racismo

Germano Martiniano: William Waack e as redes sociais

Minha primeira reação a ver o vídeo de William Waack dizendo, “preto, coisa de preto”, foi condená-lo, afinal um jornalista do seu porte não poderia dar uma brecha dessas. Depois, repensando o caso, conversando com amigos, lendo opiniões na internet, comecei a questionar o limite entre a vida pública e a vida privada, e como as redes sociais interferem neste processo.

Para compreendermos melhor o caso de Waack precisamos, antes de tudo, definir algumas situações: piadas e expressões cotidianamente usadas em nossa vida PARTICULAR devem ser condenadas publicamente e passível de punições, como no caso do jornalista da Globo? Vamos aos argumentos possíveis:

1) Usando o caso de Waack, os que o condenam por racismo poderão dizer, “mesmo as piadas particulares ajudam a perpetuar, ainda que inconscientemente, um conceito de superioridade ou inferioridade de raça, que a acaba por se transferir para vida pública”.

2) Os que defendem não o comentário de Waack, porém que ele não seja execrado pela opinião pública e que não seja demitido pela Globo, podem afirmar, “mas, como iremos controlar o que cada pessoa diz em sua vida particular?”.

Precisamos analisar as possibilidades. No primeiro caso, o discurso de que piadas e expressões transferem para vida pública o pré-conceito tem fundamento, porém leva, inevitavelmente, para o segundo caso e o problema fica maior: definir o que é moralmente aceito ou não na vida particular das pessoas.

O mundo atual, defensor ferrenho das liberdades individuais, neste caso de Waack discute: ele merece punição? Se ele dissesse ao vivo, para o povo brasileiro, sim! Mas, ele disse em seu particular. Temos de convir, que ainda que discordemos do que as pessoas dizem na vida privada, como condená-las publicamente e exigir punições? Não seria querer estabelecer um padrão de comportamento que é paradoxal com o intuito das liberdades individuais?

Não se analisa aqui conteúdo em si, pois como dito Waack vacilou, estamos analisando a vida privada das pessoas, na qual cada cabeça é um universo que necessita ser respeitado, desde que o mesmo não cerceie a individualidade alheia e respeite as leis sociais. Ou seja, desde que palavras, piadas, expressões etc., não se tornem em atos públicos que irão reduzir os direitos de certos grupos sociais!

Redes Sociais

Com o advento dos “super-celulares” que todas as pessoas possuem e são capazes de registrar e investigar a vida alheia e também com o discurso do politicamente correto que impera nos dias atuais, o limite entre vida pública e privada está, cada vez mais, confuso. Se o mundo passar a ser um lugar de “detetives de plantão” com smartphones, teremos de julgar e condenar a maioria da população.

Outro problema em se julgar situações a partir de vídeos, textos, fotos e áudios em redes sociais é que, na maioria das vezes, o contexto da situação que se espalhou é ignorado. A pessoa acusada é perseguida por um ato isolado sem que se análise sua vida no geral e até mesmo o fato originou a acusação. Sem falar nas edições de vídeos, imagens e áudios, nas quais se pode “planejar o crime perfeito”.

Como disse a jornalista Lúcia Boldrini, citada em texto de Reinaldo Azevedo em defesa de Waack, “no dia em que os esfoladores conseguirem acabar também com o nosso sarcasmo privado, só sobrarão eles, os esfoladores”.


Roberto Freire: A marcha do ódio e um alerta para o mundo

Todo o mundo permanece estarrecido e acompanha com enorme preocupação as consequências dos acontecimentos do último fim de semana em Charlottesville, no Estado da Virgínia (Estados Unidos). As ruas da pequena cidade norte-americana, de cerca de 50 mil habitantes, foram palco de uma série de atos de violência perpetrados por grupos de supremacistas brancos de corte claramente neonazista, xenófobo e racista, e de confrontos com manifestantes que protestavam justamente contra os extremistas de direita. Ao menos uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas.

Historicamente considerada progressista, Charlottesville é a cidade onde viveu Thomas Jefferson (1743-1826), o terceiro presidente dos Estados Unidos e um dos mais emblemáticos “pais fundadores” da nação norte-americana, principal autor da Declaração da Independência e defensor do republicanismo. Os grupos extremistas de direita, aliados a neonazistas e adeptos da famigerada Ku Kux Klan, foram às ruas para protestar contra a retirada de uma estátua do general Robert E. Lee, um dos símbolos dos movimentos escravocratas e líder dos confederados na Guerra Civil Americana (1861-1865) – batalha sangrenta que opôs estados do sul (escravagistas) e do norte, deixando mais de 600 mil soldados mortos.

O que se pode observar das cenas que o mundo todo acompanhou nos últimos dias é a manifestação de um nacionalismo exacerbado que insufla discursos de ódio, intolerância e preconceito. Os grupos que tomaram as ruas de Charlottesville e protagonizaram cenas de horror são movidos pela xenofobia, pelo racismo, pela tentativa de anulação do outro. Não aceitam a diversidade e pretendem eliminá-la de qualquer forma, seja com socos, pontapés, paus, pedras, barras de ferro ou tiros.

Se em qualquer tempo, em qualquer época e sob qualquer circunstância esse tipo de violência é inaceitável, é evidente que ela se torna ainda mais ultrajante no mundo globalizado do século XXI, em que vivemos em uma “aldeia global” e estamos plenamente interconectados. Muitas vezes as pessoas vivem e trabalham longe de suas cidades ou mesmo de seus países de origem. Internacionalista que sou, não posso tolerar a xenofobia, a perseguição aos imigrantes ou refugiados, o extremismo que não aceita a convivência com o estrangeiro. O mundo de hoje, afinal, caminha para não ter mais fronteiras.

Como se não bastasse tamanho radicalismo, o que temos observado, especialmente nas redes sociais, é uma tentativa de parte da direita brasileira de relacionar o nazismo à esquerda. Evidentemente, trata-se de um raciocínio enviesado e desprovido de qualquer embasamento histórico. Guardadas as devidas proporções, essa estultice talvez só seja comparável à invencionice de alguns supostos intelectuais que chegaram às raias do absurdo ao negar a existência do Holocausto – o genocídio de milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, extermínio atroz praticado pelo estado nazista.

O horror nas ruas de Charlottesville não deixa dúvidas sobre os responsáveis pelo recrudescimento dessa horda radical e segregacionista. A origem de tais movimentos está justamente em grupos neonazistas da direita norte-americana, que felizmente enfrentam forte reação da parcela amplamente majoritária dos cidadãos daquele país. Grosso modo, a população dos Estados Unidos, independentemente de suas colorações partidárias, repudia com veemência os ideais racistas e xenófobos dos supremacistas e de uma espécie de “nova roupagem” da Ku Kux Klan – que nada tem de novidade, ao contrário, alimenta velhos preconceitos e o reacionarismo que sempre marcaram suas ações.

Traçando um paralelo com a realidade brasileira, por mais que os acontecimentos em Charlottesville nos pareçam distantes, temos de estar atentos para que esse tipo de manifestação não ganhe força também por aqui. Já existem no Brasil uma extrema-direita e parcelas da esquerda que não têm nenhum compromisso com a democracia. O principal líder de uma nova organização partidária possivelmente denominada “Patriotas” é um notório defensor da ditadura militar brasileira que infelicitou a nação por mais de 20 anos e entusiasta, inclusive, da tortura por ela praticada. Por outro lado, como se sabe, há uma parte da esquerda que apoia abertamente o regime ditatorial de Nicolás Maduro na Venezuela.

Nossa missão é trabalhar pela construção de uma candidatura que unifique o campo democrático e evite que, nas eleições de 2018, a disputa pela Presidência da República se polarize entre duas alternativas autoritárias e descomprometidas com os valores democráticos. Nesse diapasão, tenho acompanhado com entusiasmo o debate fomentado por organizações suprapartidárias e movimentos da sociedade civil sobre qual seria a melhor alternativa para aglutinarmos o campo do centro democrático em torno de um verdadeiro projeto de país.

Que o horror em Charlottesville sirva como um sinal de alerta não só para o Brasil, mas para todo o mundo. Nenhum país está a salvo do extremismo e dos discursos vazios que oferecem soluções simples e equivocadas para questões complexas. Em resposta ao ódio, pregamos a paz. Contra o racismo, defendemos a igualdade. No combate ao preconceito, propomos a tolerância. Para cada rompante autoritário, valorizamos ainda mais a democracia. A civilização sempre vencerá a barbárie.

 


Em comemoração ao Dia da Consciência Negra, Igualdade Racial 23 e FAP debatem racismo e mortalidade de negros

O coletivo Igualdade Racial 23 e a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizaram, na última sexta-feira, o Seminário “Direitos Humanos e Relações Raciais”, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, celebrado neste domingo (20). O encontro contou com a participação de especialistas em igualdade racial e direitos humanos e abordou temas como o racismo no Brasil e o assassinato de jovens negros.

O coordenador do coletivo, Sionei Leão, afirmou que o seminário foi o primeiro de uma série de encontros que serão realizados ao longo de 2017. Ele ressaltou a qualidade dos palestrantes.

“A igualdade racial e os direitos humanos estão ligados mas, em razão das militâncias serem diferenciadas, nem sempre se faz essa junção. Fizemos o seminário na sexta com pessoas altamente qualificadas, como a participação do coronel da Polícia Militar do DF, Marcos Araújo, que é especialista em segurança pública e direitos humanos, e Kelly Quirino que é membro da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas. Começamos com o primeiro de muitos eventos que serão realizados ao longo de 2017”, adiantou.

Já o integrante do Núcleo de Igualdade Racial do PPS, Romero Rocha, afirmou que o encontro norteará as próximas ações do coletivo.

“O encontro foi pensado dentro da necessidade de se debater o tema da mortalidade dos jovens negros. A reunião foi um “start” do coletivo. Levantamos o tema e trouxemos especialistas para debatê-lo. A discussão nos traz um entendimento sobre o assunto e norteará as nossas próximas ações. Dessa vivência conseguimos ter uma compreensão mais ampla e a partir daí começaremos a pensar nas novas ações”, disse Romero.


Fonte: pps.org.br


‘Racismo tem profundas raízes no colonialismo e na escravidão’, diz chefe de direitos humanos da ONU

Zeid Ra’ad Al Hussein participa da primeira reunião regional da Década Internacional de Afrodescendentes. PNUD apoia iniciativa.

do PNUD

Começou nesta quinta-feira (3), em Brasília, a primeira reunião regional realizada no contexto da Década Internacional de Afrodescendentes da ONU. A América Latina e o Caribe foi a primeira a se organizar para discutir as ações e expectativas para a Década, que teve início neste ano e só terminará em 2024. O evento, organizado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e sediado pelo governo brasileiro, termina hoje (4), com transmissão ao vivo, e reúne cerca de 150 pessoas de toda a região. Integrante do Grupo Temático de Gênero, Raça e Etnia do Sistema ONU no Brasil, o PNUD também apoia a Década Afro.

O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, está em visita oficial ao Brasil para participar do encontro. Na abertura do evento, Zeid destacou que é “grandiosa” a tarefa proposta pela Década. “Dez anos para reverter cinco séculos de discriminação estrutural? A discriminação racial tem profundas raízes cultivadas no colonialismo e na escravidão e se nutre diariamente com o medo, a pobreza e a violência. São raízes que se infiltram de forma agressiva em cada aspecto da vida – desde o acesso à educação e alimentos até a integridade física e a participação nas decisões que afetam fundamentalmente a vida de cada pessoa”, disse o chefe da ONU para os direitos humanos.

O alto comissário destacou que a Década Internacional é uma oportunidade para levar adiante diversas reformas que já estão acontecendo na região – como na Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica, México e outros países. Ele disse que também espera que a Década impulsione a aplicação “com firmeza” de leis relacionadas e a implementação de políticas e programas de modo a trazer “melhorias tangíveis” para as vidas das pessoas afrodescendentes.

“Uma década é realmente um curto espaço de tempo, mas, se definirmos metas concretas, poderemos fazer diferença transformadora nos 10 anos decisivos da vida de uma criança da favela ou de um bairro pobre”, destacou Zeid.

A ministra brasileira das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, afirmou que o Brasil se sentiu muito honrado em receber a primeira conferência da Década Internacional de Afrodescendentes.

“Em resposta aos compromissos assumidos em Durban, muitos países da região estabeleceram instâncias de inclusão para a população afrodescendente”, lembrou, em referência à conferência contra o racismo de 2001. Como resultado da Marcha Zumbi dos Palmares de 1995, disse a ministra, que reuniu 30 mil pessoas em Brasília, o governo assumiu à época um conjunto de compromissos voltados ao combate ao racismo e à promoção da igualdade racial.

“Essa perspectiva de combate à desigualdade racial está refletida em uma série de políticas do governo brasileiro. O aumento do volume dos investimentos sociais e das políticas de ações afirmativas trouxe resultados. O nível de pobreza da população negra caiu 73%. Neste ano, 58% das pessoas inscritas no ENEM [exame nacional para ingresso nas universidades] são afrodescendentes. No programa Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego], os negros são 65% dos beneficiados”, exemplificou Nilma.

Segundo a ministra brasileira, mesmo em meio a importantes avanços promovidos pela diminuição da desigualdade racial, ela persiste no Brasil. “O racismo é incompatível com a democracia. Devemos ampliar o espectro de proteção consagrada em Durban, aprofundá-la, fortalecê-la, mas jamais reduzi-la”, destacou.

Segundo Nilma Lino Gomes, o comprometimento da comunidade internacional com a promoção dos direitos humanos é fundamental. “A promoção da igualdade racial se beneficiará do intercâmbio de experiências, da promoção de boas práticas e de políticas de inclusão. Que esse seja o início de uma década de promoção de políticas públicas, de democracia e de igualdade social”, acrescentou.

O evento terá, até esta sexta-feira (4), debates sobre a Década da ONU e seus principais objetivos e propostas de ação, com foco na América Latina e Caribe. A Assembleia Geral, que proclamou a Década, determinou três eixos temáticos para a iniciativa: “reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. Segundo as Nações Unidas, existem aproximadamente 200 milhões de pessoas vivendo nas Américas que se identificam como afrodescendentes. Muitos mais vivem em outros lugares do mundo, fora do continente africano.

Fonte: PNDU Brasil