Ribamar Oliveira: A brecha da capitalização

Governo destina R$ 18,2 bi para estatais em três anos.
Foto: Agência Brasil
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Governo destina R$ 18,2 bi para estatais em três anos

Enquanto o programa de privatização anda a passos lentos, o governo aumenta o montante de recursos usados para capitalizar empresas estatais, aproveitando o fato de que essa despesa está fora do teto de gastos. Apenas de 2017 a 2019, portanto em plena vigência do teto, os repasses da União para as estatais federais, a título de adiantamento para futuro aumento de capital, atingiram R$ 18,2 bilhões.

O montante não inclui a capitalização de empresas estatais dependentes do Tesouro, que são aquelas que não têm receita própria sequer para pagar despesas com pessoal ou de custeio em geral. A capitalização dessas estatais está dentro do teto e superou R$ 3 bilhões nos três anos.

Os dados indicam que o governo está aproveitando uma brecha legal para dar sustentação aos investimentos de algumas estatais, além de viabilizar, financeiramente, o programa de construção de corvetas para a Marinha. A impressão que fica é que, com a ajuda da capitalização, o governo está compensando o corte que é obrigado a fazer nos investimentos previstos no Orçamento da União, por causa do teto, com os investimentos de estatais. Neste sentido, o mecanismo da capitalização seria uma maneira de “furar o teto”.

O primeiro fato que merece destaque é que, como a União registra déficit primário (receitas menos despesas, excluído o pagamento de juros das dívidas públicas) em suas contas desde 2014, os repasses às estatais representam aumento do endividamento.

Dito de uma forma mais direta: o governo está se endividando no mercado para capitalizar algumas estatais e para viabilizar o programa de construção de corvetas da Marinha. Se o governo não tivesse usado os recursos com essa finalidade, o déficit primário da União nos três anos de vigência do teto de gastos teria sido menor.

Quando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos estava sendo discutida no Congresso Nacional, em 2016, alguns parlamentares questionaram a razão para que a capitalização de estatais não dependentes do Tesouro fosse excluída do limite de despesas, uma vez que é um gasto primário como qualquer outro. Foi dito aos parlamentares, segundo apurou o Valor, que aquela era uma decisão do governo do então presidente Michel Temer.

A equipe econômica de Temer acreditava que, muito provavelmente, haveria necessidade de fazer capitalizações muito significativas, nos anos seguintes, da Eletrobras, da Telebras e da Caixa Econômica Federal. E que isso não seria possível se a despesa com capitalização estivesse dentro do teto. A previsão não se confirmou e, destas três estatais, apenas a Telebras recebeu R$ 2,7 bilhões, durante a vigência do teto.

De 2013 a 2019, mais de 20 empresas estatais foram contempladas com aportes do Tesouro. No período, o grosso dos repasses se concentrou, no entanto, na Infraero, na Emgepron, na Valec, na Telebras e na Codevasf.

Apenas a Infraero recebeu R$ 13,1 bilhões, de 2013 a 2019, de acordo com os dados do Ministério da Economia. Nos três anos de vigência do teto de gastos, a capitalização desta estatal atingiu R$ 5,5 bilhões. Do total de recursos repassados pelo Tesouro para a Infraero, desde 2013, 53% (ou R$ 6,9 bilhões) foram destinados à construção de instalações, à aquisição de equipamentos operacionais e de segurança, obras em pistas de pouso e decolagem e demais investimentos na modernização da infraestrutura aeroportuária.

Outros 43% dos recursos que a Infraero recebeu (R$ 5,6 bilhões) foram utilizados em aportes de capital nas concessionárias dos aeroportos de Brasília, Galeão, Confins, Guarulhos e Viracopos, que foram privatizados durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. A Infraero ficou com 49% do capital social dessas concessionárias.

A decisão mais surpreendente do governo, no entanto, foi a megacapitalização da Emgepron, com o objetivo de viabilizar a construção de corvetas para a Marinha. Neste caso, a União terá duas despesas. A primeira já ocorreu, que foi o repasse pelo Tesouro de R$ 2,6 bilhões em 2018 e de R$ 7,6 bilhões no ano passado, totalizando R$ 10,2 bilhões, de acordo com dados do Ministério da Economia.

Uma segunda despesa ocorrerá quando as corvetas estiverem construídas. Neste momento, a União irá alugar as corvetas, em uma espécie de leasing, pelo prazo de 25 anos. O que se deve questionar é a necessidade de o governo investir essa montanha de recursos na construção de navios de guerra, no momento em que o país apresenta tantas carências em quase todas as áreas. Certamente sairia muito mais barato simplesmente alugar embarcações já existentes no mercado, o que atenderia às necessidades da Marinha.

Em recente artigo na “Folha de S.Paulo”, os economistas Marcos Mendes e Marcos Lisboa chamam a atenção para outro mecanismo que se transformará em mais um furo no teto. A medida provisória 900/2019 cria um fundo privado para gerir recursos de multas ambientais. O fundo teria natureza privada e, assim, os recursos não fariam parte do Orçamento. Os recursos serão vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, e seu uso, definido por portaria do ministro.

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