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João Dória | Foto: Shutterstock/Vitor Vasconcellos

Nas entrelinhas: Doria desiste, mas PSDB continua dividido

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

O ex-governador de São Paulo João Doria jogou a toalha e desistiu da candidatura à Presidência da República, após ser comunicado pela cúpula da legenda que seria candidato de si mesmo. Doria perdeu o apoio do grupo liderado pelo governador Rodrigo Garcia, que o sucedeu, e pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo, aliados aos presidentes do Cidadania, Roberto Freire, e do MDB, Baleia Rossi. Se depender dos presidentes dos três partidos, a candidata da chamada terceira via será a senadora Simone Tebet (MS), do MDB.

Doria foi vítima dele mesmo. Rompeu com seu padrinho político, Geraldo Alckmin, que hoje é o vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aliança de segundo turno que havia feito com o presidente Jair Bolsonaro, em 2018, rompeu-se no começo da pandemia da covid-19, por causa da política de distanciamento social adotada pelo governo paulista para restringir a propagação da doença. Quando o Instituto Butantan, pioneiramente, começou a produzir a vacina chinesa CoronaVac, Doria se tornou o principal adversário de Bolsonaro, cujo negacionismo combateu em entrevistas diárias pela tevê.

A superexposição na mídia, porém, alavancou sua rejeição nas pesquisas de opinião, embora viesse fazendo um bom governo, dos pontos de vista administrativo e financeiro. Doria nunca teve uma trégua das lideranças petistas de seu estado, muito fortes nas áreas da saúde e da educação, e também sofreu oposição sistemática dos bolsonaristas de São Paulo, principalmente nas áreas do agronegócio e da segurança pública. Lançou-se candidato à Presidência em situação muito desvantajosa do ponto de vista de imagem.

Seu maior erro talvez tenha sido levar o vice-governador Rodrigo Garcia do DEM para o PSDB, o que aprofundou seu isolamento interno, afastando lideranças históricas, como Alckmin, que já estava com um pé fora da legenda, e os ex-senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Aníbal. A mudança também provocou o afastamento de sua candidatura do antigo DEM, que viria a se fundir com o PSL e formar o União Brasil. Além disso, Doria terceirizou as articulações políticas com deputados federais, estaduais e prefeitos, deixando-as a cargo de Garcia.

Ungido seu sucessor natural, Rodrigo Garcia passou a operar com os deputados Carlos Sampaio (SP), Rodrigo Maia (RJ), Bruno Araújo e Baleia Rossi para tornar irreversível a saída de Doria do Palácio dos Bandeirantes. As prévias do PSDB, do ponto de vista prático, serviram apenas para isso. Quando Doria ameaçou não disputar a Presidência e permanecer no governo paulista, Garcia e Araujo assinaram um termo de compromisso garantindo que apoiavam sua candidatura ao Planalto. Doria caiu na armadilha: renunciou ao mandato de governador e acabou defenestrado.

Candidatura própria

Doria também nunca teve grande apoio fora de São Paulo. A desistência dele, porém, não unifica o PSDB. Os líderes históricos da legenda desejam lançar uma candidatura própria. Os nomes cogitados são os do ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que perdeu as prévias para Doria e retirou sua candidatura, mas está desincompatibilizado para concorrer à Presidência; e o senador Tasso Jereissati (CE), um dos fundadores do partido. O deputado Aécio Neves (MG) e o ex-governador de Goiás Marconi Perillo defendem essa alternativa.

Entretanto, a reunião da Executiva que se realizaria hoje foi suspensa por Bruno Araújo. O grupo paulista não quer uma candidatura própria, para assim poder abrir o palanque de Garcia em São Paulo, numa tentativa desesperada de viabilizar a reeleição do atual gestor. Pesquisa divulgada ontem pelo Real Big Data revela que o candidato petista Fernando Haddad lidera a disputa com 29%, seguido de Tarcísio de Freitas (PR) e Márcio Franca (PSB), com 15%. Rodrigo Garcia tem 7%. Nos cenários sem Haddad ou França, Garcia permanece atrás de Tarcísio, o candidato de Bolsonaro.

A lógica das articulações da bancada paulista para remover a candidatura de Doria foi a da alça de caixão difícil de carregar. Com a desistência, a situação se alterou completamente, porque Garcia não tem mais nenhuma desculpa para explicar sua desvantagem nas pesquisas eleitorais e precisa recuperar a expectativa de poder que perde a cada dia. Ou seja, provar que a rejeição de Doria era seu principal obstáculo. Tem a seu favor o grupo econômico que apoiava seu antecessor e teve um papel decisivo no convencimento de que o tucano deveria desistir de disputar a Presidência. Entretanto, Tarcísio de Freitas também transita entre os empresários paulistas.

Viabilizar o palanque de Simone Tebet em São Paulo é uma prioridade na terceira via, mas tanto Baleia Rossi quanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que administra a capital paulista, sabem que essa não é uma prioridade do atual governador. A candidata do MDB tem apoiou político de Garcia para impedir uma candidatura própria do PSDB, porém não tem nenhuma garantia de apoio eleitoral no estado com maior eleitorado do país.

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Nas entrelinhas: Traído por Garcia, situação de Doria é insustentável

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Difundiu-se no Ocidente que a palavra Weiji significa crise e oportunidade em chinês, simultaneamente. Essa tradução é atribuída ao linguista norte-americano Benjamin Zimmer, num editorial de um jornal em língua inglesa para missionários na China, de 1938. Ganhou popularidade após um discurso antológico de John F. Kennedy, em Indianápolis, no dia 12 de abril de 1959. Desde então, integra o vocabulário otimista de políticos, consultores, economistas e executivos. A crise do PSDB seria, assim, uma oportunidade de refundação.

O sinólogo Victor H. Mair, da Universidade da Pensilvânia, porém, lembra que essa interpretação não é absoluta: enquanto wei significa “perigo, perigosos; causar perigo, ameaçar; risco; precário, precipitado; alto; medo, pavor, receio”, ji pode ter outros significados, como “ocasião apropriada, ponto crucial, momento incipiente, segredo, ardil”. Esse é o ponto em que se encontra a crise do PSDB, cuja cúpula resolveu descartar a candidatura do ex-governador João Doria, mas ainda não sabe como fazê-lo por acordo.

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, não construiu uma saída negociada para Doria e percorreu um roteiro que esgarçou demais as relações dentro do partido, em razão de manobras, dissimulações e traições. A prévia realizada para escolher o candidato do PSDB, na qual o ex-governador paulista foi vencedor, revelou-se muito mais um ardil para afastá-lo do Palácio dos Bandeirantes do que um processo de escolha democrática, como fora concebido na origem.

Doria venceu as prévias com apoio dos que hoje o estão defenestrando da candidatura, depois de alijar da disputa o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que pleiteava a vaga de candidato a presidente da República.

Pela primeira vez em sua história, o PSDB não se apresenta como alternativa de poder, abdica de propor os rumos do país. Os bastidores da reunião de terça-feira da cúpula do PSDB, para a qual Doria não foi chamado, nem de longe se parecem com os encontros liderados por Franco Montoro, José Richa, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Euclides Scalco, Jaime Santana e outros fundadores da legenda.

Muitas vezes, eram almoços ou jantares frugais, nos quais a experiência política de alguns e as ideias iluministas de outros teciam uma praxis política inovadora para os padrões brasileiros, em busca de um projeto social-democrata que se plasmasse à realidade nacional. Esse PSDB não existe mais, está se acabando melancolicamente.

Naqueles encontros, os interesses do país, a lealdade e o compromisso entre seus líderes eram mais importantes do que as eventuais divergências sobre como levar adiante as ideias comuns. Hoje, o que está acontecendo não é a falta de consenso — é a falta de projeto mesmo. A transa política passou a ser o modus operandi do PSDB no Congresso.

Sua bancada mergulhou de cabeça no orçamento secreto do Centrão e está mais preocupada em aumentar a fatia no fundo eleitoral do que em construir uma alternativa de poder, que se contraponha ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente Jair Bolsonaro, que hoje polarizam as eleições.

Falta combinar

No domingo passado, Rodrigo Garcia sugeriu a Doria que desistisse da candidatura e lhe comunicou que faria campanha em São Paulo sem sua companhia. Foi um xeque-mate na candidatura. Uma conversa como essa seria inimaginável entre Mario Covas e Geraldo Alckmin ou José Serra e Alberto Goldman, por exemplo.

Garcia é uma invenção de Doria, que cometeu o grave erro de terceirizar a política como governador e cuidar apenas da gestão administrativa e financeira de São Paulo, uma das causas de sua rejeição e da falta de apoio político.

Quando Doria descobriu que estava sendo sabotado pelo vice e ameaçou concorrer à reeleição, permanecendo no Palácio dos Bandeirantes, era tarde demais. Levou um ultimato dos aliados de Garcia, que ameaçaram até destitui-lo do cargo com um impeachment. Nunca houve um precedente desta ordem na política paulista. Agora, não existe a menor possibilidade de Doria manter sua candidatura, sem apoio de Garcia, que ocupa o vértice do sistema de poder interno do PSDB pela força do cargo.

Bruno Araújo é um operador político do governador paulista. Ontem, na reunião com os presidentes do Cidadania, Roberto Freire, e do PMDB, Baleia Rossi, desligou os aparelhos e decretou a morte cerebral do Doria candidato. Antes, bloqueou os recursos da pré-campanha e decidiu cobrar os R$ 12 milhões do fundo partidário que já foram gastos pelo ex-governador paulista para se movimentar e estruturar a pré-campanha.

Garcia também comunicou aos aliados que está fora da campanha de Doria, cujo apoio, agora, se restringe aos empresários amigos e a poucos deputados leais. O consenso secreto a que chegaram os protagonistas da candidatura única, que será submetido às direções partidárias e foi anunciado ontem, é um segredo de polichinelo: a pesquisa quantitativa e qualitativa feita sob encomenda para demover Doria apontou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a candidata mais competitiva de centro, por ter menos rejeição e ser menos conhecida. Só falta combinar com os eleitores.

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Cúpula do PSDB negocia desistência de Doria | Imagem: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: Cúpula do PSDB negocia desistência de Doria

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

A reunião da Executiva do PSDB, ontem, produziu um consenso: o ex-governador de São Paulo João Doria deveria renunciar à corrida presidencial e buscar uma alternativa honrosa para o partido, que tanto pode ser ressuscitar a candidatura do ex-governador gaúcho Eduardo Leite, no caso de uma solução prata da casa, quanto apoiar a indicação da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que teria o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) para vice. Com isso, a reunião da terceira via marcada para hoje, na qual será apresentada uma pesquisa sobre a competitividade de Doria, não poderá tomar uma decisão definitiva, porque o presidente do PSDB, Bruno Araujo, não foi credenciado para isso. As conversas continuarão, preferencialmente com a participação de Doria.

O porta-voz dos líderes tucanos foi o deputado Aécio Neves (MG), autor da proposta de consenso. A ideia é realizar uma nova reunião, com os governadores e candidatos majoritários do PSDB e a presença de Doria, para que os próprios correligionários relatem as dificuldades que estão enfrentando para apoiá-lo nos seus respectivos estados. Aécio é desafeto de Doria, mas defende uma candidatura própria da legenda e havia apoiado Leite na disputa das prévias. Entretanto, o maior algoz e interessado na desistência de Doria é mesmo o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que o sucedeu no cargo e, inclusive, foi levado ao PSDB pelas mãos do candidato tucano.

A discussão na reunião da Executiva do PSDB foi quente, mas o encerramento teve clima de velório. Essa é a mais séria crise enfrentada pelo PSDB, que corre sério risco de não ter candidato a presidente da República pela primeira vez em sua história — o que também pode ser catastrófico para a legenda. Tanto Garcia como Araujo articulam essa posição, defendendo o apoio a Tebet, como deseja a maioria dos deputados paulistas da chamada terceira via em São Paulo. Na avaliação deles, Doria seria um estorvo para a candidatura de Garcia, que está em quarto lugar nas pesquisas de intenções de votos, atrás de Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato de Bolsonaro.

Defenestrar Doria seria uma maneira de evitar a deriva de prefeitos e candidatos da base de Garcia para a candidatura de Tarcísio, que tem forte penetração no interior paulista, principalmente na área do agronegócio, por causa de sua atuação como ministro da Infraestrutura e do apoio de Bolsonaro. O deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB, e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), são os principais articuladores da aliança do atual governador paulista com Tebet. Nos bastidores, o ex-presidente Michel Temer se preserva, porque ainda pode ser um trunfo da legenda nas negociações com Doria e Garcia.

“Lularcia”

Quem acha que Garcia alavancará a campanha de Tebet em São Paulo, porém, pode estar muito enganado. O presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, articulou uma aliança pirata com o governador paulista, para apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A chapa “Lularcia” seria uma alternativa para os sindicalistas que apoiam Lula, mas não querem apoiar o petista Haddad.

Essa é uma velha prática do movimento sindical paulista, useiro e vezeiro em fazer isso, desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960. A chapa Jan-Jan garantiu a eleição do vice João Goulart, o Jango, companheiro de chapa do marechal Henrique Teixeira Lott. Naquela época, os votos para presidente da República e para vice eram separados.

Após a reunião de ontem, Doria foi convidado a comparecer ao encontro da terceira via, hoje, que reunirá os presidentes do PSDB, Bruno Araujo; do Cidadania, Roberto Freire; e do MDB, Baleia Rossi. Após a reunião, o tucano ressaltou que os entendimentos com o Cidadania e o MDB para encontrar uma candidatura única continuarão e que o próprio Doria deveria participar da construção de uma alternativa ao seu nome.

Entretanto, o ex-governador já recusou o convite — só pretende voltar a Brasília na próxima semana. Ex-presidente do PSDB, José Aníbal, um dos participantes da reunião, considera a candidatura de Doria liquidada. Sua desistência será apenas uma questão de tempo.

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CPI ouve Marconny Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos

A CPI da Pandemia se reúne para ouvir o depoimento do advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos. Ele terá de explicar a troca de mensagens no aplicativo WhatsApp e arquivos de mídia vinculados aos diálogos, fruto da Operação Hospedeiro. A justiça atendeu o pedido, feito pela comissão, de mandado de condução coercitiva, se Marconny não comparecer, nem justificar “a ausência ao ato de inquirição designado”.

Assista:



Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/ao-vivo/cpi-da-pandemia


'Bolsonaro ameaça pilares da democracia', diz Human Rights Watch

Presidente afronta o direito ao voto, viola a liberdade de expressão e o sistema democrático de freios e contrapesos, afirma ONG

DW Brasil

"Há um padrão de ações e declarações do presidente que parecem destinadas a enfraquecer os direitos fundamentais, as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil", afirma HRW

Com suas tentativas de intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF), ataques ao sistema eleitoral e violações da liberdade de expressão de críticos, o presidente Jair Bolsonaro ameaça os pilares da democracia brasileira, afirmou a ONG Human Rights Watch (HRW) em texto divulgado nesta quarta-feira (15/09), data em que se comemora o Dia Internacional da Democracia.

Citando como exemplo os recentes discursos de Bolsonaro em atos pró-governo no feriado de 7 de Setembro– em que mais uma vez fez ameaças ao STF e lançou dúvidas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral, sem apresentar provas –, a HRW aponta haver "um padrão de ações e declarações do presidente que parecem destinadas a enfraquecer os direitos fundamentais, as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil".

José Miguel Vivanco, diretor de Américas da Human Rights Watch, afirma que "o presidente Bolsonaro, um apologista da ditadura militar no Brasil, está cada vez mais hostil ao sistema democrático de freios e contrapesos".

"Ele está usando uma mistura de insultos e ameaças para intimidar a Suprema Corte, responsável por conduzir as investigações sobre sua conduta, e com suas alegações infundadas de fraude eleitoral parece estar preparando as bases para tentar cancelar as eleições do próximo ano ou contestar a decisão da população se ele não for reeleito", diz.

Ataques ao STF

A HRW aponta que o STF se tornou "um dos principais freios das políticas anti-direitos humanos de Bolsonaro" e que o presidente tem respondido com insultos e ameaças.

Novamente citando os discursos de Bolsonaro no 7 de Setembro, quando o presidente voltou a adotar um tom golpista, a ONG chama atenção para as investidas de Bolsonaro contra o Supremo, que recentemente prendeu vários de seus aliados e tem tomado algumas iniciativas para impedir que o governo tumultue as eleições de 2022.

Bolsonaro chegou a mencionar pelo nome o ministro Alexandre de Moraes, seu desafeto na Corte e responsável por inquéritos que afetam bolsonaristas. "Ou esse ministro se enquadra ou ele pede pra sair", afirmou. "Não vamos admitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a violar nossa democracia."

"O presidente Bolsonaro frequentemente afirma defender a ‘democracia', mas suas declarações levantam dúvidas sobre o que ele entende por democracia", afirma a Human Rights Watch.

Também no 7 de Setembro, Bolsonaro afirmou, em recado direto ao presidente do STF, Luiz Fux, que se ele não "enquadrasse" Moraes, o Judiciário poderia "sofrer aquilo que nós não queremos", sem explicar o que isso significaria, destacou a HRW.

Dois dias depois, Bolsonaro divulgou uma "Declaração à Nação", em tom de recuo tático após a má repercussão de suas falas, que tiveram consequências negativas até mesmo na economia.

"Após inúmeras críticas nacionais e internacionais sobre seus posicionamentos, o presidente Bolsonaro disse em uma declaração escrita que nunca teve a intenção de ‘agredir quaisquer Poderes'. Mas ele não recuou em relação à afirmação infundada de que o sistema eleitoral brasileiro não é confiável, como repetiu em 7 de setembro", diz a HRW.

Ameaças às eleições

Em relação às investidas de Bolsonaro ao sistema eleitoral, a Human Rights Watch cita a decisão de Moraes de incluir, em 4 de agosto, Bolsonaro como investigado no inquérito sobre fake news e atos democráticos que já tramitava na Corte.

A decisão foi tomada em resposta a um pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que o presidente fosse investigado devido ao conteúdo de uma live em que exibiu teorias falsas, cálculos equivocados e vídeos antigos, já verificados e desmentidos, mas que ainda circulam na internet, como supostas evidências de fraude no sistema eleitoral.

A HRW destaca que, ao ser informado da decisão de Moraes, Bolsonaro ameaçou reagir "fora das quatro linhas" da Constituição e, dias depois, encaminhou ao Senado um pedido de impeachment do ministro.

"As ameaças do presidente Bolsonaro de cancelar as eleições e agir fora da Constituição em resposta às investigações contra ele são imprudentes e perigosas", afirma Vivanco. "A comunidade internacional deve mandar uma mensagem clara ao presidente Bolsonaro de que a independência do Judiciário significa que os tribunais não estão sujeitos as suas ordens."

A ONG cita ainda o fato de que o Congresso rejeitou a proposta de voto impresso e que, "ainda assim, em 7 de setembro, o presidente deu a entender que as eleições não podem ser realizadas a menos que as mudanças que ele defende sejam implementadas".

"Essa ameaça é uma afronta ao direito dos brasileiros de eleger seus representantes, o que é protegido pela legislação internacional de direitos humanos", diz a Human Rights Watch.

Violações da liberdade de expressão

A HRW afirma ainda que Bolsonaro tem violado a liberdade de expressão, "vital para uma democracia saudável", ao bloquear seguidores que o criticam nas redes sociais.

Além disso, "seu governo requisitou a instauração de inquéritos criminais contra pelo menos 16 críticos, incluindo jornalistas, professores universitários e políticos”, aponta a HRW. "Mesmo que muitos desses casos tenham sido arquivados sem denúncias, as ações do governo mandam a mensagem de que criticar o presidente pode levar à perseguição", diz a ONG.

A HRW destaca que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificado pelo Brasil, inclui o direito ao voto e à liberdade de expressão. A independência do Judiciário também está protegida pelo direito internacional por meio Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Independência do Judiciário, cita a ONG.

Fonte: DW Brasil


Rosângela Bittar: Os mitos do mito Jair Bolsonaro

Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças do presidente

Rosângela Bittar / O Estado de S. Paulo

Ruíram os mitos que sustentavam a imagem popular de Jair Bolsonaro e que ele usava como argumento de força para ser reconhecido, desde já, presidente vitalício do Brasil. Sem passar por nova eleição.

Bolsonaro havia feito crer que, com seus poderes extraordinários de cavaleiro do apocalipse, daria voz de comando ao Judiciário, ao Legislativo, às espadas e aos fuzis. Imaginava-se, no mínimo, que o País se encaminhava para um golpe. Tal como expresso nas faixas exibidas por seus eleitores que foram às ruas para apoiá-lo: intervenção militar e novo AI-5. A senha do golpe já estava registrada, poderia até ser o insulto violento ao ministro Alexandre de Moraes (STF), que nomeou seu algoz, proferido nos microfones do palanque.

O governo jamais desfez esta impressão, dominante entre seus apoiadores, inclusive.

Antes mesmo do 7 de Setembro, esfumaçaram-se alguns desses mitos. A elite do agronegócio, por exemplo, ao defender a democracia, mostrou que o bolsonarismo radical, em seu meio, é restrito. O sistema financeiro garantiu, de papel passado, a Constituição e suas instituições democráticas. Os poderes Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças de destruição feitas pelo presidente da República e seus porta-vozes.

Restava a expectativa sobre de onde viria, então, o primeiro tiro, uma vez que o apoio armado a Bolsonaro não se mostrava ostensivo.

Ao descer, trêmulo, do palco do comício que fez em São Paulo, Bolsonaro mostrou que a manipulação que faria das polícias militares, do Exército Nacional, do Ministério Público e da Polícia Federal tornara-se, sem que percebesse, um sonho impossível.

O domínio discricionário das Forças Armadas, o mais temido dos mitos que cercam o poder de Bolsonaro, nem sequer foi tentado. O Exército não se afastou um milímetro do seu papel constitucional. Os generais em evidência na cúpula presidencial saíram silenciosos da refrega que promoveram na data nacional. Já pequenos, reduziram-se mais.

O País deve observar, na sequência, a descompressão forçada do presidente sobre os comandantes militares de tropa. Poderão estas forças, também, reagir com mais firmeza ao não atender a pedidos de atuação política fora de seus regulamentos, insistentemente feitos pela Presidência e pelo atual Ministério da Defesa.

O apreço dos militares por Bolsonaro permanece elevado. A ele reservam lealdade, respeito à hierarquia e disciplina. E esperam que o presidente faça o mesmo e tenha se convencido de que cumprirão com rigor suas funções, catálogo em que não está previsto o golpe.

Outro mito cuja ausência as manifestações revelaram foi o de controle total das polícias militares, sobre quem, inclusive, Bolsonaro patrocina legislação para torná-las submissas ao comando federal. Nenhuma PM descumpriu ordem de seu governador.

As manifestações apontaram ainda que a Polícia Federal são muitas e nem todas estão sob as ordens diretas de Jair Bolsonaro. Cada delegado é um poder. O presidente domina alguns deles. Não todos. Estão conduzindo inquéritos e fazendo prisões de amigos, parlamentares aliados e cúmplices. O “meu pessoal”, como Bolsonaro os define.

O Ministério Público, outro mito da aliança incondicional, nutrido no comportamento dúbio do procurador Augusto Aras, não está agindo como esperado. Até Aras, e não apenas os demais integrantes da instituição, tem contrariado os caprichos do presidente. Bolsonaro, até hoje, quase três anos de mandato, ainda não entendeu a natureza das funções presidenciais que deveria exercer.

À medida que caíram da mitologia da força irresistível de Jair Bolsonaro, estas instituições cresceram tanto quanto se fortaleceu o Supremo Tribunal Federal. Alvo principal dos tiros de Bolsonaro que, por enquanto, só têm saído pela culatra.


Fusão PSL-DEM cria maior força de direita na Câmara em 20 anos

Cúpulas dos dois partidos tentam definir fusão até o fim do mês, mas ainda há resistências entre integrantes do DEM

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Prestes a ser oficializada, a fusão entre DEM e PSL deve criar uma megapotência partidária. A nova legenda deve nascer com 81 deputados federais e conquistar o posto de maior bancada na Câmara, com força para decidir votações importantes e ter peso significativo num eventual processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Será a primeira vez em vinte anos que a direita reúne tantos parlamentares em uma única agremiação. A última vez foi no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando o PFL (atual DEM) elegeu 105 representantes.

Caso a nova sigla seja concretizada, vai desbancar o PT, que desde 2010 lidera o ranking de maiores bancadas na Câmara. Em 2018, foram 54 petistas eleitos. Hoje, o partido tem 53 deputados, empatado com o PSL. Mesmo que com a fusão parlamentares bolsonaristas deixem o novo partido, como esperado, a sigla ainda sem nome seguirá com o maior número de deputados.

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A ideia dos dirigentes de PSL e DEM é usar esta megaestrutura que está sendo formada para atrair uma candidatura à Presidência em 2022 capaz de rivalizar com Bolsonaro e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Além de maior partido da Câmara, a nova legenda deve controlar três Estados, favorecendo a formação de palanques regionais nas disputas eleitorais. Hoje, o PSL governa Tocantins, com Mauro Carlesse, e o DEM administra Goiás, com Ronaldo Caiado, e Mato Grosso, com Mauro Mendes. Até recentemente, o PSL também administrava Santa Catarina, com Carlos Moisés, mas o governador, eleito com apoio de Bolsonaro, saiu da legenda e segue sem partido. Hoje, a sigla com maior número de governadores é o PT, com quatro representantes (BA, CE, PI e RN).

O novo partido, que ainda não tem nome definido, também deve ser o mais rico de todos. Terá perto de R$ 158 milhões por ano de fundo partidário, dinheiro público que abastece as legendas para gastos que vão de aluguel de sede, pagamento de salários, aluguel de jatinhos, entre outros. Em comparação, o PT ganhou R$ 94 milhões dessa verba pública este ano.

A sigla que sairá da fusão DEM-PSL receberá ainda, no que ano vem, a maior fatia do fundo eleitoral, cujo valor ainda deve ser fixado pelo Congresso, mas, provavelmente, será superior a R$ 2,1 bilhões. Se considerada a soma dos valores de 2020 dos fundos eleitoral e partidário, o novo partido teria R$ 478,2 milhões, à frente do PT, que ficou com R$ 295,7 milhões somando as duas fontes de dinheiro público. 

A união é vantajosa para o DEM por causa do aumento do fundo partidário. Para o PSL, os principais atrativos são a capilaridade regional e estrutura que a outra sigla pode oferecer. 

No Senado, a alteração não seria significativa, pois o PSL acrescentaria apenas mais uma parlamentar – a senadora Soraya Thronicke (MS) – à bancada de seis senadores do DEM. 

O partido resultante da fusão terá ainda 554 prefeitos, 130 deputados estaduais e 5.546 vereadores, segundo o número de eleitos nos últimos pleitos para os respectivos cargos. 

Seguidores de Bolsonaro vão desembarcar

Apesar da perspectiva de crescimento e de ser o maior partido do País, os articuladores da fusão já esperam dissidências. Pela legislação, o político pode sair de uma legenda sem perder o mandato em caso de fusão. A previsão é de que 25 dos atuais 53 deputados do PSL, ligados ao presidente Jair Bolsonaro, devem desembarcar na nova legenda. Também são esperadas as saídas de aliados de Bolsonaro no DEM. É o caso do ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni.

O processo que pode levar à fusão dos dois partidos tem avançado. Dentro do PSL a união já é dada como certa e esperam anunciá-la em 21 de setembro. Mas a possibilidade de fusão desagrada uma parte do DEM.

Na primeira demonstração pública de atuação conjunta, os dois partidos divulgaram uma nota com críticas a Bolsonaro. Após os ataques do presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos atos governistas de 7 de Setembro, DEM e PSL afirmaram que repudiam "com veemência" o discurso de Bolsonaro "ao insurgir-se contra as instituições de nosso País".

O texto gerou insatisfação em parte do DEM. Onyx, que é deputado licenciado pelo DEM do Rio Grande do Sul, afirmou, por meio de vídeo divulgado nas redes sociais, que a nota não o representa. Disse ainda que a nova legenda "talvez nasça grande", mas, "ao final do ano que vem, se não mudarem seu comportamento, serão um partido nanico".

O PSL também está dividido em relação ao governo de Bolsonaro. A ala governista vai desembarcar do partido quando o presidente decidir por qual legenda concorrerá à reeleição em 2022. Bolsonaro está sem partido desde o fim de 2019, quando rompeu com o PSL.

Em Pernambuco, o ex-ministro da Educação e presidente do DEM no Estado, Mendonça Filho, critica fusão. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Fusão enfrenta resistências no DEM do Rio e de Pernambuco

Estadão apurou que há também conflitos no DEM do Rio. Lá, o deputado Sóstenes Cavalcante comanda provisoriamente o diretório estadual. Trabalha para ficar com o comando permanente.

O DEM resolveu fazer uma intervenção federal no Estado para retirar o ex-prefeito e  vereador Cesar Maia da presidência estadual. O movimento aconteceu após a saída do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, filho de Cesar, da legenda. Se for concretizada a fusão, o controle do diretório do Rio ficará com quem hoje está no PSL. Isso atrapalhará os planos de Sóstenes Ele já avisou a aliados que não aceita a fusão. 

Em Pernambuco, o ex-ministro da Educação e presidente do DEM no Estado, Mendonça Filho (DEM), também apresenta resistências.

"A minha preocupação é com a governança, como o partido vai se estabelecer, de que forma vai harmonizar os interesses regionais, nomes históricos do partido em posições regionais", disse Mendonça ao Estadão

Na mesma linha do que disse Onyx, o ex-ministro de Michel Temer (MDB) afirmou que a união não necessariamente vai se traduzir em um partido grande.

"Não adianta você compatibilizar excluindo. Em política, muitas vezes a soma de um conjunto de forças significa subtração. O que eu entendo é que a gente tem de ter como objetivo uma soma que de fato adicione", declarou.

Conterrâneo do presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar, Mendonça ressaltou que "respeita a figura de liderança" do dirigente partidário. Pregou, porém, que a discussão seja feita com calma. "Respeito todos os líderes que têm, com a melhor das intenções, tracionado uma maior celeridade nesse processo. Peço calma, paciência e que sejam cumpridas as etapas de uma discussão amadurecida", declarou.

Bivar, Rueda e ACM Neto dividirão comando

Detalhes como nome e número da nova sigla ainda não estão definidos. A operação tem como principais articuladores Luciano Bivar, o vice-presidente do PSL, Antonio Rueda, e o presidente do DEM, ACM Neto. Bivar deve ser o presidente do novo partido, Rueda deve ficar com a vice-presidência e Neto, com a secretaria-geral. 

Mesmo com o desembarque da ala bolsonarista do PSL, o novo partido nasceria com o maior tempo de rádio e televisão e o maior Fundo Partidário. No entanto, críticos da fusão afirmam que o crescimento só poderia ser dimensionado de verdade após o resultado das eleições de 2022, quando novas bancadas serão eleitas para o Congresso. A composição do fundo pode mudar drasticamente caso o novo partido não consiga manter o tamanho resultante da fusão.

O presidente do DEM, ACM Neto, quer ajustar a união internamente na sigla até o fim deste mês. Aliado do presidente do partido, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) avalia que a fusão deve mesmo acontecer.

"Grandes chances. Está bem avançado", declarou Nascimento.

Apesar das resistências no DEM, a fusão tem o apoio de Neto e também do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que diz que o processo "leva tempo", mas é "possível". Quando lhe foi perguntado sobre a data de 21 de setembro, citada por integrantes do PSL como anúncio da fusão, Mandetta disse: "Talvez um anúncio político, mas leva bem mais tempo (para definir totalmente a fusão)".

O ex-ministro tem articulado a sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto. Pelo lado do PSL, o pré-candidato é o apresentador José Luiz Datena. Embora não fale sobre o assunto publicamente, outro nome que é citado como opção para 2022 é o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O senador é cobiçado pelo PSD, pode acabar saindo do DEM para ir para a legenda presidida por Gilberto Kassab.

A fusão também é usada como uma estratégia para manter Pacheco no DEM. O presidente do Senado participou de algumas reuniões para tratar da união dos partidos. 

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,psl-e-dem-podem-formar-megapartido-com-maior-bancada-da-camara-e-igualar-pt-em-governadores,70003839923


Luiz Carlos Azedo: Oposição é forte, mas dividida

O PT não facilitará a vida de nenhum candidato de oposição. Pelo contrário, tentará mostrar nas próximas manifestações que é a única força capaz de derrotar Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Baziliense

Convocados por dois grandes movimentos cívicos que emergiram a partir das manifestações de junho de 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR ( Vem Pra Rua), os protestos de domingo passado receberam a adesão dos partidos de oposição moderada e alguns pré-candidatos a presidente da República, como o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o governador paulista João Doria (PSDB), a senadora Simone Tebet (MDB), o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e o ex-candidato a presidente da República João Amoedo (Novo). O PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o PSol boicotaram os atos, que nem de muito longe tiveram a força das mani- festações realizadas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, no Dia da Independência, 7 de setembro. Por quê?

Não existe um motivo apenas. Sem hierarquizar, podemos enumerar alguns, a começar pelo fato de que os organizadores do evento fizeram tudo o que podiam para restringir a presença dos partidos de esquerda, inclusive proibindo bandeiras vermelhas. De outra parte, não havia também nenhuma grande motivação por parte desses partidos para partici- par de um evento no qual a palavra de ordem “Nem Bolsonaro nem Lula” era, literalmente, o pano de fundo. Mas essa foi uma disputa de bastidores da organização do evento. Com a ressalva de que toda manifestação em defesa da democracia deve ser saudada, uma avaliação serena leva à inevitável conclusão de que as ambições de seus organizadores foram frustradas. Não por acaso, o presidente Jair Bolsonaro disse que seus opositores “são dignos de dó, de pena”, na manhã de ontem, à saída do Palácio da Alvorada.

A divisão entre as forças de oposição é mais profunda. Todos estão de acordo com o #ForaBolsonaro, mas o mesmo não ocorre em relação ao impeachment do presidente da República, principalmente de parte do PT. A avaliação da cúpula do partido é de que o ex-presidente da República está quase com o caneco na mão, o negócio é não fazer muita marola e chegar à campanha eleitoral de 2022. Faz sentido, embora seja inconfessável, os petistas serem contra o impeachment de Bolsonaro. Primeiro, por causa da turbulência política e dos riscos de a radicalização isolar a legenda; segundo, porque Bolsonaro
fora da disputa abre espaço para que um candidato de perfil mais moderado ocupe o centro político e receba os votos conservadores por gravitação.

Todos os pré-candidatos que subiram no carro de som dos protestos da Avenida Paulista sonham com Bolsonaro de fora do segundo turno das eleições, em razão do favoritismo de Lula. É da lógica das disputas eleitorais em dois turnos que a segunda vaga ser disputada com chutes nas canelas e dedos nos olhos entre os que seguem o líder. As pesquisas indicam ser mais fácil tomar a vaga de Bolsonaro do que a de Lula. Nove entre 10 analistas avaliam que Bolsonaro perdeu as condições de se reeleger. Entretanto, se outro candidato chegar ao segundo turno contra Lula, o petista pode ser derrotado. Por essa razão, o PT não facilitará a vida de nenhum candidato de oposição. Pelo contrário, tentará mostrar nas próximas manifestações que é a única força capaz de derrotar Bolsonaro.

Resistência institucional

É um erro comparar as manifestações golpistas do dia 7 de setembro com as de domingo para avaliar a capacidade de resistência da democracia aos arroubos autoritários de Bolsonaro. A comparação, porém, serve para demonstrar que não foram os partidos de oposição que barraram a ofensiva antidemocrática. O presidente da República foi obrigado a recuar devido à força das instituições republicanas, principalmente os demais Poderes, sob a liderança do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro também não tem o apoio das Forças Armadas para dar um golpe de Estado, como ficou evidente na semana passada. A alta burocracia federal, principalmente nas carreiras típicas de Estado, tem verdadeira ojeriza ao estilo de gestão adotado pelo presidente da República.

Voltemos ao começo. As manifestações de domingo mostraram que os chamados movimentos cívicos perderam força, como normalmente acontece com as correntes de opinião pública que surgem nas crises, quando suas organizações e lideranças se institucionalizam. Esses movimentos tiveram um caráter antissistema, ou seja, “contra tudo o que está aí”, no impeachment de Dilma Rousseff. Porém, nas eleições de 2018, sua base mais conservadora foi capturada por Bolsonaro, que as transformou em redes de apoio na internet. Os setores mais moderados, identificados com as ideias e propostas de caráter liberal ou social-democrata, que se deslocaram do bolsonarismo, estão diante de um problema que os movimentos cívicos, por sua natureza, não podem resolver sem os partidos de oposição: encontrar um candidato para chamar de seu.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-oposicao-e-forte-mas-dividida

Metrópoles: Um país à beira de um ataque de nervos - O que esperar deste 7/9

Ameaças de ruptura institucional após atos da militância bolsonarista em Brasília e em São Paulo aumentam tensão no Brasil

Raphael Veleda / Tácio Lorran/ Otávio Augusto / Metrópoles

O Brasil que chega a este 7 de setembro oscila em um mar de incertezas. Uma nação tensa pela possibilidade defendida por muitos militantes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de aproveitar os atos de apoio ao chefe do Executivo federal para forçar uma ruptura institucional, com “fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso”. Um país atemorizado pela presença de policiais armados como manifestantes e de eventuais paralisações de caminhoneiros ou de conflitos violentos entre fiéis bolsonaristas e opositores – que também anunciaram protestos. Um país, pelo lado dos bolsonaristas, esperançoso de que atos de grandes proporções em Brasília e em São Paulo, neste feriado da Independência, sejam o início do fortalecimento de um governo que vem colhendo derrotas no Judiciário e no Legislativo, nem que seja às custas das instituições democráticas.

Bolsonaristas mais moderados acreditam estar gestando uma “Nova Independência”, na qual seria possível mostrar ao sistema que o presidente Bolsonaro tem apoio popular – desmentindo o que indicam as pesquisas de opinião. Integrantes da oposição, por sua vez, temem violência e avaliam, em alguns casos, tratar-se de um antecedente de um possível golpe.

A mobilização em Brasília começou bem antes do previsto. No intuito de evitar desordem, a Polícia Militar do DF havia fechado a Esplanada dos Ministérios para o trânsito desde a noite de domingo (5/9), mas cedeu à pressão de manifestantes na noite de ontem e abriu a via para uma carreata de caminhões e ônibus que trouxeram milhares de pessoas para a capital.

O combinado era que esses veículos dariam apenas uma volta pela via, mas eles foram estacionados nas seis faixas e centenas de pedestres começaram a ocupar a região com barracas e sacos de dormir, antecipando o ato. Alguns manifestantes chegaram a arrancar grades da barreira montada em frente ao Congresso, mas foram interrompidos por PMs e por colegas militantes.

A presença precoce de milhares de pessoas na Esplanada coloca em xeque a estratégia da PM. A corporação pretendia revistar todo mundo que entrasse na Esplanada nesta terça e impedir a presença de veículos – e de armas.

Eixos de apoio ao presidente

Os atos pró-governo contam com apoio de evangélicos, ruralistas, caminhoneiros e até de policiais militares. Setores mais radicais do bolsonarismo têm solicitado que o presidente Jair Bolsonaro, por ser o comandante supremo das Forças Armadas, tome medidas mais drásticas contra seus antagonistas. Na Esplanada, na noite de ontem, já havia profusão de cartazes com pedidos desse tipo, apesar de a pauta oficial das manifestações ser a “liberdade de expressão”.

Nas últimas semanas, bolsonaristas foram alvo de mandados de busca e apreensão e de prisão, requeridos pela Procuradoria-Geral da República e autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, devido ao extremismo adotado durante a convocação das manifestações.

A Polícia Federal (PF) prendeu, no fim da tarde de segunda-feira (6/9), o ex-policial militar Cássio Rodrigues Costa Souza, de Minas Gerais. Ele foi preso após ter publicado nas redes sociais, na sexta-feira (3/9), uma ameaça a Moraes. “Terça-feira [7 de setembro] vamos te matar e matar toda a sua família, seu vagabundo”, escreveu no Twitter o ex-militar, que depois apagou a postagem.

Recentemente, também foram alvo de mandados o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como “Zé Trovão”, que está foragido; o cantor sertanejo Sérgio Reis; o blogueiro cearense Wellington Macedo de Souza; e o presidente do PTB, Roberto Jefferson; dentre outros.

O que esperar de hoje?

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, aposta haver uma considerável possibilidade de episódios de violência nesta terça. Ele diz que o cenário é imponderável e que qualquer faísca pode levar a uma guerra aberta. “Todas [as capitais] têm cenários de contingência. É torcer pra que funcionem e que não aconteçam depredações”, afirma.

“Os comandos estão preparados. Ninguém vai ser pego de surpresa, mas todos sabem que têm um desafio. É como fazer policiamento de torcida de futebol, saber que o confronto está sendo pensado. Então, é ir pra administrar grupo que quer brigar com outro”, continua, em conversa com o Metrópoles.

Discurso inflamado

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das parlamentares mais alinhadas ao presidente Bolsonaro, afirma que o ato tem por objetivo demonstrar que o povo brasileiro está “unido pela liberdade e pelos valores da Constituição”. Ela sustenta que não está indo para a rua para provocar baderna ou infringir qualquer lei.

“Será um sinal claro aos Poderes de que a população não está passiva e não permitirá arroubos autoritários em nosso país. Queremos mostrar à mídia, aos Poderes e ao mundo de que lado o povo brasileiro está: o lado da verdade, da liberdade e da Constituição Federal. […] Esperamos que aqueles que ultrapassaram as quatro linhas da Constituição possam escutar a voz das ruas. A expectativa é que todas as ações que aviltaram a Constituição Federal sejam revistas e que possamos continuar nossa agenda de reconstrução do país”, afirmou, em mensagem ao Metrópoles.

O deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-bolsonarista, afirma, por sua vez, que a manifestação se tornou “criminosa e antidemocrática” a partir do momento em que um dos apoiadores, preso na segunda-feira (6/9) pela Polícia Federal, afirmou que um empresário estaria oferecendo dinheiro pela “cabeça” do ministro do STF Alexandre de Moraes, e bolsonaristas passaram a exigir insistentemente o fechamento da Suprema Corte e do Congresso.

“Os riscos são os mais variados. Estamos lidando com pessoas extremamente radicais, ideológicas, covardes, acostumadas a agredir mulheres e a imprensa. Então, pode acontecer de tudo. […] Estamos falando de um governo afogado em corrupção, que tenta agora, de alguma forma, mostrar que o povo está com ele. Mas quem está com ele é, na verdade, o bolsonarismo. Ele não conseguiu furar o teto dessa bolha”, dispara o parlamentar paulista, em áudio ao Metrópoles.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/um-pais-a-beira-de-um-ataque-de-nervos-o-que-esperar-deste-7-de-setembro


Judeus progressistas em São Paulo e a Casa do Povo

Fluxo migratório para o Brasil dos judeus progressistas (comunistas e socialistas) se intensificou após a ascensão do Nazismo ao poder na Alemanha, em 1933, e por razões econômicas pós crise de 1929, além da fuga das ditaduras fascistas e antissemitas da Polônia e Romênia

Dina Lida Kinoshita / Militante e dirigente do PCB, PPS e Cidadania

Com o estabelecimento das “quotas” por nacionalidade para emigração aos Estados Unidos, nos anos 1920, o Brasil passa a ser uma das possibilidades para os judeus do Leste Europeu. É uma emigração pós pogroms ocorridos durante a Guerra Civil, nas regiões do Império Czarista onde a Revolução de Outubro fracassou, sobretudo na Polônia e na Lituânia. Com a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha em 1933 e, a política britânica de conter a ida de judeus para a Palestina a partir de 1936, esse fluxo migratório para outros países, entre eles o Brasil, se intensificou. Essa emigração ocorre não só devido ao perigo nazista, mas principalmente por razões econômicas pós crise de 1929 e pela fuga de judeus progressistas (comunistas e socialistas) das ditaduras fascistas e antissemitas da Polônia e Romênia.

Esses judeus progressistas foram forjados nas lutas contra a opressão da autocracia czarista e posteriormente nos países do “cordão sanitário”, criados para que a “praga bolchevique” não se alastrasse. Vinculados aos círculos socialistas surge um novo tipo de intelectual dentro “...da tradição marxista que levou o movimento político fundado nos trabalhadores a dar ênfase particular ao desenvolvimento da teoria, considerado indispensável para orientar uma prática transformadora da realidade...”[1]. Apesar da pouca ou nenhuma educação formal uma vez que vigia ora o “numerus clausus” ora o “numerus nulus”, formavam-se verdadeiros intelectuais autodidatas para quem a questão cultural era central para esse fim. Havia nos estratos populares uma fome de cultura e esses autodidatas tinham uma militância ativa e nada do que é humano lhes escapava. Além do que, antes do surgimento da indústria cultural, os círculos comunistas e socialistas eram os grandes difusores da cultura laica nas classes populares.

Desde os primórdios da imigração judaica do Leste Europeu, os progressistas de São Paulo criaram várias entidades. Nos anos 1920, inicialmente o Tsukunft (O Porvir) e, depois o Yugnt Club (O Clube da Juventude), que privilegiava o aprimoramento cultural, do ponto de vista marxista, dos poucos operários e uma maioria de mascates, muitos deles militantes de bairro.  

Esses imigrantes tentaram se integrar ao novo país onde viviam, porém nunca deixaram de lançar seu olhar ao que ocorria no “Velho Lar” onde houve uma Revolução que prometia “pão, paz e terra”[2].

As décadas de 1930-40 talvez tenham sido o auge do que Eric Hobsbawm denominou “A Era dos Extremos”[3]. Embora nos anos 1920 já houvesse ditaduras fascistas na Itália e em Portugal, a ascensão do nazismo ao poder agravou deveras o contexto político europeu. Essa última vitória decorre em grande parte devido à política de “classe contra classe” definida no VI Congresso da Internacional Comunista (IC), em 1928.

Para barrar o avanço do nazi fascismo a IC convoca para julho de 1935, o VII Congresso, onde são aprovadas as teses do búlgaro Gyorgy Dimitrov, de construção das “frentes populares”. Neste congresso houve uma sessão de grandes escritores e intelectuais de todo o mundo, “Em Defesa da Cultura”[4]. A fração judaica que acorreu a essa reunião convocou um congresso para julho de 1936, a ser realizado em Paris. Houve um boicote de alguns no mundo Ocidental, mas no cômputo geral, o Congresso “Em Defesa da Cultura Judaica” obteve grande êxito e ao final, foi criado o “Ídicher Cultur Farband” (ICUF)[5]. O representante do Brasil foi Menachem Kopelman.

A organização do ICUF tinha uma estrutura que consistia de um comitê internacional inicialmente sediado em Paris, posteriormente transferido para os EUA, devido à invasão nazista; os comitês nacionais, nos países onde havia comunidades que se expressavam na língua iídiche, e uma vasta rede de entidades locais. A cada três anos eram previstos os congressos nacionais. Essa estrutura seguia muito de perto, a das Internacionais Socialista e Comunista, bastante hierarquizada e verticalizada. Certamente não corresponde às redes modernas, onde as novas tecnologias propiciam muito mais horizontalidade. Mas com certeza, havia um grande intercâmbio entre estes setores progressistas das diversas comunidades. A II Guerra Mundial e o extermínio dos judeus europeus haviam diminuído a importância do Comitê Internacional e os comitês regionais e nacionais adquiriram mais força.[6]

De toda maneira a frente formada em torno do ICUF, é a que se havia constituído nas organizações clandestinas de resistência nos guetos e nos destacamentos partisans durante a II Guerra Mundial e que perdurou no imediato pós-guerra, onde atuavam comunistas, bundistas e sionistas de esquerda. Basta verificar os nomes e filiações partidárias dos mais destacados comandantes, militares ou intelectuais, da resistência antifascista judaica na Europa Oriental: Mordechai Aniliewicz, Josef Kaplan e Arie Wilner do Hashomer Hatzair (Jovem Guarda), Josef Lewartowski e Itzik Vitenberg do Partido Comunista Polonês, Marek Edelman e Michal Klepfisz do BUND e Dr. Emanuel Ringelblum do Linke Poale Tzion (Esquerda dos Operários de Sion).

Judeus brasileiros integraram as tropas das Brigadas Internacionais. Foto: Reprodução

Cabe lembrar que enquanto ocorria este Congresso, judeus provenientes do Brasil estavam lutando nas Brigadas Internacionais ao lado da República Espanhola, durante a Guerra Civil.  [7].

A grande ausência notável no Congresso, foi de uma delegação soviética de escritores que se expressavam no idioma iídiche.

No plano nacional, a década de 1930 se inicia com a ditadura de Getulio Vargas que simpatiza por muitos anos com o nazi fascismo. Foi um período de muita intolerância do governo e resistência judaica com numerosas prisões e deportações. A espada de Dâmocles pendia sobre a cabeça desses imigrantes, uma ameaça real numa Europa fascista[8]. A construção do aparelho repressivo no Brasil, a partir do começo do século XX até os anos 1930, com a instituição do Estado Novo através da Constituição de 1937, mais conhecida como a “polaca”, a repressão se agrava. Especialmente a política varguista com relação aos imigrantes judeus vindos das regiões do antigo Império czarista e de suas possíveis simpatias com a Revolução de Outubro[9]. Não se pode esquecer que nos fins dos anos 1920 e até meados dos anos 1930 a IC havia dedicado uma atenção especial ao Brasil, na medida em que Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, líder máximo da Coluna Prestes, havia ingressado no PCB e vinha-se preparando o Levante de 1935. Um número expressivo de judeus estava envolvido nisso.

O Uruguai, país com estabilidade democrática, prestou solidariedade e refúgio a perseguidos políticos. Pode-se citar como exemplo, os casos de Hersch Schechter que em sua segunda deportação, ocorrida em 1941, e até sua volta após a democratização de 1945, e em seu exílio entre 1964-68 esteve no Uruguai trabalhando no jornal Unzer Fraint (Nosso Companheiro), ou no caso de Alter Kowalski e de Volf Feldman que se fixaram definitivamente no país vizinho e realizaram um trabalho de enlace político-partidário entre as comunidades desses países vizinhos da região. Srul Fajbus Roclaw também passou vários anos no Uruguai, enquanto Josef Lipski esteve no Uruguai e Argentina.

Casa do Povo Monumento Vivo



Havia também decretos secretos proibindo a entrada de judeus no país[10].

Se a difícil situação econômica e a perseguição são condições gerais para os judeus do Leste Europeu, os judeus de esquerda em todas as suas vertentes, são duplamente perseguidos. Embora a história dos judeus de esquerda hoje seja escamoteada e pertença à história dos silenciados e vencidos, sua importância pode ser conferida pelo papel desempenhado pelo BUND na formação do Partido Operário Social Democrata da Rússia, bem como em obras literárias como “A Família Muskat”[11] de Isaac Bashevis Singer, nas memórias de velhos militantes como Hersz Smoliar[12] ou em livros como Le Yiddishland Revolutionaire[13], ou ainda “Le Pain de la Misére” de Weinstok[14]  

Enquanto alguns preferiram inserir-se nas lutas gerais do povo brasileiro, a maioria, ao chegar a terras de língua, hábitos e costumes estranhos, reproduz os seus modos de organização dos países de origem.  

Parte dos comunistas judeus nascidos no Brasil ou que chegaram aqui bem jovens, entre os quais poder-se-ia citar Leôncio Basbaum, Hersch Schechter, Sara Becker (mais tarde Sara de Mello), Felícia Itkis (mais tarde Schechter), Noé Gertel, Jacob Wolfenson e  José Gutman, abraçavam em primeiro lugar, as lutas gerais do povo brasileiro, já que a comunidade era e continua relativamente pequena e nunca se respirou o “idishkeit” (atmosfera judaica) da Europa Central e Oriental com muita intensidade. Porém, vários imigrantes que já vinham dos círculos socialistas europeus, como Jacob Frydman, tentaram inserir-se inicialmente nessas lutas do povo brasileiro, e só após muitas perseguições e deportações, os que permaneceram no país, muitas vezes se organizaram no meio judaico. Talvez,  o Levante de 1935 organizado pelo PC em consonância com a IC, tenha propiciado um acerto de contas internacional, uma vez que os integralistas, que tinham forte simpatia pelas forças do Eixo, participavam do governo Vargas[15]. De toda maneira, a violenta repressão que se abate a partir dos anos 1935, praticamente liquidam essa primeira onda de entidades da esquerda judaica.

Em 1942 Vargas muda de posição após uma negociação com o Presidente Franklin D. Roosevelt, em que os Estados Unidos construiriam a Companhia Siderúrgica Nacional, em troca de permissão para construção de uma base militar em Natal, no Rio Grande do Norte, ponto estratégico para a travessia do Atlântico rumo à África. Esse acordo dá margem a fissuras no regime brasileiro. As forças que lutam pela democracia começam a se reorganizar.

Os judeus progressistas também buscam os caminhos para satisfazer as  melhores aspirações populares. Num caminho de vai e vem, abraçavam todas as causas condutoras ao enraizamento na nova terra e ao mesmo tempo preservavam os valores político-sociais, humanistas e literários adquiridos em suas terras natais da Europa Oriental. Foi nesta época que surge o Centro Cultura e Progresso. É um momento de muita efervescência política bem como cultural.

Merece uma menção especial o papel desempenhado pelo teatro  nessa entidade. Unindo o ensinamento de I. L. Peretz, “O teatro é escola para adultos”, e o de Romain Rolland, “O teatro deve compartilhar o pão do povo, de suas inquietudes, de suas esperanças e de suas lutas”, o Dramkraiz (Círculo Dramaático) de São Paulo fez “...do trabalho teatral uma prática deliberada não só de arte, como de educação e política, sem renunciar  contudo, nos vários momentos de sua trajetória e de suas preferências ideológico-estilísticas, à busca da artisticidade, senão da forma, na linguagem dramático cênica.”[16]  Há indícios  de que ainda em 1938, no tempo do Yugnt Club, Riven Hochberg encenou uma peça teatral. O espetáculo ocorreu no teatro  do Clube Luso-Brasileiro. Mas no período do Estado Novo e da II Guerra foram proibidas todas as atividades de estrangeiros.

Porém por volta de 1942, com a “abertura” surge o Centro Cultura e Progresso e as atividades teatrais são retomadas a todo vapor.

Outra atividade essencial era a biblioteca. Havia uma quantidade grande de livros, a maioria em iídiche e português mas também em russo e polonês. Quem cuidava da biblioteca como voluntário era Avrum Rajnsztajn e posteriormente, também Felícia Itkis Schechter.      

Com a mudança de rumo da política internacional do governo Vargas, navios alemães atacam as costas brasileiras e a população começa a se manifestar pela entrada na guerra ao lado dos Aliados. O governo brasileiro vê-se obrigado a organizar a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Muitos judeus se alistam para lutar na Itália, contra o nazifascismo. Entre eles, Boris Shnaiderman, professor de literatura russa da USP; o artista plástico Carlos Scliar; Salomão Malina, o último Secretário Geral do PCB e Samuel Safker, ativista e dirigente da Associaçao Scholem Aleichem do Rio de Janeiro.

Com a derrota do nazi fascismo cai a ditadura de Vargas. Não obstante a pouca atividade das entidades vinculadas ao ICUF durante a guerra, por razões já mencionadas, no imediato pós-guerra, tiveram um grande florescimento e se associaram às congêneres argentinas e uruguaias. Como primeira atividade, trabalharam no auxílio imediato aos sobreviventes do Holocausto que se encontravam, sobretudo na Polônia e, pouco depois nos diversos DP Camps na Alemanha.

Etapas da Casa do Povo em seu início. Foto: Acervo/Casa do Povo

A criação do ICIB e outras atividades afins

Em 1942, enquanto se desenrolava na URSS a sangrenta e decisiva Batalha de Stalingrado, turning point da II Guerra, Manoel Casoy prometeu doar uma soma de dinheiro, caso os nazistas fossem derrotados, para erigir um monumento em homenagem aos heróis e mártires tombados. Terminada a guerra, Casoy cumpriu a promessa. Ao tomar conhecimento da barbárie do extermínio das comunidades judaicas no Leste Europeu, formou-se uma comissão que decidiu construir o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), mais conhecido como o Folks Hois ou a Casa do Povo.

O espaço também abrigaria a Escola Scholem Aleichem e um Clube Infanto-Juvenil. I. L. Peretz, ambos em homenagem a dois patriarcas da literatura iídiche. Outras atividades que não poderiam faltar eram o Clube de Xadrez, o Leinkraiz (Círculo de Leitura) e o Coral que cantava belas canções populares do  repertório iídiche bem como músicas revolucionárias e de combate. Os  três grupos teatrais, o Dramkraiz e outros dois em língua portuguesa se apresentavam em outros teatros  da cidade, inclusive no Teatro Municipal. Esses grupos amadores de alto nível foram premiados por diversas vezes. O Teatro de Arte Israelita Brasileiro (TAIB) só foi inaugurado em 1960. 

O edifício é uma espécie de Palácio da Cultura, para preservar pelo menos uma pequena parte do que foi destruído. A comunidade judaica de São Paulo engrossou sua simpatia pela esquerda pois os soviéticos libertaram a maioria dos grandes campos de concentração e de extermínio. Quase toda a comunidade contribuiu ainda que fosse com um tijolo. Foi uma demonstração do apreço pelos progressistas. O ICIB foi fundado em 1948 mas o edifício só foi inaugurado em 1953. A biblioteca já existente nas entidades anteriores foi incorporada à nova sede.

Os arquivos da Casa do Povo têm muitas lacunas, não por incompetência dos que o organizaram. Os longos períodos de autoritarismo no Brasil, durante o século XX, e a tradição revolucionára do Leste Europeu é rica em silêncios. Muitos eventos não constam nos arquivos, outros não têm data ou são anunciados de uma maneira hermética que só quem estava presente pode recordar do que se trata. Um exemplo disso é um convite para ouvir um camarada que viajou para a Europa. Se visitou em Paris o Moulin Rouge ou a redação do Sovietish Heimland em Moscou é impossível saber.

Porém houve muitas conferências e debates. Escritores e intelectuais importantes, militantes da cultura iídiche como Aron Kurtz (presidente do ICUF nos EUA), os poetas H. Lêivik e SZmerke Kaczerginski, bem como da cultura universal, como, Pablo Neruda (Prêmio Nobel de literatura, Chile), Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, o cantor Paul Robson, Ida Kaminska (atriz do Teatro Estatal Judeu da Polônia e intérprete principal do filme, A Pequena Loja da Rua Principal, Mario Schenberg (intelectual e eminente físico teórico), entre muitos outros proferiram conferências ou participaram de atividades artísticas na entidade. Marcos Ana, poeta libertado das masmorras franquistas nos anos 1960 também foi ouvido na Casa do Povo. Foram homenageados em seus natalícios ou em datas fúnebres, Scholem Aleichem, I. L. Peretz, Moishe Olguin, M. Gebirtig, Avrum Reisn, bem como W. Shakespeare, Rubén Dario, Euclides da Cunha, Albert Einstein, Julio Cortázar, Machado de Assis, Rafael Alberti,  entre outros.

A Escola Israelita Brasileira “Scholem Aleichem” de São Paulo foi a primeira escola de pedagogia moderna, durante muitos anos considerada como escola avançada, servindo de modelo às escolas de aplicação e experimentais implantadas na rede de  ensino público mais tarde. Do ponto de vista da educação judaica, o enfoque era laico, sendo a única escola judaica que ensinava no pós-guerra a língua iídiche e não o hebraico. Enquanto os sionistas consideravam o iídiche como a língua dos judeus dos guetos que foram aos crematórios como carneiros, os progressistas afirmavam que em memória aos combatentes e heróis da resistência dos guetos e dos destacamentos de partisans, em memória a toda uma cultura progressista criada em íidiche e destruída durante o Holocausto, e com a esperança de um renascimento sócio-cultural das comunidades judaicas nas Democracias Populares, decidiram manter o iídiche e não ensinar o hebraico. Mas mais importante talvez seja o sentimento transmitido aos alunos de “...serem lutadores invencíveis pelas causas da humanidade.

Além dessas atividades havia outras de caráter nacional:

- O jornal Unzer Shtime (Nossa Voz), cujo redator-chefe nem constava do expediente por ser estrangeiro e havia sido deportado nos anos 1920 e 1940. Quem respondia pelo jornal era o estudante de medicina, Israel Nussenzweig. Mas todos sabiam que Hersch Schechter era a cabeça e a alma do jornal e escrevia todos os editoriais. O jornal se referia às questões da paz e quanto à questão judaica, sempre enfatizava, diferentemente dos jornais sionistas, propostas plurais de experiências das comunidades judaicas, e também demonstrava grande esperança na reconstrução de uma vida sócio-cultural judaica nas Repúblicas Populares e na URSS pós-holocausto. A redação do jornal foi invadida e empastelada logo após o golpe militar perpetrado em 1º de abril de 1964 quando o jornal deixou de ser editado – é difícil prever como esta proposta evoluiria, se houvesse continuidade. Além disso, havia um esforço muito grande, no sentido de encorajar os setores progressistas da comunidade judaica, a se integrarem ao povo brasileiro e às suas lutas mais gerais. O jornal jamais teve uma linha isolacionista. Apesar da década de 1970 ter sido a época de ouro dos jornais alternativos no Brasil, que se colocavam claramente contra o regime ditatorial, como o Pasquim, sucedido pelo Opinião e pelo Movimento, não havia condições de relançar o Unzer Shtime, porque quase ninguém mais lia em íidiche e a Casa do Povo vivia permanentemente vigiada, alguns de seus ativistas e diretores estavam presos no Doi-Codi[17], não permitindo grandes atividades. Quanto à orientação, o Unzer Fraint segue a mesma tônica e também não resistiu ao regime ditatorial uruguaio dos anos 1970;

Atividades desenvolvidas na Casa do Povo. Fotos: Acervo/Casa do Povo

- A juventude publicava a revista O Reflexo entre 1946 e 1951 sob a direção de Luiz Israel Febrot. Também organizavam bailes e comemorações festivas.

A simpatia da comunidade judaica pela esquerda no imediato pós-guerra, teve reflexos de algum modo no número e destaque intelectual de quadros de origem judaica da geração de 1945, na direção do PCB. Pode-se citar Salomão Malina, Jacob Gorender, Mário Schenberg, Marcos Chaimovitch, Isaac Scheinvar, Maurício Grabois, Moisés Vinhas e Carlos Frydman entre outros. Num determinado momento, o setor judaico do PCB em São Paulo foi a base mais importante e Eliza Kaufman Abramovich, diretora da Escola Scholem Aleichem, foi a vereadora mais votada e a bancada de comunistas majoritária na Câmara dos Vereadores da cidade. Já em 1946, na eleição para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, foi eleita uma bancada expressiva de deputados comunistas, entre eles, Mário Schenberg. É difícil fazer comparações com eleições anteriores uma vez que de 1930 a 1945 só houve uma eleição direta para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934, quando poucos judeus no Brasil puderam votar, por sua condição de estrangeiros ou porque muitos chegaram após esta data;

- A Colônia de Férias Kinderland funcionava como um prolongamento da escola em época de férias. Além das atividades recreativas, havia uma vasta programação cultural e um aprofundamento da noção de vida coletiva em detrimento do individualismo.

A Associação Feminina Israelita Brasileira (AFIB) se espelhava na tradição de Clara Zetkin e Rosa Luxemburg, das mulheres combatentes de todos os tempos pela liberdade e pelos direitos humanos, desde as operárias de Manhattan em greve pela redução da jornada de trabalho, até pelas combatentes Niuta Teitelboim do Gueto de Varsóvia e Vita Kempner do Gueto de Vilna. As voluntárias da AFIB administravam[18] a Colônia.

Passeio sonoro pelo Bom Retiro



Assim, esta frente, paralelamente à atividade política, realizava um trabalho nas áreas de educação e cultura.

Ao analisar as atividades da Casa do Povo, vem à lembrança o texto de T. Grol a respeito do Bund na Polônia: “Paralelamente à atividade política e sindical, o BUND realizava um trabalho ramificado e multicolorido nas áreas de educação e cultura. Quem de nossa geração não se lembra da maravilhosa rede de escolas populares judaicas, bibliotecas, associações culturais, clubes esportivos, sanatórios infantis, jornais, boletins e revistas na Polônia do pré II Guerra Mundial, organizadas pelo BUND?”[19] Se o movimento não adquiriu a mesma pujança é preciso guardar as devidas proporções quanto ao tamanho das respectivas comunidades e ao tempo de enraizamento nos vários lugares.

A questão da paz é recorrente ao longo de todas as décadas, com ênfase especial na obtenção de uma paz negociada, justa e duradoura no Oriente Médio, que contemple todos os povos da região. Mas nunca deixaram de lutar por um mundo mais igualitário e pacífico e pelo banimento dos artefatos bélicos nucleares. Transcrevo abaixo um trecho de uma convocatória do XXV aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia:

“... Hoje, quando comemoramos o XXV Aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia, que tão tragicamente nos lembra a II Guerra Mundial, sentimo-nos inquietos com os conflitos que surgem e se desenvolvem no mundo. Inquieta e nos revolta a tragédia do Vietnã, onde diariamente milhares de preciosas vidas de homens, mulheres e crianças são impiedosamente ceifadas e que poderá culminar com o emprego de armas atômicas, e como conseqüência, provocar uma III Guerra Mundial, com o perigo de aniquilamento de grande parte da humanidade. Portanto, é nosso dever unirmo-nos a todos os povos amantes da Paz, para clamar contra  os conflitos que surgem e se desenvolvem no mundo. .”

“...A Israel cabe criar condições de vida e segurança para o País e aos seus cidadãos, como também achar soluções pacíficas para os problemas de fronteiras ou outros, com seus vizinhos Árabes.

No interesse do Estado de Israel e do povo judeu espalhado pelo mundo, no interesse, felicidade e bem estar de toda a humanidade, é necessário que juntos, todos os povos, empreguem os meios e esforços para que a paz e a liberdade sejam preservadas.” (1968)

A política soviética com relação aos judeus durante
a II Guerra Mundial e no imediato pós guerra

É inegável que, durante os anos do Grande Terror stalinista foram liquidados muitos judeus, Mas, ninguém atribuía este fato ao antissemitismo. Era considerado como um acerto de contas genérico do stalinismo com todos que não rezavam nesta cartilha: trotskistas, bukhrinistas e outros “istas” menos conhecidos por quem não é íntimo da história do PCUS e do regime soviético.

E nos anos da Grande Guerra Patriótica, como os soviéticos denominavam a II Guerra Mundial, os judeus se destacaram não só por seu heroísmo e bravura em combate contra o invasor nazista, mas também, pela proximidade entre os idiomas iídiche e alemão que lhes rendeu missões militares especiais.

Durante o período de guerra, abriram-se certas brechas no regime stalinista uma vez que Stalin estava empenhado em demonstrar que não estava interessado em exportar a Revolução, mas, tão somente, na aliança com os Aliados do Ocidente para derrotar os nazistas. Foi neste contexto que a comunidade judaica soviética havia logrado criar o Comitê Judaico Antifascista. Por outro lado, até 1944 os Aliados do Ocidente ainda não haviam aberto a II Frente na Europa e o peso do conflito nesta região era suportado pelos soviéticos. Stalin constituiu em 1943 uma Comissão Antifascista Judaica para visitar os EUA visando angariar fundos para o esforço de guerra soviético e, conclamar a grande comunidade judaica norte-americana oriunda da antiga “Zona de Residência” para se manifestar pela abertura da II Frente.

Esta comissão era composta pelos próceres da intelectualidade judaica soviética que se expressavam em iídiche: Solomon Mikhoels, grande ator e diretor do Teatro de Arte Judaico de Moscou, e os poetas Itzik Feffer e Peretz Markish. Esta Comissão acabou tendo contatos com intelectuais e artistas como o ator e cantor negro Paul Robeson que participou do maior evento pró-soviético promovido nos EUA pela comunidade judaica de Nova Iorque, com o apoio de Albert Einstein. O evento em favor da abertura da II Frente na Europa, ocorreu no dia 8 de julho de 1943.   Logo após a II Guerra, a URSS era vista como a grande vitoriosa da guerra na Europa e gozava de muito prestígio. 

No imediato pós guerra a URSS estava  interessada em meter uma cunha no Oriente Médio contra os países colonialistas, a saber, Grã-Bretanha e França. Quem presidiu a Assembleia Geral da recém criada ONU, em novembro de 1947, foi o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, mas quem encaminhou e defendeu a proposta da partilha da Palestina, que deu ensejo à criação de um Estado judeu — e de um Estado árabe-palestino — , foi Andrey Gromyko, embaixador soviético neste organismo. Os Estados Unidos votaram a favor da proposta com muitas reticências, a Grã-Bretanha se absteve. Todos os países árabes rejeitaram a partilha e declararam guerra ao Estado recém-criado, com o apoio tácito dos britânicos. A República Popular da Checoslováquia fornecera, em grande medida, as armas utilizadas pela Haganá, embrião do Exército israelense, na Guerra da Independência (1948). Note-se que o processo de descolonização na Ásia e África estava em marcha com o apoio decisivo da URSS. No entanto o Estado Palestino não existe até os dias de hoje.

TVFAP: Entrevista de Dina Lida Kinoshita



Foi um momento de grande unidade do povo judeu. Sionistas e progressistas apoiam a criação do Estado de Israel – se para os primeiros essa criação simboliza a realização de um sonho milenar de volta à “Terra Prometida”, para os segundos, trata-se de um movimento de libertação nacional em que o apoio soviético para um Estado judeu, afetaria os interesses imperialistas numa região altamente estratégica como tem sido ao longo de séculos, o Oriente Médio. Por outra parte, não se pode ignorar que embora houvesse um apoio firme da URSS e das Repúblicas Populares na ONU à criação do Estado de Israel, a atitude dos comunistas sempre foi matizada por um outro sentimento: havia a esperança de um reflorescimento das comunidades judaicas no Leste Europeu, que seria a experiência socialista, e não sionista, de solução da “questão judaica”.

Esse momento durou pouco: a frente constituída nos anos da guerra que perdurou no imediato pós-guerra sofreu uma fratura. Retiraram-se das organizações progressistas, primeiro os sionistas de esquerda e mais tarde outros grupos socialistas. Os sionistas de esquerda, em nível mundial, se alienam das políticas locais e passam a privilegiar uma política de fortalecimento e consolidação do Estado de Israel que pretendiam democrático e socialista. Esta política se expressa na prática por um apoio financeiro, cultural e uma emigração expressiva para o Estado de Israel, entre 1948 e 1965, principalmente de jovens que se dirigem para Bror Khail, Guivat Oz e Gash, conhecidos como os kibutzim de brasileiros.

Contudo, para entender as mudanças, não se pode deixar de fazer uma reflexão a respeito da política brasileira no que diz respeito ao antissemitismo. Durante o Estado Novo, o governo brasileiro foi muito influenciado pelo integralismo, com grandes simpatias pelo Eixo, e praticou uma política cujo conteúdo tem fortes matizes antissemitas. Nesta conjuntura, um grupo de imigrantes que se sente marginal, acaba ingressando num partido de propostas internacionalistas que também é marginal, clandestino e ilegal como o PCB, embora houvesse um número reduzido de anarquistas e trotskistas. Segundo Hobsbawm[20]. talvez, por falta de opções. Outro fator que deve ser levado em conta, é a “política de substituição de importações” implantada no Brasil que propicia às novas gerações de judeus nascidos na região uma ascensão social e cultural. Estas comunidades deixam de sentir-se marginais, e nos momentos de democratização tem maior leque partidário para escolha.

Mas a lua-de-mel dos Aliados dura pouco. Este quadro começou a mudar de rumo, por várias razões:

Menos de um ano após a vitótia Aliada, Winston Churchill profere em 5 de Março de 1946, na cidade de Fulton, EUA, o famoso discurso sobre a Cortina de Ferro, dando início à Guerra Fria.

O Estado de Israel era economicamente inviável. Embora a URSS tenha se empenhado na criação deste país, não tinha condições de prestar ajuda econômico-financeira, dado que necessitava reconstruir o seu próprio país que sofrera perdas humanas e materiais incalculáveis durante a Grande Guerra. O Plano Marshall possibilitou uma recuperação mais rápida à Europa Ocidental. Ao ser criada a República Federal da Alemanha, seu primeiro chanceler, Konrad Adenauer, firmou um tratado com o Estado de Israel (1951) pelo qual os sobreviventes do Holocausto teriam indenizações vitalícias, e a soma referente aos 6 milhões de assassinados destinar-se-ia ao novo Estado, o que deu um certo alento econômico.

Com o surgimento do macartismo nos Estados Unidos, houve um certo temor de que ocorressem perseguições aos judeus norte-americanos, uma vez que havia manifestações antissemitas e racistas em vastos setores do país. Portanto, não interessava o confronto com esta superpotência.

Em 1951, se reorganiza a Internacional Socialista (IS), totalmente destroçada com a ascensão do nazismo, uma vez que o Partido Social-Democrata Alemão havia sido o grande sustentáculo desse campo político. Os partidos trabalhista (Mapai) e socialista (Mapam), majoritários na fundação do Estado de Israel, ingressaram na IS.

Mais adiante, num contexto absolutamente polarizado da Guerra Fria, os países europeus, dirigidos por partidos pertencentes à IS, alinharam-se com os Estados Unidos, bem como Israel, A URSS passa a investir nos países árabes para fincar uma posição estratégica no Oriente Médio. Os países da OTAN já haviam cercado os países do bloco soviético e, a URSS buscava manter bases militares nos países do Terceiro Mundo.

A comemoração realizou-se com pleno êxito com a presença de um grande número de delegações estrangeiras, sem, no entanto, nenhum delegado soviético. Todos se indagavam onde estava a antiga Comissão Antifascista. E os rumores começaram a se espalhar pelo mundo.

Mas as manifestações antijudaicas já aparecem no início de 1948. A primeira envolve  URSS e Polônia ainda no início de 1948. Hersz Smoliar recorda em suas memórias: o Comitê Central dos Judeus Poloneses, hegemonizado por velhos quadros do PC polonês, decidiu realizar um grande evento internacional,  por ocasião do quinto aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia com a inauguração do Monumento em homenagem aos Heróis e Mártires do Gueto. Organizações judaicas de quase todos os países, não só aprovaram a ideia, como a apoiaram financeiramente. O Comitê polonês considerava de suma importância que uma delegação soviética de grande representatividade comparecesse ao evento apesar das dificuldades havidas naquela época para cidadãos soviéticos saírem do país, ainda que para as Repúblicas Populares. Smoliar, em nome do comitê polonês, havia contatado Itzik Feffer para dar andamento ao projeto além dos trâmites legais requeridos.

Combinaram de se falar por telefone semanalmente, sendo que a chamada era feita alternadamente por um deles. Num determinado dia agendado, Smoliar esperou por um longo tempo ser chamado de Moscou, mas foi em vão. Decidiu então ligar e, a secretária de Itzik Feffer, com voz embargada e muito alterada comunicou-lhe que Itzik Feffer não se encontrava e que Solomon Mikhoels já não está de todo... o primeiro reflexo de Smoliar era, que haviam levado Shlomo Mikhoels, detido... talvez também a Feffer. Voltou a ligar em seguida ao redator do Einikeit (Unidade), que lhe transmitira tudo que sabia então, a respeito da morte de Shlomo Mikhoels. Smoliar transmitiu imediatamente tudo que soubera à fração comunista do Comitê Central dos Judeus Poloneses e ninguém teve qualquer desconfiança de que esta morte tivesse sido planejada.

A comemoração realizou-se com pleno êxito com a presença de um grande número de delegações estrangeiras, sem, no entanto, nenhum delegado soviético. Todos se indagavam onde estava a antiga Comissão Antifascista. E os rumores começaram a se espalhar pelo mundo.

Mas os camaradas poloneses tinham um outro desgosto. Wladislaw Gomulka, secretário-geral do Partido Comunista Polonês e chefe do governo daquele país, se jactava em afirmar em seus discursos que a Polônia pós-guerra era um Estado uni nacional, negando a existência de minorias ucranianas e alemãs e jamais se referindo aos 10% de judeus desaparecidos como vítimas do Holocausto nazista[21].

Entrementes, nos EUA grassava o macartismo e ninguém escapava às investigações extremamente agressivas da Comissão de Investigação de Atividades Antiamericanas. Funcionários públicos, cientistas, intelectuais e artistas eram os mais visados. Carreiras eram destruídas, muitos perdiam seus empregos e alguns eram presos. Um dos investigados foi Paul Robeson que saiu do país.

De acordo com várias versões biográficas de Feffer e Robeson na Wilkipedia,  seis anos depois, Robeson havia chegado a Moscou por ocasião das comemorações do 150º aniversário do poeta Alexander Pushkin. Ao chegar a Moscou, preocupado com a situação dos artistas judeus soviéticos, Robeson solicitara às autoridades soviéticas um encontro com Feffer, que havia conhecido e se tornaram amigos, durante a guerra, nos EUA. Foi-lhe dito que Feffer estava passando férias na Criméia e se demoraria naquela região. Diante da insistência de Robeson, as autoridades soviéticas tiveram que retirar Feffer, muito debilitado, da prisão, mantê-lo sob cuidados médicos por um tempo para que se restabelecesse, e então, o levaram ao encontro com Robeson. Um encontro estranho onde ambos se abraçaram, sem que Feffer pudesse emitir mais que uma palavra, pois, a sala havia sido grampeada pela NKVD (antecessora da KGB). Feffer conseguira transmitir a Robeson por meio de gestos que Mikhoels havia sido assassinado pela polícia secreta bem como a real situação dele e de muitos outros intelectuais e artistas. Desafiando as autoridades soviéticas, em sua apresentação na sala Tchaikovsky, no dia 14 de junho de 1949, homenageou seus amigos Feffer e Mikhoels e cantou o Hino dos Partisans de Vilna, em iídiche e russo.

Os sionistas já denunciavam esses fatos mas a esquerda judaica não sionista, não acreditava no que ocorria, dizendo que eram invencionices dos imperialistas. Um emissário soviético chegou a circular entre as comunidades judaicas da América Latina desmentindo os fatos.[i]

Golda Meir (E) tornou-se a primeira embaixadora do recém criado Estado de Israel na URSS. Foto: AP

Outro acontecimento inusitado ocorreu poucos meses antes. Golda Meir tornou-se a primeira embaixadora do recém criado Estado de Israel na URSS. Pouco depois de sua chegada a Moscou ela foi à Grande Sinagoga por ocasião de Rosh Hashaná. Costumeiramente, apenas uns dois mil judeus moscovitas participavam destas cerimônias e, nesta ocasião compareceram cerca de cinquenta mil pessoas, obviamente  para prestigiá-la e não por razões religiosas. As autoridades soviéticas interpretaram este gesto como um renascimento do nacionalismo judaico o que deu ensejo a novo expurgo. Desta vez os julgados foram acusados de “cosmopolitismo”. Poucas semanas depois os embaixadores foram convidados para uma recepção, em homenagem ao 31º aniversário da Revolução Russa. O Ministro de Relações Exteriores da URSS era Vyascheslav Molotov. Durante a festividade, a esposa do Ministro, Polina Molotov, havia se dirigido a Golda Meir em iídiche, exortando-a a frequentar mais vezes a sinagoga.

 Poucos dias depois, Polina Molotov foi detida, obrigaram-na a se divorciar e, em seguida, enviaram-na para um campo de trabalhos forçados na Sibéria.   Foi julgada por alta traição por desconfiarem que houvesse transmitido segredos do Estado Soviético à líder sionista[22].

Nesta conjuntura mundial ocorreu outro fato, desta vez, um expurgo na Checoslováquia. Rudolf Slansky, secretário geral do PC Checoslovaco e outros 13 altos dirigentes do partido foram presos sob a acusação de alta traição à Pátria. Todos, velhos quadros experimentados, dos quais dez eram judeus, foram acusados como, burgueses, sionistas e titoístas. Foram condenados à morte. Arthur Londor, apesar das violentas torturas sofridas sobreviveu, condenado à prisão perpétua e, mais tarde, confirmou que os outros foram liquidados[23]. Este processo espetáculo ocorrera mais ou menos na mesma época que o de Julius e Ethel Rosenberg, vítimas do macartimo nos EUA, também condenados à morte por alta traição porque teriam fornecido à URSS, segredos referentes à bomba atômica.

Em 1953, pouco antes de morrer, Stalin havia determinado que os seus médicos judeus fossem assassinados porque estariam metidos num complô para assassiná-lo ministrando-lhe substâncias venenosas.

Há quem atribua todos esses fatos à mente doentia e conspiratória de Stalin.  Contudo, ao  analisar os fatos em seu conjunto, é crível que o alinhamento do Estado de Israel com as democracias ocidentais havia provocado uma “limpeza” de judeus nos altos postos da URSS e das Democracias Populares.

No fim de fevereiro de 1956 ocorreu o XX Congresso do PCUS quando Nikita Khruschev denunciara os crimes stalinistas e afloraram vários dos episódios aqui relatados entre muitos outros[24]. Esse Relatório Secreto provocou um verdadeiro terremoto em todos os partidos e organizações de esquerda do mundo. Não foi diferente em São Paulo. Em particular, houve debates muito acirrados na Casa do Povo entte os que continuaram apoiando o bloco socialista ainda que criticamente e os que pretendiam uma postura de rompimento total. Em 1957 formaram-se duas chapas para eleger  a Diretoria. Tentando um consenso pela unidade em três assembleias. Mas na primeiras não houve consenso. Na segunda, Manoel Casoy, presidente de honra, assumiu a Presidência pro tempore. E na terceira, decidiram que as duas chapas formadas teriam direito de ter um número proporcional de diretores e conselheiros de acordp com a quantidade de votos obtidos. Mas a chapa capitaneada por Godl Kon, apesar de obter 40% dos votos, não  indicou ninguém para os cargos que lhe cabiam e se retirou da Casa do Povo. Foi impossível o consenso. Num mundo onde só havia branco e preto, sem tons e semitons, muitos quadros e ativistas da chapa derrotada se retiraram; alguns passaram a trabalhar em organizações sionistas, outros simplesmente se afastaram de qualquer atividade sócio-cultural. Alguns poucos ficaran nuito deprimindos e houve até um caso de suicídio.

História Oral Wexler do Yiddish Book Center



Enquanto a aproximação do Estado de Israel com os EUA atingira seu ápice logo após a Guerra dos Seis Dias (1967), quando os israelenses ocupam a Cisjordânia, Gaza, o Golan, o Sinai e a parte oriental de Jerusalém, a URSS e grande parte da comunidade internacional condenaram veementemente essa decisão. A URSS e as Democracias Populares do bloco soviético romperam relações diplomáticas com este país. Num processo binário de “bandido e mocinho”, se deu apoio integral aos palestinos e a clivagem se tornou absoluta.

Após o golpe militar ocorrido no Brasil em 1964, há um esvaziamento do movimento popular de um modo geral. A despeito disso, a Casa do Povo ainda exerceu alguma influência na comunidade até 1967. Muitos dos que não se deixaram abater, mesmo em momentos críticos para os judeus progressistas, tiveram uma atitude diferente em 1967. Poucos dos judeus progressistas mantiveram sua serenidade, o emocional falou mais alto, e a maioria apoiou Israel posteriormente. Foram pouquíssimos os que condenaram a ocupação desde o início, previram as dificuldades que os israelenses teriam se não desocupassem logo a região e continuaram apoiando a URSS e o Leste Europeu, por seu papel na descolonização da África e Ásia, por se contrapor à política agressiva do imperialismo americano e por entender que era justo criar um Estado Palestino, do mesmo modo que havia sido justo criar o Estado de Israel.

Muito poucos tiveram uma visão profundamente internacionalista, tendo clareza de que embora os interesses do Estado Soviético e os do Movimento Comunista Internacional, nem sempre caminhassem juntos, mas disciplinadamente jamais criticaram a URSS, para não dar munição ao inimigo imperialista. Neste período, no contexto da lógica binária da Guerra Fria, Israel tornou-se o principal aliado estratégico dos EUA no Oriente Médio enquanto a URSS e todo o bloco do “socialismo real” rompeu relações com o Estado de Israel e apoiou decididamente a OLP e alguns países árabes. A situação política e sócio-cultural das comunidades judaicas do Leste Europeu deteriorou-se culminando com um verdadeiro êxodo de velhos quadros comunistas na Polônia, todos cassados e aposentados compulsoriamente.

Os soviéticos nem podiam emigrar para não fornecer dados sigilosos aos países capitalistas.  Esse quadro desloca o voto da maioria da comunidade judaica para a direita.  Entretanto, perante parte da juventude de esquerda sionista o modelo de um Estado de Israel democrático e socialista sofrera forte abalo com a ocupação dos territórios. Muitos abandonaram a militância sionista e abraçaram uma militância socialista no Brasil. Entretanto não engrossaram as fileiras dos progressistas. Estes grupos ingressaram preferencialmente em organizações trotskistas ou nas dissidências armadas. Muitos pagaram com a própria vida por esta opção. Alguns entendiam que o PCB era muito moderados; outros declararam que Israel ainda estava nos seus horizontes apesar do abalo, e não poderiam ingressar em um partido profundamente vinculado à URSS e às Democracias Populares que haviam rompido relações com o Estado de Israel, apoiando irrestritamente os países árabes e a OLP.        

Afastamento do Brasil dos EUA levou o regime militar à política do “pragmatismo responsável”. Foto: Arquivo Nacional

Durante o governo do general Garrastazu Médici, ocorreu uma inflexão no Brasil. O país teve uma acelerada acumulação capitalista no período, passando a ser um exportador de manufaturados. Dentro da perspectiva do “Brasil, Grande Potência”, a questão energética necessária para o desenvolvimento dos grandes projetos mínero-metalúrgicos, petro e cloro-químicos foi considerada prioritária. Como corolário o Estado brasileiro decide implementar também o projeto de desenvolvimento da tecnologia nuclear, para satisfação daqueles que desde os anos 1940 defendiam essa alternativa energética. Além de aumentar a energia hidroelétrica com a construção de Itaipu. Ambos os projetos criaram contenciosos com os americanos e com a Argentina.

O afastamento do Brasil dos EUA levou à política do “pragmatismo responsável” caracterizada pelo reconhecimento imediato, junto com Cuba, da República Popular de Angola e por uma abertura para o mundo árabe, que acabou culminando com a assinatura de uma moção na ONU, denunciando o “caráter racista do sionismo”. Pouco a pouco, o “establishment” da comunidade judaica foi então se afastando do regime militar brasileiro.  Por outro lado, a direita passa a governar o Estado de Israel, e apesar dos acordos de Camp David com o Egito (1981), houve uma escalada de atrocidades nos territórios ocupados que culminam com o massacre nos acampamentos de Sabra e Chatila em 1982. 

Várias lideranças que anteriormente fizeram parte do arco da esquerda passaram a dar-se conta que o apoio irrestrito a Israel foi um erro. Mas em Israel também surgem vozes influentes discordantes. O Movimento Paz Agora adquiriu força e grande visibilidade, acabando, anos depois, por levar à queda o governo de direita israelense de Shamir. Entretanto a política de Brezhnev com relação aos chamados "dissidentes", muitos deles judeus, e com relação à comunidade judaica soviética como um todo, dificultou a aproximação entre comunistas e os outros grupos que reivindicavam a paz no Oriente Médio. Levando em consideração que o comportamento político da comunidade judaica era balizado em grande medida pela guerra fria e seus desdobramentos no Oriente Médio, é importante lembrar que M. Gorbachev, enquanto secretário-geral, tenha declarado anos mais tarde, que a política soviética para o Oriente Médio foi excessivamente unilateral. 

Embora os protestos contra o massacre de Sabra e Chatila tenham chocado setores muito mais amplos e expressivos da comunidade judaica, o único espaço disponível para abrigá-los em São Paulo, foi a Casa do Povo, bastante esvaziada. 

Mas este processo de retomada de consciência não implica um reflorescimento da Casa do Povo ou pela esquerda. No plano mais geral, é notório que a "transição democrática" no Brasil ocorre num momento em que o declínio do "socialismo real" já é evidente para muitos. No que concerne a comunidade judaica, é o momento de desaparecimento da geração de imigrantes, de mudanças do perfil sócio-econômico, responsáveis pelo deslocamento das atividades sócio-culturais para regiões urbanas distintas da original. O mais importante e o menos debatido, talvez, se refira ao fato da cultura não isolacionista da esquerda judaica e o encorajamento de integração às lutas do povo brasileiro trazer em si o germe da destruição de uma cultura trazida da Europa oriental que por sua vez não foi substituída por vínculos mais significativos com setores progressistas israelenses. Essa ruptura se dá por duas razões: por um lado os israelenses menosprezam a cultura do judeu do Leste Europeu, chegando em alguns momentos à proibição da língua iídiche e de todas as suas manifestações culturais e por outro, no clima exacerbado da Guerra Fria, os judeus comunistas ignoram que o Estado de Israel é um fato concreto, com sua pluralidade cultural e política e simplesmente o condenam por completo.

Anos de autoritarismo na América Latina e governos de direita em Israel, são fatores que fortalecem os setores democráticos das comunidades judaicas. O esgotamento do modelo do socialismo real e o fim da Guerra Fria caracterizada pelo enfrentamento dos blocos político-militares, pela corrida armamentista e o equilíbrio fundado na ameaça do terror nuclear são fatores determinantes na dinâmica estratégica no Oriente Médio e do papel exercido pelo Estado de Israel de aliado preferencial dos EUA. Os setores da esquerda mais ortodoxa que não atentaram para a crise de civilização que estava se prenunciando, e continuaram a sonhar com o “Birobidjan”[25] acabaram se marginalizando completamente e ficarão na história mas temo que sejam fontes de pensamentos retrógrados e conservadores no futuro. Por outro lado, os setores mais realistas e construtivos vem buscando um novo humanismo, engajando-se nas lutas ambientais, pela cidadania e pela paz e novos meios de superar o sistema capitalista injusto e excludente pela via da democracia e da liberdade. Essa posição implica um aprofundamento dessas questões – a democracia e a liberdade – em condições sociais e políticas novas. É uma posição que pode abarcar as variadas vias contemporâneas de expressão desse humanismo que se redefine, permitindo identificar e criar formas de luta adequadas às também novas formas de fascismo e autoritarismo que afloram hoje. A Casa do Povo não se exime desse debate e tem conseguido trazer mais gente jovem para atividades relacionadas a esse novo judaísmo contemporâneo.

Notas

[1] FREIRE, R., Carta convite enviada a intelectuais brasileiros por ocasoão da criação da Fundação Astrojildo Pereira

[2] LÊNIN, V. I., Discurso proferido por Lênin logo após a tomada do poder pelos Bolcheviques, 1917

[3] HOBSBAWM, E., ”A Era dos Extrtemos”, Companhia das Letras, São Paulo, 1995,

[4]EHRENBURG, I., “Memórias!”, vol. 4, A Europa sob o nazismo, Civilizaão Brasileira, RIO de Janeiro, 1966.

[5] Atas tssaquigráficas do Congresso, Paris, 1937,

[6] KINOSHITA, D. L. “O ICUF como uma rede de intelectuais”, Universum n. 15, Talca, 2000

[7]In Gang” (Em Marcha), Editado por Pinie Katz, Abril de 1937 e entrevista oral com Rivka Gutnik.

[8] IOKOI, Z. M. G., “Intolerância e Resistência: a Saga dos Judeus Comunistas”, Associação Humanitas- Univale, São Paulo, 2004

[9] PINHEIRO, P. S,, “Estratégias da Ilusão”, Companhia das Letras, São Paulo, 1995

[10] KOIFMAN, F., “ O Imigrante Ideal”, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2012  2,

[11] Singer, I.B., A Família Moskat, Livraria Francisco Alves Ed., Rio de Janeiro, 1982

[12] Smoliar, H., Oif der Letzter Pozitzie, mit di Letzter Hofnung, Ed. I. L. Peretz, Tel Aviv, 1982

[13] Brossat, Alain e Klingberg, Sylvia, Le Yiddishland Revolutionnaire, Balland, 1983

[14] WEINSTOCK Le Pain de Misère, La Découverte, Paris, 1984     

[15] VIAZOVSKI, T.  O mito do complô judaico comunista no Brasil, Humanitas, São Paulo, 2008,  

[16] Ginsburg, J. Aventuras  Língua Errante, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1996

[17] Departamento de Ordem Interna, departamento especial formado pelo Serviço Nacional de Informações, Exército e Polícia Militar, encarregado da repressão e tortura de presos políticos nos anos 70

[18] Faziam parte da coordenação Carlota Lachtermacher, Dobe Zonenchein, Ienta Lerner, Ferga Zylbersztajn, Mania Akcelrad, Ita Akcelrad, Tuba Schor, Chaike Lustik,  Gitl Rotstein, Clara Steinberg, Regina Landman e Lola Kaufman entre outras

[19] Grol, T., Gueshtaltn un perzenlekhkeitn in der iidicher un velt gueshikhte, Paris, 1976

[20] Hobsbawm, E., Trabalhadores, Ed. Paz e Terra, Petrópolis

[21] SMOLIAR, H., Oif der letzter pozitzie mit der letzter hofnung, Tel Aviv: Ed. I.L. Peretz, 1982. ,

[22] GREEN, D. B., This Day ln Jewish History: Golda’s Soviet welcome, Haaretz, 4/10/2012

[23] Executedtoday.com 1952: Rudolf Slansky and 10 “conspirators”. Acesso em

3/12/2007.

[24] VOLKOGONOV, D., STALIN:triunfo e tragédia, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2004

[25] Região Autônoma Judaica na URSS


[i][i] Entrevista com Mina Fridman, militante do Partido Comunista Argentino e ativista social no meio judaico,  realizada em Buenos Aires, em outubro de 2000


Brasil deve avaliar grau de contágio da variante Delta e vacinação para reabrir como outros países

Citada por gestores brasileiros, revisão de regras no exterior levou em conta novas variantes, taxas de contágio e de vacinação

Mariana Rosário, O Globo

SÃO PAULO - Nos últimos dias, medidas de flexibilização das regras de combate à pandemia foram anunciadas em São Paulo e no Rio. Em ambos os casos, exemplos internacionais de reabertura foram citados como referência para as decisões de retomar atividades comerciais e de lazer. Especialistas ouvidos pelo GLOBO alertam, no entanto, que a equação de reabertura não pode ser replicada tão facilmente.

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Segundo eles, países como Inglaterra, Israel e Estados Unidos aprovaram a flexibilização da quarentena após analisar critérios como cobertura de vacinação, as variantes que estavam em circulação e a taxa de contágio da Covid-19. Em alguns desses lugares, a presença da cepa Alfa, mais branda e com maior proteção dos imunizantes, favoreceu a reabertura.

— A vacinação ajuda nas flexibilizações, mas as variantes Delta e Gama (ambas em circulação no Brasil) precisam do esquema vacinal completo para atingir uma proteção adequada. Nossa cobertura, neste momento, é menor do que 20% para a segunda dose — diz o infectologista Julio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Em São Paulo, o comércio voltará a funcionar sem nenhuma restrição a partir do dia 17. No Rio, está previsto, entre outras liberações, o fim da necessidade de máscaras de proteção em diversos ambientes em novembro.

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Croda afirma que a comparação do Brasil com o Reino Unido, por exemplo, é inadequada. As reaberturas comandadas pelos britânicos ocorreram, em parte do processo, durante a predominância da variante Alfa, menos resistente à primeira dose de vacinas. No começo de abril, a Inglaterra tinha 54% dos britânicos vacinados com uma dose de imunizante e 30% com duas — patamar semelhante ao índice atual do estado de São Paulo. Assim, foram liberados museus, cinemas e encontros de até 30 pessoas ao ar livre. Pubs e restaurantes, que não recebiam clientes na área interna até então, também tiveram sinal verde.

Às vésperas da flexibilização por lá, a taxa de mortalidade era 99,1% menor do que o mais recente pico da doença, em janeiro, de acordo com dados do portal Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford.

Recuos fazem parte
Segundo o professor da Santa Casa de São Paulo Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, quando estava perto do limite para cada nova fase, o governo britânico avaliava o cenário para confirmar a mudança. Análise semelhante deveria ser feita no Brasil, ele diz:

— É preciso ser cauteloso, ainda há muitas incertezas.

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Israel foi outro país que anunciou as flexibilizações progressivamente. A retomada inicial de ambientes internos de bares e restaurantes foi dedicada somente às pessoas totalmente vacinadas, com duas doses, em março. Naquela altura, o país tinha por volta de 60% da população imunizada com ao menos uma aplicação e metade com esquema vacinal completo.

A queda da obrigatoriedade das máscaras em locais fechados só ocorreu em meados de junho, com cerca de 60% da população com duas aplicações. No mesmo mês, o governo recuou, e as proteções faciais voltaram a ser obrigatórias diante do avanço da variante Delta.

Outro ponto observado com rigor no exterior é a possibilidade de mudanças de rota, caso se alterem dados como novas variantes ou taxa de transmissão. Nos Estados Unidos, o uso de máscaras em ambientes fechados voltou a ser obrigatório para pessoas totalmente vacinadas, que somam 49% da população. A orientação, feita em maio, foi revista em estados onde as taxas de transmissão da Covid-19 estão mais altas.


Fonte:
O Globo
https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/covid-19-no-exterior-reabertura-foi-soma-de-alta-porcentagem-de-vacinacao-variantes-mais-brandas-cautela-dizem-especialistas-25134928


Bernardo Mello Franco: A mutação dos bolsonaristas

A CPI da Covid produziu uma mutação nos bolsonaristas. Diante dos senadores e das câmeras de TV, os defensores do capitão perdem subitamente a valentia. Passam a falar baixo, renegam suas bravatas e fingem esquecer o que já disseram.

Na semana passada, o fenômeno ocorreu com Fabio Wajngarten. Conhecido pela agressividade nas redes sociais, o publicitário afinou ao usar o microfone. Adotou um tom humilde, quase servil, para tentar escapar ileso do depoimento.

O ex-secretário de Comunicação se disse vítima de “boatos maldosos” sobre a intermediação da compra de vacinas. No entanto, perdeu a memória ao ser questionado sobre um termo usado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. “Não sei nem o que significa pixulé”, desconversou. “Melhor assim, não é?”, ironizou o senador Renan Calheiros.

Ontem a foi a vez de Ernesto Araújo sofrer um surto de amnésia. Pivô de múltiplas crises com a China, o ex-chanceler jurou que nunca criou atritos com Pequim. Renegou até o artigo em que se referiu ao coronavírus como “comunavírus”, endossando a teoria conspiratória de que os chineses teriam lucrado com a pandemia. “Vossa excelência renega o que escreveu. Aí, não dá!”, protestou o senador Omar Aziz.

Em outro momento, Ernesto disse que o ideólogo Olavo de Carvalho não era o guru da sua política externa delirante. “O senhor de fato é um homem muito ousado, muito corajoso”, debochou a senadora Kátia Abreu, antes de chamar o ex-ministro de “negacionista compulsivo”.

Apesar dos recuos e das gaguejadas, Wajngarten e Ernesto não conseguiram blindar o chefe. O publicitário admitiu que Jair Bolsonaro ignorou ofertas de vacinas da Pfizer. E o ex-chanceler confirmou que o presidente deu ordens para negociar a importação de cloroquina.

Ernesto deixou claro que sua gestão estava mais empenhada em travar lutas ideológicas do que em salvar vidas. Por discordar do governo da Venezuela, o ministro se negou a colaborar com o transporte de cilindros de oxigênio de Caracas para Manaus. Depois que a doação chegou, ele se recusou a dar um mísero telefonema para agradecer.

PF laçou a boiada de Ricardo Salles

A Polícia Federal laçou a boiada de Ricardo Salles. O ministro do Meio Ambiente foi o principal alvo da operação deflagrada nesta manhã. A polícia investiga sua participação num esquema de exportação ilegal de madeira.

A ação apura crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Salles. Ele também afastou o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

O governo de Jair Bolsonaro subverteu a razão de ser do Ministério do Meio Ambiente. Desde a posse do capitão, a pasta foi capturada por interesses econômicos ligados à exploração predatória dos recursos naturais.

Em vez de proteger as florestas, a gestão de Salles estimulou a ação de desmatadores, grileiros e garimpeiros. Na reunião ministerial de abril de 2020, ele escancarou sua estratégia: aproveitar a pandemia para ir “passando a boiada”. Era uma referência ao desmonte da legislação e dos órgãos ambientais no Brasil.

Em tempos normais, a operação da PF levaria à demissão imediata do ministro do Meio Ambiente. Como estamos no governo Bolsonaro, é preciso esperar para ver. A política antiambiental de Salles não é uma obra de um homem só. Estava sempre deixou claro que cumpre ordens do presidente.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/mutacao-dos-bolsonaristas.html