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Ribamar Oliveira: Inflação baixa antecipa fim do teto

Cenário mostra que será precisos cortar ainda mais investimentos da União e custeio da máquina

A manutenção do teto de gastos nos próximos anos, tão desejada pelo governo, enfrentará uma dificuldade adicional, que não estava prevista. Com a recessão econômica em curso no Brasil e no mundo, provocada pela pandemia da covid-19, a inflação vai cair muito. E inflação mais baixa significará um teto ainda mais apertado.
A Emenda Constitucional 95/2016, que criou o limite para as despesas da União, determinou que o valor do teto de gastos será corrigido, anualmente, pela inflação. Para 2021, o índice a

Limite para as despesas terá correção abaixo de 2%

Por causa da recessão econômica, o Brasil vive um momento de deflação, ou seja, os preços estão caindo, em vez de subindo. Em abril, o IPCA caiu 0,31%. Para maio, o mercado projeta nova deflação, de 0,35%. Para junho, a taxa esperada é próxima de zero. Se as previsões se confirmarem, o índice em 12 meses acumulado até junho ficará abaixo de 2%.

Uma estimativa feita pelo Tesouro Nacional, que consta do anexo de riscos fiscais ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) para 2021, estima que o desvio de 0,1 ponto percentual do IPCA provoca uma variação de R$ 1,455 bilhão no limite de despesa. Para uma variação de 1% do IPCA, o impacto no teto será de R$ 14,55 bilhões

No anexo, o governo projeta um valor de R$ 1,502 trilhão para o limite das despesas no próximo ano. O valor foi estimado com base em uma inflação de julho de 2019 a junho de 2020 de 3,23%. Com isso, o espaço para gastos no próximo ano subiria R$ 47 bilhões, em comparação com o teto fixado para 2020.

Se a inflação que corrigirá o teto para 2021 ficar mesmo abaixo de 2%, o limite para as despesas da União no próximo ano aumentará menos de R$ 30 bilhões. Nessa margem adicional não caberá sequer o aumento das despesas com o pagamento dos benefícios previdenciários previsto para o próximo ano. Essas despesas apresentam um crescimento vegetativo anual entre 2,5% e 3,5%, acima, portanto, do índice de correção do teto.

Este é o problema que o governo terá que enfrentar logo em seguida, ao elaborar a proposta orçamentária de 2021, que será encaminhada ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto. Ele terá de obedecer o limite para as despesas. O cenário mostra que será necessário cortar ainda mais os investimentos da União e o custeio da máquina administrativa, as chamadas despesas discricionárias.

Quando enviou o PLDO para 2021 ao Congresso, o governo estimou que teria que cortar as despesas discricionárias dos R$ 120 bilhões previstos para este ano para R$ 103,1 bilhões. Com um teto menor, por causa da queda da inflação, as despesas discricionárias ficarão, provavelmente, abaixo dos R$ 90 bilhões, o que poderá paralisar várias atividades e investimentos do governo - o chamado “shutdown”.

A forte queda da inflação por causa da pandemia antecipa um problema que o governo previa só para 2022 ou 2023, quando as despesas discricionárias cairiam para um patamar incompatível com a manutenção das atividades normais da administração pública. Ou seja, os dados indicam que o governo pode não ter condições de cumprir o teto de gastos já no próximo ano.

Para a elaboração da proposta orçamentária de 2021, há questões que ainda são nebulosas. A atual situação de pandemia acabará mesmo no 31 de dezembro de 2020, como previsto no decreto legislativo? O auxílio de R$ 600 será mantido no próximo ano? É bom lembrar que todas as despesas relacionadas com o combate à covid-19 foram pagas por meio de créditos extraordinários e, portanto, não poderão constar da proposta orçamentária.

É muito provável que o governo retome, já no segundo semestre deste ano, a discussão pública sobre a mudança do teto de gastos, com o desenho de um novo arcabouço de regras fiscais para vigorar no país. As regras atualmente existentes (metas fiscais e “regra de ouro”) não têm mais significado prático.

A discussão sobre o novo arcabouço de regras fiscais para o Brasil existia antes da pandemia, com as PECs 186 e 188, ambas do ano passado, que estavam sendo apreciadas pelo Senado. Aquelas propostas serão alteradas, incluindo mudanças também no teto de gastos?

Qualquer que seja o novo desenho, o governo não poderá abrir mão de um controle sobre o crescimento das despesas públicas. Esse é o ponto central em toda a discussão. Há diversas fórmulas de como isso poderá ser feito. A sociedade não pode esquecer que foi justamente o aumento continuado dos gastos públicos ao longo de décadas, muito acima do crescimento da economia, que levou o país à situação de grave desequilíbrio fiscal.

A discussão ocorrerá em um momento particularmente delicado, pois, desde 2014, o setor público está com suas contas no vermelho. Além disso, a União deverá fechar este ano com déficit primário superior a R$ 600 bilhões. O governo, portanto, terá que demonstrar o seu compromisso com o reequilíbrio de suas contas.


Ribamar Oliveira: Maior rigor no controle do gasto com pessoal

Mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal terá forte efeito sobre a administração

Não recebeu a devida atenção uma mudança feita na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pelo projeto de lei complementar 39/2020, aprovado na terça-feira pela Câmara dos Deputados e ontem pelo Senado. O noticiário ficou restrito ao montante e à distribuição da ajuda financeira da União aos Estados e municípios, com pouca luz sendo jogada sobre uma alteração que terá caráter permanente e vai melhorar o controle sobre os gastos com a folha salarial dos servidores.

A alteração do artigo 21 da LRF, feita pelo PLP 39, torna nulo o ato que resulte em aumento da despesa com pessoal em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Executivo, do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

Ou seja, não vale mais aquela prática, bastante difundida, de conceder reajuste salarial em várias parcelas a serem pagas pelos governos seguintes. Prática que, na esfera federal, foi usada em governos do PT. A ex-presidente Dilma Rousseff foi obrigada a pagar parcelas significativas de reajustes salariais concedidos pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva. A nova regra valerá para os três Poderes e órgãos da União, dos Estados e dos municípios.

Os aumentos concedidos durante o governo do ex-presidente Michel Temer tiveram parcelas pagas a várias categorias até o ano passado.

Será nula também a aprovação, a edição ou a sanção, pelos chefes do Executivo, pelos presidentes das casas do Legislativo, pelos presidentes de Tribunais do Poder Judiciário e pelo chefe do Ministério Público da União e dos Estados de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público ou a edição de ato para nomeação de aprovados em concurso público quando houver parcelas de aumento de despesas a serem implementadas em período posterior ao fim do mandato.

Como foi aprovado ontem pelo Senado, o PLP 39 vai agora à sanção do presidente Jair Bolsonaro. A nova regra da LRF terá grande importância no controle das despesas com pessoal e acabará com uma prática nefasta dos administradores deixarem despesas de pessoal para serem pagas por seus sucessores.

A iniciativa de alterar o artigo 21 da LRF parece ter sido do Ministério da Economia, aceita e incorporada ao projeto por seu relator, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ela não consta do projeto de lei complementar 149/2020, que trata da compensação pela perda de receita dos Estados e municípios, aprovado anteriormente pela Câmara, e nem do PLP 39/2020 original, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG). Não resultou também de emenda de nenhum senador.

Alcolumbre disse, em seu parecer, que a motivação da mudança na LRF “é impedir que os governantes e chefes de Poder atuais criem despesas novas para seus sucessores, inviabilizando, dessa forma, a futura administração”. O presidente do Senado lembrou aos seus colegas as práticas política que, infelizmente, ainda imperam no Brasil. “Muitos aqui sabem das dificuldades de administrar um município ou um Estado, especialmente quando herdam dívidas contraídas pelo antecessor, que, em busca de dividendos políticos, compromete a sanidade das contas públicas”.

Alcolumbre entendeu que a proibição para que não se deixe despesa salarial a ser paga pelos sucessores “ajuda a resolver um problema mais estrutural, que a LRF, em sua redação original, não conseguiu plenamente”. A mudança, portanto, feita em meio a uma crise sanitária sem paralelo neste século, ajudará, em caráter permanente, o equilíbrio das contas.

Até agora, a LRF considerava nulo apenas o ato que resultasse em aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato dos titulares dos três Poderes, do Ministério Público e dos tribunais de contas. A regra poderia ser facilmente burlada pois, em boa parte dos casos, os aumentos nas despesas com pessoal são concedidos para vigorarem no último ano dos mandatos, principalmente, no caso de Estados e municípios, com parcelas a serem pagas nos exercícios seguintes.

O exemplo mais recente é o caso da prefeitura do Rio de Janeiro. No mês passado, os vereadores do Rio aprovaram um projeto de lei que cria uma nova gratificação para os servidores administrativos da prefeitura. Como o município está em situação de calamidade pública por causa do novo coronavírus, os vereadores aprovaram uma emenda determinando que a gratificação só será concedida em 2022.
Ou seja, a próxima administração, a ser eleita neste ano, terá que pagar a conta.


Comemorou-se muito, dentro do governo, a aprovação pelo Senado e pela Câmara do artigo 8º do PLP 39, que proíbe governos estaduais e prefeituras de darem aumento, a qualquer título, na remunerações dos seus servidores. O congelamento das despesas com pessoal até o dia 31 de dezembro de 2021 foi apresentado como uma contrapartida de Estados e municípios à ajuda financeira da União durante a pandemia.

A questão discutida na área técnica é que o famoso artigo 8º do PLP 39 pode ser inconstitucional. A nota informativa 18, da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, diz que “poderá haver questionamentos quanto à possibilidade de a União legislar sobre matérias inerentes à competência legislativa e administrativa dos entes subnacionais, sem ofender a autonomia de tais entes”.

A consultoria considera que uma emenda constitucional seria “o instrumento mais adequado para determinar o congelamento da remuneração de todo os agentes públicos das esferas de governo atingidas pela calamidade reconhecida pelo Congresso Nacional”. A questão agora é saber se alguma entidade representativa de servidores terá interesse em ingressar no Supremo Tribunal Federal, com uma ação direta de inconstitucionalidade questionando o artigo 8º.


Ribamar Oliveira: Sacrifício desigual

Trabalhador “comum” será mais penalizado na crise que servidor público

A contrapartida que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer de Estados e municípios para que recebam ajuda financeira do governo federal chega a ser surrealista. No momento em as receitas estaduais e municipais estão em queda livre e as empresas privadas demitem, reduzem salários e suspendem contratos de seus trabalhadores, Guedes propõe que os servidores públicos fiquem apenas sem reajuste salarial durante 18 meses. Ou seja, até o fim de 2021. Em 2022, que será um ano de eleições gerais, eles poderão ter aumento salarial.

Se este é o sacrifício possível a ser exigido dos servidores, em meio a uma situação de calamidade pública, em que milhares de pessoas estão morrendo e outros milhares perdendo seus empregos, então as propostas de emenda constitucional 186 e 188, encaminhadas no ano passado por Guedes ao Congresso, não irão prosperar. As duas preveem medidas muito mais duras para o funcionalismo, como forma de ajustar as contas públicas. Elas autorizam, por exemplo, a redução da carga de trabalho e a consequente diminuição dos salários.

As medidas das PECs não teriam validade por apenas 18 meses, mas, no caso da União, até que o governo voltasse a cumprir a chamada “regra de ouro” das finanças públicas e, no caso dos Estados e municípios, até que as despesas correntes ficassem abaixo de 95% das receitas correntes. O prazo de vigência das medidas, portanto, seria o do ajuste das contas públicas. A “regra de ouro” é aquela que proíbe o aumento do endividamento público para o pagamento de despesas correntes.

Ainda em março deste ano, quando a Câmara dos Deputados começou a discutir a chamada “PEC do Orçamento de Guerra”, uma das ideias apresentadas foi a redução da remuneração dos servidores, como medida indispensável para fazer frente às despesas que a União, os Estados e os municípios teriam com o combate à pandemia. Era também considerada importante para igualar a situação dos funcionários públicos com a dos trabalhadores da iniciativa privada, que sofrerão perda de renda durante a crise.

A discussão foi liderada pelo próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mas contou sempre com a concordância e o estímulo da área econômica do governo. Maia tinha interlocutor constante na equipe e o texto estava sendo redigido em comum acordo. Uma versão da PEC, divulgada com exclusividade pelo Valor, dizia que as remunerações seriam reduzidas em 30% e esse dispositivo teria validade até 2023.

As corporações de servidores reagiram imediatamente à proposta, antes mesmo dela ser oficialmente formalizada. Representantes de entidades dos magistrados foram ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Dele, ouviram que as propostas de redução da remuneração dos servidores estavam “paralisadas” e só voltariam à pauta caso houvesse consenso entre os Poderes, como informou o Valor. Os juízes não aceitavam redução de salários.

A equipe de Guedes descobriu também que o próprio presidente Jair Bolsonaro era contrário à proposta. Uma redução de remunerações teria de incluir também os militares. Em entrevista à TV CNN Brasil, no mesmo dia da demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, Bolsonaro acusou o presidente da Câmara de querer fazer “um confisco” de 25% nos salários dos servidores, o que ele considerou inadmissível. Com a reação de Bolsonaro, Guedes foi obrigado a recuar e terminou fazendo a proposta de congelar, por dois anos, os salários dos servidores. Com isso, o assunto saiu da “PEC do Orçamento de Guerra”.

O fato é que, no pós-crise, os desafios serão imensos na área fiscal. Com as medidas que estão sendo adotadas, os principais analistas de mercado estimam que o déficit primário da União deverá ficar em torno de R$ 600 bilhões neste ano. Desde 2014, o setor público apresenta déficit primário em suas contas e elas continuarão no vermelho ainda por vários anos.

A dívida pública bruta poderá sair de 76,8% do Produto Interno Bruto (PIB), no ano passado, para perto de 90% do PIB, este ano, de acordo com projeções de analistas do mercado. A Instituição Fiscal Independente (IFI) projeta que ela chegará a 100% do PIB em 2030.
Como fazer um ajuste fiscal que coloque a dívida pública em uma trajetória sustentável e produza superávit primário, sem atingir os servidores? Antes da pandemia, a solução apontada pela equipe econômica era a aprovação das PECs 186 e 188. As duas estão sendo discutidas no Senado. Mas, se mesmo durante a pandemia não está sendo possível exigir um sacrifício dos servidores maior do que não conceder reajuste salarial por um período de tempo, como esperar que o Congresso Nacional aprove um cardápio de medidas mais duras?

O governo terá que promover também uma nova e ampla renegociação das dívidas estaduais e municipais, pois os Estados e municípios, por decisão do STF, não estão pagando seus débitos com a União nem com os bancos públicos, neste momento de calamidade pública. Tudo isso terá que ser objeto de uma difícil negociação, que envolverá, certamente, contrapartidas por parte de Estados e municípios.

O ingrediente que torna ainda mais nebuloso o pós-crise é a autorização dada pelo ministro Celso de Melo, do STF, para a abertura de investigação, por parte do Ministério Público, das acusações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro ao presidente da República. O ministro do Supremo Gilmar Mendes estimou que o inquérito poderá durar 90 dias. Até lá, o país viverá a expectativa de saber se o procurador-geral da República, Augusto Aras, terá elementos suficientes para apresentar denúncia contra Bolsonaro.

Para alguns, as acusações de Moro poderão ter o mesmo efeito sobre as reformas econômicas que as acusações de Joesley Batista contra o ex-presidente Michel Temer, em maio de 2017. Naquela época, a reforma da Previdência ficou paralisada. Se o procurador-geral apresentar denúncia contra Bolsonaro, a Câmara dos Deputados terá que decidir se autoriza a abertura do processo. Neste cenário, que coincidirá com o fim do ano, a crise será jogada para 2021, com consequências imprevisíveis para a agenda de reformas.


Ribamar Oliveira: Senado condiciona benefício a emprego

Se aprovada pela Câmara, “PEC da guerra” criará insegurança jurídica

O texto da Proposta de Emenda Constitucional 10/2020, mais conhecida como “PEC do Orçamento de Guerra”, recentemente aprovado pelo Senado, introduziu um novo complicador para as empresas que, se aprovado pela Câmara dos Deputados, trará uma grande insegurança jurídica, de acordo com consultores ouvidos pelo Valor.

O recebimento de benefícios creditícios, financeiros e tributários, direta ou indiretamente, concedidos no âmbito dos programas oficiais de combate aos efeitos da pandemia, estará condicionado ao compromisso das empresas de manutenção de empregos, “na forma dos respectivos regulamentos”, de acordo com o artigo 4º do texto do Senado.

Uma das medidas adotadas pelo governo para redução dos efeitos do novo coronavírus na economia, logo no início da pandemia, foi adiar o pagamento de PIS, Pasep e da Cofins, bem como da contribuição previdenciária patronal. Os empresários pagarão as quatro contribuições devidas em abril e em maio apenas em agosto e em outubro.

Esta foi uma forma de dar mais fôlego de caixa às empresas, que tiveram suas vendas drasticamente reduzidas do dia para a noite. Tecnicamente, o procedimento é conhecido como diferimento. A questão é que todas as empresas, mesmo aquelas que estão demitindo trabalhadores, terão direito de adiar o pagamento das quatro contribuições. Quando o diferimento foi autorizado, ainda em março, a instrução normativa da Receita Federal não condicionou o benefício à manutenção do emprego.

Pode-se alegar, portanto, que o artigo da PEC, caso aprovado pela Câmara, terá vigência posterior ao início do diferimento das quatro contribuições. A lei não pode retroagir para prejudicar o contribuinte. Ocorre que, segundo avaliação da área técnica do governo, é muito provável que as empresas não tenham caixa em agosto e outubro para pagar os tributos do mês e os atrasados. Por isso, os técnicos não descartam que os débitos tributários referentes a abril e maio venham a ser, posteriormente, objeto de um novo Refis, ou seja, de um parcelamento em condições favorecidas, que já está sendo chamado de “coronarefis”.

Se isto ocorrer, será um novo benefício tributário a ser concedido às empresas em relação a fatos ocorridos no período da pandemia. Neste caso, o artigo da PEC poderá ser acionado e em que medida? O texto diz que a manutenção do emprego será exigida, “na forma dos respectivos regulamentos”, sem explicar o que isso significa, talvez indicando a necessidade de uma regulamentação.

A exigência da manutenção do emprego, no entanto, se aplica a todos os outros benefícios que estão sendo concedidos pelo governo durante a pandemia, inclusive os creditícios e os financeiros. Há, por exemplo, empréstimos em condições especiais que estão sendo colocados à disposição das empresas. O Banco Central será autorizado também a comprar títulos privados e a realizar uma série de operações financeiras que, de forma direta ou indireta, pode resultar em benefício para alguma empresa ou instituição financeira.

Diante da amplitude da medida, com consequências jurídicas imprevisíveis, um político de grande experiência disse ao Valor que o Senado colocou o artigo na PEC para ficar bem com o eleitorado, ao mostrar sua preocupação com o emprego, mas certo de que ele será derrubado pela Câmara, com desgaste para os deputados. É, pode ser. Mas, vale lembrar a famosa pergunta feita por Garrincha, na Copa do Mundo de 1958: “Já combinaram com os russos?”.

O artigo 9º da PEC aprovada pelo Senado determina que as instituições financeiras que venderem ativos ao BC, durante a pandemia, não poderão aumentar a remuneração, fixa ou variável, de diretores e membros do conselho de administração, no caso das sociedades anônimas, e dos administradores, no caso de sociedades limitadas.

De acordo com a PEC aprovada pelo Senado, a remuneração variável inclui bônus, participação nos lucros e quaisquer parcelas de remuneração diferidas e outros incentivos remuneratórios associados ao desempenho.

Mas, não está claro o período da vigência da proibição. A PEC aprovada pelo Senado diz que o Banco Central editará regulamentação sobre as exigências de contrapartidas “durante a vigência desta emenda constitucional”. Não seria durante a vigência da situação de calamidade pública, ou seja, até 31 dezembro deste ano?

Há também outra redação confusa na PEC do “Orçamento de Guerra”. Mas, neste caso, a confusão já vem do texto inicial aprovado pela Câmara. O artigo 5º diz que será dispensado o cumprimento da chamada “regra de ouro”, durante ‘a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade pública nacional”.

A Constituição proíbe que o governo aumente o seu endividamento para custear despesas correntes. Só pode fazer isso para financiar investimentos e para amortizar a dívida, ou seja, despesas de capital. Este princípio é conhecido como “regra de ouro” das finanças públicas. Como observa a nota técnica 95/2020, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, desde meados do ano passado já se projetava descumprimento da “regra de ouro” em 2020.

O Orçamento da União deste ano foi aprovado com montante de operações de crédito superior em R$ 343 bilhões às despesas de capital, lembram os consultores legislativos Vinícius Leopoldino do Amaral e Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, autores da nota técnica. Tais operações de crédito em excesso, assim como as despesas por elas custeadas, encontram-se pendentes de autorização, observam.

Como o regime extraordinário da PEC visa atender às necessidades decorrentes da pandemia, a suspensão do cumprimento da “regra de ouro” não poderia ser aplicada a situações anteriores ao surgimento do novo coronavírus. Os autores concluem que a suspensão da “regra de ouro” teria que ser parcial e somente aplicável às repercussões geradas pela pandemia. Mas isto não é o que está escrito na PEC, que suspende o cumprimento da “regra de ouro” durante “a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade”.


Ribamar Oliveira: 'É preciso uma ação forte dos bancos estatais'

Para Henrique Meirelles, alguns dos problemas enfrentados pelas companhias ainda não foram adequadamente resolvidos pelo governo

Os governos e analistas de vários países já discutem cenários para a retomada da economia no pós-crise da covid-19. Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, ex-ministro da Fazenda e atual secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, observa que, no Brasil, o ritmo da retomada vai depender da saúde financeira das empresas no momento da transição.

Com a experiência de quem pilotou a saída do país da crise de 2008, Meirelles adverte que alguns problemas enfrentados hoje pelas empresas ainda não foram adequadamente resolvidos pelo governo.

O primeiro deles, segundo Meirelles, é que os bancos estão com políticas restritivas de crédito. Embora tenham recursos disponíveis, pois o BC reduziu o depósito compulsório e o governo disponibilizou uma linha especial de crédito para capital de giro, o dinheiro não está chegando nas empresas. “É normal, pois há o receio com a situação futura dos tomadores. Mas é preciso pensar em alternativas para o problema.”

Ele lembra que, na crise de 2008/2009, um dos problemas centrais foi justamente o travamento do crédito, tanto internacional, como doméstico. “O consumo colapsou porque não tinha crédito”, recorda. “Houve queda de 20% do crédito total no país.” Naquela época, pequenas e médias empresas e pequenos bancos ficaram sem acesso ao crédito.

Entre as medidas adotadas para enfrentar aquela crise, Meirelles destaca a redução do compulsório. “Liberamos desde que os recursos fossem direcionados para bancos e financeiras com capital até certo limite.” Ele sugere que as próximas liberações sejam vinculadas a empréstimos para pessoas físicas, jurídicas e a outros bancos.

O atual secretário da Fazenda de São Paulo observa que, no Brasil, existem quatro grandes bancos, sendo dois deles estatais. “É preciso usar mais o Banco do Brasil e a Caixa, pois eles foram muito úteis em 2008 e 2009”, diz. “É preciso uma ação forte dos bancos oficiais federais ofertando recursos.” Ele lembra que, naquela época, o cadastro positivo ainda não era público, uma vantagem da situação atual.

Para Meirelles, os bancos estatais poderão, sem dúvida, estimular a competição entre os bancos. Mas ele sugere também que o governo pense na criação de um fundo garantidor de crédito, que possa dar maior segurança às operações.

Além da questão do crédito, o ex-ministro da Fazenda considera que a ajuda do governo às empresas que não demitirem os trabalhadores também não foi adequada. O governo criou uma linha de crédito para financiar a folha de pagamento das empresas, mas Meirelles acha que o caminho correto é o adotado pelo Reino Unido. Lá, o governo vai bancar 80% do salário, até um certo limite, dos trabalhadores que não forem demitidos, mas colocados em licença.

O ex-ministro considera que a solução adotada pelo governo brasileiro - a linha de crédito para a folha de pagamento - levará as empresas a ficarem endividadas, o que poderá dificultar a retomada da economia.

Para ele, seria preferível que o Tesouro disponibilizasse recursos, a fundo perdido, para que as empresas pagassem os seus empregados. “Antes da crise, as empresas estavam saudáveis. Elas também precisam estar saudáveis na retomada”, propõe.

Outro problema que precisa ser resolvido com rapidez, na opinião do ex-ministro, é o pagamento da renda emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais. “Esse é um desafio logístico”, disse, observando a dificuldade da maioria desses trabalhadores terem acesso aos sites oficiais com as informações sobre o programa.

Sem que essas questões estejam bem resolvidas, Meirelles acha que a maior probabilidade é que a retomada da economia no pós-crise da covid-19 tenha a forma de “U”, e não de “V”. Ou seja, depois de uma queda abrupta, haverá um tempo maior para que ocorra uma recuperação plena da atividade econômica. Em sua avaliação, uma rápida recuperação após a crise é uma possibilidade mais difícil.

Sem ilusões
Não se pode ter ilusão sobre o efeito da crise provocada pela pandemia na economia. A melhor referência sobre o que vai acontecer nesta área é a crise internacional de 2008/2009. A economia brasileira sofreu pouco com aquela crise, pois o Produto Interno Bruto (PIB) caiu apenas 0,1% em 2009. A retomada foi rápida, pois aconteceu no segundo trimestre daquele ano.

Mesmo assim, os tributos administrados pela Receita caíram 1,3 ponto percentual do PIB. Mas a queda foi compensada por aumento de receitas não administradas pela Receita, como dividendos pagos por estatais federais. Houve alta ainda da receita da Previdência.

Neste ano, a recessão será bem maior que em 2009, como estima a totalidade dos analistas do mercado. Alguns chegam a dizer que o PIB poderá cair 6%. Em tal cenário, não é apenas a receita administrada pela RFB que será bem menor, mas também a receita não administrada e a arrecadação da Previdência, em virtude do desemprego que deverá ocorrer. “A queda da receita vai ser muito forte”, disse uma fonte do governo.

No caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o efeito também será dramático e a receita deverá cair mais do que o PIB. Especialistas consultados pelo Valor advertem que setores com maior carga tributária (como energia elétrica e combustíveis) poderão ter maior contração da atividade do que os de baixa carga tributária (como alimentos e produtos farmacêuticos).


Ribamar Oliveira: O teto de gastos está por um fio

Governo precisa da PEC do “Orçamento de Guerra”

A sobrevivência do teto de gastos da União está na dependência de uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que anteontem se incorporou ao movimento do “#pagalogo”, no Twitter. Caberá a Gilmar conceder ou não, de forma monocrática, liminar ao pedido feito pela Advocacia-Geral da União (AGU) em ação contra a lei que ampliou, de um quarto do salário mínimo para meio salário mínimo, a renda familiar per capita das pessoas que terão direito a reivindicar o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Se Gilmar conceder a liminar, o governo ainda manterá a esperança de que, ao fim desse turbilhão de gastos para o combate aos efeitos do novo coronavírus na população e nas empresas, poderá sustentar o limite constitucional para o crescimento das despesas, previstos na emenda constitucional 95/2016. Se o ministro do STF negar a liminar, já será necessário começar a discutir uma alternativa para o teto de gastos, pois ele não conseguirá absorver a despesa adicional de cerca de R$ 21 bilhões por ano com a mudança do BPC.

No dia 23 de março, a AGU ingressou no Supremo com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o projeto de lei 55 do Senado, que, depois de aprovado, foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. O veto foi derrubado, mas Bolsonaro negou-se a promulgá-lo, o que terminou sendo feito pelo vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia.

O fato é que a mudança feita no BPC está em vigor (lei 13.981), as pessoas podem requerer os benefícios e o governo terá que atender, a menos que o ministro Gilmar Mendes conceda a liminar. Na ADPF 662, a AGU argumenta que o projeto infringiu uma série de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas, principalmente, dois artigos da Constituição: o 195, parágrafo 5, e o 113 do ADCT. Em síntese, a AGU pede que o STF considere a mudança inconstitucional.

O projeto que criou a renda emergencial de R$ 600 dá nova redação à mudança no BPC. Mas, pela ótica dos argumentos apresentados pela ADPF da AGU, o governo continua achando que a alteração no BPC é inconstitucional. Por isso, existe uma grande expectativa para saber se o presidente Bolsonaro vai vetar os artigos que tratam do BPC, ao sancionar a lei da renda emergencial.

O governo se apega ao teto de gastos porque espera manter o controle das despesas obrigatórias, depois que a situação se normalizar, Mas o teto está por um fio.

Estratégia
Alguém da burocracia do Ministério da Economia alertou o ministro Paulo Guedes que, para pagar os R$ 600 aos trabalhadores informais, seria necessário alterar a Constituição. Como o governo trabalha com déficit primário em suas contas, a despesa com o auxílio emergencial terá que ser coberta com a emissão de títulos, ou seja, com o aumento da dívida pública.

A explicação apresentada ao ministro mostrou que o texto constitucional só permite que o governo faça operações de crédito em montante superior à despesa de capital (investimentos e amortizações da dívida) se elas forem autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais, com finalidade precisa, aprovados pelo Legislativo por maioria absoluta. Este princípio é conhecido como “regra de ouro” das finanças públicas.

O problema é que a despesa adicional para pagar os R$ 600 não pode ser aberta no Orçamento nem por crédito suplementar, nem por crédito especial, pois isso iria estourar o teto de gastos da União. Por isso, a estratégia do governo era abrir um crédito extraordinário ao Orçamento, que não entra no cálculo do limite de despesa.

Mas um crédito extraordinário não permite, no entanto, ao governo fazer as operações de crédito necessárias para pagar as despesas com os R$ 600. Seria necessário, explicou o burocrata, aprovar a PEC do chamado “Orçamento de Guerra”, que, entre outras medidas, suspenderá a obrigatoriedade de o governo cumprir a “regra de ouro” durante o estado de calamidade pública.

Argumentou-se, inclusive, que a infração a este dispositivo constitucional poderia ser motivo para um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. A área orçamentária e financeira do Ministério da Economia ainda é constituída, em grande medida, por técnicos que trabalhavam no governo na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que caiu pela inobservância de regras legais e constitucionais na área fiscal.

Depois que o próprio ministro Paulo Guedes tomou a iniciativa de fazer consultas, que envolveu inclusive ouvir ministros do STF, de acordo com fontes, ficou claro que havia um certo preciosismo na avaliação do burocrata. O impedimento constitucional era aquele mesmo apontado, mas ele poderia ser contornado por uma “engenharia orçamentária e financeira”, que não seria, propriamente, uma novidade.

O custo do programa da renda emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais é estimado, em princípio, em R$ 50 bilhões. A solução encontrada para pagar de forma mais rápida foi a edição de uma medida provisória abrindo um crédito extraordinário de R$ 33 bilhões no Orçamento, que será custeado pelo superávit financeiro do Tesouro. Este é o montante de recursos livres que ainda resta na conta única do Tesouro. O restante do superávit financeiro é de recursos vinculados. Os R$ 17 bilhões que faltam serão obtidos com cancelamentos de outras despesas orçamentárias.

Posteriormente, o governo enviará um projeto de lei (PLN) pedindo autorização ao Congresso para fazer operações de crédito no montante de R$ 17 bilhões para recompor, por meio de crédito suplementar, as despesas que foram canceladas. Com o PLN, o governo estaria cumprindo a “regra de ouro”.

O PLN será aprovado com grande facilidade e de forma rápida, pelo que o Valor apurou em conversas com algumas lideranças políticas. O Congresso terá, no entanto, que aprovar a PEC do “Orçamento de Guerra”, pois será necessário suspender a obrigatoriedade de cumprir a “regra de ouro” durante o estado de calamidade social, uma vez que o governo ainda vai precisar gastar muito mais no combate ao novo coronavírus.


Ribamar Oliveira: EUA podem emitir moeda. E o Brasil?

Governo brasileiro vai apelar para a venda de reservas cambiais?

Em uma guerra, a primeira vítima é a verdade, já dizia, em 1917, o senador americano Hiram Johnson (alguns atribuem a frase ao grande dramaturgo grego Ésquilo).

Parodiando o senador, em uma recessão, a primeira vítima são os impostos. Quando os empresários começam a encontrar dificuldades em seus negócios, com retração acentuada das vendas, a primeira coisa que fazem é deixar de cumprir suas obrigações tributárias. Este é o principal problema que os governos estaduais, municipais e federal vão enfrentar nos próximos meses, pois, com a queda da receita tributária, terão muito menos recursos para realizar as ações de combate à pandemia do novo coronavírus.

Terão que contar com a ajuda financeira da União. E de grande monta. Mas e o governo federal, onde encontrará recursos?

O que está no horizonte é uma retração brutal da atividade econômica no Brasil e no mundo, provocada, principalmente, pela quarentena a que está sendo submetida grande parte da população. Setores industriais importantes estão parando. E, para completar, o comércio está fechado. Como observou uma importante fonte do governo, “quando o setor de serviços para, acabou”. A expectativa, portanto, é de forte queda da arrecadação federal, estadual e municipal. Em que proporção isso vai acontecer, ainda é uma incógnita.

A receita tributária registrada em março não será um bom indicador, porque os pagamentos de tributos têm certa defasagem. A maior parte dos tributos é paga no mês seguinte ao da competência.

O anexo de riscos fiscais, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) válida para este ano, dá algumas informações para se avaliar o impacto da recessão sobre a receita tributária. O anexo informa que a variação de 1 ponto percentual do PIB tem impacto de 0,13% na receita previdenciária e de 0,64% nos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Isto significa que para cada 1 p.p. de queda do PIB, a arrecadação com tributos será reduzida em R$ 7,1 bilhões. A receita do Orçamento foi estimada com base em um crescimento de 2,3% do PIB. Mas isso é só o começo.

Há um efeito também da inflação sobre a receita tributária. Segundo o anexo da LDO, uma variação de 1 ponto percentual na inflação tem impacto de 0,13% na receita previdenciária e de 0,61% nas demais receitas administradas pela SRF. Assim, se a inflação ficar 1 p.p. menor que a taxa usada na estimativa da receita, ela ficará R$ 6,8 bilhões abaixo. Por causa da recessão, a inflação ficará abaixo da prevista no Orçamento, que foi de 3,53%, acumulada neste ano.

Um dos principais efeitos da retração da atividade será o aumento do desemprego. As empresas já começaram a demitir, pois estão sem receita para pagá-los. Uma variação de 1 ponto percentual na massa salarial (que é a soma de todos os salários pagos durante o ano) tem impacto de 0,80% na receita previdenciária e de 0,06% nas demais receitas administradas pela SRF. Uma queda de 1 p.p. na massa salarial traria redução de R$ 4,1 bilhões nas receitas, segundo o anexo da LDO.

Se a taxa de câmbio e a taxa de juros variarem em 1 p.p., a arrecadação sofrerá um impacto de 0,10% e de 0,03%, respectivamente. Então, com uma subida de 1 p.p. do câmbio e dos juros, a receita poderá subir R$ 1,3 bilhão. No momento atual, a taxa de câmbio está em alta e a taxa de juros está em baixa.

Haverá perdas também nas chamadas receitas não administradas. O anexo da LDO não estimou, por exemplo, o efeito da queda dos preços do petróleo na receita com royalties do petróleo, que passou a ser essencial para alguns Estados e municípios. A previsão oficial de R$ 68 bilhões para esta receita neste ano foi feita com base em uma cotação média de US$ 58,96 por barril de petróleo. O preço internacional está abaixo de US$ 30. Esta arrecadação terá forte queda neste ano.

No caso das concessões de serviços públicos, o problema é ainda mais grave. O governo programou para este ano uma arrecadação de R$ 16 bilhões com a privatização da Eletrobras. Hoje, é certo que essa receita não ingressará nos cofres do Tesouro, mesmo porque não há clima no mercado para uma privatização. Outras receitas de concessão também não se realizarão.

Esses são os efeitos negativos nas receitas primárias federais. O anexo da LDO não considera, nem poderia, os efeitos da recessão na arrecadação do ICMS, que é um tributo estadual, nem na do ISS, que é municipal. O impacto negativo nos dois impostos será muito forte, embora ainda não se tenha uma estimativa oficial.

Quanto maior forem a recessão econômica e o aumento do desemprego, maior será a redução das receitas tributárias.

O Valor teve acesso a uma projeção preliminar que aponta para perda de R$ 70 bilhões para a arrecadação do governo federal neste ano, na comparação com o que estava programado no Orçamento. Mas não são conhecidas as variáveis utilizadas para se chegar a esta cifra.

O presidente Jair Bolsonaro já anunciou que o governo federal vai compensar os fundos de participação dos Estados e dos municípios (FPE e FPM) pela queda prevista das receitas do Imposto de Renda e do IPI, que compõem os fundos. O governo dará R$ 4 bilhões por mês ao FPE e ao FMP, durante quatro meses. Os governadores já disseram que é pouco.

Haverá também perda de receitas financeiras para o governo federal, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou alguns Estados a não pagarem suas dívidas com a União. Depois dessa decisão, Bolsonaro autorizou uma moratória de seis meses nos pagamentos dos débitos estaduais com a União. Esse prazo, no entanto, não será respeitado, pois os governadores ingressarão no STF pedindo que o não pagamento seja autorizado enquanto durarem os efeitos negativos da epidemia sobre as suas receitas e as suas despesas.

O custo fiscal da crise provocada pelo coronavírus será imenso. Alguns especialistas chegam a falar em mais de R$ 500 bilhões. O governo ainda não divulgou uma previsão. O montante dependerá da duração da pandemia e da duração da recessão econômica.

De onde o governo federal vai tirar os recursos para compensar as perdas das receitas tributárias, para custear as despesas adicionais que será obrigado a fazer na área da saúde, para sustentar os programas de ajuda financeira a trabalhadores informais e às pessoas mais vulneráveis da população e, ao mesmo tempo, ajudar financeiramente Estados e municípios? Para custear o seu pacote de mais de US$ 2 trilhões, o governo americano vai colocar títulos no mercado para captar recursos e, quase certamente, emitir dólares, que é uma moeda aceita mundialmente. O governo brasileiro também vai emitir títulos para arrecadar dinheiro. Vai apelar também para a emissão de moeda? Ou vender reservas?


Ribamar Oliveira: Não há como salvar o crescimento deste ano

Autoridade da área econômica diz que quem espera PIB zero para este ano está otimista

Não existem políticas monetária e fiscal que salvem o crescimento da economia neste ano, segundo disse ao Valor uma importante fonte da área econômica. “Quem está falando em crescimento zero do PIB [Produto Interno Bruto] em 2020 está sendo otimista”, acrescentou. O entendimento predominante no comando do Ministério da Economia é que medidas fiscais e monetárias serão adotadas para preservar vidas e empresas, principalmente, e para evitar que a crise se prolongue por tempo excessivo.

Esta fonte lembrou que, há 15 dias, o mercado ainda acreditava que era possível o Brasil crescer 1,7% neste ano. “Hoje, vários analistas estão projetando recessão”, disse. A mudança de cenário está ocorrendo muito rapidamente, o que mostra que os efeitos da crise do novo coronavírus na economia estão se disseminando em velocidade exponencial, da mesma forma que a contaminação das pessoas, apesar das medidas de política monetária que o Banco Central vem adotando.

Qual será o custo para os cofres públicos das medidas fiscais que serão adotadas pelo governo? Ninguém sabe. Tudo dependerá das ações adotadas para dar sustentabilidade ao combalido sistema de saúde do país, garantir uma renda mínima aos trabalhadores que serão diretamente atingidos pela desaceleração da economia e estímulos fiscais que permitam às empresas, não apenas as pequenas, manterem seus negócios, evitando uma recessão ainda mais profunda. Tudo isso representará custos adicionais aos cofres públicos.

Também não é possível projetar o resultado fiscal deste ano. Tudo vai depender do montante da despesa adicional e da redução das receitas, em decorrência da desaceleração da economia. Neste momento, os técnicos do Ministério da Economia estão fazendo projeções com vários cenários para o crescimento do PIB, para os juros, a inflação e o preço do petróleo. Em uma estimativa preliminar, que não considera a recessão e a não aprovação do projeto que permitirá a privatização da Eletrobras, a receita da União vai cair pelo menos R$ 70 bilhões em relação ao que está projetado no Orçamento deste ano.

Há ao menos duas certezas neste momento. As medidas que serão adotadas para minorar os efeitos causados pela epidemia do coronavírus vão aumentar substancialmente o déficit primário deste ano e também a dívida pública bruta, pois as despesas adicionais serão feitas com aumento do endividamento. Qual será a nova estimativa para o déficit público neste ano? Ninguém sabe. Poderá superar R$ 250 bilhões, dependendo das medidas que o governo será obrigado a adotar para salvar vidas e empresas. “O resultado primário das contas públicas passou a ser secundário”, disse ao Valor uma importante fonte da área econômica.

Há um custo adicional para o Tesouro a ser considerado, pois, da mesma forma como ocorreu durante a crise financeira internacional de 2008, o governo federal terá, necessariamente, de ajudar financeiramente os governos estaduais e as prefeituras. Os Estados e municípios também terão forte queda de receita em virtude do desaquecimento da economia. Como os brasileiros moram nos municípios, é lá em que os maiores problemas sanitários irão ocorrer e a ajuda federal será indispensável, mesmo porque, ao contrário da União, governadores e prefeitos têm limites rígidos de endividamento.

A fim de abrir espaço para fazer os gastos necessários ao combate do novo coronavírus, a ideia inicial do Ministério da Economia era simplesmente aumentar a meta de déficit primário deste ano, que está atualmente fixado em R$ 124 bilhões. Isso seria feito com o envio de uma proposta ao Congresso Nacional, alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

No dia 22 de março, o governo terá que divulgar o relatório de avaliação de receitas e despesas da União. Neste momento, a equipe econômica mostraria o tamanho do rombo nas contas e o montante do contingenciamento das dotações orçamentárias que deveria ser feito. Nesta estratégia, o governo anunciaria os cortes. Depois que a mudança da LDO fosse aprovada pelo Congresso, o que poderia ocorrer em duas semanas, o governo anunciaria um descontingenciamento das dotações.

O problema desta estratégia, que foi discutida na reunião da Junta Orçamentária realizada no Palácio do Planalto na terça-feira, é que o cenário da economia está muito volátil e ninguém sabe onde vai parar. Não é possível para a equipe econômica também dimensionar o valor das despesas adicionais que o Tesouro terá que bancar durante a crise do novo coronavírus. Assim, havia o risco, ao adotar essa linha de atuação, de definir uma nova meta de déficit que poderia ser superada meses depois, forçando o governo a pedir nova mudança de meta ao Congresso, com grande desgaste político.

A opção foi por acionar o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como o Valor tinha antecipado no dia anterior. Este artigo da LRF permite que o governo decrete situação de calamidade pública e, com isso, deixe de cumprir a meta fiscal do ano, entre outras vantagens. Também são dispensadas licitações ou concorrência pública para compras e obras emergenciais. A calamidade, no entanto, precisa ser reconhecida pelo Congresso.

Na situação de calamidade, o governo deverá adotar um receituário parecido com aquele utilizado pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na crise financeira internacional de 2008. Ou seja, será necessário garantir liquidez às empresas, fazer desonerações que reduzam custos de produção e conceder estímulos fiscais, além de programas de ajuda financeira às pessoas. “Mas o essencial é não fazer igual ao que o PT fez”, advertiu um integrante do governo. “O PT tornou permanente medidas que deveriam ser apenas emergenciais”, explicou. E esta teria sido uma das principais causas da crise que resultou na maior recessão da história do país.

A maior preocupação da atual equipe econômica é justamente esta, não passar a ideia ao mercado que está adotando uma política semelhante àquela que teria levado o país à bancarrota. “A partir do próximo ano, quando a crise do coronavírus passar, teremos que ter uma trajetória de redução do déficit e de reequilíbrio das contas públicas”, previu a fonte. A estratégia, portanto, é evitar aumento de despesa obrigatória permanente, pois, do contrário, não será possível manter o teto de gastos quando a crise do novo coronavírus for superada.


Ribamar Oliveira: A saída é o Supremo, e não as ruas

No Brasil o Congresso Nacional está adotando uma variante que é impossível defender, o Orçamento com proprietários individuais

Os países mais desenvolvidos do mundo adotam, com algumas diferenças entre eles, o Orçamento impositivo. Ou seja, o Executivo é obrigado a executar as programações orçamentárias que foram aprovadas pelo Parlamento. No Brasil, infelizmente, o Congresso Nacional está adotando uma variante que é impossível defender: o Orçamento com proprietários individuais.

Até há pouco tempo, o entendimento predominante no Brasil era de um Orçamento apenas autorizativo, ou seja, que o Executivo não tinha a obrigação de executá-lo. Não podia era gastar mais do que estava autorizado. Depois de promulgada a Constituição de 1988, os parlamentares começaram a pressionar o Executivo para abrir um espaço dentro do Orçamento da União para as suas emendas.

Adotaram uma prática deletéria, que foi a de superestimar as receitas orçamentárias para arrumar recursos para financiar suas emendas. A prática tornou o Orçamento da União uma peça de ficção, pois, além de o Executivo não ter a obrigação de executá-lo, as receitas não tinham relação com a realidade.

A demanda dos parlamentares sempre foi por recursos para construir pequenas obras em suas bases eleitorais. Todos os governos, independentemente de suas ideologias, aceitaram o jogo, pois condicionavam a liberação dos recursos das emendas às votações dos parlamentares favoráveis aos projetos que lhes interessavam. Esse mecanismo sustentou o chamado “presidencialismo de coalizão”, ao longo das últimas décadas.

No fim da década de 1990, no entanto, teve início um movimento de rebeldia contra essa situação e vários parlamentares começaram a lutar pela obrigatoriedade de execução de todas programações orçamentárias. O então senador Iris Resende, do PMDB goiano, apresentou a PEC 77/1999, nesse sentido. O então poderoso senador Antônio Carlos Magalhães, do PFL baiano, empunhou a mesma bandeira.

Em 2015, as resistências do governo foram quebradas e o Congresso aprovou a emenda constitucional 86, que tornou obrigatória a execução das emendas individuais até o limite de 1,2% da receita corrente líquida (RCL) da União, sendo que metade do percentual seria destinado a ações e serviços públicos de saúde.

Há uma particularidade na execução das emendas individuais de parlamentares ao Orçamento, no caso do Brasil. Aqui, a emenda é, normalmente, genérica, ou seja, ela acresce recursos a uma programação existente ou cria outra. Durante a execução do Orçamento, no entanto, cabe ao parlamentar, autor da emenda, indicar o CNPJ do beneficiário. Ou seja, é ele quem diz em que município o dinheiro será aplicado. Com isso, ele se transforma em proprietário de uma parte do Orçamento.

Em junho do ano passado, o Congresso aprovou a emenda constitucional 100, que tornou de execução obrigatória as emendas de bancadas estaduais ao Orçamento, até o limite de 1% da RCL. Com isso, os integrantes das bancadas estaduais também são proprietários de uma parte do Orçamento.

A EC 100 determinou também que “a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”. Desta forma, todo o Orçamento se tornou de execução obrigatória.

Em dezembro do ano passado, o Congresso aprovou ainda a emenda constitucional 105, que criou a “transferência especial”. Por meio de suas emendas, os parlamentares podem transferir recursos diretamente ao caixa do Estados ou do município que escolher, sem necessidade de assinatura de convênio ou instrumento congênere. Os recursos serão usados pelos Executivos estaduais e municipais da forma que melhor lhes aprouver, sem que haja qualquer fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Neste caso, os parlamentares se tornaram proprietários de parte dos recursos do Orçamento.

Para completar, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020, tornou obrigatória a execução das emendas de relator-geral e de Comissões do Senado e da Câmara. Depois de aprovado o Orçamento, descobriu-se que o relator-geral tinha feito emendas no montante de R$ 30 bilhões. Ele teria, portanto, o direito de indicar os CNPJ dos beneficiários dessa montanha de recursos. Teria também o direito de definir a prioridade de execução dessas programações.

Quando o Orçamento deste ano foi aprovado, as emendas parlamentares impositivas somavam R$ 48,5 bilhões. Este foi o espaço de execução orçamentária que foi subtraído do Executivo. Um veto do presidente Jair Bolsonaro à LDO fez o Executivo recuperar a gestão de R$ 30,8 bilhões (inclui as emendas de comissões). Mas, agora, o Congresso discute o PLN 4/2020, que, se aprovado, dará ao relator-geral o poder de direcionar R$ 16,3 bilhões do Orçamento.

É preciso observar que as emendas parlamentares não passam por uma discussão técnica na Comissão de Orçamento do Congresso, não precisam provar que são compatíveis com as políticas públicas setoriais ou que levam em conta critérios de distribuição que beneficiem os mais necessitados ou as áreas mais carentes.

Ao propor o veto à LDO, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o dispositivo que permite ao parlamentar indicar o beneficiário dos recursos “investe contra o princípio da impessoalidade que orienta a administração pública, ao fomentar cunho personalístico nas indicações e priorizações das programações decorrentes de emendas”. Dito de uma forma mais direta, o dispositivo que está inscrito no PLN 4 é inconstitucional e deveria ser objeto de ação no Supremo Tribunal Federal (STF), se for aprovado. Esta é a saída correta, e não ir às ruas.

Vale lembrar o exemplo do Supremo Tribunal das Filipinas, que, em 2013, considerou inconstitucionais todas as disposições legais que autorizavam os parlamentares - individualmente ou coletivamente - a intervir, assumir ou participar de qualquer um dos vários estágios da execução do Orçamento, pois essa é uma atribuição do Executivo.


Ribamar Oliveira: Regulamentação chegou muito tarde

Agilidade do governo teria evitado os problemas ocorridos no início deste ano envolvendo o Orçamento impositivo

Por mais incrível que possa parecer, somente nesta semana o governo tomou a iniciativa de encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020, estabelecendo normas para aplicação, com segurança jurídica, do chamado Orçamento impositivo. Ou seja, os pneus estão sendo trocados com o carro em movimento.

Na exposição de motivos que acompanha o projeto de lei, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comete uma impropriedade. Ele diz ao presidente Jair Bolsonaro que a regulamentação está sendo feita agora porque, quando as emendas constitucionais 100 e 102, que instituíram o Orçamento impositivo, foram promulgadas, o projeto da LDO válido para 2020 já tinha sido aprovado pelo plenário da Comissão Mista de Orçamento do Congresso (CMO).

Na verdade, a emenda constitucional 100 foi promulgada no dia 26 de junho de 2019, quando o relator do projeto da LDO, deputado Cacá Leão (PP-BA), nem sequer tinha apresentado o seu relatório, o que só foi feito no dia 7 de julho do ano passado. Foi a EC 100 que determinou ser dever da administração “executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.

Na época, a EC 100 causou grande preocupação dentro da área técnica do governo, pois não estava explícito no texto constitucional que as programações orçamentárias poderiam ser contingenciadas para o cumprimento das metas fiscais ou do teto de gastos. Nem mesmo que elas não poderiam ser executadas em caso de impedimento de ordem técnica.

Em negociação direta com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a área econômica do governo acertou um texto a ser incluído em outra proposta de emenda constitucional para deixar todas essas questões explícitas.

A EC 102, aprovada no dia 26 de setembro de 2019, simplesmente determinou que a execução orçamentária se subordina ao cumprimento de dispositivos constitucionais e legais que estabeleçam metas fiscais ou limites de despesas. Ela explicitou também que a obrigatoriedade da execução não impede o cancelamento necessário à abertura de créditos adicionais e não se aplica nos casos de impedimentos de ordem técnica devidamente justificados.

O Orçamento impositivo foi instituído, portanto, pela EC 100, de junho. O projeto da LDO foi aprovado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso no dia 8 de agosto de 2019. Havia portanto, tempo suficiente para que o governo pedisse ao relator que paralisasse a tramitação do projeto, enquanto a EC 102 não fosse aprovada. Mesmo porque o Congresso Nacional só aprovou a LDO válida para 2020 no dia 9 de outubro do ano passado.

Seria possível, portanto, fazer as alterações no projeto da LDO, estabelecendo normas para a aplicação do Orçamento impositivo, com segurança jurídica. O que teria evitado os problemas ocorridos no início deste ano, quando as dúvidas sobre a aplicação da EC 100 dificultaram enormemente a execução orçamentária.

Em meio a todas as incertezas sobre a execução do Orçamento impositivo, o veto do presidente Bolsonaro ao artigo 64 da LDO adicionou um elemento politicamente explosivo. O presidente considerou contrário ao interesse público que os parlamentares indicassem os beneficiários de suas emendas e a prioridade de execução.

Em reação, os senadores e deputados aprovaram a Lei 13.957, explicitando a obrigatoriedade de execução das emendas do relator-geral do Orçamento e das comissões do Senado e da Câmara e reinstituindo os mesmos critérios de indicação e de prioridade que tinham sido vetados anteriormente. O presidente vetou novamente.

Quando o Orçamento para 2020 foi aprovado, descobriu-se que o relator-geral tinha feito emendas no valor de R$ 30 bilhões. Nunca antes um relator-geral tinha feito emendas nesse montante. Elas eram diferentes, pois ele cortou algumas programações propostas pelo governo e, ao mesmo tempo, as incluiu no Orçamento como emendas suas, com acréscimo de valor. Na área técnica do Executivo, esse procedimento é chamado de “emenda cachorro”, pois lembra um cachorro mordendo o próprio rabo.

Com esse mecanismo, o relator retirou do governo a gestão sobre uma montanha de investimentos e passou a ser a pessoa a indicar o nome dos beneficiários dos recursos e a prioridade de execução. Uma das emendas do relator-geral, por exemplo, destinou R$ 351,7 milhões para a ação de policiamento, fiscalização, combate à criminalidade e corrupção. Parece não haver dúvidas de que cabe ao ministro da Justiça e da Segurança Pública definir os beneficiários dessa ação e a prioridade de execução, e não ao relator-geral do Orçamento.

Finalmente, a proposta de regulamentação das ECs 100 e 102 chegou nesta semana ao Congresso. Junto com ela, um projeto que acaba com a possibilidade de o relator-geral apresentar a chamada “emenda cachorro”. Se o projeto for aprovado, ele só poderá indicar os beneficiários dos acréscimos que ele fez nas programações originais do Executivo.

Os projetos foram encaminhados após um acordo, feito pelo governo com as lideranças políticas, para a manutenção do veto do presidente ao artigo 64 da LDO. Ontem, o veto de Bolsonaro foi mantido e os parlamentares poderiam votar, à noite, as propostas de mudanças na LDO.

No caso da regulamentação do Orçamento impositivo, propriamente dito, o projeto define que o contingenciamento das emendas parlamentares será feito na mesma proporção aplicável às demais despesas do Executivo, que os restos a pagar de exercícios anteriores estarão dentro do limite financeiro anual de cada órgão e que o Executivo poderá remanejar os recursos de despesas que não estão sendo executadas para pagar outras.

Assinatura
A exposição de motivos de um dos dois projetos que alteram a LDO, justamente aquele que trata das emendas do relator-geral, não é assinado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.


Ribamar Oliveira: A brecha da capitalização

Governo destina R$ 18,2 bi para estatais em três anos

Enquanto o programa de privatização anda a passos lentos, o governo aumenta o montante de recursos usados para capitalizar empresas estatais, aproveitando o fato de que essa despesa está fora do teto de gastos. Apenas de 2017 a 2019, portanto em plena vigência do teto, os repasses da União para as estatais federais, a título de adiantamento para futuro aumento de capital, atingiram R$ 18,2 bilhões.

O montante não inclui a capitalização de empresas estatais dependentes do Tesouro, que são aquelas que não têm receita própria sequer para pagar despesas com pessoal ou de custeio em geral. A capitalização dessas estatais está dentro do teto e superou R$ 3 bilhões nos três anos.

Os dados indicam que o governo está aproveitando uma brecha legal para dar sustentação aos investimentos de algumas estatais, além de viabilizar, financeiramente, o programa de construção de corvetas para a Marinha. A impressão que fica é que, com a ajuda da capitalização, o governo está compensando o corte que é obrigado a fazer nos investimentos previstos no Orçamento da União, por causa do teto, com os investimentos de estatais. Neste sentido, o mecanismo da capitalização seria uma maneira de “furar o teto”.

O primeiro fato que merece destaque é que, como a União registra déficit primário (receitas menos despesas, excluído o pagamento de juros das dívidas públicas) em suas contas desde 2014, os repasses às estatais representam aumento do endividamento.

Dito de uma forma mais direta: o governo está se endividando no mercado para capitalizar algumas estatais e para viabilizar o programa de construção de corvetas da Marinha. Se o governo não tivesse usado os recursos com essa finalidade, o déficit primário da União nos três anos de vigência do teto de gastos teria sido menor.

Quando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos estava sendo discutida no Congresso Nacional, em 2016, alguns parlamentares questionaram a razão para que a capitalização de estatais não dependentes do Tesouro fosse excluída do limite de despesas, uma vez que é um gasto primário como qualquer outro. Foi dito aos parlamentares, segundo apurou o Valor, que aquela era uma decisão do governo do então presidente Michel Temer.

A equipe econômica de Temer acreditava que, muito provavelmente, haveria necessidade de fazer capitalizações muito significativas, nos anos seguintes, da Eletrobras, da Telebras e da Caixa Econômica Federal. E que isso não seria possível se a despesa com capitalização estivesse dentro do teto. A previsão não se confirmou e, destas três estatais, apenas a Telebras recebeu R$ 2,7 bilhões, durante a vigência do teto.

De 2013 a 2019, mais de 20 empresas estatais foram contempladas com aportes do Tesouro. No período, o grosso dos repasses se concentrou, no entanto, na Infraero, na Emgepron, na Valec, na Telebras e na Codevasf.

Apenas a Infraero recebeu R$ 13,1 bilhões, de 2013 a 2019, de acordo com os dados do Ministério da Economia. Nos três anos de vigência do teto de gastos, a capitalização desta estatal atingiu R$ 5,5 bilhões. Do total de recursos repassados pelo Tesouro para a Infraero, desde 2013, 53% (ou R$ 6,9 bilhões) foram destinados à construção de instalações, à aquisição de equipamentos operacionais e de segurança, obras em pistas de pouso e decolagem e demais investimentos na modernização da infraestrutura aeroportuária.

Outros 43% dos recursos que a Infraero recebeu (R$ 5,6 bilhões) foram utilizados em aportes de capital nas concessionárias dos aeroportos de Brasília, Galeão, Confins, Guarulhos e Viracopos, que foram privatizados durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. A Infraero ficou com 49% do capital social dessas concessionárias.

A decisão mais surpreendente do governo, no entanto, foi a megacapitalização da Emgepron, com o objetivo de viabilizar a construção de corvetas para a Marinha. Neste caso, a União terá duas despesas. A primeira já ocorreu, que foi o repasse pelo Tesouro de R$ 2,6 bilhões em 2018 e de R$ 7,6 bilhões no ano passado, totalizando R$ 10,2 bilhões, de acordo com dados do Ministério da Economia.

Uma segunda despesa ocorrerá quando as corvetas estiverem construídas. Neste momento, a União irá alugar as corvetas, em uma espécie de leasing, pelo prazo de 25 anos. O que se deve questionar é a necessidade de o governo investir essa montanha de recursos na construção de navios de guerra, no momento em que o país apresenta tantas carências em quase todas as áreas. Certamente sairia muito mais barato simplesmente alugar embarcações já existentes no mercado, o que atenderia às necessidades da Marinha.

Em recente artigo na “Folha de S.Paulo”, os economistas Marcos Mendes e Marcos Lisboa chamam a atenção para outro mecanismo que se transformará em mais um furo no teto. A medida provisória 900/2019 cria um fundo privado para gerir recursos de multas ambientais. O fundo teria natureza privada e, assim, os recursos não fariam parte do Orçamento. Os recursos serão vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, e seu uso, definido por portaria do ministro.


Ribamar Oliveira: Prioridade deveria ser a PEC Emergencial

Reforma tributária, embora necessária, pode esperar

É difícil acreditar que a reforma tributária será aprovada neste ano, se ainda não se conhece sequer qual é a proposta do governo federal. Ontem, em reunião com secretários estaduais de Fazenda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, em duas semanas, “está chegando um pedaço” ao Congresso Nacional.

Outra dificuldade para acreditar na rápida aprovação da reforma tributária é que o ministro da Economia quer criar uma nova CPMF para desonerar a folha de pagamento das empresas, pois, com isso, ele acredita será possível criar condições para o rápido crescimento do emprego no país. O problema é que o presidente Jair Bolsonaro é contra a nova CPMF, qualquer que seja o seu novo nome, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também são.

Mesmo o “pedaço” da proposta do governo a ser enviado causou polêmica entre os secretários estaduais de Fazenda. Guedes teria dito que vai propor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) Dual, com a fusão dos tributos federais com o ICMS, ficando o ISS de fora. Os secretários querem a unificação de todos os tributos federais, estaduais e municipais em um único imposto sobre o consumo.

Guedes disse que o governo vai propor também alterações no PIS e na Cofins. Ontem, momentos antes de ser substituído na Casa Civil, o ministro Onyx Lorenzoni, afirmou que, pessoalmente, defendia tratar agora só a reforma dos impostos federais e “daqui a dois ou três anos fazemos uma reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços [ICMS]”.

A proposta de reforma do PIS/Cofins está pronta, na Casa Civil, desde a gestão do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. Os governos não conseguem enviá-la ao Congresso, tal a resistência que ela enfrenta, pois eleva a carga tributária do setor de serviço. Os líderes partidários já se manifestaram contrários à votação apenas desta reforma.

Há um outro obstáculo que torna ainda mais difícil a aprovação de uma reforma tributária. A discussão está sendo feita em um momento em que o setor público brasileiro necessita ajustar as suas contas, que estão deficitárias desde 2014, principalmente as da União. A situação financeira de, pelo menos, uma dezena de Estados é calamitosa.

Quatorze Estados estão com nota C, e três, com nota D, segundo o Tesouro Nacional. As notas medem a capacidade dos Estados de pagarem suas dívidas. Aqueles que estão com nota C não podem obter aval do Tesouro para novos empréstimos. E os que têm nota D estão em situação falimentar. Em 2019, a União foi obrigada a honrar dívidas não pagas por Estados e municípios, das quais era avalista, no montante de R$ 8,35 bilhões. Vários Estados conseguiram liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para deixar de pagar seus débitos com a União.

O Brasil já viveu situação semelhante. Em 1995, ao assumir a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso encaminhou uma proposta de reforma tributária (PEC 175/95). A PEC foi relatada pelo falecido deputado piauiense Mussa Demes. Quando o parecer de Mussa estava pronto para ser votado e tinha o apoio do então governador de São Paulo, Mário Covas, mesmo com o seu Estado perdendo R$ 4,5 bilhões em receita, a então equipe econômica de FHC decidiu enviar ao Congresso uma nova proposta. E a reforma terminou não sendo votada.

Durante todo o processo de discussão da reforma, a carga tributária subiu muito. Ela passou de 29,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1995 para 35,6% do PIB em 2002, segundo dados da Secretaria da Receita Federal. Isso mostra que a necessidade de ajustar as contas públicas predominou sobre a reforma.

A substancial melhora no resultado primário do setor público registrada em 2019 decorreu de receitas extraordinárias (não recorrentes), principalmente as obtidas com os leilões de petróleo.

Muito provavelmente, o déficit primário deste ano será pior do que o de 2019. A dívida pública bruta só caiu porque o BNDES continuou antecipando o pagamento dos empréstimos obtidos junto ao Tesouro Nacional, e o Banco Central realizou significativas vendas de reservas internacionais do país. O governo precisa registrar superávit primário a partir de 2023, pois, do contrário, a dívida pública bruta provavelmente voltará a crescer.

Um outro aspecto é ainda mais relevante. A Emenda Constitucional 95, que instituiu limites individualizados de despesas para os vários Poderes da República, é, atualmente, a viga mestra do cenário fiscal brasileiro. É difícil saber o que acontecerá, em termos de expectativas dos mercados, se o governo não conseguir sustentar o teto de gastos.

A preservação do teto por mais algum tempo é, portanto, uma questão central. E, para conseguir a façanha, o governo precisa que o Congresso aprove a proposta de emenda constitucional 186/2019, conhecida como PEC Emergencial. A proposta autoriza o governo a adotar uma série de medidas para controlar o crescimento das despesas obrigatórias. Sem a sua aprovação, o cenário fiscal irá se deteriorar. O Congresso deveria colocar foco na PEC 186, antes de analisar qualquer outra matéria.