Religião

Cristovam Buarque: Olhe a responsabilidade, gente

Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo

Nesta semana, a reforma ministerial mostrou que Bolsonaro já está trabalhando para o pós-segundo turno, enquanto os líderes e partidos de oposição continuam no pré-primeiro. Com o novo Ministro da Defesa, ele deseja controlar as Forças Armadas; com o novo Ministro da Justiça busca o controle sobre as polícias estaduais; com a liberação da compra e porte de armas, equipa sua milícia paralela. Com Forças Armadas, polícias e milícias, Bolsonaro passa a ter forças armadas nas ruas, para contestar derrota por pequena margem de eleitores, caso não consiga argumento para contestar o resultado na Justiça Eleitoral.

Enquanto isto, as oposições continuam divididas entre os possíveis candidatos que depois disputarão entre eles qual vai ao segundo turno. Estes embates deixam marcas que poderão levar outra vez a abstenções e votos nulos no segundo turno, como aconteceu em 2018. Difícil imaginar os eleitores do PT votando em Ciro ou outro candidato, e eleitores do Ciro e de outros candidatos votando no Lula ou outro do PT, salvo se fosse construída uma aliança ampla de todos desde o primeiro turno.

Felizmente, tudo indica que o exército não está aceitando o papel de milícia do Bolsonaro, e alguns dos candidatos pela oposição assinaram um manifesto conjunto em defesa da democracia. Mas todos que percebem as consequências da reeleição do atual governo sobre o futuro do Brasil, deveriam se encontrar em um debate franco sobre qual deles tem mais chance de vencer a eleição; também quais as qualidades, erros e méritos que se reconhecem; em que princípios estariam unidos no governo seguinte. Esta reunião poderia ter a participação de entidades da sociedade civil, como ocorreu em momentos decisivos da história. Poderia inclusive ser presidida por uma ou mais destas entidades.

Pena que a política é mais dominada pela arrogância do otimismo do que pela consciência dos riscos. Cada candidato já se considera com um pé no segundo turno, e tem confiança que unirá os eleitores dos que ficaram para trás. Imaginaram isto em 2018, mas nem a boa qualidade do candidato do PT foi suficiente para evitar a rejeição que o partido tinha. Pode ser diferente agora, se o candidato for Lula e o PT tiver rejeição menor, sobretudo depois da anulação Lava Jato de Curitiba; ainda mais com o reconhecimento oficial de que houve parcialidade do juiz contra Lula. Mesmo assim, não é claro se ele e o PT teriam menos rejeição. É possível que mesmo sabendo o que Bolsonaro representa, muitos eleitores ficarão em casa, ou viajarão para não votar, ou votarão nulo, induzidos pela ideia divulgada pela própria oposição, de “nem Bolsonaro, nem PT”. Possível também que eleitores do PT façam agora o que foi feito com Haddad em 2018, anulando o voto e se abstendo.

Estes líderes precisam entender que, divididos, dificilmente qualquer deles tomará o lugar do candidato do PT, mas o PT deve entender que, solitário, dificilmente ganhará no segundo turno se não tiver o apoio dos outros candidatos e partidos. Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo.

Os candidatos e líderes de partidos que se opõem à estratégia da reeleição de Bolsonaro têm diante deles a imensa responsabilidade de não falharem por arrogância, por vaidade, preconceito. Não podem neste momento colocar seus partidos e suas propostas na frente do interesse maior da democracia e do futuro do país. É preciso unidade com um candidato de baixa rejeição que leve a uma vitória expressiva, cale os fanáticos e desarme as milícias, oficiais ou não.

*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro


Luiz Carlos Azedo: A Páscoa na pandemia

O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos

Antes de mais nada, feliz Páscoa para todos. É uma data ecumênica por sua própria origem, pois foi ressignificada pelos cristãos como um momento de renovação das esperanças. A origem da Páscoa é o Pesach, a comemoração judaica da libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Narrada nos Pentateucos, os primeiros cinco livros da Bíblia, em hebraico, a palavra significa “passagem” e faz menção ao anjo da morte no Egito — a décima praga, conforme a narrativa bíblica. A festa foi reinventada pelos cristãos, passando a se remeter à crucificação e à ressurreição de Cristo.

“E, se Cristo não ressuscitou, logo logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”, diz o apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14. Na fé católica, foi por meio da ressurreição que a humanidade teve a redenção de seus pecados. Jesus Cristo sacrificou-se para redimir o povo e dar-lhe uma nova chance de salvação. No seu sacrifício, o poder de Deus teria se manifestado.

Estamos encerrando a Semana Santa sem procissões nem missas campais, porém, plena de simbolismo. O Brasil vive uma das maiores tragédias de sua história, com uma média de mais de 3 mil mortos por dia nas últimas semanas, em razão do descontrole da pandemia da covid-19. Existe uma energia humana nos subterrâneos dessa tragédia social que, em algum momento, transbordará para as ruas. Essa resiliência, que seria traduzida nas cerimônias religiosas tradicionais, de alguma forma, acabará se transformando em manifestação política.

Além do agravamento da crise sanitária, também há desorganização da economia. Não estamos falando da redução das atividades econômicas em razão do distanciamento social, mas da desestruturação das contas públicas e da falta de um projeto de retomada do crescimento econômico. É um problema anterior à pandemia, mas que se agravou com ela, principalmente agora, com a aprovação de um Orçamento da União completamente fora da realidade, que agrava as dificuldades já existentes e cria novos problemas, contratados para o pós-pandemia.

Perda de tempo
Há um estresse político criado por arroubos autoritários e tentativas de ruptura do pacto federativo da Constituição de 1988. À época da Constituinte, como tudo estava em discussão, havia moedas de troca suficientes para construção dos acordos entre União, estados e municípios. Agora, uma das dificuldades para aprovação da reforma tributária, por exemplo, é a escassez dessas moedas. O xis da questão acaba sendo sempre a polêmica sobre a arrecadação do ICMS na origem ou no destino das mercadorias, além dos termos da partilha das receitas dos impostos entre os entes federados.

O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante como a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos políticos — na política externa e na Defesa, no meio ambiente e na segurança pública, no respeito aos direitos humanos e às minorias —, desloca a ação do governo dos verdadeiros problemas do nosso desenvolvimento. A janela de oportunidade das reformas, o primeiro ano de mandato, foi desperdiçada. Agora, em plena pandemia, antecipou-se a disputa eleitoral, porque Bolsonaro conseguiu fazer com que sua reeleição subisse no telhado.

A expectativa de poder está se deslocando de Bolsonaro para a oposição. Mesmo com os desgastes causados pela Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se coloca na arena em vantagem, ao comparar suas realizações de governo com as de Bolsonaro. A última proeza do presidente da República foi unir os demais pré-candidatos, no episódio de demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O governador paulista João Doria (PSDB), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM), o empresário João Amoedo (Novo) e o comunicador Luciano Huck (sem partido) mandaram o recado: Bolsonaro, não! Podem não se unir no primeiro turno, mas estão contra a reeleição.

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Luiz Carlos Azedo: Um candidato no telhado

Huck parece realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Mas a aposentadoria do Faustão pode mudar suas perspectivas na TV Globo

Desculpem-me o trocadilho com a inspiradora história do leiteiro Tevje e sua família, na pequena aldeia russa de Anatecka, um conto de autoria de Scholem Aleichen, o grande escritor ídiche, a língua falada pelos judeus da Europa Central e Oriental. Com sua esposa Golde, ele tenta criar as filhas Tzeitel, Hedel, Chava, Shprintze e Bielke na melhor tradição judaica. Tevje e sua canção “Se algum dia eu ficasse rico” bombaram na estreia do musical “Um violinista no telhado” (Anatevka) na Broadway, em setembro de 1964.

Foi um verdadeiro espanto à época, porque o musical era em ídiche, uma mistura de alemão, hebraico e línguas eslavas, e lotou as sessões do Teatro Imperial da Broadway. O título original da adaptação é Fiddler on the roof (Um violinista no telhado). “Parece loucura, não é? Mas no nosso lugarejo Anatevka é assim. Cada um de nós é um violinista no telhado. Ficamos aqui, porque Anatevka é a nossa terra natal. E o que traz equilíbrio à nossa mente pode ser resumido numa palavra: tradição”, esclarece o protagonista da peça. Dirigido por Norman Jewison, com roteiro de Joseph Stein, a versão para o cinema, lançada em 1971, também fez grande sucesso e ganhou quatro Oscar: fotografia, som, direção de arte e trilha sonora.

O filme, uma comédia dramática, é boa pedida para o domingão. Religioso, Tevje imagina que suas cinco filhas deverão pouco a pouco seguir o caminho em direção ao “porto seguro” do casamento. Pobre, tenta, com a ajuda de sua mulher, Golde, casar a filha mais velha com o açougueiro Lazar Wolf, bem mais velho rico e endinheirado. O casamento de conveniência é frustrado pela personalidade teimosa da filha Zeitel, que se apaixona pelo pobre alfaiate Mottel. Para desespero do casal, a segunda filha se apaixona pelo estudante revolucionário Perchik, tomando a decisão de segui-lo até a Sibéria, para onde ele havia sido banido pelo regime czarista. Como se não bastasse, a terceira filha, Chava, ultrapassa os limites da tolerância de Tevje, ao casar-se com o cristão Fedja, o que o pai considera uma traição. Entretanto, um pogrom iminente no vilarejo no qual conviviam judeus e cristãos ortodoxos, força Tevje, Golda e suas duas filhas mais novas a emigrar para os Estados Unidos.

Caldeirão

Na política, quem subiu no telhado nas eleições de 2018, quando o cavalo passou arreado, e nunca mais desceu, foi o apresentador Luciano Huck. Jovem, rico, bem-informado, carismático, bem assessorado — o ex-governador Paulo Hartung e o economista Armínio Fraga são seus principais conselheiros —, o comunicador conhece o Brasil de ponta a ponta e tem perfil de filantropo, sinceramente empenhado em melhorar a vida das pessoas. No seu caldeirão, conseguiu a proeza de fundir o entretenimento despretensioso com o fomento do empreendorismo. Aos interlocutores, Huck tem revelado o desejo de se candidatar à Presidência da República. Tem seus motivos: acredita que pode atrair para a política jovens lideranças da sociedade, vê nela uma maneira de melhorar a vida das pessoas no atacado e não deseja passar toda a vida repetindo o que já faz, embora seu programa de tevê tenha acompanhado a metamorfose da vida pessoal de seu criador.

Nos últimos meses, Huck parecia realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Seguia um roteiro mais ou menos previsível. Em junho, teria que deixar a TV Globo, por exigência da própria empresa. Como todo outside da política, com base na legislação eleitoral, teria até 4 de abril de 2022 para escolher um partido. Obviamente, escolheria o que lhe oferecesse mais garantias de legenda e melhores condições políticas para concorrer. Mesmo assim, ainda teria até 15 de agosto para registrar a candidatura. O problema é que, na política, o tempo não é igual para todos. Huck precisa descer do telhado.

O DEM se colocava como boa alternativa, saiu das eleições fortalecido das municipais, tinha um núcleo dirigente jovem e uma imagem de partido liberal consolidada. Entretanto, alinhou-se com o presidente Jair Bolsonaro e catapultou o principal interlocutor de Huck na legenda, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), para fora do partido. O PSDB, cada vez mais liberal e menos social-democrata, também não é alternativa, embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso goste de Huck, porque o governador João Doria (SP) dá demonstrações efetivas de que vai disputar a Presidência da República.

Restam o Cidadania, com três senadores e sete deputados, cujo presidente, o ex-deputado Roberto Freire, é um entusiasta de sua candidatura, e o Podemos, liderado pela deputada Renata Abreu, com nove senadores e 10 deputados, que namorava o ex-juiz Sérgio Moro, que optou pela advocacia empresarial. Os dois partidos, como a família de Tejve, correm risco de diáspora; precisam de um candidato para chamar de seu e, com isso, ultrapassar a cláusula de barreira. Entretanto, podem ficar a ouvir o violinista no telhado, porque a aposentadoria do apresentador Faustão abriu a possibilidade de Huck se tornar o dono das tardes de domingo na TV Globo.

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Luiz Carlos Azedo: A vacina do Natal

Sim, os mais fortes sobreviverão. E por que não os mais fracos? É para isso que serve a medicina. Fé e confiança na ciência, por isso, são o melhor remédio contra a desesperança

Talvez esse seja o pior Natal de nossas vidas, em termos sociais, é claro, porque a experiência de vida de cada um é que determina a avaliação. Festa que congrega a família, confraterniza os amigos, dissemina amor e solidariedade, neste ano, a data magna do cristianismo, que é comemorada por todas as religiões ecumênicas, está sendo marcada pela maior tragédia humanitária já vista por nossas gerações, desde a Segunda Guerra Mundial. Aqui no Brasil, só não é maior por causa do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), público e universal, apesar de um presidente da República que, com seu negativismo, no combate à crise sanitária, sabota seu povo, seu governo e, em ultima instância, a si próprio.

Entretanto, é Natal. Os miseráveis, os enfermos, os condenados, todos sem exceção, de alguma forma, são acarinhados com votos de esperança e compaixão. Os poetas, os cantores, os cronistas, todos que podem espalhar amor e esperança se encarregam de fazer chegar sua mensagem àqueles que estão na pior. De igual maneira, os trabalhadores dos serviços essenciais, de plantão, mesmo privados da convivência com suas respectivas famílias, com sua labuta, principalmente os cientistas e o pessoal da saúde, mandam o recado: confiem, estamos cuidando de vocês. A magia do Natal é uma enorme força transformadora da sociedade, no sentido civilizatório, mesmo agnósticos e ateus devem reconhecê-lo.

A propósito, o biólogo evolucionista Richard Dawkins, no livro O Gene egoísta, publicado em 1976, sua obra-prima, tenta explicar a evolução biológica ao mostrar como certas moléculas replicadoras (ancestrais dos genes) poderiam ter evoluído de modo a formar as primeiras células e, a partir daí, todos os seres vivos existentes. O microscópico encontro de um vírus com uma bactéria, por exemplo, é um grande evento histórico da criação, que se reproduz na natureza a todo instante e provoca mutações genéticas. A covid-19 é fruto desse fenômeno.

Dawkins tentar explicar o problema profundo de nossa existência ao sugerir que os organismos vivos são sofisticadas máquinas de sobrevivência, eficientemente moldadas pelo processo de evolução para promover a replicação sexuada dos genes nelas contidos. Entretanto, essa abordagem levanta sérios questionamentos filosóficos. Seremos meros replicadores de genes, controlados por eles. Onde entra a consciência? Dawkins afirma que genes não têm vontades próprias ou valores morais. Aqueles genes que apresentam um comportamento que seria visto como egoísta pelos seres humanos são os que se mantêm representados dentro dos genomas das espécies, ao longo do processo evolutivo, com o passar dos anos e milênios. O altruísmo seria uma estratégia de sobrevivência, principalmente nos seres humanos.

Eugenia
Genes são polímeros químicos de fósforo e carbono, associados a uma molécula de açúcar e bases nitrogenadas, encapsulados em duas fitas reversas e complementares; ou seja, genes são codificados em moléculas de DNA. Dawkins sugere uma forma de seleção natural darwiniana na qual as moléculas quimica- mente mais estáveis perduravam — enquanto aquelas mais instáveis eram destruídas. A evolução sempre dependeu da adaptação, uma molécula mais estável é mais adaptada ao universo em que vivemos. Assim como existe luta pela sobrevivência na sociedade humana, existe, também, num ambiente molecular.

Hoje, sabemos que os replicadores que sobreviveram foram aqueles que construíram as máquinas de sobrevivência mais eficazes para morarem; aqueles que foram menos aptos não deixaram descendentes. Cerca de 4 bilhões de anos depois, Dawkins explica: “Com certeza, eles não morreram, pois são antigos mestres na arte da sobrevivência. (…) Eles estão em mim e em você. Eles nos criaram, corpo e mente. E sua preservação é a razão última de nossa existência. Transformaram-se, esses replicadores. Agora, eles recebem o nome de genes e nós (todos os organismos vivos) somos suas máquinas de sobrevivência.”

O gene passa de corpo em corpo através das gerações, manipulando as máquinas de sobrevivência por meio de instruções escritas em linguagem digital (A, C, T e G), abandonando tais corpos mortais na medida que eles vão ficando senis e duplicando-se em sua prole. As instruções dizem basicamente: copie-me, ou seja, viva e reproduza. A reprodução é o processo de cópia dos genes, é o processo que os mantém vivos ao longo dos tempos. Socialmente falando, porém, essa eugenia (seleção de certos genótipos para a reprodução em lugar de outros) é totalmente inaceitável. Lembra as teorias de superioridade ariana e o Holocausto.

Sim, os mais fortes sobreviverão. E por que não os mais fracos? É para isso que serve a medicina. A postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia do novo coronavírus — “a melhor vacina é pegar o vírus” — é um inaceitável darwinismo social. Fé e confiança na ciência, por isso, são o melhor remédio contra a desesperança. Que venham as vacinas contra a covid-19. Feliz Natal!

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Luiz Carlos Azedo: Cidade Maravilhosa

E não é que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos)

Refrão: “Cidade maravilhosa,/ Cheia de encantos mil!/ Cidade maravilhosa,/ Coração do meu Brasil! (Bis)”. Primeira parte: “Berço do samba e das lindas can- ções/ Que vivem n’alma da gente,/ És o altar dos nossos corações/ Que cantam alegremente”. Segunda parte: “Jardim florido de amor e saudade,/ Terra que a todos seduz, /Que Deus te cubra de feli- cidade, /Ninho de sonho e de luz”. O velho Sérgio Cabral, pai, foi quem me chamou a atenção para o fato de que o famoso hino carioca Cidade Maravilhosa, de autoria de André Filho, começa como se a orquestra fosse tocar uma sinfonia e logo vira marchinha de carnaval.

Coube ao maranhense Coelho Neto — que hoje empresta o nome a um dos subúrbios cariocas da antiga Central do Brasil —, cunhar a expressão “cidade maravilhosa”, num artigo publicado no jornal A Notícia, em 1908. Mais tarde, em 1928, publicaria um livro de contos com esse título. Era época em que a antiga capital da República fervilhava, em todos os sentidos, aspirando à condição de Paris dos trópicos, ambição criada após a reforma urbana do prefeito Pereira Passos, no começo do século. O jornalista Ruy Castro relata essa época no livro Metrópole à beira mar (Companhia das Letras).

A marchinha surgiu logo depois, em 1934, mas somente fez sucesso no carnaval do ano seguinte. A primeira parte da música é realmente sinfônica, plagiada de Mimi é una civetta, o terceiro ato da ópera La Bohème, de Puccini. André Filho era amigo de Noel Rosa, com quem divide a autoria do samba “Filosofia”, gravado por Mário Reis, em 1933. A amizade entre ambos, porém, gerou controvérsias sobre a autoria do hino carioca, que alguns atribuem ao poeta de Vila Isabel, como registrou Jacy Pacheco, em Noel Rosa e sua época: “Aqui nos lembramos de composições que ele deu e que vendeu. Que foram divulgadas com outros nomes… dentro da cidade maravilhosa, cheia de encantos mil…” Pode ser pura maldade.

André Filho morou na casa da mãe do músico Oscar Bolão entre o final dos anos 1950 até início dos 1960. Como sofria de problemas psiquiátricos, acabou internado no hospital da Ordem do Carmo. Ali, quando soube, tempos depois, por meio de um repórter do Diário da Noite, que “Cidade maravilhosa” tinha sido reconhecida como marcha oficial da cidade do Rio de Janeiro — por meio da Lei no5, de5 de maio de 1960—, segundo Bolão, enfiou a cabeça dentro do vaso sanitário e, dando descarga, gritava: “Tô rico, tô rico”. Multiinstrumentista (piano, violão, bandolim, violino, banjo, percussão), compositor, cantor e radialista, ficou órfão muito cedo, sendo, por isso, criado pela avó. Começou a estudar música erudita aos 8 anos, com Pascoale Gambardella, e formou-se em ciências e letras no Colégio Salesiano de Niterói, RJ, onde foi colega de Henrique Foréis Domingues, o radialista Almirante.

Sísifo
Cronista esportivo e historiador do samba, o velho Cabral dizia que Cidade Maravilhosa era uma síntese da alma do Rio de Janeiro: “Tudo vira marchinha de carnaval”. E não é que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Intitulada “Bispo no xadrez”, a marchinha é muito cruel: “Crivella, Crivella/ Pode entrar / Já abençoamos a sua cela”, diz o refrão. E segue adiante: “É essa aqui que escolhemos pro senhor/ Fica ao lado da do governador/ Tem um palquinho pra fazer os seus sermões/ Os carcereiros são seus novos guardiões (…)”. É mais uma música de carnaval que vai para o acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS), criado por Almirante. A verdadeira história dos cariocas é contada pelo samba e pelas marchinhas de carnaval. Está registrada no acervo do MIS, com cerca de 305 mil documentos, entre discos, partituras, fotos, cartas, textos e vídeos.

Voltando ao prefeito Crivella, havia sérias dúvidas sobre a necessidade de sua prisão, a 10 dias de passar o cargo para o prefeito eleito, Eduardo Paes (DEM). Era preciso comprovar que estava obstruindo a Justiça e tentando eliminar provas. Horas depois, o Superior Tribunal de Justiça acabou por revogar a detenção preventiva, mandando-o para a prisão domiciliar.

A prisão do prefeito carioca abre um novo ciclo de investigações criminais no Rio de Janeiro, envolvendo o partido Republicanos e a Igreja Universal do Reino de Deus. A prisão de Crivella deve ter deixado o presidente Jair Bolsonaro bastante cabreiro, devido às investigações que envolvem seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), muito próximos de Crivella, também no âmbito do Ministério Público e da Justiça fluminenses. A postagem bolada de Bolsonaro no Twitter, ontem à tarde, alusiva à Síndrome de Sísifo, tem tudo a ver com a cidade maravilhosa.

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Luiz Carlos Azedo: A grande sabotagem

Países de dimensões continentais têm inércia de manobra comparada aos grandes navios. Erros estratégicos na economia e nas políticas públicas têm graves consequências

A história universal tem inúmeros exemplos de tragédias humanitárias, causadas por fenômenos geológicos, climáticos, biológicos e/ou decisões políticas equivocadas, às vezes a combinação de duas ou mais causas. Essas tragédias deixam traumas sociais e provocam mudanças culturais e políticas. Uma das calamidades mais devastadoras da humanidade foi a peste negra, entre 1347 e 1351, que matou 50 milhões de pessoas na Europa e na Ásia. Causada por uma bactéria (Yersinia Pestis), a doença foi transmitida ao ser humano por meio das pulgas dos ratos e outros roedores. A peste disseminou o antissemitismo, provocou revoltas camponesas e a Guerra dos 100 Anos, mas, também, deu origem ao Iluminismo, em contraposição às teses místicas que atribuíam a doença ao castigo divino.

Em 1755, o grande terremoto de Lisboa resultou na destruição da capital portuguesa. O número exato de vítimas da tragédia é desconhecido, mas estima-se que pode ter chegado a 90 mil pessoas. Como consequência, o primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, precisando de recursos para reconstruir Lisboa, acabou com as capitanias hereditárias no Brasil, transferiu a capital de Salvador para o Rio de Janeiro, criou o Distrito Diamantino, aumentou a cobrança de impostos nas Minas Gerais e fortificou as fronteiras na Amazônia, entre os quais o grande Forte Real do Príncipe da Beira, à margem direita do Guaporé, em Rondônia. Em contrapartida, a “derrama” deflagrou o movimento de Independência, cujo marco histórico foi a Inconfidência Mineira.

Em abril de 1986, um reator da central nuclear de Chernobyl explodiu e liberou uma imensa nuvem radioativa, contaminando pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta extensão da Europa. Na Ucrânia, Belarus e Rússia foram evacuadas e reassentadas 200 mil pessoas. O negacionismo e a censura agravaram a tragédia. Mais de 90 mil pessoas ainda poderão morrer de câncer, causado pela radiação do acidente nuclear. O episódio foi decisivo para Gorbatchov iniciar a glasnost (transparência) e desistir da corrida nuclear, o que acabou com a guerra fria com os Estados Unidos e foi um dos catalisadores do fim da própria União Soviética.

Pandemias e fome
No final da I Guerra Mundial, em 1918, uma pandemia do vírus Influenza se espalhou por quase todo o mundo. A gripe espanhola afetou 50% da população mundial. O número de mortos pode ter chegado a 100 milhões de pessoas. O vírus Influenza A, do subtipo H1N1, matou mais gente do que qualquer outra enfermidade na história e desapareceu tão misteriosamente como surgiu, mas ajudou a acabar com o conflito, provocou grandes reformas urbanas, uma revolução nas pesquisas médicas e nas políticas de saúde pública.

A maior tragédia humanitária do século passado, porém, não teve nada a ver com eventos geológicos, climáticos ou biológicos. Foi fruto do nacionalismo extremado de algumas nações e da ambição de poder de Adolf Hitler. A II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, mobilizou mais de 100 milhões de militares e deixou mais de 70 milhões de mortos. Foi a única vez que armas nucleares foram utilizadas em combate, resultando na morte de mais de 140 mil pessoas no Japão, nos bombardeios feitos pelos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Além disso, a loucura de Hitler resultou no Holocausto. Dos 6 milhões de judeus mortos somente em Auschwitz, o mais conhecido campo de concentração nazista, 1 milhão foi assassinado nas câmaras de gás e cremados.

Mortes em massa também foram provocadas por decisões políticas e econômicas equivocadas de líderes comunistas. As coletivizações forçadas de Josef Stálin, na antiga União Soviética, nos anos de 1932-33, mataram de fome 10 milhões de camponeses na Ucrânia, e 1,25 milhão no Cazaquistão. O Grande Salto Adiante de Mao Tse Tung, na China, de 1958 a 1961, matou de fome 20 milhões de chineses. Entre 1994 e 1998, na Coreia de Norte, o fim da ajuda soviética, fatores climáticos e erros de planejamento de Kim Jong-un provocaram a morte de, pelo menos, 600 mil pessoas por desnutrição (fala-se em até 3 milhões de norte-coreanos).

Países de dimensões continentais, por sua escala demográfica, têm inércia de manobra comparada aos grandes navios. Erros no rumo estratégico, principalmente na economia e políticas públicas, têm consequências de grande envergadura. O que está acontecendo nos EUA, por exemplo, devido ao negacionismo de Donald Trump, entrará para os anais da história como uma dessas grandes tragédias. O país é o epicentro da pandemia de covid-19, com 17 milhões de casos confirmados e 300 mil mortos pelo novo coronavírus, mais do que o número de soldados americanos mortos na II Guerra.

Aqui, no Brasil, com quase 7 milhões de infectados e 190 mil mortos, o presidente Jair Bolsonaro vai pelo mesmo caminho, com seu negacionismo, que chega a aponto de se recusar a tomar a vacina contra a covid-19. Sabota, assim, os esforços realizados por autoridades de saúde, prefeitos, governadores e até mesmo pelo governo federal — cuja atuação deixa muito a desejar — para conter a epidemia e imunizar a população contra a doença, única maneira de salvar a economia de profunda recessão e do desemprego em escala sem precedentes, ou seja, de voltar à vida normal. A história não perdoa erros dessa magnitude.

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Luiz Carlos Azedo: Três cidades

Em São Paulo, Bruno Covas é assediado por Boulos; no Rio de Janeiro, Eduardo Paes está praticamente eleito; em Recife, Marília e João Campos têm disputa acirrada

Muito interessante a disputa nas três principais capitais onde há segundo turno: São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Apontam tendências políticas completamente diferentes. A única conclusão que podemos inferir em relação a 2022, com segurança, é o fato de que o presidente Jair Bolsonaro caiu do cavalo nas três cidades. Seus candidatos não emplacaram. A queda de sua popularidade em quase todo o território nacional, em razão da pandemia de coronavírus, das altas taxas de desemprego e das suas patacoadas em relação a alguns temas relevantes, como a política externa e o meio ambiente, fez com que seu apoio se tornasse irrelevante.

Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) mantém a liderança, mesmo caindo de 48% para 47%. Guilherme Boulos (PSol) estacionou nos 40%, segundo o DataFolha. Como o candidato de Bolsomaro, Celso Russomano (Republicanos), virou mosca morta no segundo turno, a disputa reflete uma guinada à esquerda na capital paulista. Bruno Covas é um tucano de raiz, com uma narrativa que não nega a herança familiar do ex-governador Mario Covas. É falsa a acusação de que seria um bolsonarista, sua candidatura se posiciona no campo da centro-esquerda.

O que acontece é que Boulos, candidato do PSol, está à esquerda do PT, o que está contingenciando sua candidatura. Não deixa de ser um fenômeno de implicações nacionais, pois sinaliza a quebra de hegemonia do PT e a emergência de uma nova liderança política em São Paulo com projeção para outros estados. Também é falsa a tese de que seria uma espécie de lulismo sem Lula, quando nada porque o transformismo do PT ocorreu no exercício do poder e não à margem dele. Não se pode confundir o aggiornamento de Boulos com isso.

Boulos tem ampla vantagem entre jovens de 16 a 24 anos (61% a 27%); Covas, entre quem tem 60 anos ou mais (61% a 28%). Os mais jovens, porém, pesam menos (12%) no eleitorado do que os mais velhos (23%). Entre os mais pobres, com renda familiar de até dois salários, o candidato do PSDB tem 46% das intenções de voto, ante 39% do adversário. Também lidera entre quem tem renda familiar de dois a cinco salários (48% a 38%). Boulos vence na faixa de renda de cinco a 10 salários (48% a 42%). Entre os mais ricos, com renda superior a 10 salários, Covas tem 53%, e Boulos, 42%. No total de votos válidos, Covas tem 54% e Boulos, 46%.

Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, a situação é completamente diferente da de São Paulo. O segundo turno virou uma disputa entre o centro e a direita. A novidade é o maciço apoio da esquerda ao candidato do DEM, Eduardo Paes, que passou de 54% para 55%. O prefeito Marcelo Crivella, um dos raros candidatos de Bolsonaro no segundo turno, mostra resiliência na sua base evangélica, mas avançou apenas de 21% para 23% dos votos, segundo o DataFolha. Em termos de votos válidos, Paes venceria Crivela por 70% a 30%.

A vitória de Eduardo Paes repercute no cenário nacional porque fortalece o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a ala do partido que namora a eventual candidatura a presidente da República do apresentador Luciano Huck. A disputa também aponta uma tendência de convergência de forças contra o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022.

A segmentação da pesquisa também mostra uma derrota profunda do projeto político da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, de quem Crivella é sobrinho. Sua narrativa conservadora em relação aos costumes esbarrou na vida mundana dos cariocas. O aparelhamento da administração da cidade pelos pastores evangélicos também se revelou um fracasso político.

Não é à toa que Paes ampliou a vantagem sobre Crivella entre as mulheres (74% contra 26%); entre os que têm 60 anos ou mais (75% a 25%); entre os mais instruídos (75% a 25%); entre os com renda familiar mensal acima de 10 salários mínimos (85% a 15%); entre os funcionários públicos (83% a 17%); entre os católicos (84% a 16%); e entre os simpatizantes do PT (93% a 7%). Crivella manteve-se em vantagem apenas entre os evangélicos (64% contra 36%).

Recife
A eleição no Recife está eletrizante e virou a política de Pernambuco de pernas para o ar. Marília Arraes (PT) subiu de 41% para 43%, mas João campos (PSB) tem uma curva de crescimento melhor: passou de 34% para 40%. Nos votos válidos, a petista venceria por 52% a 48%, uma diferença que caiu de 10 para quatro pontos, apenas. O mais inusitado da disputa é que ela se dá praticamente no mesmo campo, em todos os sentidos. PT e PSB são partidos de esquerda, socialistas, os dois candidatos pertencem ao clã da família do ex-governador Miguel Arraes e disputam a sua herança.

Curioso é o fato de a direita pernambucana apoiar maciçamente a candidata petista, com objetivo de enfraquecer o governador Paulo Câmara e o jovem deputado federal João Campos, neto de Arraes e herdeiro político do falecido governador Eduardo Campos, que morreu num desastre aéreo na Baixada Santista, em plena campanha eleitoral de 2014.

Marília Arraes leva vantagem entre os homens (46% a 36%); entre as mulheres, fica um pouco atrás (41% a 43%). Entre os mais jovens, de 16 a 24 anos, abre 14 pontos (47% a 33%). Na faixa seguinte, de 25 a 34 anos, tem 43%, ante 41% do candidato do PSB. Entre os eleitores de 35 a 44 anos, Campos lidera (45% a 37%), mas perde entre quem tem de 45 a 59 anos, faixa na qual a petista abre vantagem de 14 pontos novamente. No grupo de eleitores mais velhos, com 60 anos ou mais, o candidato do PSB tem 44% e Marília, 43%.

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Luiz Carlos Azedo: Decifra-me ou te devoro

A política no Brasil está no campo da moderna complexidade. As eleições municipais são um momento decisivo desse processo de ordem-desordem das relações políticas

Quem foi aluno de cursinho do falecido professor Manoel Maurício de Albuquerque, um expurgado do Instituto Rio Branco pelo regime militar, antes de qualquer aula sobre História do Brasil, aprendia a diferença entre uma totalidade simples e uma totalidade complexa. Ele desenhava um círculo com quatro traços verticais e pedia que um dos alunos o descrevesse em voz alta. Depois, desenhava o mesmo círculo e dispunha os demais elementos na posição da boca, do nariz e dos olhos. O primeiro representava a totalidade simples; o segundo, a complexa. Mais Paulo Freire, impossível.

Na sociologia moderna, a discussão é mais complicada. Newton consolidou o paradigma cartesiano de totalidade complexa a partir da lei da gravitação universal. Daí resultam conceitos que buscam separar a mente e o corpo, a verdade objetiva externa do observador, a estrutura dividida em parcelamentos e a noção de tempo flecha, entre outros. Trata-se da ideia de que a natureza tem uma ordem dada e, para decifrá-la, é preciso esquartejá-la em pequenos pedaços, mensuráveis.

O moderno paradigma da complexidade é mais complicado, surge da mecânica quântica e da teoria da relatividade, muda o entendimento da relação entre tempo e espaço, considera inseparável o sujeito do objeto e usa modelos matemáticos não lineares. Não existe uma estrutura dada, mas uma tensão entre equilíbrio e desequilíbrio, auto-organização e caos, com forças de atração e dissipação. O princípio da separação não morreu, mas é insuficiente. É preciso separar, distinguir, mas também é necessário reunir e juntar. O princípio da ordem renasce na ordem-desordem-organização. Morre o princípio da simplificação e da redução, jamais chegaremos ao conhecimento de um todo a partir do conhecimento dos elementos de base.

No exemplo do Maneco, a chave da transformação era a mão de quem reorganizou os pauzinhos, ou seja, o trabalho direto. Agora, é mais complicado. A crise que enfrentamos resulta da modernização da sociedade e de suas estruturas de produção, com novos problemas, como a ressignifição do trabalho na sociedade do conhecimento, a separação entre o conhecimento e a consciência pela inteligência artificial, o novo papel das escolas, as novas relações entre a produção do conhecimento científico e tecnológico com o Estado, as universidades, empresas, mercado e a sociedade em geral. A tensão resultante de tudo isso deságua na política, cujas estruturas de representação se originaram na velha ordem das coisas e têm dificuldades para encontras as soluções. Boa parte dos problemas que enfrentamos no Brasil resulta desse processo — são de ordem objetiva — e de nossas seculares desigualdades e injustiças sociais, mas são agravados pela tentativa de simplificação desses problemas e da busca de soluções toscas, de um subjetivismo que nega a ciência e se baseiam no senso comum. A pandemia, por exemplo, resulta de um dos grandes fenômenos da criação: o encontro de um vírus com uma bactéria, que provoca uma mutação genética. Desprezar a ciência para enfrentá-la é uma derrota por antecipação.

Eleições
A política no Brasil está no campo da moderna complexidade. Nesse sentido, as eleições municipais são um momento decisivo desse processo de ordem-desordem das relações políticas, equilíbrio e desequilíbrio, caos e auto-organização. As pesquisas divulgadas ontem pelo DataFolha ilustram isso sobre vários aspectos; chocam o senso comum do que seria um processo linear. Em São Paulo, a reeleição do prefeito Bruno Covas (PSDB) é muito provável, porém, a emergência da liderança de Guilherme Boulos (PSOL) sinaliza o fim do hegemonismo petista no campo da esquerda e uma espécie de volta às origens jacobinas da esquerda, muito mais do que uma iminente ruptura político-administrativa.

Já no Rio de Janeiro, o prefeito Marcello Crivella (Republicanos) conseguiu a proeza de isolar as lideranças evangélicas, que aparelharam a administração e fracassaram como modelo para a ideia retrograda de governos teológicos. Tudo indica que Eduardo Paes (DEM) já está praticamente eleito, com apoio de toda a esquerda, inclusive do principal líder político do PSol, Marcelo Freixo, o que sinaliza uma tendência de frente única contra um inimigo comum cuja matriz está na eleição de Negrão de Lima (PSD), na antiga Guanabara, em 1965, a tática que ensinou a oposição o caminho para derrotar o regime militar. É uma tendência a se observar em 2022, principalmente no segundo turno.

Nada, porém, é mais surpreendente do que a disputa no Recife, entre Marília Arraes (PT) e João Campos. (PSB), um embate no campo da esquerda tradicional, entre a neta e o bisneto do ex-governador Miguel Arraes, na qual emerge uma inusitada aliança entre petistas e toda direita pernambucana, para quebrar a longa hegemonia do velho clã pernambucano, apoiando uma liderança dissidente da própria família para implodi-lo. Se levasse em conta essas e outras disputas, e os resultados do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro veria diante de si a travessia de um grande deserto. A complexidade do novo cenário político é como o enigma da esfinge de Tebas: “Decifra-me ou te devoro”. Não se resolve somente reposicionando os pauzinhos.

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Luiz Carlos Azedo: Eleições pandêmicas

Ao se engajar nas candidaturas de Russomanno e Crivella, em vez de manter distância regulamentar, Bolsonaro corre o risco de ser o grande perdedor das eleições municipais

Eleições municipais nunca foram uma amostra grátis do que virá depois, nas eleições gerais, mesmo na época do regime militar. Por exemplo, em 1974 a oposição (MDB) obteve uma espetacular vitória nas urnas; em 1972, fora massacrada. Em 1976, sofreu nova derrota para o governo (Arena), mas em 1978, o MDB virou o jogo: o resultado das urnas sinalizou o fim da ditadura, iniciando-se a transição que resultou na anistia (1979), nas eleições diretas de governadores (1982) e na eleição de Tancredo Neves no colégio leitoral (1985) . Tirando São Paulo e Rio de Janeiro, as capitais mais cosmopolitas — em Brasília não há eleição —, é muito difícil captar tendências no processo eleitoral que sinalizem o que virá depois nas eleições gerais. Além disso, estamos vivendo um cenário a típico, sem debates e grandes comícios, o que faz o processo eleitoral se desenvolver em “home office”, para usar a expressão que representa a forma predominante de trabalho durante a pandemia.

Sim, as fábricas estão voltando a funcionar, o comércio também, mas não há o burburinho das ruas, nas padarias, nos barbeiros, nas filas das lotéricas e dos caixas dos supermercados, os sintomas de engajamento da grande massa de eleitores na disputa eleitoral. O embate se desenvolve nas redes sociais e, principalmente, nas listas de WhatsApp, subterrâneos nos quais as pessoas se organizam como “tribos”. São as listas da família, dos colegas de escola, dos amigos do futebol, dos parceiros de baralho, dos colegas de trabalho etc. As pessoas se relacionam por afetos e interesses; é assim, de forma compartimentada, segmentada, confinada, em bolhas, que o processo eleitoral hoje ganha a escala da democracia de massas. Somente as urnas eletrônicas poderão nos revelar os mistérios do voto popular.

Polarização
As pesquisas indicam — sempre elas — que apenas seis capitais estariam com as eleições decididas: Natal, com Álvaro Dias (PSDB), reeleição; Salvador, Bruno Reis (DEM); Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD), reeleição; Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), reeleição; Curitiba, Rafael Grecca (DEM), reeleição; e Florianópolis, Gean Loureiro (DEM), reeleição. Mesmo assim, é bom dar um desconto: reviravoltas acontecem, pesquisas nem sempre são tiro e queda. Nas demais capitais, há disputa acirrada e perspectiva de segundo turno.

Destacam-se São Paulo, onde o pleito está se polarizando entre o prefeito Bruno Covas (PSDB), que tenta a reeleição, e Celso Russsomano (REP), que começou na frente e está derretendo, mais uma vez; e Rio de Janeiro, onde o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) se mantém na liderança, faturando o desgaste do prefeito Marcelo Crivella (REP), que fez uma gestão “terrivelmente evangélica” e queimou o filme dos pastores. Guilherme Boulos (PSOL) e a delegada Marta Rocha(PDT) correm por fora, nas duas capitais, respectivamente.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, há engajamento do presidente Jair Bolsonaro nas candidaturas de Russomanno e Crivella. Embora venha mantendo distância regulamentar da maioria das disputas municipais, até porque não conseguiu formar um partido para disputá-las, nos dois casos o presidente da República corre o risco de ser o grande perdedor das eleições. Sua alternativa será jogar todo o seu prestígio e mobilizar seus aliados nas disputas de segundo turno, não só nessas capitais mas também nas demais cidades, o que será uma manobra de alto risco.

Bolsonaro correria o risco de perder seu favoritismo nas eleições de 2022. É preciso uma administração muito desastrada na politica para inviabilizar a reeleição, porém, um estado de calamidade financeira pode tornar a tarefa do gestor uma missão impossível, como aconteceu com Saturnino Braga (PDT), no Rio de Janeiro, cuja falência decretou em 1988. Com a dívida pública igual a 100% do PIB, esse risco também existe para Bolsonaro, se fracassar na economia. Aliás, o fracasso financeiro vem sendo o carma dos governantes gaúchos, que não conseguem se reeleger, como se houvesse uma maldição de Borges de Medeiros no Palacio Piratini, construído para ser o mais belo do Brasil, com esculturas de Paul Landowski, criador do Cristo Redentor, telefone folheado a ouro, réplicas dos lustres do Palácio de Versalhes e murais de Aldo Locatelli. O caudilho gaúcho foi presidente do Rio Grande do Sul de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928, quando passou o poder a Getúlio Vargas, porque o Acordo de Pedras Altas (1923) proibira a reeleição.

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Luiz Carlos Azedo: Quem é o líder da economia?

Guedes perde a liderança da economia para os políticos do Nordeste, que prometem votos em troca de R$ 300, porque não oferece empregos nem segurança aos investidores

O presidente Jair Bolsonaro provavelmente não leu Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre; talvez tenha lido Os Sertões, de Euclides da Cunha, nos tempos de academia militar, por causa da campanha de Canudos, o maior vexame do Exército brasileiro. Mas isso em nada o impede de ter capturado boa parcela do eleitorado do Nordeste, onde obtém crescente apoio popular. Esse parece ser o terreno eleitoral no qual sua reeleição pode ser decidida. Com competência, Bolsonaro está abduzindo o eleitorado nordestino do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Casa Grande & Senzala foi publicado no Rio de Janeiro, em 1933. História, sociologia, antropologia cultural, gastronomia, direito, sociolinguística, curiosidades, medicina e uma boa dose de intimidades da vida privada colonial, inclusive sexual, fazem da obra um clássico da chamada literatura brasiliana. Freyre, um aristocrata pernambucano, ainda provoca muitas polêmicas. A principal é o tratamento dado ao português colonizador e à escravidão. Para uns, mascarou o racismo; para outros, resgatou a autoestima do brasileiro.

Freyre compreendeu a miscigenação como um dos elementos de construção da identidade nacional. É muito criticado por isso. Sérgio Buarque de Holanda (o homem cordial), Raymundo Faoro (patrimonialismo) e Roberto DaMatta (o jeitinho brasileiro) também são acusados de generalizações exageradas e da absolutização de seus conceitos. Todos construíram um “tipo ideal”, uma abordagem de viés weberiano que os autores marxistas geralmente condenam. Entretanto, seria impossível compreender o Brasil contemporâneo sem a ajuda desses autores, até porque a crítica a eles veio muito depois, com a maioridade acadêmica das universidades brasileiras.

Freyre fala dos índios, dos portugueses e dos escravos africanos, com considerações que alguns consideram até pornográficas. Ao descrever hábitos sexuais, faz comentários machistas e até homofóbicos. Ao analisar a formação do patriarcado brasileiro, no período colonial, opõe católicos e hereges, jesuítas e fazendeiros, bandeirantes e senhores de engenho, paulistas e emboabas, pernambucanos e mascates, bacharéis e analfabetos, senhores e escravos. Mostra que a escravidão e o latifúndio fortaleceram a sociedade patriarcal onde o homem branco – o dono da Casa-Grande – era o proprietário de terras, escravos, até mesmo de seus parentes, no sentido que ele governava gado e gente. Desta maneira, criou-se uma sociedade sempre dependente de um senhor poderoso e incapaz de governar a si mesma.

Travessias

Chegamos ao xis da questão. A política no Nordeste não é pior nem melhor do que a de outras regiões do país em matéria de clientelismo, fisiologismo e patrimonialismo (o Rio de Janeiro, de cuja elite parte o maior preconceito, que o diga), mas tem a forte característica de ser dominada por um patriarcado que manteve costumes culturais e políticos tecidos no Brasil colonial. Os seis mandatos de deputado federal e suas relações com políticos do baixo clero, a partir do momento em que se aliou ao Centrão, possibilitaram a Bolsonaro a realização de alianças estratégicas no Nordeste, no leito das conexões históricas entre o poder centralizado da União e as oligarquias regionais que historicamente lhe deram sustentação, a essência da velha “política de conciliação” que herdamos do Império.

Vem daí a força que políticos nordestinos do Centrão, como o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o deputado Arthur Lira (PP-AL) demonstram na queda de braços com o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o financiamento do programa social Renda Cidadã. E a facilidade com que Bolsonaro construiu as pontes para se conectar com o eleitorado nordestino, que o derrotara na eleição de 2018, alicerçadas no auxílio emergencial aprovado pelo Congresso durante a pandemia e cimentadas por sua narrativa de cunho religioso, que agora incorporou a exaltação à figura do Padre Cícero, símbolo do messianismo católico brasileiro, que sempre foi um instrumento de construção da hegemonia conservadora no Nordeste.

“Viver é muito perigoso, seu moço”, ainda mais em tempos de pandemia. Não sei se Guedes leu Casa Grande & Senzala, o que o ajudaria entender um pouco mais os seus desafetos políticos da Praça dos Três Poderes. Mas, como mineiro ilustrado, deve ter lido Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Desculpem-me a comparação, para sobreviver no cargo, Guedes precisa puxar a faca e se impor como líder da política econômica do governo, como faria o jagunço Riobaldo. O universo do sertão é um espaço ambíguo, de limites indefiníveis, desafiador e de difícil travessia. Cruzar o deserto do Sussuarão é como desafiar a caatinga. O espaço empírico se relaciona com a subjetividade humana. Riobaldo explica: “Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo”. Como o jagunço nas Veredas-Mortas, Guedes está num espaço de estranhamento, a Esplanada dos Ministérios, simbolicamente, entre a ordem e a desordem, a precisão e a imprecisão, o Bem e o Mal. Está perdendo a liderança do bando, isto é, da política econômica, para os políticos do Nordeste, que prometem votos a Bolsonaro em troca de R$ 300, porque não consegue oferecer trabalho aos desempregados nem segurança aos investidores. Simples assim.

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Luiz Carlos Azedo: Chauvinismo e xenofobia

Além do preconceito étnico, há um viés de intolerância religiosa muito forte na fala de Bolsonaro, porque o caboclo é uma “entidade” do sincretismo religioso entre africanos e índios

Nicolas Chauvin foi um soldado francês condecorado por Napoleão Bonaparte por sobreviver a vários combates, severamente mutilado, depois de ser ferido 17 vezes. Tornou-se uma lenda para os franceses, até que as comédias escrachadas de vaudeville começaram a ridicularizar sua ingenuidade e fanatismo, dando origem ao termo que hoje é muito utilizado para caracterizar o sentimento ultranacionalista que leva os indivíduos a odiar as minorias e perseguir os estrangeiros. Na década de 1970, as feministas dos Womens`s Lib deram uma conotação mais abrangente ao termo, ao chamar os machistas de “porcos chauvinistas”.

Por causa de seu discurso de ontem na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Jair Bolsonaro entrou para o rol dos líderes políticos chauvinistas da atualidade, o que não é bom para nenhum chefe de Estado nem para o Brasil, em particular. Seu discurso nacionalista não chegou a ser histriônico, mas fugiu à verdade e ignorou a realidade, sendo muito contestado interna e externamente. Além do chauvinismo, Bolsonaro revelou certa xenofobia, ao culpar os caboclos e índios pelos incêndios na Amazônia e Pantanal.

Xenofobia é outra palavra muito feia. Refere-se ao sentimento de hostilidade e ódio manifestado contra pessoas por elas serem estrangeiras ou serem enxergadas como estrangeiras. Trata-se de um preconceito social muito comum no mundo por causa do fluxo de migrações. Árabes e muçulmanos sofrem com isso na Europa, mexicanos e latinos nos Estados Unidos. Geralmente, a xenofobia está associada ao racismo. A forma como Bolsonaro trata os índios no Brasil sempre teve essa conotação xenófoba; a novidade é o preconceito que revelou na ONU em relação aos caboclos brasileiros.

Certos fenômenos da vida brasileira não se explicam pela sociologia ou pela ciência política, somente podem ser compreendidos quando nos socorremos da antropologia. A eleição de Bolsonaro, por exemplo, sua capacidade de se amalgamar aos evangélicos e capturar o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal nas camadas mais pobres da população, ameaçada pelas dificuldades econômicas e as mudanças de costumes. Em contrapartida, Bolsonaro não consegue entender o nosso sincretismo religioso e o peso da miscigenação na formação da identidade brasileira. Se entendesse, não trataria com tanto preconceito os indígenas e os caboclos da Amazônia.

Miscigenação e sincretismo
O caboclo tem uma cultura de selva adquirida dos índios. Porém, manteve a língua, a religiosidade e certos costumes dos portugueses, ao longo de secular abandono. É um comportamento semelhante ao do moçambicano branco, mas muito diferente do bôer sul-africano, que renegou as origens, inventou uma nova língua e se considera a grande tribo branca da África. Todos ficaram insulados após a expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro. Explico: quando os holandeses chegaram ao Recife, em 1630, para controlar o açúcar, perceberam que o que dava dinheiro não era só plantar cana e produzir açúcar, mas também vender africanos para os senhores de engenho. Saíram do Recife em 1641 para atacar Angola e dominar o tráfico negreiro para o Brasil. Quando começou a guerra de guerrilhas em Pernambuco para expulsá-los, Salvador de Sá organizou uma expedição do Rio de Janeiro para expulsar os holandeses de Angola, em 1648. Cerca de 2 mil portugueses, porém, ficaram largados na Amazônia, para onde haviam sido enviados em 1637, para explorar o cacau e a castanha, produtos de grande valor comercial.

Apesar dos esforços portugueses para manter o controle da região, notadamente do Marquês de Pombal, após o Tratado de Madri (1750), por meio da fortificação de suas fronteiras — Belém, Gurupá, Manaus, Santarém, Almeirim, Óbidos, Tabatinga, São Gabriel da Cachoeira, Guaporé, Macapá e outros —, a integração à economia nacional somente veio a ocorrer no século XIX, com o Ciclo da Borracha (1870-1912), quando aproximadamente 300 mil nordestinos migraram para seus seringais. Mas a cultura amazônida do caboclo já estava dada.

Além do preconceito étnico, há um viés de intolerância religiosa muito forte na fala de Bolsonaro, porque o caboclo é uma “entidade” do sincretismo religioso entre africanos e índios. Nas religiões ou seitas afro-brasileiras, é a designação genérica dos espíritos de ancestrais indígenas brasileiros que supostamente surgem nas cerimônias rituais e que foram idealizados, já no século XX, segundo os modelos de orixás da teogonia jeje-nagô e do indianismo literário romântico. Na Umbanda, são guerreiros enérgicos, procurados pelos conselhos sensatos e passes poderosos. Bolsonaro mexeu com Ubirajara, Tupiara, Cobra Coral, Pena Branca, Sete Flechas, Águia Dourada, Sete Espadas, Espada Flamejante, Sete Lanças, Tabajara, Tamoio, Sete Ondas, Sete Matas, Caboclo Pantera Negra, Tupuruplata, Rompe-Mato, Caboclo Apeiara, Araribóia, Rompe-Ferro, Pena Vermelha, Beira Mar, Caiçara e Sete Caminhos.

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