reforma tributária

O Estado de S. Paulo: Projeto de reforma tributária aumenta impostos pagos por profissionais liberais

Na proposta do governo, os 3,65% pagos atualmente por escritórios de advocacia, contabilidade, assessoria econômica e de comunicação, passariam para uma alíquota de 12%

Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A nova etapa da reforma tributária em estudo pelo governo vai modificar o modelo de tributação de profissionais liberais que prestam serviços por meio de empresas e conseguem receber remunerações em forma de lucro livre do pagamento de impostos. Escritórios de advocacia, contabilidade, assessoria econômica e de comunicação, que hoje pagam alíquota de 3,65% de PIS/Cofins e distribuem cerca de 85% do que faturam sem pagar impostos, estão se mobilizando contra a proposta de criação da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e, principalmente, contra a volta da tributação sobre lucros e dividendos (pagamentos que os acionistas recebem pelo lucro gerado). 

O modelo atual levou à famosa “pejotização”: trabalhadores mais qualificados deixam de ser contratados como pessoa física por uma empresa e passam a prestar serviço como pessoa jurídica. O PJ, pessoa jurídica, paga cerca de um terço, ou até menos, de tributos em comparação a um empregado registrado, mesmo exercendo tarefas idênticas. Para o consultor Thales Nogueira, o fenômeno da “pejotização” contribui para aumentar a desigualdade de renda no Brasil nos últimos anos ao tributar menos quem ganha mais. 

Felipe Santa Cruz
Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da OAB, disse que 'iria à guerra' no Congresso contra a alíquota de 12% da CBS. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

De acordo com os dados mais recentes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o porcentual médio de renda isenta dos profissionais liberais chega a 76% entre os advogados, 75% entre economistas, 71,6% entre agentes e representantes comerciais, e 68,6% entre produtores rurais (ver quadro). 

Embora a proposta do governo federal só esteja tratando do PIS/Cofins, a alíquota prevista de 12% é muito maior do que os 3,65% pagos atualmente por esses profissionais. No caso do novo imposto que deve substituir o PIS/Cofins, especialistas ouvidos pelo Estadão lembram que essas empresas poderão usar o crédito que vão gerar ao longo da cadeia produtiva (à medida que forem comprando produtos) para abater no pagamento do imposto, mas quando o serviço for prestado a uma pessoa física (consumidor final), não haverá crédito a ser abatido e, portanto, a carga tributária será mesmo maior.

Arrecadação

Já a retomada da tributação dos lucros e dividendos, que existia até 1996, deve ser incluída na reforma tributária do ministro da EconomiaPaulo Guedes, com o objetivo de aumentar a arrecadação para bancar o novo programa social estudado pelo governo, o Renda Brasil, que deve substituir o Bolsa Família, com um benefício maior e mais famílias contempladas. Essa tributação deve ser progressiva, ou seja, quem distribuir mais lucros, pagará uma alíquota maior – nos moldes do Imposto de Renda. 

Hoje, esses profissionais pagam imposto sobre o lucro da empresa, mas os porcentuais são bastante baixos em função dos regimes simplificados de tributação. “É praticamente um caso de dupla não tributação dos lucros”, diz o economista Sérgio Gobetti, lembrando que o Brasil é um dos poucos países do mundo que isenta os dividendos distribuídos pelas empresas.

As propostas de reforma que estão sendo discutidas na comissão mista do Congresso não alteram a tributação de lucros e dividendos, mas o debate se acirrou na esteira das críticas de profissionais liberais de que haverá aumento da carga tributária com a alíquota mais alta da CBS de 12%. 

O descontentamento foi maior entre os advogados. O presidente do Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil (OAB)Felipe Santa Cruz, chegou a declarar que a entidade “iria à guerra” no Congresso contra a proposta. 

“Os dados da Receita para 2018 mostram que nenhuma ocupação se beneficiou mais do privilégio do que os advogados”, disse Pedro Fernando Nery, consultor do Senado. Segundo ele, com a isenção vigente sobre lucros e dividendos, os brasileiros mais ricos se livram de pagar o imposto de renda sobre a pessoa física. 

O procurador tributário da OAB, Luiz Bichara, rebate às críticas e argumenta que é preciso entender que o uso da sistemática não é uma prerrogativa dos advogados. “O que alguns burocratas entendem por ‘benefício’ nada mais é do que um regime válido para a esmagadora maioria dos empreendedores brasileiros”, diz. 

Perguntas e respostas

1. Como é a tributação hoje?

As empresas são tributas em 34% sobre o lucro auferido. Sócios e proprietários de empresas que recebem dividendos (pagamentos que os acionistas recebem pelo lucro gerado) não estão sujeitos à incidência de IR pessoa física (a alíquota poderia chegar a 27,5% se estivessem). A isenção na distribuição de lucros e dividendos resulta numa baixa tributação dos valores recebidos pelos sócios e acionistas. Em muitos casos, um profissional liberal que receba por meio de uma empresa de lucro presumido (nome dado a um tipo de modelo simplificado em que a empresa estima um lucro com base em porcentuais sobre a receita bruta)é tributado sobre apenas 32% da receita, podendo distribuir todo o lucro sem tributação na pessoa física.

2. Quantas pessoas recebem dividendos no País?

São 3,2 milhões de pessoas, segundo dados de 2018 (o mais atual). 

3. Esses são os PJs?

Eles se confundem. Há empresários, executivos e alguns profissionais liberais que recebem a maior parte dos valores em lucros e dividendos. Mas também há o avanço da “pejotização”, quando um trabalhador se torna prestador de serviço, atuando como pessoa jurídica. Uma coisa é o profissional que é dono ou sócio de empresa, paga aluguel, tem folha de salário, opta por um regime especial e tem parte da renda isenta porque recebe um montante como dividendo. Outra coisa são as atividades de cunho personalístico e que não têm custo. Só o trabalhador travestido de empresa para não pagar imposto.NOTÍCIAS RELACIONADAS


Rogério L. Furquim Werneck: Plano de jogo arriscado

Espetáculo da reforma tributária não promete ter bom desfecho

Para avaliar a nova mobilização de Brasília com a agenda de reforma tributária, é bom ter em conta as dificuldades que terão de ser enfrentadas.

Já há anos, tramitam na Câmara e no Senado dois projetos abrangentes de reforma da tributação sobre bens e serviços. Para que pudessem ter avançado, sem descarrilar, era preciso que o Planalto os tivesse endossado e feito sentir seu peso no Congresso. Mas o governo jamais escondeu sua falta de entusiasmo pelos dois projetos. E Bolsonaro nunca entendeu a importância de manter uma coalizão governista expressiva, que lhe permitisse ter ascendência sobre o Congresso.

A improvisada coalizão que, agora, Bolsonaro vem tentando formar, às pressas, tem propósito meramente pretoriano. O que o presidente espera do mambembe contingente parlamentar recrutado no centrão é proteção contra tentativas de impeachment. Só Deus sabe se os recém-alistados pretorianos servirão para isso. O certo é que, para mais que isso não tem servido, como bem atesta o triste placar de derrotas e derrubadas de vetos presidenciais que o Congresso vem infligindo ao Planalto.

Quase 19 meses se passaram até que o governo, afinal, apresentasse sua proposta de fusão do PIS e da Cofins numa só Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), cobrada sobre valor adicionado. Um projeto simples que, há muito tempo, poderia perfeitamente ter sido integrado às propostas de reforma mais abrangentes que já tramitam no Congresso. E não foi.

É bem sabido que a aprovação da CBS, como foi proposta, imporia aumento substancial de carga tributária a prestadores de serviços. E já se ouve a estridência dos protestos. O que preocupa é que tais protestos fazem parte do mirabolante plano de jogo do governo para novas etapas da reforma tributária. É com base no lobby dos grandes setores prestadores de serviços que o governo pretende, agora, solapar as resistências do Congresso à restauração de um tributo similar à CPMF, ideia em que o ministro da Economia continua tendo obsessiva fixação.

O aumento de carga tributária advindo da CBS seria compensado por redução da contribuição patronal sobre a folha, bancada pela receita de uma nova CPMF que, quem sabe, daria até para custear parte do programa Renda Brasil. Como as contas não fecham, vêm sendo mencionadas alíquotas de CPMF que variam de 0,2% a 1,1%. Numa economia onde a taxa real de juros está cada vez mais próxima de zero.

Nesse palco, o espetáculo da reforma tributária não promete ter bom desfecho. O que se vê é um governo fragilizado, sem poder de bloqueio no Congresso, disposto a desencadear uma reforma complexa, com cardápio aberto, que contempla farta distribuição de desonerações com base na “arrecadação fácil” de tributos exóticos. Acredita mesmo o ministro da Economia que, nesse jogo, conseguirá manipular a voracidade dos lobbies, aguçada pela severidade da crise, e manter sua reforma nos trilhos?

O que se teme é algo parecido com a deprimente pajelança da desoneração da folha, perpetrada pela inesquecível equipe de Dilma Rousseff. A estapafúrdia ideia inicial era permitir que alguns poucos setores, exportadores ou expostos à concorrência externa, deixassem de pagar contribuição patronal sobre a folha e passassem a recolhê-la sobre faturamento, com base em alíquotas fixadas setor a setor, conforme a grita de cada um.

A coisa desandou, quando o Congresso, fascinado pela alquimia, apossou-se do caldeirão e, para espanto dos impotentes aprendizes de feiticeiro, passou a distribuir a poção mágica de benesses a dezenas de outros setores. Entre eles, grandes prestadores de serviços, que nada tinham a ver com comércio exterior.

O primeiro governo Dilma terminou há mais de seis anos. E até hoje não se conseguiu pôr fim à farra fiscal que tal pajelança propiciou. Como bem sabe o ministro da Economia, ainda há 17 setores, muitos deles enormes, prestes a conseguir, no Congresso, que a moleza seja prorrogada por um “aninho” mais. É a esse Congresso que estará entregue a condução da reforma tributária.

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio


Gustavo Loyola: De qual reforma falamos?

São evidentes os ganhos que podem ser colhidos com a adoção de um IVA nacional, com a tributação no destino

O Congresso Nacional acaba de constituir uma Comissão Mista para tratar da reforma tributária. Se praticamente unânime é a opinião de que o sistema tributário necessita urgentemente ser reformado, há, entretanto, grande divergência sobre qual deve ser o teor das mudanças, tendo em vista os múltiplos interesses particulares em jogo.

Esse problema ocorre no Brasil de maneira mais aguda, em razão da coexistência de um sem número de regimes especiais de tributação que favorecem determinadas categorias de contribuintes, sacrificando a coerência e a consistência do Sistema Tributário Nacional. Em vista disso, dependendo da dinâmica da tramitação do tema no Legislativo, pode-se criar um clima de incerteza entre os agentes econômicos, prejudicando a recuperação do investimento privado esperada para 2020.

Com relação aos objetivos prioritários da reforma tributária, há distintas percepções em jogo, não necessariamente conciliáveis entre si. Há aqueles que buscam com a reforma aumentar a progressividade da taxação, como meio de reduzir as desigualdades de renda no país. Para outros, a reforma teria como alvo principal a simplificação do sistema tributário, reduzindo os custos de compliance e aumentando a segurança jurídica para os contribuintes. Por outro lado, a eliminação ou redução da interferência da taxação sobre a alocação eficiente de recursos na economia é a prioridade para os que têm como objetivo o aumento do potencial de crescimento econômico. Há ainda aqueles que prioritariamente enxergam na reforma uma oportunidade para repensar a Federação, alterando a distribuição da receita e da administração tributárias entre a União, os Estados e os municípios.

O fato é que nenhum grupo de contribuintes quer o aumento da sua carga tributária, do mesmo modo que nenhum dos entes da Federação quer sair da reforma com uma arrecadação menor do que têm hoje. Nessas condições, a única maneira de viabilizar um consenso mínimo para a aprovação de um projeto de reforma parece repousar no convencimento dos diversos grupos de interesse e dos entes arrecadadores de que com a mesma seria possível impactar positivamente o crescimento econômico, afetando favoravelmente as receitas futuras, sem necessariamente implicar um aumento da carga tributária como proporção do PIB. Isso sugere que a questão da melhora do ambiente de negócios deveria ter centralidade no debate sobre as mudanças tributárias, precedendo quaisquer outras considerações.

Nesse contexto, levando em conta a teoria e a prática internacional, quanto mais próximo do conceito de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional chegar a pretendida reforma tributária, maiores resultados devem ser esperados em termos de aumento do potencial de crescimento econômico ao longo do tempo. São evidentes os ganhos que podem ser colhidos com a adoção de um IVA nacional, com a tributação no destino. Haveria uma simplificação enorme do emaranhado normativo hoje vigente, com fortalecimento da segurança jurídica, além da obtenção de maior neutralidade do sistema tributário nas decisões dos agentes econômicos, notadamente nos investimentos.

Ademais, as exportações deixariam de ser taxadas, elevando a competitividade da produção nacional. Vale dizer ainda que a adoção de um IVA alinharia o Brasil aos melhores padrões de tributação sobre o consumo existentes no mundo.

Dentre os projetos que se encontram hoje sob exame do Congresso Nacional, a meu ver, o que melhor atende a esse objetivo é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, cujo autor é o deputado Baleia Rossi. O projeto, baseado em estudo do economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, tem como principal ponto a unificação de tributos federais (PIS, Cofins e IPI), estaduais (ICMS) e municipais (ISS), mediante a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo que seguiria o modelo do IVA, aplicado em muitos países.

O projeto do IBS é particularmente engenhoso, pois prevê uma transição gradual de dez anos para o novo regime e a gestão conjunta do tributo pela União, Estados e municípios. Com isso, se amortece bastante os impactos da transição e se reduz as incertezas para os agentes econômicos, aumentando a viabilidade política de sua aprovação pelo Congresso. Evidentemente, não se pode minimizar a complexidade do período de transição, mas trata-se de um investimento relativamente pequeno diante dos ganhos que podem ser colhidos com a adoção plena de um IVA.

As críticas ao projeto do IBS surgidas até aqui não o desmerecem como sendo a melhor opção para a reforma. Por exemplo, a crítica de que o novo tributo elevaria proporcionalmente as receitas dos Estados mais ricos em desfavor dos mais pobres poderia ser eliminada pela introdução de algum critério redistributivo de parte das receitas para beneficiar as regiões mais pobres do país.

De todo modo, a âncora da reforma tributária deve repousar sobre uma perspectiva de ganhos longo prazo, em que é possível a todos os agentes econômicos se beneficiarem dela. No curto prazo, porém, é inevitável haver perdedores e ganhadores, o que sugere que mecanismos devem ser adotados com o intuito de mitigar os efeitos redistributivos mais imediatos.

Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do BC e Sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo


Ribamar Oliveira: Prioridade deveria ser a PEC Emergencial

Reforma tributária, embora necessária, pode esperar

É difícil acreditar que a reforma tributária será aprovada neste ano, se ainda não se conhece sequer qual é a proposta do governo federal. Ontem, em reunião com secretários estaduais de Fazenda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, em duas semanas, “está chegando um pedaço” ao Congresso Nacional.

Outra dificuldade para acreditar na rápida aprovação da reforma tributária é que o ministro da Economia quer criar uma nova CPMF para desonerar a folha de pagamento das empresas, pois, com isso, ele acredita será possível criar condições para o rápido crescimento do emprego no país. O problema é que o presidente Jair Bolsonaro é contra a nova CPMF, qualquer que seja o seu novo nome, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também são.

Mesmo o “pedaço” da proposta do governo a ser enviado causou polêmica entre os secretários estaduais de Fazenda. Guedes teria dito que vai propor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) Dual, com a fusão dos tributos federais com o ICMS, ficando o ISS de fora. Os secretários querem a unificação de todos os tributos federais, estaduais e municipais em um único imposto sobre o consumo.

Guedes disse que o governo vai propor também alterações no PIS e na Cofins. Ontem, momentos antes de ser substituído na Casa Civil, o ministro Onyx Lorenzoni, afirmou que, pessoalmente, defendia tratar agora só a reforma dos impostos federais e “daqui a dois ou três anos fazemos uma reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços [ICMS]”.

A proposta de reforma do PIS/Cofins está pronta, na Casa Civil, desde a gestão do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. Os governos não conseguem enviá-la ao Congresso, tal a resistência que ela enfrenta, pois eleva a carga tributária do setor de serviço. Os líderes partidários já se manifestaram contrários à votação apenas desta reforma.

Há um outro obstáculo que torna ainda mais difícil a aprovação de uma reforma tributária. A discussão está sendo feita em um momento em que o setor público brasileiro necessita ajustar as suas contas, que estão deficitárias desde 2014, principalmente as da União. A situação financeira de, pelo menos, uma dezena de Estados é calamitosa.

Quatorze Estados estão com nota C, e três, com nota D, segundo o Tesouro Nacional. As notas medem a capacidade dos Estados de pagarem suas dívidas. Aqueles que estão com nota C não podem obter aval do Tesouro para novos empréstimos. E os que têm nota D estão em situação falimentar. Em 2019, a União foi obrigada a honrar dívidas não pagas por Estados e municípios, das quais era avalista, no montante de R$ 8,35 bilhões. Vários Estados conseguiram liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para deixar de pagar seus débitos com a União.

O Brasil já viveu situação semelhante. Em 1995, ao assumir a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso encaminhou uma proposta de reforma tributária (PEC 175/95). A PEC foi relatada pelo falecido deputado piauiense Mussa Demes. Quando o parecer de Mussa estava pronto para ser votado e tinha o apoio do então governador de São Paulo, Mário Covas, mesmo com o seu Estado perdendo R$ 4,5 bilhões em receita, a então equipe econômica de FHC decidiu enviar ao Congresso uma nova proposta. E a reforma terminou não sendo votada.

Durante todo o processo de discussão da reforma, a carga tributária subiu muito. Ela passou de 29,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1995 para 35,6% do PIB em 2002, segundo dados da Secretaria da Receita Federal. Isso mostra que a necessidade de ajustar as contas públicas predominou sobre a reforma.

A substancial melhora no resultado primário do setor público registrada em 2019 decorreu de receitas extraordinárias (não recorrentes), principalmente as obtidas com os leilões de petróleo.

Muito provavelmente, o déficit primário deste ano será pior do que o de 2019. A dívida pública bruta só caiu porque o BNDES continuou antecipando o pagamento dos empréstimos obtidos junto ao Tesouro Nacional, e o Banco Central realizou significativas vendas de reservas internacionais do país. O governo precisa registrar superávit primário a partir de 2023, pois, do contrário, a dívida pública bruta provavelmente voltará a crescer.

Um outro aspecto é ainda mais relevante. A Emenda Constitucional 95, que instituiu limites individualizados de despesas para os vários Poderes da República, é, atualmente, a viga mestra do cenário fiscal brasileiro. É difícil saber o que acontecerá, em termos de expectativas dos mercados, se o governo não conseguir sustentar o teto de gastos.

A preservação do teto por mais algum tempo é, portanto, uma questão central. E, para conseguir a façanha, o governo precisa que o Congresso aprove a proposta de emenda constitucional 186/2019, conhecida como PEC Emergencial. A proposta autoriza o governo a adotar uma série de medidas para controlar o crescimento das despesas obrigatórias. Sem a sua aprovação, o cenário fiscal irá se deteriorar. O Congresso deveria colocar foco na PEC 186, antes de analisar qualquer outra matéria.


Luiz Carlos Mendonça de Barros || O que esperar da reforma tributária

Mesmo que se consiga simplificar os impostos, ainda teremos carga fiscal muito superior à dos países emergentes

Para a minha geração, que viveu com intensidade os trabalhos da Constituinte depois da redemocratização do Brasil em 1984, a reforma da Previdência é a primeira grande alteração no quadro de proteção social por ela criada e que vigorou quase imutável até hoje. Para os mais jovens entenderem a importância desta mudança, falta o conhecimento do clima de euforia que cercou os trabalhos dos constituintes antes de sua promulgação.

O país vivia então uma espécie de "porre" democrático com o sucesso incrível que foi a volta da democracia, depois de mais de 20 anos, a partir de um movimento popular pacífico e dentro das regras constitucionais estabelecidas pela força das armas pela própria ditadura militar.

Imaginava-se ser possível criar com a força representativa dos constituintes eleitos pelo povo uma sociedade igualitária ou pelo menos mais justa, ao fim dos trabalhos. Esta verdadeira Utopia que seria construída sob o comando de um Estado que estendesse aos mais pobres e necessitados um amplo e generoso cobertor de proteção social, dominava os discursos inflamados da grande maioria dos constituintes em Brasília.

Eu vivia um dia a dia mais realista, como diretor do Banco Central em Brasília, na tentativa de controlar a inflação que já superava, à época, os 7% ao mês. Mas, mesmo assim, a euforia também podia ser sentida naquele prédio esquisito que havia sido construído pelos burocratas da ditadura. Prédio estranho visualmente, e que não podia ser ocupado totalmente porque descobriu-se depois de sua construção não ter em sua estrutura a resistência necessária para tal.

Mas tive a sorte de receber como hóspede na residência oficial a que tinha direito - outra herança da época militar - o constituinte José Serra, meu amigo de longa data. Em nossas conversas noturnas - Serra só dormia depois das 4 horas da manhã - ouvi dele as primeiras restrições ao projeto constitucional ainda em construção. Como economista, com visão fiscal bastante conservadora, estava assustado com a abrangência dos chamados direitos sociais pétreos do cidadão e que estariam garantidos pela nova Constituição. "Luiz Carlos", ele me dizia, "ninguém está fazendo as contas sobre como e onde vamos encontrar os recursos necessários para pagar tudo isto".

Lembro aqui ao leitor do Valor que a carga fiscal à época era de pouco mais do que 24% do PIB, o que permitia que tivéssemos uma estrutura de impostos simples, praticamente igual à da maioria das economias emergentes como a nossa. Mas Serra era uma voz minoritária - junto com poucos outros constituintes - e a vitória da euforia foi acachapante. Sobrou a este pequeno grupo de realistas fiscais uma cláusula, arrancada a muito custo, de revisão da Constituição, quatro anos depois - e com um quórum simples - para aprovar alterações que o tempo mostrasse necessárias. Mas a revisão chegou em um momento de crise política com o impeachment do presidente Collor e as cláusulas sociais remanesceram intocadas.

As previsões mais pessimistas feitas pelo constituinte José Serra só começaram a se tornar realidade após o sucesso do Plano Real, com a redução da arrecadação do chamado imposto inflacionário e a estabilidade da moeda que se seguiu. Outra razão para que nós brasileiros só acordássemos mais tarde para os problemas fiscais criados pela euforia democrática da Constituinte de 1988 foi a demora natural na aprovação de leis infraconstitucionais e pela defasagem no tempo das decisões judiciais sobre a implementação das novas responsabilidades sociais do estado brasileiro. Entre 1991 e 2017, a carga fiscal brasileira progressivamente passou dos antigos 24 % para 32% do PIB, mostrando de forma clara o verdadeiro impacto da Constituição de 1988 sobre os gastos sociais do governo.

Mais recentemente, a deterioração das contas da previdência social veio apenas somar-se a esta realidade e colocar uma nova pressão sobre a carga de impostos necessários para estabilizar a dívida pública federal. E, portanto, continuaremos a depender de uma arrecadação de impostos e tributos da ordem de 34% para estabilizar a situação fiscal de hoje. E não será através de uma reforma dos impostos que chegaremos - como é a expectativa da maioria da população hoje - a uma carga fiscal menor. Além disto, a reforma fiscal que começa a ser analisada pelo Congresso tem uma dificuldade adicional para sua aprovação representada pelos conflitos de interesse muito mais difusos - e de difícil conciliação na sociedade - do que foi o caso da reforma da Previdência.

Mesmo que se consiga um sucesso relativo na simplificação e racionalização de nossos impostos, ainda teremos uma carga fiscal muito superior à dos países emergentes e próxima dos países desenvolvidos e social-democratas da Europa. Ou seja, seremos ainda um ponto fora da curva e, por esta razão, vamos continuar a ter um limite estrutural ao nosso crescimento potencial no futuro.

Podemos nos preparar para fortes decepções com o texto final.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Marcus Pestana || Desafios e obstáculos no caminho da Reforma Tributária

O Congresso Nacional, reafirmando seu atual protagonismo, deu a largada para acelerar as discussões acerca da mudança do sistema tributário nacional. A Câmara dos Deputados instalou a Comissão Especial que apreciará a PEC que desencadeará a reforma desejada. No último dia 13, o deputado relator Agnaldo Ribeiro (PP/PB) apresentou seu plano de trabalho. Ele prevê a realização de diversos seminários e audiências públicas e a apresentação e a votação do relatório em outubro de 2019.

É sabido que nossa carga tributária é alta para os padrões de um país emergente, tendo atingido o pico histórico em 2018, chegando aos 35,07% do PIB. Ainda assim vivemos a mais profunda crise fiscal, o que demonstra que o tamanho do Estado e a estrutura de gastos estão muito acima da capacidade contributiva da sociedade e da economia brasileiras. Além disso, o atual sistema é complexo, confuso, disfuncional, burocrático, excessivamente caro e regressivo. É preciso ainda estancar a chamada guerra fiscal.

Quais as dificuldades que antevejo na travessia para a aprovação da reforma? Em primeiro lugar, há um efeito paralisante que sempre obstruiu outras tentativas de reforma a partir do conflito distributivo embutido em qualquer mudança dessa natureza. Há perdas e ganhos, “vencedores” e “perdedores”, e os interesses feridos naturalmente se mobilizam para evitar as mudanças. A discussão sobre quem pagará a conta não é trivial e pacífica.

Outra questão delicada é o conflito de interesses de natureza federativa. Há um clima justificável de desconfiança recíproca. O Governo Federal, desde a Constituição de 1988, alimentou a elevação exponencial da carga tributária através da criação de contribuições não compartilhadas com Estados e Municípios. Casos como o de Minas Gerais no qual o governo estadual sequestrou receitas constitucionais dos municípios também jogam lenha na fogueira das desconfianças. Isto é agravado sobremaneira pelo grande estrangulamento orçamentário nos três níveis de governo. Ninguém está em condições de perder receitas.

Uma última questão é qual seria o modelo tributário consistente e eficaz diante da economia do Século XXI e suas profundas transformações estruturais e dinâmica inovadora.

Existem quatro principais propostas na mesa de discussões. A apresentada pelo deputado Baleia Rossi (PMDB/SP), engendrada pelo Centro de Cidadania Fiscal liderado pelo economista Bernado Appy, que foca unicamente na criação de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) a partir da unificação do IPI, do ICMS, ISS, PIS e COFINS.

Outra proposta avançada é a do ex-deputado Luiz Carlos Hauly que contempla uma base mais ampla para o futuro IVA, introduz alterações no IR e propõe uma nova contribuição sobre movimentação financeira para compensar a desoneração da folha e estimular a geração de empregos. O Ministro Paulo Guedes apresentará nos próximos dias sua proposta com um IVA mais tímido, alterações substanciais no IR e uma proposta de desoneração da folha. Já o movimento empresarial BRASIL 200 defende a tese do Imposto Único sobre transações financeiras e saques.

Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte. O jogo só está começando. O importante é aproveitar a rara energia política reformista reunida hoje para simplificar e tornar mais justo e eficiente nosso sistema tributário.


Arnaldo Jardim: Política que constrói

 Aprovada a Reforma da Previdência em 1º turno, na Câmara, estabelecemos um novo momento no País!

Criamos condições para acabar com o rombo nas contas públicas, para diminuir privilégios e modificar uma sistemática que concentrava rendas como é a velha previdência. Podemos assim ter uma nova previdência, sustentável, mais igualitária e que abra um ciclo de reformas necessárias ao Estado Brasileiro, aguardado por toda a sociedade.

Agora a Câmara dos Deputados começa imediatamente a discutir a Reforma Tributária, cuja comissão especial já foi instaurada nesta última quarta-feira, 10/07/2019, e tem prazo para apresentar sua proposta até outubro próximo.

Prioritária também será a comissão especial que definirá proposta para o marco regulatório das PPP’s, concessões públicas e fundos de investimentos em infraestrutura. Matéria da qual serei relator.

O aprendizado maior, porém, do processo de aprovação da reforma é que podemos, e devemos, praticar a Boa Política!

Uma grande maioria parlamentar se estabeleceu, aglutinando deputados que apoiam o governo, outros independentes, como eu, e até oposicionistas. Todos se somando para aprovar uma mudança estrutural difícil, que enfrenta resistências e interesses, mas necessária ao Brasil.

Essa construção ocorreu partir da discussão de mérito, debate sobre as alternativas possíveis, e foi embalada pela certeza de que era imperativo cortar privilégios, rever conceitos e deixar de lado o olhar particular, corporativista, para fazer prevalecer o interesse geral da Nação.

Ninguém tem dúvida de que o grande desafio é a retomada do crescimento econômico – único caminho pra enfrentar o desemprego de forma sustentável. E as reformas estruturais são fundamentais para isso. Indispensável, porém, é consolidarmos que o instrumento para atingir este objetivo, esta transformação, é o diálogo, a Democracia.

Os radicais e incendiários, aqueles que se apegam a retórica populista devem ser isolados e superados. Construtores de consensos e os defensores da reflexão substantiva prevalecerem. Este episódio demonstrou que isso é possível, é o único caminho.

Luiz Carlos Azedo, jornalista do Correio Brasiliense, escreveu: “Ontem vivemos uma inflexão no processo de confrontação que havia se instalado entre o Executivo e o Legislativo, um momento de afirmação da nossa democracia e do Congresso”. Lembrou ainda: “Congresso, que havia perdido o papel de mediador dos conflitos da sociedade, resgata esse protagonismo e se assenhora cada vez mais da grande política, como é o caso agora da reforma da Previdência”.

Destaco, ainda, o comando decidido e ponderado de Rodrigo Maia que liderou para que avançássemos, para que todos se irmanassem no fortalecimento das nossas instituições.

Fazer as reformas. Retomar o crescimento. Para isso, a política é a esperança. O caminho para superar os desafios e nos afirmarmos como Nação.

A boa política!

Arnaldo Jardim é deputado federal pelo Cidadania-SP


Gui Mends: Reforma tributária como condição para o aumento da renda

“O Brasil está ficando mais pobre. Entre 1995 e 2016, países emergentes cresceram 127% em renda por trabalhador; os EUA, 48%. O Brasil cresceu apenas 19%”, disse o economista Marcos Lisboa em sua fala de abertura no Seminário sobre Reforma Tributária no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito, em dezembro do ano passado. Com efeito, uma parte relevante de nosso fracasso de produtividade econômica se deve, de um lado, à complexidade de nossa legislação tributária e, de outro, a oportunismos fiscais que geram distorções econômicas e iniquidades tributárias entre as classes mais baixas e mais altas.

O processo de simplificação tributária, já ocorrida nos países desenvolvidos há décadas, com a criação de um imposto único sobre o valor agregado, pode endereçar esses problemas de forma simples e eficiente – resta saber se, em 2019, essa pauta finalmente avança no Congresso.

A legislação é de fato complexa e seus números impressionam. Desde a promulgação da Constituição de 88, foram editadas, em média, por dia, 3 normas tributárias federais, 11 em nível estadual e 17 em nível municipal – colocando o Brasil entre os 10 piores países do mundo para se pagar impostos, segundo o Banco Mundial.

Apesar dessa montanha de leis gerada pelos 5.598 entes federativos brasileiros (União, Estados, Municípios), a insegurança jurídica permanece. Estima-se R$ 4 trilhões (66% do PIB do Brasil) de contencioso tributário e mais alguns bilhões em créditos tributários a empresas sem qualquer previsão de recebimento.

Essa insegurança tende a crescer à medida que as normas de nosso sistema tributário permanecem intactas a cada legislatura. Este fato aliado ao oportunismo fiscal desincentivam o investimento estrangeiro e a sobrevivência de empreendedores mais produtivos, o que prejudica o ambiente de negócios e a renda por trabalhador.

No Brasil, as regras do jogo incentivam o oportunismo e protegem empresas pouco produtivas, o que vai na direção contrária do capitalismo e das economias de mercado. Nos países da OCDE, a diferença de produtividade entre empresas é, no máximo, de 2 a 3 vezes. No Brasil, a diferença média é de 5 vezes. Isso quer dizer que empreendedores pouco produtivos conseguem se manter ativos no mercado brasileiro, enquanto em outros mercados competitivos teriam falido e estariam fora do jogo.

Isto só acontece aqui porque várias empresas improdutivas utilizam mecanismos tributários para se manterem mais competitivas que empreendedores verdadeiramente produtivos. Esses mecanismos contêm benefícios fiscais, regimes especiais, isenções tributárias e as reduções de base de cálculo, e incidem, em grande parte, sobre os impostos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins). Existe hoje um quase-consenso nas esferas públicas e privadas de que um imposto sobre o valor adicionado (IVA), estruturado conforme as melhores práticas internacionais, poderia resolver esses problemas.

Um bom IVA no padrão de países desenvolvidos (i) incide sobre uma base ampla de bens e serviços, com uma alíquota única sem distinção entre classificação de bens e serviços e com transparência para o cidadão; (ii) não contempla benefícios fiscais, e poucos regimes especiais; (iii) não é pago na origem, evitando a atual guerra fiscal interestadual do ICMS; (iv) onera as importações e desonera as exportações.

Uma solução com essas características foi proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), dirigido por Bernard Appy, que propõe um IVA denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). As suas principais características resolvem diretamente os pontos de problema da atual tributação, mantendo a carga tributária constante. O IBS, inclusive, já foi pautado e aprovado em comissão especial na Câmara dos Deputados no final de 2018, no formato de Proposta de Emenda à Constituição (PEC 293/2004). O desafio da próxima legislatura é levar ao plenário da Câmara uma reforma que está parada há mais de 50 anos.

Sobre o contexto político para tramitação da PEC 293/2004 temos algumas oportunidades e algumas ameaças. Do lado das oportunidades, temos (i) o fato de que a PEC já foi aprovada em Comissão Especial; (ii) o Executivo, a princípio, não se opõe à proposta da CCiF; (iii) os presidentes da Câmara e do Senado são da base governista e têm traquejo político para conseguir a maioria qualificada para aprovação da PEC.

Do lado das ameaças, por sua vez, observa-se que (i) os políticos mais envolvidos com a tramitação da PEC, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e Mendes Thame (PV-SP) não foram reeleitos e levam consigo experiência acumulada e muitos votos de parlamentares aliados; (ii) a Reforma da previdência é o primeiro teste do novo governo e deve concentrar as atenções dos congressistas no primeiro semestre; (iii) os cidadãos anseiam pelo combate à corrupção e redução de impostos, não estando ainda sensibilizados com a necessidade de reforma tributária como ferramenta para aumento de suas rendas.

Enfim, politicamente, endereçar a questão tributária é tão importante para o aumento da renda por trabalhador quanto a questão da educação, da primeira infância e da infraestrutura no Brasil. Segundo Lisboa, não seria possível atingir a produtividade de país desenvolvido sem resolver a questão tributária. Já seria um ótimo início se a sociedade tomasse conhecimento desse fato – será um trabalho a muitas mãos.


Everardo Maciel: A verdadeira reforma tributária

No clima de boas iniciativas voltadas para construir um saudável ambiente de negócios e recuperar as finanças públicas, é natural que surjam propostas de reforma tributária.

Alguns delas buscam inspiração em experiências de outros países; outras, mais atrevidas, fazem lembrar a malsinada “nova matriz econômica”, que infelicitou o País nos últimos anos.

Sistemas tributários são intrinsecamente imperfeitos, porque construídos no embate parlamentar.

A pretensão de torná-los consentâneos com modelos teóricos, que se abstraem de restrições, é fascinante. Abre espaço para a imaginação, na busca de uma possível estética tributária. Desconhece, todavia, os riscos e custos de mudanças disruptivas, que envolvem virtuais danos ao equilíbrio fiscal, imprevisível redistribuição de carga tributária sobre os contribuintes e, sobretudo, a perspectiva de instauração de morosos e intrincados litígios judiciais, inerentes a um País onde prepondera a próspera indústria da litigância.

Parafraseando San Tiago Dantas, em discurso de posse na cátedra de Direito Civil da Universidade do Brasil, o sistema tributário é “campo das aquisições lentas, das transformações aluvionais”.

No campo material, as mudanças devem ser estratégicas e cautelosas, inspirando-se nas engenharias parcelares, preconizadas por Karl Popper.

Não se pode desconhecer que instabilidade de regras tributárias desaconselha os investimentos.

Em outra perspectiva, despontam os principais problemas do sistema tributário brasileiro: o processo e os procedimentos tributários. Sem o charme das novas concepções tributárias, o enfrentamento desses problemas demanda muita determinação para superar arraigadas resistências de índole cultural.

Ao qualificar como complexo o sistema tributário brasileiro, é bem provável que a percepção do analista tenha sido impactada pela complicação do sistema, o que desloca a matéria do campo da concepção abstrata para o da operabilidade.

O Imposto de Renda das Pessoas Físicas, por exemplo, não é simples, mas sua declaração é fácil. É isso o que conta para o contribuinte.

Alguns dados para ressaltar a dimensão dos problemas processuais e procedimentais: no País, a soma das disputas tributárias (inclusive créditos inscritos em dívida ativa) perfaz um montante de R$ 3,3 trilhões, valor equivalente a aproximadamente 50% do PIB previsto para 2017, segundo o Banco Central; o prazo para o desfecho, na Justiça, de controvérsias tributário-constitucionais, que se iniciam na primeira instância, em conformidade com o controle difuso de constitucionalidade, é de 15 a 20 anos, gerando graves desequilíbrios concorrenciais; estão se esgotando as possibilidades de oferecimento de avais e fianças a contribuintes que contestam lançamentos tributários pela via judicial; por força de um burocratismo predatório que contrasta, paradoxalmente, com a excelência tecnológica da administração tributária, a mais recente pesquisa do Banco Mundial sobre a facilidade de fazer negócios (“Doing Business”) classifica o Brasil, em termos de pagamento de impostos, na lastimável 184ª posição em um universo de 190 países (apenas quatro países pobres africanos, Bolívia e Venezuela têm desempenho inferior ao Brasil).

É impressionante a pouca atenção que se dá a essas matérias, dando a impressão que há uma firme intenção de preservar o império da litigância e da burocracia. Com as vigentes regras processuais e procedimentais, nenhum sistema tributário será eficaz.

Em lugar de estimular o exercício de inviáveis fantasias tributárias, o governo Temer deveria conferir prioridade à reforma dos processos e procedimentos tributários.

No Senado, já foram apresentadas propostas que lidam com aquela reforma: a PEC nº 112/2015, gestada na CPI do CARF, que funcionou naquela Casa; e a PEC nº 57/2016 e o projeto de lei complementar nº 406/2016, elaborados no âmbito da Comissão dos Juristas para Desburocratização. Essas proposições são, ao menos, um ponto de partida para discussões mais profundas.

 

 

 

* Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal


Everardo Maciel: O equívoco da reforma tributária

Mais uma vez, retoma-se o debate sobre projetos de reforma tributária, com pretensões excessivamente ambiciosas.

Todos os sistemas tributários são imperfeitos, porque resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos parlamentos. Não são maquetes ou aplicativos. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexidade de relações econômicas e sociais em uma sociedade.

Essa complexidade, por sua vez, é crescente, porque os sistemas tributários vão, ao longo do tempo, incorporando alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concepção original.

A imperfeição e a complexidade, todavia, estimulam ideias voltadas para a refundação dos sistemas tributários, no contexto de uma idealização improvável e pouco útil.

Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégicas, objetivando eliminá-los ou mitigá-los.

Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.

Há muitas razões contrárias a pretensões megalomaníacas de reforma tributária.

Mudanças têm custos e riscos. Estabilidade normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para decisão sobre investimentos privados.

Em entrevista a Veja (27/09/2017), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupação em relação à tributação brasileira era a imprevisibilidade. Acrescentou que, na Noruega, era alta a tributação da atividade petrolífera (78%), mas estável.

Em entrevista ao Financial Times, veiculada em Valor (28/04/2017), Warren Buffet, um dos maiores investidores do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.

Além disso, há riscos para o erário e para o contribuinte. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferenciado sobre os contribuintes.

No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureiro. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.

Em tudo, não se pode esquecer a nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países, construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias.

O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Enquanto isso pouco ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário.

A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituição de impostos, os óbices à compensação, etc.

É certo que indeterminação conceitual sempre haverá, demandando a intervenção esclarecedora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados. O que é condenável é o exagero.

Ainda não pacificamos conceitos como faturamento, receita bruta, indenização para fins tributários, dissolução irregular de empresas, responsabilidade solidária dos sócios, substituição tributária, planejamento tributário abusivo, etc. É um absurdo.

O processo, desde o lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiência.

Na União, os valores em discussão administrativa e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspondem a mais que o dobro da arrecadação anual de tributos.

Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que dos impressionantes 80 milhões de processos pendentes na Justiça cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.

Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a urgente reforma consiste em debelar essas enfermidades tributárias. Ela, contudo, não tem o charme do desenho de um novo, imprevisível e desnecessário modelo tributário.

Recorro a Einstein: “é insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

 

 


Míriam Leitão: Nó tributário 

O deputado Carlos Hauly, (PSDB-PR), relator da reforma tributária, diz que no dia 10 de outubro apresentará o projeto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e que a partir dessa data o texto estará pronto para ir à votação. Hauly está convencido de que este é o momento ideal para avançar com a reforma e avalia que é mais fácil para o país assimilar uma simplificação nos impostos do que mudanças na Previdência.

A grande dúvida é: por que desta vez o país vai conseguir aprovar uma reforma que vários governos tentaram sem sucesso? Hauly diz que há consenso no Congresso de que sem ela a economia não voltará a crescer fortemente, mesmo que resolva a crise fiscal. Explica que tem conseguido superar resistências e conflitos de interesses ao propor uma transição lenta para o novo modelo, com a garantia de manter por cinco anos o percentual de arrecadação atual.

— Ninguém perderá no curto prazo. A arrecadação média dos últimos três anos, tanto do governo federal, estados e municípios, ficará congelada para os próximos cinco anos. Depois, as mudanças serão graduais, por mais 10 anos, para acabar com o ICMS — afirmou.

A promessa é que não haverá redução da carga tributária, mas também não haverá aumento. O principal ganho para a economia será a queda do custo que as empresas têm para pagamento de impostos e do tempo que se perde para cumprir com as obrigações.

Dez impostos deixarão de existir e serão unificados em uma única cobrança, com incidência em todo o país. Assim, acabará o emaranhado tributário do ICMS, que promove a guerra fiscal e tem regras e alíquotas em cada um dos 27 estados. Esse tributo seguirá o modelo do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) europeu, com tributação no destino e sem dupla tributação. As renúncias terão que ser nacionais. O que for concedido para um, terá que ser dado para todos, segundo Hauly:

— O que isso muda? Em primeiro lugar, você acaba com desonerações que passam de R$ 500 bilhões por ano, incluindo governo federal, estados e municípios. Mantém apenas 30% da desoneração atual. E acaba com a guerra fiscal porque põe fim ao ICMS. Como a reforma não tem interesse em aumentar carga tributária, você desonera outros setores, como remédios, alimentos, máquinas e exportação.

Setores que precisam de maior regulação ganham um imposto próprio, que pode ter alíquotas maiores, como automóveis, energia, cigarros, telecomunicação, combustíveis, eletrodomésticos e bebidas. Um dos pontos incertos é o que fazer com a Zona Franca de Manaus, que custa R$ 26 bilhões por ano e tem garantia constitucional para continuar existindo. Hauly diz que as negociações começam na próxima semana.

O advogado tributarista Gustavo Brigadão, presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da IFA 2017, acredita que o projeto é uma das maiores oportunidades que o país já teve na área. Diz que as ideias vão na direção certa e que o momento é propício para mudanças, por causa da crise e da dificuldade de aprovar alterações na Previdência.

— O projeto avança em muitos pontos. A ideia de congelar a arrecadação é importante para superar resistências. Ao mesmo tempo cria-se um superfisco, um órgão central de arrecadação, com membros dos estados e municípios. Todos participam da fiscalização, arrecadação e cobrança — explicou Brigadão.

Hauly cita pesquisa do Ipea que mostra que quem ganha dois salários mínimos compromete 53% da renda com o pagamento de impostos, enquanto entre os que ganham 30 salários o percentual cai para 29%. Para acabar com essa disparidade, a ideia é diminuir o peso dos impostos sobre o consumo e aumentar a carga sobre o patrimônio e a renda.

O governo Temer tem deixado a reforma tributária de lado, para tentar avançar com a Previdência. Pode ser um bom momento para mudar de estratégia.

RECORDE HOJE?
Ações da Petrobras fecharam em alta de 1,45% ontem na bolsa americana. Se o Ibovespa subir 0,15% hoje, quebrará recorde.

VISÃO DE MERCADO.
Cenário externo favorável, corte de juros pelo Banco Central e mais o depoimento de Palocci devem impulsionar o índice.

TERMÔMETRO DO PIB.
Consumo de energia caiu 0,6% em agosto, sobre o mesmo mês de 2016, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.