Ruy Castro

Ruy Castro: O falso mito

Curupira, Boitatá, Saci-Pererê e outros querem processar Bolsonaro

Tinha de acontecer. Ao ver o presidente Jair Bolsonaro ser chamado de "Mito! Mito!" por claques profissionais e inocentes úteis, onde quer que apareça, os verdadeiros mitos brasileiros resolveram se unir e protestar contra o que consideram uma usurpação de seus direitos na lenda nacional. Os mitos são figuras simbólicas, que pertencem ao folclore —lendas construídas pelo povo, com o objetivo de nos ensinar ou explicar alguma coisa, mas sempre benignas.

A Mula-Sem-Cabeça, por exemplo, é uma mulher que foi seduzida por um padre e, por isso, nas noites de quarta-feira, transforma-se num animal que, apesar de sem cabeça, relincha e lança chispas pelas narinas. O Boto é o contrário. Nos fins de tarde na Amazônia, aparece para as moças como um rapaz de branco, engravida-as e, depois, novamente boto, volta para o rio. Os dois têm uma conotação moral, mas Bolsonaro só deve ver neles imoralidade.

O Saci-Pererê é o menino negro, de uma perna só, cachimbo na boca e carapuça vermelha, que dá o exemplo pelo contraste, tipo "não façam o que eu faço". Por isso cria confusão na floresta, assusta o gado, lança pistas falsas, joga uns contra os outros. É o que Bolsonaro está fazendo com o país, só que para valer.

Os mais revoltados são o Curupira e o Boitatá —por serem os protetores das florestas e de seus habitantes. O Curupira é o menino de cabelos ruivos e pés com os calcanhares para frente. Os pés ao contrário são para despistar os caçadores, pecuaristas, mineradores, grileiros e outros que não hesitam em devastar ou matar os que interferem com seus interesses. O Boitatá é a cobra-de-fogo, o fogo purificador, também guardião dos animais e das árvores. Gosta de aparecer à noite, quando os depredadores se julgam a salvo, para lhes infundir pavor.

Para eles, o mito Bolsonaro é não apenas falso, como prega e pratica o contrário do que se espera dos mitos dignos deste nome.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Ruy Castro: A mão na boca

Estão tramando algo contra nós —e não pelas nossas costas, mas pela nossa frente

Há dias vimos nos jornais uma foto em o que presidente Jair Bolsonaro, de mão na boca, cochicha alguma coisa para seu valete OnyxLorenzoni, o qual também faz uma parede bucal com os dedos. Já assistimos a esta cena muitas vezes. No passado, ela era cometida pelo então presidente Lula e seu também valete Antonio Palocci. Hoje, não se passa uma semana sem que a vejamos protagonizada pelos treinadores de futebol e seus auxiliares à beira do gramado ou entre jogadores de vôlei no meio da quadra.

Historicamente, o simples ato de cochichar em público sempre foi falta de educação —que segredos alguém teria que não pudesse partilhar conosco? E falar com a mão na boca só podia significar que a pessoa era desdentada ou tinha mau hálito. Hoje, a mão na boca está liberada. É usada para que se possa cochichar à vontade sem que os enxeridos façam a leitura labial do que se está dizendo.

É possível a qualquer amador traduzir em voz alta um palavrão ou uma interjeição grosseira que se esteja vendo sem som —às vezes, o próprio gestual do dedo em riste ou das mãos à cabeça já diz tudo. Mas como entender frases inteiras, complexas, principalmente quando são emitidas por pessoas com dicção horrorosa, como Bolsonaro e Lula, que só deviam falar com legendas?

Não me consta que, entre os seus incontáveis profissionais qualificados, o Brasil disponha de legiões de técnicos em leitura labial. Eu próprio já fui apresentado a ventríloquos, intérpretes em 12 línguas e até pessoas capazes de assobiar óperas inteiras, mas nunca a um leitor labial. E quantos estarão assistindo àquela mão na boca naquele exato momento? E, se entenderem tudo, o que poderão fazer?

Ainda mais porque, ao ver autoridades cochichando com a mão na boca, não precisamos de leitura labial para saber que estão tramando algo contra nós —e não pelas nossas costas, mas pela nossa frente.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Ruy Castro: Noite de 13 de dezembro

Um disco de Charles Mingus tornou-se a triste trilha sonora do AI-5

Às 20h30 de 13 de dezembro de 1968, Alberto Curi, locutor da Agência Nacional, leu em rede de rádio e TV o comunicado do governo anunciando o Ato Institucional nº 5. Naquele momento eu estava naModern Sound, loja de discos em Copacabana, aonde ia todas as sextas depois de sair do Correio da Manhã, em cujo 2º caderno trabalhava com Paulo Francis. Comprara um LP de Charles Mingus, e já estava saindo quando alguém veio me contar: “Acabei de saber. Os militares baixaram um ato para fechar tudo. Agora é sério”. Não vacilei. Tomei um táxi e voltei para o Correio, na Lapa.

Meia hora depois, já chegara lá. Havia uma multidão na porta do jornal. Desci do táxi, mas ninguém podia entrar. De repente, Osvaldo Peralva saiu do saguão imobilizado por dois homens. Passou a um metro de mim e foi jogado dentro de um carro. Peralva fizera parte da elite comunista na Europa, mas largara tudo em 1956, ao se convencer dos crimes de Stálin denunciados pelo sucessor Kruschev. Então escrevera um livro, “O Retrato”, em que revelava as táticas dos partidos comunistas, inclusive o brasileiro. Com isso, fora jurado pela esquerda. E, agora, por dirigir um jornal liberal e de oposição, era preso pela direita.

Paulo Francis estava num avião naquela noite, voltando de Nova York. Desceu de manhã no Galeão. Foi para seu apartamento em Ipanema e eles o pegaram pouco depois, ainda de pijama. Uma colega do jornal me ligou dizendo que meu nome estava numa lista que ela vira por lá. Mandou-me sumir por uns tempos.

Fiquei longe também do Solar da Fossa, onde morava, um ninho de anarquistas facilmente confundíveis com “subversivos”. Passei uns dias na casa dos tios de uma namorada, no Flamengo. Lá finalmente escutei o LP, “Mingus Revisited”. Achei muito triste.

Nunca me desfiz do disco, mas levei 30 anos para conseguir ouvi-lo de novo. Para mim, ele se tornara a trilha sonora do AI-5.

*Ruy Castro é jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Ruy Fausto: 'Hegemonia de esquerda não pode ser mais do PT'

Para Ruy Fausto, sigla deve se articular com outras frentes e partidos, como o PSOL, nas eleições do ano que vem

Marianna Holanda, O Estado de S. Paulo

É de esquerda e critica o chavismo, trotskismo, maoismo e o marxismo. Repudia todas as formas de populismo, totalitarismo e adesismo – às quais tem dado o nome de “patologias da esquerda”.

Aos 82 anos, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Fausto, radicado na França, transformou o artigo que publicou na edição da revista piauí de outubro passado no livro Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução (Companhia das Letras), a ser lançado em 3 de julho.

Em entrevista ao Estado, Fausto defende o fim da hegemonia do PT no campo da esquerda e a formação de uma frente única progressista para a eleição presidencial de 2018 com, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

ESTADÃO - Há uma hegemonia de direita?

RUY FAUSTO -  No mundo, há uma ofensiva grande da direita que surgiu, principalmente, com o fim da União Soviética. Me assusta muito, particularmente, a extrema direita, que tem uma linguagem muito violenta. Tem ainda a situação brasileira, com o PT, que acabou fortalecendo a direita. A política petista trouxe maior distribuição de renda, mas também houve uma corrupção absolutamente intolerável. Ainda assim, nada justifica o impeachment (da presidente cassada Dilma Rousseff), que foi um desastre. Mas a direita se lançou nessa aventura, conseguiu e isso permitiu que eles levantassem a cabeça. A corrupção foi um discurso bem apropriado pelos movimentos de direita.

Como o senhor avalia as críticas ao que o PT fez enquanto ocupou o governo?

Um partido de esquerda que se pretende democrático tem de ter lisura administrativa absoluta. Há uma política de “fins justificam os meios”. A lição que se tira no PT hoje é: “nós não fomos suficientemente oportunistas”. Isso é um desastre total e tem intelectual saudando isso aí. Certamente faltou um mea-culpa. Nesse sentido, os melhores são o Tarso Genro (ex-governador do Rio Grande do Sul), o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça no governo Dilma). O PT vai continuar a existir. Mas o caminho é de queda, para haver uma renovação.

Lula seria um bom candidato?

Acho que não. Primeiro, acho muito difícil que ele concorra, a situação jurídica é muito difícil. Eu não desejo a condenação do Lula, embora ache difícil ele conseguir evitar isso. Desejo, sim, que ele possa legalmente se candidatar, mas não acho que, nas condições atuais, ele seria um bom candidato para a esquerda. Acho que os melhores nomes podem vir do PT, do PSOL, ou mesmo da sociedade civil.

O senhor acredita que a esquerda deveria sair unificada em 2018?

Sim, é essencial que se crie uma frente única de esquerda, fazer uma espécie de fórum desses movimentos independentes. Não é para ter uma ruptura total com o PT, mas a hegemonia não pode mais ser dele, no campo da esquerda. Isso também não significa que a gente vá ganhar em 2018. A gente tem de ter uma boa campanha. E, aí, surgem possíveis nomes. O Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo), por exemplo, é bom sujeito, competente, não é corrupto. Outro nome é o Marcelo Freixo, que me parece um sujeito bom. Acho que talvez o Fernando Haddad possa sair como candidato ou como vice. Às vezes, um dos melhores do PT com um dos melhores do PSOL poderia funcionar.

Mas Fernando Haddad não conseguiu se reeleger em São Paulo e Marcelo Freixo também não foi eleito prefeito no Rio na eleição do ano passado...

O Haddad, eu não estive aqui (no Brasil) durante toda a sua gestão na Prefeitura, mas tenho a impressão de que fez um bom governo. Ele teve uma péssima campanha, foi muito atacado e avaliou mal os movimentos das ruas. Já o PSOL é até meio de extrema esquerda. Há muito essa ideia de que se deve ir mais à esquerda – como se a luta política fosse uma espécie de escala. Você pode até dizer isso, mas redefina a esquerda. Enfim, o PSOL tem seu mérito por ter criticado a corrupção e as alianças sem escrúpulos do PT, mas ainda é de extrema esquerda. Alguns flertam com chavismo e castrismo. Mas, na verdade, é um partido muito variado.

Existem ainda outros nomes que surgem: o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o Guilherme Boulos, líder do MTST, e mesmo a ex-ministra Marina Silva (Rede)...

A Marina, eu respeito a biografia, mas seu programa econômico não é bom e ela não se move muito bem na política. O Ciro é um sujeito que fala muitas verdades, mas fala demais. O Boulos não conheço de perto. Ele certamente faz um trabalho muito importante na periferia, mas ainda tem um discurso muito bolivariano, e acho que isso tem de mudar. Devemos priorizar um programa mais democrático.
* Ruy Fausto é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da USP. Irmão do historiador Boris Fausto, escreveu livros como A esquerda difícil, em que fez rigorosas análises políticas. Aos 82 anos, lançará uma obra com possíveis saídas para a crise da esquerda no País.

O Estado de São Paulo

Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,hegemonia-de-esquerda-nao-pode-ser-mais-do-pt,70001861049

 


Escritor e jornalista Ruy Castro lança novo livro "A Noite do Meu Bem" e conversa com o #ProgramaDiferente, da TVFAP.net

O jornalista e escritor Ruy Castro está lançando "A Noite do Meu Bem: A História e as Histórias do Samba-Canção". Certamente será mais um sucesso deste carioca nascido por acaso em Caratinga, Minas Gerais.

"Sou um carioca que nasceu longe de casa", conta, fazendo graça. "Como vim ao mundo em fevereiro de 1948, imagino que alguma coisa aconteceu ali naquele sobradinho, na Rua da Lapa, onde meus pais moravam antes de seguirem para Minas".

A explicação bem-humorada revela um pouco da personalidade de Ruy Castro. Colunista da Folha de S. Paulo, com passagem por importantes jornais e revistas desde 1967, descobriu-se escritor (várias vezes premiado) com biografias geniais, como O Anjo Pornográfico (a vida de Nelson Rodrigues), Estrela Solitária (sobre Garrincha) e Carmen (sobre Carmen Miranda).

Também faz estrondoso sucesso com seus livros de reconstituição histórica de uma época em que ele próprio foi personagem marcante, como Chega de Saudade (sobre a Bossa Nova) e Ela é Carioca (sobre o bairro de Ipanema, no Rio). Este novo livro bebe da mesma fonte criativa.

São quase 500 páginas para contar a história do samba-canção, que ganha uma série de explicações charmosas e didáticas:

"É o samba lento, confessional, com frases musicais longas e licorosas, perfeito para ser dançado de rosto colado."
"É a continuação natural de uma tradição romântica da música brasileira, filho ou sobrinho das modinhas, valsas, serestas, marcha-ranchos."
"É o samba de mão no ombro." (tomando emprestada uma expressão usada pelo compositor Mário Lago, em 1952).
"É a música a que duas pessoas apaixonadas sempre poderão recorrer quando sentirem o seu amor em perigo."

A leitura é imperdível, assim como a conversa exclusiva de Ruy Castro com o #ProgramaDiferente, da TVFAP.net, durante o lançamento do seu livro em São Paulo. Assista aqui um bate-papo sobre o novo trabalho e sobre a situação do país.