que qualquer outro. A forma desrespeitosa e ameaçadora com que o presidente trata mulheres, negros e LGBTQIA+ e questões como a preservação ambiental causa urticária natural em um eleitorado para o qual diversidade, representatividade e sustentabilidade não são pautas “identitárias”, mas sim o modo pelo qual enxergam o mundo.

Falar com esse eleitor nada tem a ver com “lacrar" na internet ou se eleger à custa de memes e fake news, como fez Bolsonaro em 2018. Significa acordar para a necessidade de se comunicar de forma sincera, orgânica e eficiente com um público que vai, nas eleições vindouras, decidir qual o perfil do político para enfrentar Bolsonaro e também para ocupar cadeiras no Congresso.

A “virada” pregada por Boulos parece difícil, pelo voto consolidado de Covas nos segmentos e nos bairros da cidade, além da máquina mais poderosa a seu dispor e da avaliação consistente que tem como prefeito num ano em que as escolhas também se pautaram pela experiência dos gestores. Mas fica o aprendizado de que a disputa civilizada, sem gravata e dentro das balizas da política travada na cidade pode ser laboratório para conquistar corações e mentes de um eleitor ainda não viciado em polarização raivosa.


Cláudio de Oliveira: A situação financeira da prefeitura de São Paulo

Diga-se com todas as letras: quem quebrou a Prefeitura de São Paulo foi a direita. Eleito em 1992, Paulo Maluf e o seu secretário de finanças, Celso Pitta, aumentaram significativamente a dívida do município com uma gestão perdulária, populista e irresponsável. Maluf investiu pesadamente em obras viárias, várias delas de prioridade duvidosa e com denúncias de superfaturamento, incentivando o transporte individual.

Para desviar a atenção da falta de investimento em transporte coletivo, a propaganda eleitoral de Pitta, em 1996, apresentou uma animação gráfica de um VLT apelidado de Fura-Fila. O projeto contrariava os argumentos técnicos, uma vez que no trajeto do Fura-Fila havia planejamento para uma linha do metrô. O Fura-Fila causou pesado ônus aos cofres do município.

Maluf não implantou o SUS, determinado pela Constituição de 1988. Transformou a saúde pública no desastroso PAS, o Plano de Assistência à Saúde, gerido por cooperativas médicas, assoladas por toda sorte de denúncias de irregularidades. Podemos debater se houve programas positivos como o Singapura, de verticalização de favelas, e o Leve-Leite. Mas, ao mesmo tempo em que o Leve-Leite foi lançado, foi descuidada a merenda escolar. No final da gestão Pitta, chegou a ser servida nas escolas municipais uma merenda composta apenas de suco e bolacha.

O legado do malufismo foi desastroso: um enorme rombo nas contas da prefeitura, um grande déficit de vagas nas creches municipais, um número enorme das famigeradas escolas de latas, as salas de aulas em containers espalhados pela cidade na administração Pitta. Maluf e Pitta deixaram um sistema de transportes caótico, com explosão do número de vans clandestinas, formado especialmente por veículos importados da China à época do início do Plano Real, quando nossa moeda era equiparada ao dólar.

A situação financeira da cidade só não estava pior porque o governo federal, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, havia federalizado as dívidas de estados e municípios, num acordo em que as prefeituras e governos dos estados se comprometiam em pagá-las em parcelas durante 30 anos.

Coube a Marta Suplicy, eleita em 2000, e ao seu secretário João Sayad, o ônus de sanear o descalabro financeiro deixado por Maluf e Pitta, numa conjuntura econômica extremamente difícil. Como sabemos, o segundo mandato do governo FHC foi marcado pelas crises das moedas dos países emergentes, com consequente baixo crescimento, e pelo apagão em 2001. Marta organizou o sistema de transportes públicos e implantou o bilhete único, ainda que tenha aumentado a tarifa de ônibus acima da inflação e a prefeitura não tenha ampliado subsídios, uma vez que a sua situação fiscal não permitia. Ela aumentou o IPTU e implantou sua progressividade, criou as taxas do lixo e da luz, trazendo-lhe grande desgaste político. Ela deu o início à construção dos CEUS, mas não conseguiu zerar o déficit das creches nem eliminar as escolas de lata.

Com a eleição de Lula, em 2002, Marta tentou renegociar os índices de juros da dívida do município com a União, sem êxito. Prefeitos e governadores pretendiam trocar o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getúlio Vargas, então vigente no acordo com a União, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Devido aos juros elevados para segurar o recrudescimento da inflação e a fuga de dólares, a dívida federal havia aumentado consideravelmente. No final do governo de FHC, o Brasil teve de assinar um acordo para ajuda do FMI, além de conseguir empréstimo com o governo de Bill Clinton, com o objetivo de fechar as contas no azul.

Lula assumiu a presidência da República prometendo honrar o acordo com o FMI, no qual previa um superávit de 4% do PIB, para estabilizar a dívida pública e o compromisso de realizar reformas com o objetivo de fazer um ajuste estrutural das contas públicas. O seu ministro da Fazenda, Antônio Palocci, promoveu o maior corte de gastos públicos desde a redemocratização do país, entregando um superávit primário de 4,25% do PIB, ao mesmo tempo em que fez aprovar a reforma da Previdência do setor público.

Com a administração austera em seu primeiro mandato, Lula conseguiu evitar o que aconteceu com a vizinha Argentina, quando o descontrole da inflação levou o presidente Fernando de La Rua a renunciar ante os gigantescos panelaços. Foram essas medidas de austeridade de Palocci que causaram a oposição da ala radical do PT e o surgimento do PSOL, em 2004, ainda antes do escândalo do mensalão. Evitando uma aguda crise econômica e financeira do país, Lula pôde retomar o crescimento econômico no segundo mandato, com uma média de 4% do PIB nos seus dois governos, favorecido pelos bons ventos internacionais, em especial pelo crescimento da China.

Foi nesse contexto mais favorável das economias nacional e internacional que José Serra, eleito em 2004, e Gilberto Kassab, a parir de 2006 e reeleito em 2008, puderam retomar obras paralisadas, retomar a construção dos CEUs iniciados na gestão de Marta, construir escolas de alvenaria em substituição às escolas de lata, por fim ao terceiro turno nas escolas municipais, retomar a construção dos corredores de ônibus e implantar a integração do bilhete único com o metrô e os trens da CPTM.

Ressalte-se que Kassab foi o único prefeito que contribuiu com o governo do estado para as obras do metrô, apontado pelos especialistas como a solução ótima para o transporte público em São Paulo. Porém, Kassab não conseguiu zerar o déficit crônico de vagas nas creches municipais. Serra e Kassab também tentaram em vão renegociar o índice dos juros da dívida do município.

Fernando Haddad foi eleito em outubro de 2012 com apoio da presidente Dilma Rousseff, que prometera na campanha do petista uma ajuda de R$ 8 bilhões para viabilizar o Arco do Futuro, um ambicioso plano de urbanização e obras viárias do centro de São Paulo, apresentado no horário eleitoral.

Porém, com a crise das hipotecas em 2007/2008 nos Estados Unidos, os ventos viraram. Em 2009, o Brasil só não fechou no vermelho graças à compra antecipada por parte da Petrobras de barris de petróleo da União. A partir de 2011, o Brasil terá declínio do crescimento do PIB.

Em 2012, ano da eleição de Haddad, o governo de Dilma só fechou no azul graças à antecipação dos dividendos das estatais e dos bancos públicos. Os anos seguintes serão de manobras fiscais, apelidadas de "contabilidade criativa" e "pedaladas fiscais", que ensejaram a oposição a fazer o pedido de impeachment da presidente Dilma, em 2016.

Já em 2013 era sentido o baque na economia com a indústria paulista dando férias coletivas ou recorrendo ao Lay Off. Segundo a FGV, a recessão começou no terceiro trimestre de 2014 e levou a uma queda do PIB de 8,2%, só inferior à recessão de 1981-1983, de recuo de 8,4% do PIB e que jogou o Brasil na década perdida de 1980.

A ajuda federal de R$ 8 bilhões não veio e, com a queda na arrecadação, o prefeito Fernando Haddad anunciou, em agosto de 2013, a desistência de realizar as obras do Arco do Futuro. Ele tentou renegociar os juros da dívida da prefeitura com o governo federal sob o comando de Dilma, mas também não conseguiu.

Esses índices foram finalmente alterados quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pôs em votação a "pauta-bomba" no segundo mandato de Dilma. Porém, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sentou em cima da lei e foi preciso que Fernando Haddad fosse à Justiça para que o governo federal trocasse os índices, o que só aconteceria no ano seguinte, em 2016, ano final de sua gestão.

Depois de desistir do Arco do Futuro e em meio à queda na arrecadação, Haddad tocou a máquina da prefeitura, garantindo os serviços públicos, o que, em se tratando de São Paulo, não é pouca coisa. Ele só conseguiu construir um CEU e não venceu o déficit de vagas nas creches, mas ampliou o número de corredores de ônibus.

À falta de obras viárias vistosas, Haddad ampliou faixas de ônibus e construiu ciclovias e especialmente ciclofaixas. Promoveu corte de gastos em diversos programas, inclusive no Leve-Leite. Para colocar os gastos nos níveis exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, a prefeitura, entre outras medidas, suspendeu contratos com empresas de segurança nos últimos seis meses da administração, ficando alguns parques municipais sem segurança no período.

Como parte do esforço fiscal de ajustar as contas do município à difícil realidade econômica, Haddad apresentou uma proposta de reforma da deficitária Previdência dos servidores municipais. Diante da reação dos sindicatos dos funcionários públicos e de partidos de esquerda, entre eles o PSOL, a reforma foi suspensa, e seria retomada com mudanças na gestão do seus sucessor João Doria e aprovada na gestão Bruno Covas.

Porém, diante das resistências, a reforma da Previdência municipal foi desidratada: aumentou o desconto de 11% a 14%, criou um fundo complementar para aposentadorias acima do teto do INSS, mas não estabeleceu idade mínima, ficando, segundo muitos economistas, aquém das reformas previdenciárias em vários estados da federação, inclusive dos estados governados pelo PSB, como Pernambuco, e PT, como Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte.

Haddad agiu com responsabilidade fiscal, teve capacidade política, manteve um bom diálogo com o governo do estado sob o comando de Geraldo Alckmin. Contra sua gestão não há casos comprovados de corrupção sob sua responsabilidade pessoal direta. Porém, Haddad foi derrotado em todas as 58 zonas eleitorais de São Paulo em sua tentativa de reeleição em 2016, prejudicado por uma conjuntura econômica adversa, somada ao desgaste do seu partido decorrente dos escândalos revelados pela Lava Jato.

As gestões de Doria e Covas promoveram novos ajustes, uma vez que não houve uma recuperação econômica significativa e constante do país, frustradas tanto no final do governo do presidente Michel Temer quanto no primeiro ano de Jair Bolsonaro. Mesmo assim, obras como de CEUs, corredores de ônibus, unidades de saúde e hospitais foram retomadas e continuadas.

Mas, com a pandemia do coronavírus, o município teve de enfrentar uma nova realidade, com gastos com o fortalecimento do SUS e a construção de diversos hospitais de campanha. A situação para estados e municípios só não ficou dramática graças aos programas de auxílio-emergencial e de ajuda econômica do governo federal, inclusive a prefeituras e governos dos estados, aprovados principalmente por iniciativa e pressão do Congresso.

A futura gestão da cidade dependerá de uma equação cujo um dos elementos é a capacidade do governo federal em resolver a crise econômica do país. Com um déficit primário de cerca de R$ 660 bilhões e a incapacidade política do presidente Bolsonaro em liderar o Brasil – ele mais atrapalha do que ajuda –, talvez seja prudente não alimentar grandes expectativas qualquer que seja o eleito no próximo dia 29 de novembro.

*Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista, autor do livro Pittadas de Maluf, ganhador do troféu do melhor livro de charges de 1998


Bernardo Mello Franco: A frente de Boulos

O prefeito Bruno Covas lidera as pesquisas e é favorito para vencer a eleição de São Paulo. Mas foi da campanha do seu adversário, Guilherme Boulos, que surgiu o fato político mais relevante do segundo turno até aqui.

No sábado, Lula, Ciro Gomes, Marina Silva e Flávio Dino apareceram juntos na propaganda do candidato do PSOL. Os quatro não dividiam o mesmo palanque eletrônico desde 2006, quando o ex-presidente conquistou o segundo mandato.

Boulos emergiu como a grande novidade do primeiro turno. Com 17 segundos na TV, ultrapassou veteranos como Márcio França e Celso Russomanno, que contava com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. O candidato do PT, Jilmar Tatto, amargou um vexatório sexto lugar.

O PSOL investiu na dobradinha entre um candidato de 38 anos e uma vice de 85. A presença de Luiza Erundina ajudou a atenuar um dos pontos fracos de Boulos. Se ele nunca ocupou cargos públicos, ela governou a cidade entre 1989 e 1992.

A campanha improvisou uma espécie de papamóvel para a ex-prefeita circular na pandemia. Protegida por uma cabine de acrílico, ela percorre a periferia em busca de votos que se descolaram do PT em 2016.

Apesar da aposta no corpo a corpo, Boulos decolou graças à internet. Sua candidatura ganhou impulso nas redes sociais, onde o bolsonarismo reinou sozinho na última eleição. Ele mobilizou artistas e ganhou a preferência dos eleitores mais jovens.

O líder do MTST moderou o tom, mas não abriu mão do discurso contra a desigualdade e a extrema direita instalado no Planalto. No segundo turno, isso o ajudou a reunificar o campo progressista, que se estranhava desde o rompimento de Lula e Ciro na corrida presidencial.

A união em torno de Boulos fez a esquerda voltar a sonhar com uma aliança nos moldes da Frente Ampla uruguaia para enfrentar Bolsonaro em 2022. O cenário ainda é improvável, mas deixou de ser impossível. E Boulos será peça-chave para qualquer acordo daqui a dois anos.

O prefeito Bruno Covas lidera as pesquisas e é favorito para vencer a eleição de São Paulo. Mas foi da campanha do seu adversário, Guilherme Boulos, que surgiu o fato político mais relevante do segundo turno até aqui.

No sábado, Lula, Ciro Gomes, Marina Silva e Flávio Dino apareceram juntos na propaganda do candidato do PSOL. Os quatro não dividiam o mesmo palanque eletrônico desde 2006, quando o ex-presidente conquistou o segundo mandato.

Boulos emergiu como a grande novidade do primeiro turno. Com 17 segundos na TV, ultrapassou veteranos como Márcio França e Celso Russomanno, que contava com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. O candidato do PT, Jilmar Tatto, amargou um vexatório sexto lugar.

O PSOL investiu na dobradinha entre um candidato de 38 anos e uma vice de 85. A presença de Luiza Erundina ajudou a atenuar um dos pontos fracos de Boulos. Se ele nunca ocupou cargos públicos, ela governou a cidade entre 1989 e 1992.

A campanha improvisou uma espécie de papamóvel para a ex-prefeita circular na pandemia. Protegida por uma cabine de acrílico, ela percorre a periferia em busca de votos que se descolaram do PT em 2016.

Apesar da aposta no corpo a corpo, Boulos decolou graças à internet. Sua candidatura ganhou impulso nas redes sociais, onde o bolsonarismo reinou sozinho na última eleição. Ele mobilizou artistas e ganhou a preferência dos eleitores mais jovens.

O líder do MTST moderou o tom, mas não abriu mão do discurso contra a desigualdade e a extrema direita no poder. No segundo turno, isso o ajudou a reunificar o campo progressista, que se estranhava desde o rompimento de Lula e Ciro na campanha de 2018.

A união em torno de Boulos fez a esquerda voltar a sonhar com uma aliança nos moldes da Frente Ampla uruguaia para enfrentar Bolsonaro em 2022. O cenário ainda é improvável, mas deixou de ser impossível. E Boulos sairá da eleição como peça-chave para qualquer acordo daqui a dois anos.


Ricardo Noblat: Ganha emoção a disputa entre Covas e Boulos em São Paulo

Diminui a diferença entre os dois

Bruno Covas (PSDB) ficou onde estava sem perder um único ponto percentual no total das intenções de voto na nova pesquisa Datafolha para prefeito de São Paulo no segundo turno cujos resultados foram divulgados na madrugada de hoje.

Foi Guilherme Boulos (PSOL) que cresceu, reduzindo a vantagem de Covas medida na pesquisa da semana passada. Cresceu em cima de parte dos eleitores que pretendiam votar em branco, anular o voto ou que se diziam indecisos quanto a apoiá-lo.

Se antes 18 pontos separavam os dois ao se computar apenas os votos válidos, excluídos os brancos, nulos e indecisos, agora são 10. Significa que Boulos precisará tomar de Covas 5 pontos de votos válidos para chegar empatado com ele no domingo.

É possível? Sim, fácil não é. Aumentou a certeza dos eleitores: agora são 86% os que dizem que igualmente votarão em Covas ou em Boulos. Entre os 14% que admitem mudar de idéia, 52% afirmam que migrariam para o voto nulo ou em branco.

O avanço de Boulos se deu principalmente entre os eleitores mais jovens e que revelam maior disposição para votar no domingo. A grande maioria dos eleitores mais velhos está com Covas, embora os efeitos da pandemia possam reter uma parte em casa.

Se houver um voto de protesto por conta do assassinato de João Alberto no Carrefour de Porto Alegre, Boulos se beneficiará disso. Entre os que se apresentam como pretos ouvidos pelo Datafolha, ele cresceu oito pontos percentuais no total das intenções de voto.

Em resumo: tudo pode acontecer nessa reta final de campanha, inclusive nada.


Bruno Boghossian: Ciclo eleitoral não foi um bom negócio para os planos políticos de Doria

Tucano foi escondido, teve alta da reprovação em São Paulo e viu partido encolher

Assim que a apuração mostrou o fiasco dos candidatos do Planalto nas eleições municipais, João Doria espezinhou o rival: “Vitória da democracia. Derrota de Bolsonaro”. O tucano pode ter ficado satisfeito com o tombo do desafeto, mas o ciclo de 2020 não foi exatamente um bom negócio para seus planos.

O resultado na capital paulista e os números das disputas no interior do estado só contam uma parte da história. Bruno Covas (PSDB) foi ao segundo turno depois de esconder o antecessor durante quase toda a campanha. Em vez de ser explorado para turbinar a candidatura, o apoio do governador surgia muitas vezes como um constrangimento.

A disputa também aprofundou arranhões em sua imagem. Dois anos depois que Doria deixou a Prefeitura sob desaprovação de muitos paulistanos, sua avaliação negativa disparou. Ao longo da campanha, o índice de eleitores que consideram o governo ruim ou péssimo subiu de 39% para 52% –percentual semelhante à rejeição a Bolsonaro na capital.

Após assumir o controle da burocracia do PSDB para pavimentar sua candidatura ao Planalto em 2022, Doria viu o partido perder mais de um terço de suas prefeituras no primeiro turno: de 804 para 519. Embora tenha preservado espaço em São Paulo, a legenda derreteu em estados como Minas Gerais (segundo colégio eleitoral do país), Goiás e Paraná.

Enquanto o PSDB sai enfraquecido, partidos que eram vistos como satélites de uma candidatura presidencial de Doria avançam. Aos poucos, DEM e PSD ganham poder de barganha para uma eventual aliança com os tucanos na próxima eleição. Alguns caciques que defendiam seu nome para o Planalto já acreditam que a história pode ser diferente.

Com uma estrutura partidária menos robusta e problemas de popularidade na maior cidade do país, Doria tem um caminho mais acidentado pela frente. O futuro de seu projeto presidencial dependerá cada vez mais da eficácia de suas jogadas no plano nacional: a corrida da vacina e os embates viscerais com Bolsonaro.


Luiz Carlos Azedo: As forças centrífugas

“Nas disputas de segundo turno, há todo tipo de combinações. Não se pode falar de polarização entre Bolsonaro, que saiu do primeiro turno com fama de pé frio, e a oposição”

As eleições municipais no Brasil, mesmo na época do regime militar, sempre funcionaram como forças centrífugas, mitigando a polarização política das eleições gerais, para que um novo ciclo de reaglutinação de forças ocorresse. Tínhamos, a partir da redemocratização de 1945, um sistema partidário consolidado, no qual três grandes partidos nacionais predominavam — PSD, PTB e UDN —, com uma força regional importante — o Partido Social Progressista, de Ademar de Barros, em São Paulo — e a esquerda ideológica dividida entre o PSB, de João Mangabeira, e o então proscrito Partido Comunista, liderado por Luiz Carlos Prestes.

Com o golpe de 1964, para se manter no poder, os militares acabaram com os partidos políticos, impondo artificialmente o bipartidarismo oficial, com a criação da Arena e do antigo MDB, que se tornou uma frente legal de oposição; suprimiram as eleições presidenciais, marcadas para 1965; e acabaram com as eleições para governadores e prefeitos das capitais. Mas não puderam eliminar completamente as eleições municipais — ocorrera a mesma coisa durante o Estado Novo —, canceladas apenas naqueles municípios considerados “áreas de segurança nacional”. Mesmo assim, não conseguiram conter as forças centrífugas da política local, sendo obrigados a criar um subterfúgio, as sublegendas, para impedir que as eleições municipais implodissem a Arena, com suas dissidências migrando para o MDB, o que acabou ocorrendo com o passar dos anos, principalmente depois das eleições de 1974.

As eleições municipais do último domingo não fugiram à regra. Seus resultados mostram que atuaram como forças centrífugas do quadro político nacional, que estava muito polarizado entre Jair Bolsonaro e a oposição de esquerda. Os números permitem múltiplas interpretações, mas algumas conclusões são consensuais: 1) os partidos de centro cresceram muito, principalmente o PP, PSD e DEM; 2) a esquerda tradicional perdeu terreno, principalmente o PT; 3) os partidos de extrema-direita não hegemonizaram o pleito. Se há um grande derrotado no primeiro turno, é o presidente, que participou da disputa como aquele jogador de futebol que entra numa bola dividida, achando que vai chegar primeiro e tirá-la do adversário com o bico da chuteira, mas acaba perdendo para quem entrou na jogada mais decidido, com o pé mais firme.

A opção que Bolsonaro fez por alguns candidatos no primeiro turno, principalmente Celso Russomanno (Republicanos), em São Paulo, e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro, logo no começo da campanha, foi uma decisão tomada muito mais com o fígado que por estratégia. Sem partido, fora aconselhado a se manter distante das disputas municipais. Viu no apoio a Russomanno, que despontava como líder, uma maneira de derrotar o governador João Doria (PSDB).

No Rio de Janeiro, de igual maneira, seria uma forma de derrotar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que articula ostensivamente a candidatura de Luciano Huck para 2022. Antecipar definições para 2022 nas eleições municipais é uma aposta de alto risco, porque não se pode combinar com os adversários nem com o eleitor. Bolsonaro ofuscou outros resultados que poderiam até beneficiá-lo.

Prefeituras

PSDB e MDB perderam o maior número de prefeituras na comparação do primeiro turno de 2016 e de 2020. O PSDB foi de 785 para 512 prefeitos eleitos — ou seja, 273 a menos. O MDB perdeu 261 prefeituras (caiu de 1.035 para 774), embora continue sendo o maior partido do país em número de prefeituras, vereadores eleitos e votação. O PT registrou mais uma queda, conquistando 179 prefeituras, 75 a menos que em 2016. DEM e PP foram partidos que ganharam mais prefeituras. O primeiro foi de 266 para 459, ou seja, 193 a mais, sendo três dos sete prefeitos eleitos no primeiro turno nas capitais. O segundo, saltou de 495 para 682 prefeitos, 187 a mais. Destaque também para o PSD, que passou de 537 para 650 prefeituras.

Nas disputas de segundo turno, há todo tipo de combinações: direita contra centro-direita, esquerda contra centro-esquerda, centro-esquerda contra o centro-direita. Nesse sentido, não se pode falar numa polarização entre Bolsonaro e a oposição. Além disso, o presidente da República saiu do primeiro turno com fama de pé frio — os políticos são muito supersticiosos —, o que desaconselha seu apoio. Vamos ver o que vai acontecer entre Bolsonaro e seus aliados neste segundo turno, no qual o objetivo de derrotar seus prováveis adversários em 2022 subiu no telhado.

No campo governista, digamos assim, o PP e o PSD emergiram como grandes forças políticas, fortalecendo setores mais moderados do Palácio do Planalto. A ala de extrema-direita ideológica do bolsonarismo foi derrotada no primeiro turno. No campo da oposição, o hegemonismo petista também está sendo derrotado, principalmente em razão do resultado de São Paulo, no qual Guilherme Boulos levou o PSol a ocupar um lugar que sempre fora do PT.

Finalmente, há que se destacar que o resultado das eleições municipais inviabilizou a sobrevivência de muitos partidos, à direita e à esquerda, que terão de repensar o próprio projeto, buscando fusões e incorporações àqueles com quem tem alguma afinidade ideológica e/ou programática e mais viabilidade eleitoral em 2022.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/as-forcas-centrifugas/

Celso Rocha de Barros: São Paulo deixou Bolsonaro sem teto

Reorganização da esquerda pode ser sintoma da volta da política brasileira ao normal

Com a passagem de Guilherme Boulos (PSOL-SP) para o segundo turno da eleição em São Paulo, Jair Bolsonaro tornou-se um sem-teto na política paulistana. Bruno Covas (PSDB-SP), que terminou em primeiro e disputará a prefeitura com Boulos, também é adversário do governo federal. O candidato de Bolsonaro, Celso Russomanno, tornou-se um sem-piso depois de receber o apoio presidencial.

O líder sem-teto realizou um feito notável. Sem o apoio do PT –cujo candidato, Jilmar Tatto, teve 8% dos votos válidos na boca de urna Boulos conseguiu atrair a maior parte dos eleitores que deram a Prefeitura de São Paulo à esquerda em três oportunidades. A campanha de Boulos foi eficiente em linguagem e proposta, e a escolha de Luiza Erundina como vice não poderia ter sido melhor: acrescentou experiência administrativa à candidatura e fez o aceno certo ao eleitorado petista.

Boulos foi o mais surpreendente dos "meteoros vermelhos", expressão criada por Vinícius Torres Freire para descrever os candidatos fortes de esquerda em uma eleição dominada pela centro-direita. O outro, que se saiu melhor do que Boulos, inclusive, mas tinha apoio do PT, foi Manuela D’Ávila (PC do B-RS), candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad em 2018. Manuela deve ir ao segundo turno em Porto Alegre com impressionantes 40% dos votos válidos.

Os meteoros vermelhos parecem dignos de nota porque 2018 foi uma grande vitória da extrema-direita. Mas a reorganização da esquerda, que ainda está em sua fase inicial, pode ser só mais um sintoma da volta da política brasileira ao normal depois do surto de 2018. Esquerda no segundo turno em Porto Alegre, Recife, Belém, São Paulo, nada disso é novidades histórica.

No geral, a eleição foi o oposto da anterior, em que o Brasil elegeu o extremista Jair Bolsonaro. Desta vez, os outsiders ficaram mesmo outside. Boulos e Manuela, João Campos e Marilia Arraes, ACM Neto e Bruno Covas, Alexandre Kalil e Eduardo Paes, representam a renovação em seus respectivos campos democráticos. Não são outsiders como o paulista Mamãe Falei ou os cariocas Mamãe Nadei e Mamãe Sofri Impeachment. Só o candidato Mamãe Fui no Motim na Polícia segue com chances em Fortaleza.

No geral, o eleitorado votou com a memória da competência passada, o que deve se confirmar quando Eduardo Paes derrotar Crivella no segundo turno do Rio de Janeiro. Mesmo onde os “meteoros vermelhos” foram bem, há memórias de boas administrações progressistas.

De qualquer forma, ficou claro que o eleitorado de esquerda ainda está aí, esperando que as lideranças e partidos se reorganizem para oferecer-lhe candidaturas competitivas. Não é nada estranho em um sistema multipartidário, nem um pouco estranho no pós-Lava Jato. Como o exemplo da eleição carioca mostrou, é um processo difícil e cheio de arestas. Mas é muito improvável que a reorganização pós-Lava Jato da esquerda termine tão mal como a da direita, que nos deu Bolsonaro em 2018.

A eleição para vereadores talvez mostre padrões mais claros de renovação, em especial pelos novos vereadores e vereadoras negras. Se mais gente com cara de Marielle e menos gente com cara de seus assassinos sair forte esse ano, 2018 terá mesmo ficado para trás.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Luiz Carlos Azedo: Biden antecipa 2022

“O encontro do apresentador Luciano Huck com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro mexeu com o tabuleiro político. O apresentador de tevê se fingia de morto”

“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e, sim, sob aquela com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Quem já não leu ou ouviu essa frase na crônica política? É citada com frequência, literalmente ou não, mas com o mesmo sentido. Está no segundo parágrafo do O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx (Martin Claret), escrito em Londres, sob encomenda, para um semanário que seria lançado em Nova York, em 1º de janeiro de 1852, cujo editor, Joseph Weydemeyer, morreu. O texto acabou publicado numa revista mensal intitulada Die Revolution e introduzido na Alemanha semiclandestinamente, antes de virar um livro-reportagem sobre o golpe de Estado de Napoleão III, em 1851. O título faz alusão ao golpe de 9 de novembro de 1799, esse, sim, dado por Napoleão Bonaparte. É um clássico da análise política, que cunhou os conceitos de “bonapartismo”, “transformismo político” e “cretinismo parlamentar”.

O presidente Jair Bolsonaro não foge à regra dos grandes personagens da História que se repetem, citados por Marx naquele texto: depara-se com circunstâncias que não escolheu e são completamente diferentes daquelas nas quais se elegeu. É como se a roda da Fortuna tivesse girado a favor dos seus adversários, zerando a vantagem estratégica que a conjuntura de 2018 havia lhe proporcionado. Para piorar a situação, antecipou sua campanha à reeleição em todos os movimentos que fez desde quando assumiu a Presidência e, agora, com o gênio fora da garrafa, não tem como pô-lo de volta. Nem bem o primeiro turno das eleições municipais acabou, o quadro eleitoral de 2022 começa a ser desenhado à sua revelia, agora impulsionado por um fator externo cujo impacto no Brasil não pode ser subestimado: a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, inequívoca, embora o presidente Donald Trump se recuse a admiti-la e se movimente como quem deseja criar uma crise institucional para permanecer no poder.

Não é à toa que líderes mundiais como Vladimir Putin, da Rússia; Xi Jinping, na China; e López Obrador, no México, ainda não enviaram congratulações ao democrata e aguardem o resultado oficial da disputa, cuja divulgação Trump procura retardar ao máximo, com seus recursos judiciais. São líderes políticos que têm grandes contenciosos com os Estados Unidos e não desejam tornar a vitória de Biden ainda mais consagradora, fortalecendo-o nas negociações. Nenhum deles, porém, tem tanta identidade ideológica com Trump como Bolsonaro. Também não se manifestaram durante o pleito a favor do candidato republicano. O retardo em reconhecer a vitória de Biden, por lealdade a Trump, está aprofundando o mal-estar que já existia com o novo presidente dos Estados Unidos. Além das implicações da vitória dos democratas em relação à política externa e à questão ambiental no Brasil, já estão aparecendo suas consequências para a política nacional propriamente dita, inclusive do ponto de vista eleitoral.

O centro renasce
Por exemplo, o encontro do apresentador Luciano Huck com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro mexeu com o tabuleiro das eleições presidenciais. O jovem comunicador se fingia de morto e sua candidatura somente existia no Twitter do ex-deputado Roberto Freire, presidente do Cidadania. A partir do momento em que se tornou público seu encontro com Moro e que ambos discutiram o cenário eleitoral de 2022, todos os possíveis candidatos e seus aliados se mobilizaram. É ingenuidade acreditar que o encontro em si alterou o cenário político — o prestígio de ambos estava em declínio nas pesquisas —, o que mudou a correlação de forças foram as novas circunstâncias criadas pela vitória de Biden, com uma narrativa que não tem sintonia com Bolsonaro, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nem mesmo com Ciro Gomes (PDT).

O encontro de Huck e Moro sinalizou que o campo liberal-democrático pode buscar uma convergência e ocupar, novamente, o centro político, mas isso passa, ainda, por João Doria (PSDB), governador de São Paulo; Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul; Rodrigo Maia, presidente da Câmara; Luiz Henrique Mandetta (DEM), ex-ministro da Saúde; e Marina Silva (Rede), ex-ministra. Unificar o centro democrático não é uma tarefa fácil, nunca foi. Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, no MDB, disputaram a liderança da oposição até a derrota das Diretas Já. Fernando Henrique Cardoso teve de dobrar Mário Covas, no PSDB, para consolidar sua aliança com o PFL, de Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel.

De volta aos programas de tevê com forte cunho social, Huck se movimenta de forma dissimulada, mas sua permanência na TV Globo tem data marcada, precisa decidir até meados do próximo ano se é candidato ou não. Moro enfrenta o sereno na planície, é um candidato encabulado, mas tem um partido pronto para abrigá-lo, com forte bancada no Senado, o Podemos. Doria tem as dificuldades de todo político paulista para sair do Palácio dos Bandeirantes, podendo se reeleger, e arriscar a Presidência. Mandetta é candidato declarado, enquanto houver pandemia, terá pista para correr, mas precisa seduzir a cúpula partidária, que sonha com a candidatura de Huck pela legenda. Eduardo Leite pode ser a nova cara do PSDB, se Doria não concorrer. Marina Silva sonha em renascer como Fênix, para viabilizar a Rede. Reunir todos numa candidatura é um projeto ambicioso. Além disso, não se deve subestimar a força da oposição de esquerda, que pode se reagrupar, a partir das conversas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula (PT) da Silva e Ciro Gomes (PDT), para chegar ao segundo turno.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/biden-antecipa-2022/

Bruno Boghossian: Bolsonaro tem peso nulo ou negativo nas eleições municipais até aqui

Agenda conservadora e exploração da máquina do governo não deram resultado para apadrinhados

Há um mês, Jair Bolsonaro desembarcou em Congonhas para uma sessão de fotos com Celso Russomanno (Republicanos), que liderava a corrida pela Prefeitura de São Paulo. O presidente declarou apoio ao "amigo de velha data", e os dois insinuaram que o candidato teria acesso privilegiado ao Palácio do Planalto se vencesse a disputa.

A aliança se mostrou desastrosa para a dupla por enquanto. Russomanno perdeu quase metade de seus pontos nas pesquisas de intenção de voto e viu dobrar seu índice de rejeição. Já Bolsonaro, que pretendia evitar desgastes nas eleições deste ano, ficou associado a um candidato que desabou da liderança e, agora, pode ficar fora do segundo turno.

O derretimento de Russomanno não é um efeito isolado do apoio de Bolsonaro —embora a avaliação do governo na capital paulista seja pior do que na média nacional. Ainda assim, a última rodada de pesquisas do Datafolha mostra que o presidente teve um peso nulo ou negativo nas disputas municipais até aqui.

No Rio, Bolsonaro não conseguiu impulsionar Marcelo Crivella (Republicanos). Na semana passada, o presidente deu uma declaração de apoio encabulada: “Se não quiser votar nele, fique tranquilo”. Depois, mergulhou na campanha e fez uma gravação com o candidato. Resultado: o prefeito ficou estagnado nas pesquisas, com rejeição acima de 50%.

O presidente pode até argumentar que entrou nas duas campanhas a contragosto, mas a história é diferente em Belo Horizonte. Por livre e espontânea vontade, Bolsonaro se aliou ao azarão Bruno Engler (PRTB), com quem tomou café na terça-feira (3). Mesmo com ajuda oficial, o candidato não passa dos 4%.

O desempenho de Engler expõe o fracasso de dois pontos da estratégia eleitoral do presidente: o apelo ao conservadorismo e a exploração da máquina do governo. Num vídeo gravado no mês passado, o candidato bateu bumbo para a agenda de direita, e Bolsonaro ofereceu ao apadrinhado uma “linha direta com a Presidência da República”.


Vera Magalhães: Ponte aérea eleitoral

Possível vitória de nomes de centro em São Paulo e no Rio é vista como ensaio para 2022

Há muitos pontos de contato nas corridas eleitorais em São Paulo e no Rio de Janeiro. E eles são importantes variáveis para a montagem das estratégias políticas para 2022. Sim, eu concordo com os cientistas políticos, historiadores e analistas de dados que alertam que as eleições municipais seguem dinâmicas e pautas locais, e não são necessariamente reflexo das eleições nacionais anteriores nem laboratórios para as seguintes.

Mas é impossível analisar alianças e dinâmicas de eleitorado neste ano sem ter como bagagem 2016 e 2018, por diferentes razões. E sim, algumas das decisões de agora terão reflexos para os próximos dois anos.

Hoje, São Paulo e Rio têm rigorosamente a mesma configuração nas pesquisas: candidatos de centro relativamente isolados na liderança (Bruno Covas na capital paulista e Eduardo Paes na fluminense); um candidato do bolsonarismo tentando se credenciar para o segundo turno, mas enfrentando dificuldades, e nomes da esquerda pulverizada disputando entre si e podendo ficar fora da disputa final justamente por essa “canibalização”.

Covas é tucano desde sempre. Vem de uma família política e adotou um discurso de centro e de defesa da política depois da debacle da mesma em 2018. Paes já percorreu todo o abecedário político e é um dos políticos mais pragmáticos de sua geração. Tem usado a derrota surpreendente que enfrentou em 2018 para jogar um “eu te disse” na cara do eleitor arrependido.

Os dois se prepararam para enfrentar expoentes da direita no segundo turno. Nas duas cidades, a possível vitória de nomes de um centro reabilitado contra a direita é vista como um laboratório importante para uma frente mais ampla em 2022, inclusive como ensaio de aproximação com siglas de centro-esquerda e de esquerda.

A dificuldade de os bolsonaristas Celso Russomanno e Marcelo Crivella irem ao segundo turno é de certo modo surpreendente, e pode fazer os líderes nas pesquisas terem de redirecionar o discurso no segundo turno, para atrair o eleitorado de direita caso eles sucumbam. E isso adiaria as conversas para a tal frente ampla.

As agruras de Russomanno e Crivella evidenciam: 1) o caráter frágil da tal recuperação da popularidade do presidente, 2) o risco do discurso e da conduta negacionistas em plena pandemia fora das redes sociais, e 3) o refluxo da onda de se eleger completos outsiders para funções administrativas importantes. Por fim, paulistanos e cariocas assistem à mesma diáspora de candidaturas de esquerda, num sinal de que também nesse campo não será simples a união de esforços contra Bolsonaro em 2022.

São pelo menos dois os candidatos ditos progressistas que avançam em São Paulo: Guilherme Boulos, do PSOL, e Márcio França, do PSB, que parece ter acertado a previsão de que repetiria o sprint final de 2018, na disputa ao governo do Estado. O problema é que o crescimento simultâneo deles pode ajudar Russomanno a prevalecer por pouco. A disputa tende a ficar embolada até o final. No Rio, os votos de Benedita da Silva (PT) podem ser os que faltarão para Marta Rocha (PDT) se habilitar a tirar a vaga do prefeito na final. O uso sem moderação das máquinas da prefeitura e da igreja pode levar um Crivella mesmo alquebrado ao segundo turno.

Esses todos são fenômenos que transcendem a pauta e a dinâmica municipais, ainda que a decisão de voto os leve em conta. Os aprendizados que caciques e partidos tirarão dos resultados não só nessas, mas em várias capitais emblemáticas (Fortaleza é um case nacional, também) indicará se o Brasil de fato começou a sair do transe lavajatista e revanchista com que foi às urnas em 2018 para caminhar para algo mais racional de agora em diante.


Pedro Fernando Nery: O que é boa política?

Nas eleições, não há espaço para propostas de políticas públicas cuidadosamente desenhadas

Os EUA decidem hoje o seu próximo presidente. Hillary Clinton, a perdedora 4 anos atrás, reflete no livro What Happened sobre as campanhas eleitorais da nossa era. Estudos mostram que o noticiário daquela eleição concentrou uma parcela insignificante da cobertura às propostas formuladas por especialistas do seu time. Acusações, questões de personalidade e propostas mirabolantes de Trump ocuparam quase toda a cobertura. Hillary dá a entender que se arrepende: a boa política pública pode não ser a boa política.

Depois de encarar promessas populistas à direita (de Trump) e à esquerda (do correligionário Sanders nas primárias), ela parece se render à máxima de que good policy is not good politics: não há espaço nas eleições para propostas de políticas públicas cuidadosamente desenhadas. Ela chegou a cogitar apresentar um programa de renda básica universal, mas desistiu por não conseguir fechar a conta do custeio. Na autobiografia, lamenta: deveria ter lançado a proposta como aspiração, e solucionar os detalhes depois.

Na coluna anterior, tratamos das promessas de Guilherme Boulos para a prefeitura. Mas as promessas hiperbólicas não são exclusivas da esquerda. No momento em que busca sua reeleição, Trump concluiu parcela ínfima do prometido muro (e não fez o México pagar por ele).

Na quinta-feira passada, o ministro da Economia declarou: “Há uma narrativa de que eu prometo e não entrego”. É uma referência pertinente de promessas à direita: em 2018, Paulo Guedes prometeu zerar o déficit primário ainda no primeiro ano de governo (o valor no vermelho foi de R$ 95 bilhões) e privatizações acima de R$ 1 trilhão (o secretário da área já se demitiu).

Na corrida à prefeitura de São Paulo, as promessas de Boulos não são menos factíveis que as de concorrentes. Adversários prometem cortes de impostos que esbarram em proibições parecidas, por exemplo, quanto à Lei de Responsabilidade Fiscal. Juras de privatização esbarram nas dificuldades enfrentadas por Guedes.

Leitores comentaram a coluna de Boulos concordando com inconsistências do programa, mas explicando ver no candidato uma chance maior de concretização de uma determinada plataforma. Efetivamente, o “vou fazer” dos candidatos é na prática um “quero fazer” – e para muitos eleitores querer já é um diferencial em relação a outros postulantes. Seja a promessa de renda básica e passe livre ou corte de impostos e privatizações.

Especificamente em Boulos, há mesmo um compromisso claro com redução da desigualdade – Jeff Nascimento, da Oxfam, destaca de forma ilustrativa que entre os principais candidatos não há programa que chegue perto em menções a “desigualdade” ou “social”. Como mostram os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano, a capital paulista tem as 5 regiões de maior desenvolvimento humano do País, quase “gabaritando” esta versão do IDH. Uma prosperidade que divide espaço com privações, um abismo que tende a aumentar com a devastadora crise atual.

Uma gestão Boulos poderia, sim, promover transformações, ainda que não na magnitude que alguns esperam – especialmente sem brigar pelo aumento da tributação dos mais ricos e a reforma da previdência, como argumentei. De fato, a campanha aponta que os valores envolvidos no programa são bem mais modestos do que alegam os adversários, reproduzidos na coluna.

Realidade
À medida que o plano de governo do PSOL se torna mais realista, também será menos sedutor para os eleitores. Uma renda básica para 3 milhões, em continuação ao Auxílio Emergencial, e passe livre para todos sem emprego formal poderia superar os R$ 25 bilhões anuais. Nos últimos dias, a campanha colocou parte da plataforma de forma mais clara: um programa mais factível, e naturalmente menos abrangente.

O número de 3 milhões de “atendidos” com a renda básica não rivaliza com os 3,4 milhões que receberam o Auxílio Emergencial na cidade: na verdade, seriam 3 milhões de atendidos apenas indiretamente, e 1 milhão de benefícios de fato. Uma redução de pelo menos 70% no número de pagamentos em relação ao Auxílio Emergencial, ou 7 milhões a menos de “atendidos” seguindo o método proposto.

O passe livre para desempregados segue pouco claro: os mesmos 3,4 milhões do auxílio emergencial não têm emprego formal, uma conta com potencial de vários bilhões. Havendo uma lógica limitação, há entre os eleitores, inevitavelmente, muitos desempregados que não vão receber o passe livre, assim como há favorecidos pelo Auxílio que ficarão de fora da renda básica. O hiato entre aspiração e realidade será ainda maior sem aumentos significativos na arrecadação do IPTU, ISS e contribuição previdenciária, o que nenhum candidato admite.

Propor boa política pública não é a boa política eleitoral. É uma escolha sensível para todas as campanhas, principalmente uma vibrante como a de Boulos.

  • Doutor em Economia

Luiz Carlos Azedo: A pandemia e o luto

No Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado

Uma das singularidades da pandemia do novo coronavírus no Brasil — que chega aos 160 mil mortos e 5,5 milhões de infectados — é a sua naturalização pelo presidente Jair Bolsonaro, que sempre combateu as medidas de isolamento social adotadas por prefeitos e governadores e tratou-a como uma “gripezinha”. A aposta do presidente da República era de que ambos arcariam com as consequências negativas do impacto econômico da crise sanitária e ele, desafiando o vírus mortífero, se beneficiaria do auxilio emergencial aprovado pelo Congresso — cinco parcelas de R$ 600, de abril a agosto, e quatro de R$ 300, de setembro até dezembro e que o governo distribuiu à mais de 60 milhões de pessoa. O governo gastou até setembro R$ 411 bilhões com a pandemia, dos quais R$ 213 bilhões com o auxílio.

Acontece que essas despesas foram feitas como quem faz uma grande compra de consumo imediato com cartão de crédito, ou seja, a conta um dia vai chegar. E está chegando com a dívida pública já equivalente a 90% do PIB e uma taxa de desemprego de 14,4 %, que deve aumentar, porque a procura por emprego, com a redução do auxílio emergencial, também aumentará. Os reflexos políticos do agravamento da crise social são imediatos. Da mesma forma como a popularidade de Bolsonaro subiu com o auxílio emergencial, agora ameaça declinar nos grandes centros, com impacto eleitoral nos candidatos que o presidente da República apoia em São Paulo, onde Celso Russomano (Republicanos) está derretendo, e no Rio de Janeiro, cujo prefeito, Marcelo Crivela (Republicanos), candidato à reeleição, é amplamente rejeitado pelos eleitores. Bolsonaro já começa a se distanciar de ambos.

Nosso presidente da República é um personagem complexo da política brasileira — embora adote soluções simples e erradas para problemas complicados —, foge aos paradigmas do politicamente correto e desenvolve vínculos com parcelas da população que somente a antropologia explica. Mas não tem como fugir de uma realidade social impactada pelos efeitos psicológicos da pandemia na vida das pessoas, em particular o luto dos amigos e familiares das vítimas de COVID-19, que não tem nenhum paralelo com o de outras causas mortis, inclusive porque o rito de passagem de seus funerais foi profundamente afetado pela ausência de velórios e os caixões fechados.

Negação e resiliência
Após naturalizar a pandemia, em algum momento, Bolsonaro haverá de pedir desculpas por esse comportamento, quiça na campanha leitoral de 2022, mas até agora não manifestou um sincero pesar pela escalada da pandemia. Seus lamentos foram sempre preâmbulos de alguma firmação que estabelecia como prioridade manter as atividades econômicas a qualquer preço. Acontece que essa prioridade é apenas retórica, na verdade, há um cada um por si, porque o governo abandonou as reformas, não tem prioridades, se digladia internamente e está prisioneiro das corporações e grupos econômicos que o apoiam. São inúmeros exemplos, os mais recente são os cancelamentos do projeto da BR do Mar — nova Lei da navegação de cabotagem —, por exigência dos caminhoneiros, e o decreto para privatização de 4 mil postos de atendimento básico do SUS, uma proposta inopinada e marota, que transforma a rede pública num grande negócio privado de tecnologia para empresas do setor de saúde.

Entretanto, Bolsonaro está subestimando o luto das pessoas que perderam seus entes queridos. Não são apenas os impactos econômico, social e cultural, em termos de perdas de força de trabalho, conhecimento e liderança social, que devem ser considerados; existe um lado afetivo e psicológico na crise sanitária, que se manifesta de forma duradoura, por etapas, difícil de ser mensurada. Amanhã, no Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado.

O luto ocorre porque a perda física do ente querido não elimina o afeto. É uma ausência de difícil aceitação no tempo em que ocorre, porque o amor sobrevive. Isso gera uma negação, que se manifesta de forma silenciosa, muitas vezes, como fuga da realidade; num segundo momento, vem a revolta, muitas vezes inconsciente e inexplicável. Leva tempo para que as pessoas superem a depressão subsequentemente e aceitem a perda, para que a vida plena se restabeleça. Mas não existe esquecimento. Aceitar não é deixar de sentir. O luto se torna essencial, um marco na vida pessoal. A resiliência diante da morte também gera simpatia ou engajamento em movimentos que sejam antítese do sua causa. É o caso dos familiares de vítimas de balas perdidas ou violência policial. Na pandemia, a naturalização das mortes pode ser apenas a primeira fase de um luto coletivo. Muito mais amplo e profundo.

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