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IstoÉ: Freire rejeita aliança com Lula e Bolsonaro em 2022 e diz que aceitar polarização é “pacto com o retrocesso”

Em live da revista IstoÉ, o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, afirmou que recusaria eventual proposta de aliança eleitoral com o PT, em 2022, pois considera que o partido representa um dos eixos da polarização que impede o país de avançar. Para ele, um alinhamento com qualquer dos dois polos – lulista ou bolsonarista – sinalizará para a sociedade um “pacto com o retrocesso”.

“Pra eleição, não me aliaria ao petismo. Precisamos superar a política populista de ambos, contra a política que eles representam. São dois projetos contra o país. Como vou me aliar a um deles? Evidentemente, no lado de Bolsonaro, você ainda tem a barbárie protofascista, o fundamentalismo religioso. Com esse setor, além do populismo econômico, social e político, há uma concepção de mundo completamente retrógrada”, condenou.

Freire defendeu o combate à desigualdade como bandeira fundamental de uma eventual candidatura do apresentador Luciano Huck à Presidência e disse que ela tem de se dar a partir de um bloco de centro-esquerda com os liberais e inclusive com a direita democrática. “Precisamos, como forças democráticas, enfrentar esse governo obscurantista, e não devemos ter nenhuma ansiedade de imaginar que porque ele cresce na sua popularidade, que ganhou 2022. Temos muito caminho a percorrer”, pontuou.

Segundo ele, até lá, é preciso “fazer boa oposição, uma oposição democrática e nos preparar”. “Porque nós vamos ser vitoriosos em 2022 e esse Brasil vai voltar a sorrir. Não podemos ficar imaginando que só nos resta lulismo ou bolsonarismo. Isso tem de ser, em 2022, coisa do passado”, sustentou.

Ao ser questionado pelo jornalista Germano Oliveira, que conduziu a entrevista, o presidente do Cidadania elogiou a “atuação de estadista” do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas avaliou que seria um equívoco qualquer tentativa de mudar a legislação para permitir uma nova reeleição para o comando do Legislativo.

“Estava no Congresso quando FHC propôs a reeleição. Se fosse para outro presidente, após aquele mandato, você poderia admitir, mas não de casuísmo. Foi um erro ali. Éramos a favor da reeleição, mas não daquela ali. É um erro se tentar agora seja porque processo for. Esse ajeitadinho não é bom para a democracia”, analisou.

Confira os principais pontos da entrevista com o diretor da IstoÉ, Germano Oliveira.

Ataques à imprensa
Ataques à imprensa sempre fez. Faz independentemente de qualquer outro aspecto. É da essência dele, de sua incapacidade de conviver com o contraditório e com a imprensa livre. Quando você toca em Queiroz, nas relações com milicianos inclusive presos são relações estranhas que serão esclarecidas. Tão logo encerre seu mandato isso virá à luz do dia. Quando se toca no assunto, ele perde as estribeiras. Essa agressão aos jornalistas e que criou algo que todo brasileiro cria piadas em torno disso, porque esse cheque que tem fundo mas é voador, chegou na conta de sua esposa.

Polarização
Em 2018, você instituiu e isso é grave porque vemos uma repetição agora nos EUA, a articulação de uma extrema direita que mente com o maior descaramento. Mentiu na campanha e as pessoas infelizmente acreditaram. A questão das rachadinhas surgiu ainda na campanha. Quem não sabe que tinha auxílio, mesmo tendo imóvel? Já se sabia antes da eleição, mas passou batido. Aquela bolha de apoio nas redes não leva em consideração que se fale que sua esposa recebeu cheque sem ter a origem lícita. Seus aliados pouco se importam com isso. É a mesma coisa dos que acham que Lula é inocente. Com novidades aparecendo todo dia sobre rachadinhas. Rachadinha é corrupção.

Lulismo x Bolsonarismo
Eu só não comparo porque, de qualquer forma, você tem no PT uma maioria que tem uma concepção de mundo que não é a barbárie. Há setores que apoiam a ditadura, que é um grave equívoco, na Nicarágua, na Venezuela, desde que seja do agrado deles. Hoje, é uma visão anacrônica e profundamente antidemocrática. Mas eles têm uma visão, em sua maioria, que têm compromisso com visão humanista da sociedade. Bem diferente da barbárie protofascista que acompanha Bolsonaro e muitos dos seus áulicos.

Risco de ruptura
Não tem nenhuma segurança de que você não tenha no núcleo do governo a concepção de que o regime ideal é o implantado na ditadura de 1964. Convivem com alguns de seus ídolos que são o pior da concepção humana, torturadores. Disse que a ditadura não foi eficaz porque matou pouco, reprimiram de forma leniente. Essa visão ele já tinha, demonstrava isso e eu acompanhei porque era deputado com ele. Ele era do baixíssimo clero. Isso não mudou. Essa visão arcaica. Expôs à luz um movimento de ultradireita expressivo. Tivemos governos de retórica de esquerda, mas ficamos como um país dos mais desiguais do mundo. A direita nunca se preocupou com isso. Não tenho nenhum receio do enfrentamento político que teremos em 2022. Temos ainda muito chão pra andar, embora perto. As pesquisas com cenário definido pra 2022 não existem em termos de candidatos. Costumo brincar que não podemos morrer pela zoada do tiro.

Candidatura de Huck
Acredito que sim. Não posso afirmar porque ele não se decidiu. Mas pelo andar da carruagem, o ex-governador Antônio Brito, que também trabalhava na Globo quando saiu pra política, me disse ter a impressão de que Luciano estava atravessando a rua. É uma pessoa bem formada, tem uma visão de mundo, talvez conheça a realidade brasileira tão bem quanto qualquer outro, até porque o programa de televisão é muito ligado à realidade da imensa maioria da população brasileira, uma compreensão de que o grande problema do país é a desigualdade. O Cidadania torce pra que isso se concretize, pode ser a alternativa na construção de um polo democrático pra evitar polarização perniciosa lulismo x bolsonarismo, que é terrível para o país.

Desigualdade
Será a bandeira porque justifica nossa trajetória política. Pandemia expôs a desigualdade, que chega ao ponto de determinar quem vai morrer mais. Alguns partidos de esquerda entraram na Justiça agora contra o marco do saneamento. Você acredita que deve manter uma estrutura que condenou mais da metade da população a não ter saneamento, 30% sem água encanada? Uma das formas de evitar a doença é lavar as mãos, mas onde 30% da população lavariam se não têm água encanada? Manutenção de Estado patrimonialista, privatizado pelo interesse das elites econômicas? Precisamos superar essa desigualdade.

Centro?
Centro não é posição muito definida. Centro de quê? 2018 não foi uma polarização anterior, ela surgiu no segundo turno. No primeiro, movimento anti-establishment, numa articulação pelas redes, que surpreendeu a todos, embora já se falasse no Trump e no Brexit, manipulação e fake news, tínhamos conhecimento, mas não tivemos clareza do movimento aqui. Mesmo analistas que viam a política pelo velho endereço das ruas se viram com a surpresa de ver eleito alguém que não tinha nem partido direito. Teve componente do anti-petismo no segundo turno. Agora, isso está expresso, não tem porque não entender que, na sociedade, há um amplo campo democrático que precisa se coesionar. Tenho impressão de que há um nível de consciência que se não aglutinar num bloco só, ao menos um grupo de centro-esquerda, com setores liberais e da direita democrática pra pensar esse novo mundo.

Aliança com o PT
Não, pra eleição não me aliaria ao petismo. Se houver qualquer alinhamento com esses dois polos, mais uma vez será anunciado para o Brasil um pacto com o retrocesso. Precisamos superar a política populista de ambos, contra a política que eles representam. Não há nenhum projeto de Brasil se desenvolvendo. Tenho que imaginar que o país supere essa realidade. São dois projetos contra o país. Como vou me aliar a um deles? Evidentemente, no lado de Bolsonaro você ainda tem a barbárie protofascista, o fundamentalismo religioso. Com esse setor, além do populismo econômico, social e político, há uma concepção de mundo completamente retrógrada.

Toma lá, dá cá
No processo político, em sociedades democráticas, há relação entre Executivo e Legislativo. Claro que não governará sem apoio do Parlamento. Não é problema ter como composição do governo forças políticas do Parlamento. [Pensar diferente] Seria apostar num impasse, em conflito entre poderes. Quando se fala em toma lá, da cá, é uma referência a negociações espúrias. Posso dizer que existe como fazer diferente porque fui líder do governo Itamar Franco, não houve escândalo e havia composição política. Prática parlamentar de Bolsonaro sempre foi de baixíssimo nível, sei porque fui deputado 26 anos com ele. Por trás dessa integração com o Centrão, pode ter tido acordos promíscuos. Um deles? Todo o desmanche no que se criou em termos de combate à corrupção no país. Está destruindo tudo isso. Bolsonaro está desconstruindo isso, aparelhando a Polícia Federal, a PGR, o MP no Rio pra blindar os familiares e os amigos como se pronunciou naquela reunião ministerial.

Reeleição no Congresso
Não vejo isso como errado apenas porque alguém pode querer fazer o mesmo. Errado é errado. Estava no Congresso quando FHC propôs a reeleição. Fui até ele com Montoro, Gabeira e outros e questionamos porque não o parlamentarismo? Porque a reeleição ali era uma violência. Se fosse para outro presidente, após aquele mandato, você poderia admitir, mas não de casuísmo. Foi um erro ali. Éramos a favor da reeleição, mas não daquela. É um erro se tentar agora, seja porque processo for. Esse ajeitadinho não é bom para a democracia. Quero até dizer que Rodrigo Maia está surpreendendo. Era bom parlamentar, com boa visão, mas surpreendeu como presidente nesse período conturbado revelando-se até um estadista. Mas essa ideia de buscar reeleição é um equívoco.

Pandemia
Como é que se pode enfrentar uma pandemia sem ter uma política na saúde pública consistente, continuada e com estratégias? Exemplo maior é ter um interino há quatro meses no Ministério da Saúde, e no meio da pandemia mudou dois ministros. E por curandeirismo, charlatanismo, porque não queriam indicar uma droga que o presidente achava que tinha o poder de curar quando nenhum dos órgãos que cuidam dos fármacos no mundo indicava. Poderia ser como um experimento. O médico pode experimentar. Mas não é a recomendação e não pode ser indicado como ele fez num momento de pânico. Como autoridade máxima teria de dar o exemplo. Tivemos a balbúrdia, o conflito, o caos, a guerra com prefeitos e governadores como ele mesmo anunciou. Até hoje, a postura em relação ao sofrimento de mais de 121 mil famílias não tem um mínimo de empatia. Não tivemos unidade nacional e infelizmente não temos. Isso pra ele não tem a mínima importância. Erradicamos várias doenças por vacina e tratamentos importantes. Temos expertise nisso e não valeu nada porque temos um governo que retirou um técnico e colocou no lugar um veterinário que estava trabalhando num tribunal em Brasília. A que pontos chegamos.

Amazônia
É tão criminosa quanto o tratamento dado à pandemia, só que não está matando diretamente como a pandemia. Criando problemas para a sustentabilidade e para o mundo futuro. Vi surgir o movimento dos verdes e assumiu uma posição que toda a humanidade se preocupa com isso. Montou um governo que tem como tarefa a exploração da Amazônia, pouco importa o que é que vai fazer, garimpo ilegal, desmatamento, atividade atrasada de que não precisa desmatar pra que o Brasil continue potência do agronegócio que o Brasil é, com o desenvolvimento tecnológico, a Embrapa é de fundamental importância nisso. Temos muito a apresentar e estamos jogando fora nesse governo negacionista, que é contra toda e qualquer ideia de humanidade e sustentabilidade. É um desastre. Talvez ainda se possa resolver porque a própria atividade econômica brasileira vai se ressentir desse desmantelo do governo e de seu ministro. Quem salva um pouco é o vice-presidente, que tem um pingo de razão nesse mar de destruição.

Considerações finais
Quando a gente chega a certa idade, fica um pouco nostálgico. Algumas são nostalgias ótimas porque lembram bons momentos. Você lembrou de nos conhecermos em Londrina num dos momentos mais duros e sombrios da ditadura. Jovens em tempos difíceis tentando enfrentar aquilo, mas sabíamos que estávamos lutando pelo que de melhor o ser humano tem, sua liberdade, não ver no outro ser humano um inimigo, fraternidade, um mundo mais solidário. Precisamos como forças democráticas enfrentar esse governo obscurantista, e não devemos ter nenhuma ansiedade de imaginar que porque ele cresce na sua popularidade que ele ganhou 2022. Temos muito caminho a percorrer. Temos de fazer uma boa oposição e isso em alguns aspectos está faltando. O Congresso precisa atuar mais politicamente, mesmo de forma remota. Precisamos criar CPIs. O Congresso existe pra fiscalizar e controlar o Executivo. Não é porque tem pandemia, mas escândalos como os de rachadinhas e milícias tudo isso exigiria CPI. Precisamos fazer boa oposição, uma oposição democrática e nos preparar. Porque nós vamos ser vitoriosos em 2022 e esse Brasil vai voltar a sorrir. Não podemos ficar imaginando que só nos resta lulismo ou bolsonarismo. Isso tem de ser, em 2022, coisas do passado.


Ascânio Seleme: Futuro do PT será determinado pela prevalência de um grupo

No partido há dois grupos: o de Lula, que manda, e que entende que é urgente um entendimento entre as forças políticas democráticas

A coluna de sábado passado, em que defendi o perdão ao PT e a sua reinclusão no debate político nacional, sem ressentimento e sem ódio, gerou uma enxurrada de mensagens e comentários que chegaram por e-mail, WhatsApp e outros meios digitais ou foram publicados em sites e blogs. Muitos deles partiram de uma premissa errada, de que o meu texto representava a opinião do GLOBO. Como obviamente não é este o caso, não precisam ser comentados. Mas o que a maioria revelou, de ambos os lados do espectro político, é que uns não querem ser perdoados e outros se recusam a perdoar.

Claro que não se trata de uma amostragem confiável, que represente a média brasileira. Ao contrário, os que se manifestaram são sobretudo militantes ou pessoas engajadas que redistribuem tudo o que recebem nas suas timelines sem refletir um pouco mais. Mas são formuladores, influenciadores, que de um modo ou de outro acabam contaminando o resto do seu segmento político. Nenhuma surpresa na reação dos que apoiam cegamente Bolsonaro. Destes, o que se viu foram respostas iradas, agressivas e grosseiras que melhor alinham seus emissores ao perfil patológico do presidente.

Mas houve também eleitores do capitão, mesmo os arrependidos, afirmando que só se pode perdoar quem mostra arrependimento e pede perdão. E este não foi o caso do PT, que, segundo eles, jamais fez um mea-culpa e nunca tentou se alinhar às forças políticas democráticas. Embora seja exagerado, faz muito sentido esse raciocínio. Grande parte dos petistas, a começar pela sua presidente, deputada Gleisi Hoffmann, entende que o PT não cometeu crime algum para ser perdoado. Eles afirmam que Dilma Rousseff foi derrubada por um golpe e que Lula foi preso sem provas. Não admitem que houve desvios bilionários da Petrobras, e por segurança nem tocam no assunto, e afirmam que o mensalão foi uma invenção da direita e da mídia.

Se o Partido dos Trabalhadores se organiza internamente através de algumas tendências políticas que lutam pelo poder na legenda, do lado de fora se consegue ver apenas dois PTs distintos. Um deles é o de Lula, o que manda, e tem entre seus expoentes Gleisi Hoffmann e José Dirceu. Estes não querem nem ouvir falar de entendimento político, de frente contra Bolsonaro. Apostam na ruptura como única forma de retomar o poder. Entendem que um alinhamento com as demais forças do campo democrático pode resultar na eleição de um não petista. Além disso, afirmam que se a rejeição ao PT acarretar a reeleição de Bolsonaro, esse será um problema do Brasil, não do partido.

Mas há um outro PT, tão de esquerda quanto o de Lula, ou até mais do que este, que entende que é urgente superar a etapa do “nós contra eles” e que um grande entendimento entre as forças políticas democráticas não é apenas necessário, é urgente. Essa turma, liderada pelo ex-ministro, ex-prefeito de São Paulo e ex-candidato a presidente Fernando Haddad, já reconheceu publicamente os erros do PT e se mostrou pronta para reconstruir e reerguer o partido. Esse grupo não tem as amarras populistas de Lula e companhia, é mais moderno, pensa no futuro e não se contenta apenas com o atendimento de interesses imediatistas e corporativistas.

O futuro do maior partido de esquerda do Brasil será determinado pela prevalência de um grupo sobre o outro. Hoje, o PT de Haddad é minoritário, sofre aberta censura do campo majoritário e muitas vezes precisa se calar para sobreviver e seguir brigando internamente pela transformação do partido. Enquanto o dono da bola se recusar a sentar à mesa para trabalhar em conjunto em favor de todos, quem perde é o Brasil. Um país como o nosso, com um abismo social que mantém dezenas de milhões de brasileiros à margem do bem estar e do progresso, precisa de um partido de esquerda forte, moderno e eficiente. Coisa que o PT de Lula não é.

Reforma para quem?
A urgente reforma tributária que vai começar a caminhar mais uma vez no Congresso tem que levar em conta duas premissas fundamentais. A primeira e mais evidente é que ela tem que atender ao cidadão, ao contribuinte, e só depois ao Estado. Além disso, as pessoas querem redução na carga e simplicidade na forma. O sistema tributário brasileiro é um paraíso para os contadores. Só eles conseguem navegar com alguma inteligência nas malhas tributárias e apenas eles sabem onde encontrar aquele gatilho para reduzir o imposto a pagar. O brasileiro está cansado de gatilhos.

O atleta burro
A explicação é do vice-presidente Hamilton Mourão. Para quem não viu, trata-se de uma entrevista que ele concedeu à GloboNews. Mourão disse que Bolsonaro saiu do Exército “no posto de capitão, onde você é muito mais físico do que intelectual”. E que ele não viveu na sua carreira militar a etapa em que “você muda da parte do físico para o intelectual”. Agora dá para entender a explicação do presidente de que a Covid-19 bateria nele como uma gripezinha dado o seu passado de atleta.

Bolsonaro desafia
Ao afirmar na sua live de quinta-feira que o general Pazuello fica no Ministério da Saúde, Bolsonaro desafiou o Exército. Todos sabem da insatisfação dos militares pela associação da sua imagem à pandemia do coronavírus, ressaltada na semana passada pelo ministro Gilmar Mendes. Forçar a permanência de Pazuello acarretará em um desgaste ainda maior para o conjunto das Forças Armadas ou na aposentadoria precoce de Pazuello sem a cobiçada quarta estrela.

Progressão fatal
Se o ritmo do crescimento das infecções por coronavírus continuar como verificado nos últimos 30 dias, quando o número dobrou, em sete meses todos os brasileiros estarão contaminados. Trata-se ou não de um genocídio?

Por outro lado
Nos estados americanos onde a maconha é liberada, o consumo aumentou 50% em junho em relação ao início de maio. No Brasil, as estatísticas que temos são apenas policiais, mas estas valem pouco em tempo de pandemia.

À bala ou pela língua
Todos sabem que Paulo Guedes gosta de usar figuras de linguagem fortes e muitas vezes faz graça com coisa séria. Mas, agora, ele corre o risco de se dar mal. Disse numa entrevista na quinta que só sai do governo “abatido à bala”. Essa foi a gracinha, o perigo de se dar mal foi ter voltado atrás. O ministro se corrigiu em seguida afirmando: “Isso é uma linguagem desagradabilíssima, não posso nem brincar com isso”. Como quem demite é um presidente armamentista, que aumentou o volume de munições que os cidadãos comuns podem comprar e revogou portaria que estabelecia o rastreamento e a identificação de armas, dizer que o tema é desagradável demais pode dar dor de cabeça.

Passando a boiada
Queimadas sazonais acontecem no mundo inteiro e não são exclusividade da Amazônia. Vejam o exemplo da Califórnia, que arde a cada ano provocando mortes e prejuízos importantes. Elas ocorrem também na Europa, na Ásia, na África e na Oceania. Quem não se lembra das tragédias do último verão australiano? No Irã, de acordo como jornal “The New York Times”, houve mais de 1.000 queimadas espontâneas nas florestas locais no últimos três meses. Todo mundo sabe que queimadas espontâneas precisam ser monitoradas e as ilegais devem ser combatidas. No Brasil, as ilegais são incentivadas e as naturais são ignoradas.

Segura as pontas
Dispositivo digital que monitora a forma de dirigir de um motorista está sendo empregado por companhias de seguro americanas nos carros dos segurados que autorizarem sua aplicação mediante um desconto de até 20% no valor que pagam sobre suas apólices. Ajuda muito quem não tem pressa e não acelera. Para o motorista abusado, o resultado do monitoramento pode ao final aumentar o custo da apólice ou levar a companhia a não renovar o seguro.

Que medo é esse
Eles nem existem mais, mas ainda tem gente no Brasil que morre de medo de comunistas, que enxergam em todos os que pensam de maneira diferente da sua. São normalmente pessoas que não gostam muito de pensar. E são tão mal informadas que chegam ao ponto de chamar de comunista até quem se manifesta contra o racismo.


Alon Feuerwerker: Pode dar certo. De vez em quando dá errado

O título é acaciano, eu sei. Mas vamos lá.

A história registra que a tática eleitoral do PT em 2018 acabou dando errado no segundo turno. No primeiro deu certo. Mesmo fortemente fustigado havia anos, o partido levou seu candidato à final presidencial e elegeu boas bancadas legislativas, além de manter razoável cota de governadores, próprios e aliados. O que deu errado, para o PT, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República.

No desenho tático petista, a ida de Bolsonaro à decisão permitiria, até forçaria, a formação de uma frente ampla antibolsonarista, e a onda montante acabaria dando a vitória a Fernando Haddad. A história também registra que essa frente nunca chegou a se formar, pois uma parte dos votos potencialmente frentistas absteve-se, e outra votou mesmo foi no capitão. É a fatia de mercado que até há pouco achava o governo regular mas apostava que acabaria melhor.

Por uma dessas curiosidades históricas, a linha estratégica do bolsonarismo rumo a 2022 é aquela mesma petista, só trocando o sinal. Supõe que basta manter fiel algo em torno de 30% do eleitorado, apostar num replay da polarização do segundo turno de 2018 e levar novamente a taça para casa surfando na onda do antipetismo, ou do antiesquerdismo, ou do anticomunismo. Tem lógica. Como tinha muita lógica a linha petista de 2018.

O que pode dar errado agora? A mesma coisa que deu errado em 2018. Na operação para manter a hegemonia no núcleo mais fiel da base, você acaba produzindo atritos em volume suficiente, acaba isolando-se numa intensidade cujo efeito colateral é dificultar lá na frente o reagrupamento. Cria-se uma situação em que o adversário nem precisa se esforçar muito. Ele acaba fazendo uma colheita de votos quase espontânea.

Talvez o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril não venha a produzir maiores consequências jurídicas. Vamos aguardar. Mas já produziu efeito político. Dificultou um pouco mais aos não bolsonaristas de raiz apresentar o atual presidente como alternativa aceitável. Não chega a ser irreversível, mas o quadro merece atenção. Também porque a ofensiva contra certos importantes personagens institucionais vai pedir destes algum tipo de resposta.

E eles têm tempo para isso. A vingança, sabe-se, é um prato que pode perfeitamente ser comido frio.

Entrementes, à esquerda basta esperar e assistir ao progressivo descolamento entre a direita e o chamado centro. Esta semana o PT e partidos aliados entraram com um pedido de impeachment. Talvez deva ser visto como o cumprimento de um ritual. Aquilo que na política se chama “ocupar o espaço para evitar que outro ocupe”. A esquerda fez o que dela se esperava. Se não der em nada, sempre poderão dizer que fizeram algo.

Mas é visível, até palpável, o pouco entusiasmo na esquerda pela ideia de impeachment. Se Bolsonaro é a instabilidade, o que viria na sequência seria a estabilidade do mesmo projeto.

À esquerda basta agora assistir ao esgarçar da frente adversária, avivando de vez em quando a fogueira que consome as boas relações entre a direita e o dito centro. A reunião ministerial ofereceu matéria-prima abundante para a continuidade do esgarçamento. Que poderá ser potencializado no momento certo por o Brasil caminhar forte na disputa do pódio de mortes pelo SARS-Cov-2.

E tem ainda a economia. Last but not least.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação.


Fundações partidárias debatem pandemia, recessão e saídas para a crise

Ciclo de webconferências Diálogos, Vida e Democracia é realizado pelo Observatório da Democracia

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP*

Coronavírus, isolamento social e saúde pública são assuntos da primeira mesa de debates do ciclo de webconferências Diálogos, Vida e Democracia, que começa nesta segunda-feira (4), às 14h30, com transmissão ao vivo no site do Observatório da Democracia e retransmissão na página da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) na internet. O ciclo pluripartidário de seminários virtuais tem o objetivo de agregar forças do campo democrático da política brasileira e construir propostas para enfrentar a crise política e econômica e os impactos da Covid-19 no país.

Realizado pelo Observatório da Democracia – fórum das fundações do PT, PSB, PCdoB, PDT, PSOL, PROS e Cidadania –, o ciclo terá 19 mesas temáticas que deverão ser realizadas de maio a julho (Veja programação ao final). A primeira webconferência terá a participarão de Artur Chioro, José Gomes Temporão e Carlos Augusto Grabois Gadelha. As interações com internautas serão feitas pelo canal de comentários do youtube do Observatório e também pelas páginas das fundações no Facebook.

Presidente do Conselho Curador da FAP, que é vinculada ao Cidadania, Cristovam Buarque destaca a importância da série de webconferências pluripartidárias. “É fundamental, neste momento das crises política e econômica terríveis, agravadas pela epidemia, que pessoas de diferentes partidos busquem não apenas entender o que está acontecendo, mas, sobretudo, propor alternativas”, afirma.

De acordo com Cristovam, os partidos políticos precisam mostrar à população alternativas que superem o bolsonarismo. “A gente precisa refletir sobre onde estamos errando. Apesar de tudo que Bolsonaro faz e diz de maneira autoritária e enlouquecida, precisamos admitir onde é que estamos errando e não conseguimos mostrar isso a uma parcela grande da população brasileira que continua iludida com Bolsonaro”, assevera. “Ficar gritando basta a Bolsonaro é importante, mas não basta. Nós estamos errando em alguma coisa que não somos capazes de mostrar ao Brasil inteiro os equívocos e riscos do Bolsonaro”, destaca.

As próximas webconferências serão Pandemia e saídas para a crise econômica (12/5); Pandemia, crise e pacto federativo (16/5); e Coronavírus, isolamento social e saúde pública 2 (18/5). Para acompanhar a programação em maio, junho e julho, os internautas podem acessar o site do Observatório da Democracia (www.observatoriodademocracia.org.br)

Após a transmissão, os debates estarão disponíveis no canal do youtube do Observatório da Democracia (https://bit.ly/35oDPeh).

Confira o vídeo!

Os convidados e as convidadas a participar do ciclo Diálogos, Vida e Democracia são:

Acácio Favacho
*ACM Neto
Adilson Araújo
Alessandro Molon
Alexandre Navarro
Aloizio Mercadante
André Longo
Ângela Albino
Antônio Neto
Arnaldo Jardim
Artur Chioro
Axel Grael
Carlos A. Grabois Gadelha
Carlos Lupi
Carlos Nobre
Carlos Sampaio
Carlos Siqueira
Carol Proner
Celso Amorim
*Cid Gomes
Cristovam Buarque
Davi Alcolumbre
David Miranda
Dra. Regina Barros
Edson Carneiro Índio
Eleonora Menicucci
Ênio Verri
Eurípedes Gomes de Macedo Jr.
Fernanda Melchionna
Fernando Haddad
Flávio Dino
Francisvaldo Souza
*Glen Greenwald
Gleisi Hoffmann
Glória Teixeira
Guilherme Mello
Heleno Araújo
Henrique Matthiesen
Humberto Costa
Iago Montalvão
Ildeu de Castro
*Izolda Cela
Ivaldo Paixão
João Carlos Salles Pires da Silva
Joênia Wapichana
José Calixto Ramos
José Eduardo Cardozo
José Gomes Ramos Temporão
José Luís Fiori
Juliano Medeiros
Leocir Costa Rosa
Leonardo Attuch
Lídice da Mata
Lígia Bahia
Luciana Santos
Luis Fernandes
Luiz Davidovich
Luiz Eduardo Soares
Luiz Gonzaga Belluzzo
Luiza Erundina
Manoel Dias
Manuela D’Ávila
*Marcelo Freixo
Marco Antônio Raupp
Maria Amélia Enríquez
Maria Célia Vasconcellos
*Marina Silva
Mauro Oddo Nogueira
Miguel Nicolelis
Miguelina Vecchio
Nilma Lino Gomes
Nilson Araújo
Olívia Santana
Osvaldo Maneschy
Paulinho da Força
Paulo Jerônimo, Pajê
Pedro Cunha Lima
Pedro Gorki
Pedro Ivo
Perpétua Almeida
Raul Jungmann
Renata Mielli
Renato Casagrande
Renato Rabelo
Renato Rovai
Ricardo Antunes
Ricardo Carneiro
Ricardo Galvão
Roberto Freire
Rodrigo Maia
Rosa Maria Marques
Rubens Ricupero
Rui Costa
Sérgio Nobre
Sergio Rezende
*Silvio Almeida
Tereza Campello
Thaísa Silva
Túlio Gadêlha
Ubiraci Dantas de Oliveira
Wolney Queiróz

*Pendentes de confirmação

Dr. Manoel Dias – Fundação Alberto Pasqualini-Leonel Brizola
Christovam Buarque – Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira
Rosanita Monteiro de Campos – Fundação Claudio Campos
Alexandre Navarro – Fundação João Mangabeira
Francisvaldo Souza – Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
Renato Rabelo – Fundação Maurício Grabois
Felipe Espírito Santo – Fundação Ordem Social
Aloizio Mercadante – Fundação Perseu Abramo

*Com informações do Observatório da Democracia


Rosângela Bittar: Fingindo de vivos

Bolsonaro e PT jogam para daqui a 3 anos sem saber o que acontecerá daqui a 3 horas

O PT, em plena pandemia, fez seu primeiro e inovador lance cibernético. Discretos, Lula e seus 111 companheiros do diretório nacional, por 12 horas, na véspera da Sexta-Feira da Paixão, ouviram e falaram com objetividade e disciplina.

Os ex-presidentes Lula e Dilma discursaram; o ex-candidato Fernando Haddad sintonizou-se; os governadores do Piauí, da Bahia e do Rio Grande do Norte transmitiram o consenso das gestões estaduais; prefeitos de Araraquara (SP) e São Leopoldo (RS) representaram os municípios; líderes na Câmara e no Senado, em nome das bancadas, contaram o estado da arte oposicionista no Congresso. Sempre dados ao excesso, foram concisos e disciplinados.

A reunião virtual do comando petista foi um sucesso surpreendente. Inovadora na forma, não se pode dizer o mesmo do conteúdo. Embora tenha mostrado um PT mais unido, ainda enraizado, bem articulado, a tese do renascimento apareceu ainda vestida por ranço antigo.

O que o PT vinha refletindo era sobre a urgência de abrir mão do protagonismo em nome da ampliação da aliança à esquerda e ao centro. O que decidiu foi reeleger como adversário o presidente Jair Bolsonaro, contrapondo-se a ele, para evitar o crescimento do centro na lacuna deixada pelo partido por tanto tempo.

Jair Bolsonaro, em plena pandemia e permanente campanha à reeleição, age, por sua vez, para transformar o PT em seu adversário eleitoral, e o faz combatendo os que podem abrir um caminho alternativo. Demonstram, com isso, inegável crescimento político do centro durante a pandemia.

Maiores ficaram os governadores, os prefeitos, os comandos da Câmara e do Senado, Judiciário, empresariado, organizações sociais, cientistas, médicos, universidades, organismos internacionais.

É contra esses inimigos que Bolsonaro sai por aí desdenhando da morte, brandindo sua espada, em comício a cada esquina, para um vírus invisível. Na mais histriônica encenação com a fantasia de médico, travestido às vezes de cientista, a profissão que abomina, o presidente da República escarnece da população aterrorizada.

É um vale-tudo. Faz a apologia de uma garrafada de feira – a cloroquina para o coronavírus, hoje, ainda é apenas isso –, toma quem acredita. Quem não acredita toma também, o que não tem remédio, remediado está. Mas sob controle e orientação abalizados. Que a inteligência proteja os que não podem tomá-la por seus efeitos colaterais, principalmente os arrítmicos, enquanto não chegam as conclusões das pesquisas.

Não foi Bolsonaro que a inventou, a droga está, desde o início, nos protocolos hospitalares, em um coquetel de fármacos que inclui antibióticos, antivirais, anticoagulantes e o que mais estiver à mão como armas de combate a inimigos desconhecidos, a exemplo do que a ciência fez com a aids. Só que sob um cerco de cuidados que Bolsonaro quer eliminar. O doutor presidente, pelo que se pode compreender, recomenda o produto como vacina, antes da doença, apressando o juízo final.

Bolsonaro está apostando no marketing da propriedade eleitoral da cura. Faz parte da mesma estratégia a escandalosa e desumana campanha contra o distanciamento social, mesmo que a pretexto de salvar empregos. Não importa se, para empregar-se, o trabalhador precise estar vivo.

Se os hospitais explodirem, azar. Azar do Brasil de chegar a um ano como este, a um momento como este, a um problema como este, com um presidente como este.

Ambos, Bolsonaro e PT, recrudescem a polarização para evitar que o centro, em crescimento evidente, os atropele. Jogam para daqui a três anos sem saber o que acontecerá daqui a três horas.

Mas já é possível prever que o voto antipetista não irá mais para Bolsonaro e o voto antibolsonaro não irá, necessariamente, para o PT. O mundo está se transformando e só as carolinas não veem.


Ricardo Rangel: Que autocrítica é essa?

A presunção do PT e de suas linhas auxiliares (como o PSOL, onde está Chico) é a principal responsável pela eleição de Bolsonaro

Anteontem, Chico Alencar, ex-deputado federal pelo PT e pelo PSOL, publicou neste espaço o artigo “Desafios do PT aos 40 anos”, sobre as perspectivas do Partido dos Trabalhadores.

Chico afirma que, antes de 1980, os partidos eram “ajuntamentos de interesses aristocráticos”, mas que o PT “veio das praças para os palácios” e “chegou criticando experiências autoritário-burocráticas do ‘socialismo real’”. O PT de fato nasceu com a promessa de ser um partido democrático, mas até que ponto a cumpriu?

Em 1985, as forças progressistas apoiavam Tancredo Neves, um democrata, mas o PT, amuado com a derrota das Diretas Já, recusou-se a votar, preferindo o risco da vitória de Paulo Maluf, candidato da ditadura. E, “democraticamente”, expulsou os três petistas que votaram em Tancredo.

O PT votou contra a Constituição “cidadã” que ajudou a escrever — e quase não a assinou. Em 1989, contra Collor, o PT “democraticamente” cindiu os brasileiros entre “nós” (os virtuosos) e “eles” (a direita, os canalhas, a elite branca de olho azul, os coxinhas, os fascistas), periodicamente reeditando a polarização.

O PT combateu o Plano Real, recusou uma aliança natural com o PSDB, colou no partido a etiqueta “direita”, fez uma oposição sistemática ao governo FHC. Lutou pelo impeachment de todos os presidentes não petistas, e não criou liderança relevante além daquele que, até da cadeia, é o chefe supremo. O partido “dos trabalhadores” vota contra a reforma do Estado e a favor dos privilégios das corporações (a nova aristocracia), enquanto defende o “socialismo real” de Cuba e Venezuela e advoga o “controle social” da mídia, dita “golpista”.

Segundo Chico, ao chegar ao poder, o PT “fez alianças desconsiderando fronteiras éticas, mais pragmáticas que programáticas”, e falhou na “construção de uma ‘nova gramática’ do poder, inclusive na formulação de uma política econômica alternativa”.

Os defeitos do PT vêm de antes da chegada ao poder (resultante, em parte, do apoio do PTB, comprado com dinheiro vivo), mas Chico é um tanto injusto em sua “crítica”. Corrupção costuma ser coisa desorganizada, cada um roubando como pode; já corrupção planejada, operada de forma centralizada pelo Palácio do Planalto, com mesada para parlamentar e objetivo estratégico, é uma “‘gramática’ do poder” que “nunca antes neste país” se viu. Já a “nova matriz econômica” — que atirou o país na maior recessão de todos os tempos e criou desemprego recorde — é, sem dúvida, uma “política econômica alternativa”.

O ex-deputado afirma que “a direita viralizou a falsa ideia de que a corrupção sistêmica, estrutural e antiga de 500 anos tinha sido inaugurada pelo petismo”, e que, com isso, “parte da população passou a perceber o PT como um partido igual aos demais”. Pelo jeito, é errado achar que quem rouba como os demais é igual aos demais. Mas isso de pôr o Legislativo na folha de pagamento do Executivo, num atentado à separação de Poderes e à democracia, não tem 500 anos: foi inaugurado pelo petismo, mesmo. Chico é um homem íntegro, mas não teria saído do partido por uma banalidade.

Chico alerta que “a boa tradição [da autocrítica] da esquerda precisa ser revitalizada”, e isso é “tão importante quanto constituir uma frente democrática, progressista e antifascista”. O problema é que a esquerda brasileira, quando faz autocrítica, sempre chega à conclusão de que não fez nada muito errado e segue, altaneira, no mesmo caminho. Ora, se, como diz Chico, a corrupção petista é “antiga de 500 anos” e a política econômica não foi “alternativa”, que erros é preciso reconhecer? De comunicação?!

Enquanto a esquerda não desapegar de Lula e reconhecer que o mensalão e o petrolão foram monstruosidades e que a política econômica petista foi catastrófica, não haverá “frente democrática, progressista e antifascista”.

A presunção do PT e de suas linhas auxiliares — como o PSOL, onde está Chico — é a principal responsável pela eleição de Bolsonaro. Que, com esse tipo de “autocrítica”, será reeleito. O capitão agradece.

*Ricardo Rangel, hoje sem partido, foi candidato a deputado federal pelo Partido Novo em 2018


Míriam Leitão: PT deveria admitir erros na economia

Os erros econômicos do PT acabaram revogando o seu legado social e, sem entendê-los, o partido vai repeti-los em um eventual retorno

Sim, o PT precisa fazer autocrítica. Na economia, certamente. Não por qualquer exigência de humilhação pública, mas porque é preciso saber se o partido, na eventualidade do retorno, repetirá ou não os mesmos erros. Quando o PT saiu do Planalto a economia estava em ruínas: o PIB encolhia 3,5%, a inflação havia batido em 10%, os juros estavam em 14% (hoje estão em 5%), o desemprego havia disparado de 6% para 11,4% em um ano e meio, a dívida pública subia em espiral, o país perdera o grau de investimento, as contas públicas estavam no vermelho.

Há uma falha ainda mais grave da perspectiva de um partido de esquerda: ele transferiu renda para cima. Os subsídios e renúncias fiscais subiram de 2% para 4% do PIB. Se existe um rosto que significa o beneficiado das escolhas econômicas do PT é Joesley Batista. Ele e seus irmãos ficaram muito mais ricos.

E no exterior. O BNDES comprava emissões inteiras de debêntures lançadas pelo grupo para que, com capital público no bolso, eles fossem às compras em outros países. Foi assim que eles compraram, por exemplo, a Pilgrim’s Pride, a maior processadora de frango dos Estados Unidos. Houve uma sandice pior.

Eles pegaram dinheiro no banco para adquirir a National Beef. As autoridades antitruste vetaram, o banco deixou que o grupo ficasse com o recurso para uma compra futura, de fato feita. Tempo, como qualquer banco sabe, é dinheiro. Hoje, os Batistas têm a maior parte da sua fortuna no exterior.

Esta coluna nem trata da corrupção, que de fato houve. Tanto houve que os corruptos devolveram dinheiro aos cofres públicos. Difícil querer mais materialidade do que isso. Diante desses fatos, o PT escolhe vários escapismos.

Os líderes partidários admitem que erraram num ponto. Houve excesso de desonerações. Mas não foi apenas isso. Foi muito mais. Costumam fugir da realidade, dando desculpas como a de que a crise foi gerada pela queda dos preços das commodities e pela desestabilização do governo Dilma.

Argumentam também que, como quase quatro anos depois as contas permanecem no vermelho e o desemprego em nível elevado, não se pode mais responsabilizar o partido. Há sempre truques quando se quer embaralhar os números, e embrulhar os fatos por estratégia do marketing político.

Culpar “as elites, os golpistas, o lado podre do Estado, a imprensa” é fácil. Encarar a realidade e pensar numa forma de governar que não arruíne a economia é o verdadeiro desafio. O ex-presidente Lula nos primeiros anos manteve o tripé macroeconômico que herdara dos “tucanos neoliberais”. Com superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante ele pôde iniciar sua política de inclusão dos mais pobres. Ele soube aproveitar o boom das commodities para manter o país crescendo e incluindo mais brasileiros. O problema foi ter minado a estabilidade fiscal quando se sentiu seguro para implantar o que os petistas definiram como a nova matriz macroeconômica. Em 2008 estavam certos quando iniciaram as políticas anticíclicas.

Em 2010 erraram ao mantê-las apenas para eleger Dilma, apesar de o país já ter voltado a crescer. A crise que a ex-presidente Dilma agravou foi iniciada no governo Lula.

O PT criou uma rede de proteção para os pobres e muito pobres com o Bolsa Família, programa que ninguém se atreve a revogar. Ajudou a colocar brasileiros de menor renda, especialmente os negros, na universidade pública. A política social tem méritos inegáveis, mas alguns programas saíram pela culatra. O Fies era para ajudar os alunos sem renda, mas beneficiou mais as universidades privadas.

Para a esquerda ser realmente de esquerda será necessário analisar esses erros com sinceridade. A desorganização das contas públicas levou à recessão e à inflação, isso feriu os pobres com desemprego e perda de renda. Ao falhar na economia, o partido revogou seu próprio legado. A diferença entre os juros de 2015 e os de 2018 representa em torno de R$ 300 bilhões a mais transferidos pelo Tesouro para os detentores de títulos do governo. A desordem na economia custa caro.

Os economistas do PT podem fechar os olhos para tudo isso. Mas sem entender seus equívocos, eles, se voltarem ao poder, vão trair o principal mandato de um partido de esquerda: combater as desigualdades.


Bruno Boghossian: Contra Bolsonaro, PT se rebaixa e aposta em deboche infantil

Petistas entram no ringue da baixaria e replicam métodos que criticam no rival

O PT fez farra para divulgar um bilhete em que Lula dava parabéns a Zeca Dirceu pela provocação feita a Paulo Guedes na semana passada. “Eu fiquei tão orgulhoso de você que vou aprender a música da tchutchuca e do tigrão. Kkkk”, dizia a nota assinada pelo ex-presidente.

A chancela do petista confundiu os políticos do partido. Alguns deputados tinham ficado incomodados com o episódio. Eles acreditavam que a sigla ganharia mais se deixasse o deboche de lado e enfrentasse o governo com argumentos sérios. A gargalhada de Lula, porém, fortaleceu a turma que aposta nas práticas do jardim de infância.

Depois de ver Jair Bolsonaro ser eleito dando uma banana para o “politicamente correto”, propagando absurdos e desferindo ataques repugnantes para fazer sucesso nas redes sociais, alguns petistas parecem estar atrás de suas próprias curtidas.

Até o professor universitário Fernando Haddad desceu para a hora do recreio. Nesta quinta (11), ele bateu boca com Carlos Bolsonaro pelo Twitter. Depois que o filho do presidente fez mais um xingamento repulsivo (“Chora, marmita!”), o petista retrucou. “Priminho tá bem?”, escreveu, tentando alimentar um boato sobre um suposto relacionamento entre o vereador e seu primo.

A oposição coloca um pé no ringue da baixaria. Na quarta-feira (10), em uma audiência na Câmara com a ministra Damares Alves, a deputada Érika Kokay reclamou do desmonte de órgãos do governo e ironizou: “Nem todas as meninas vítimas de violência podem ser salvas por um Jesus na goiabeira”. Damares conta que foi vítima de abuso sexual e que teve uma visão quando foi até uma árvore para tentar o suicídio.

Além de ser uma perda de energia, o achincalhe ainda rebaixa um partido que se orgulha de sua reputação em torno da defesa de minorias e dos direitos humanos. Sem liderança, a sigla replica os métodos que critica em seus adversários. Diante de um governo que dá motivos de sobra para críticas, os petistas chegam a perder a razão.


Rubens Barbosa: Vitória do PT, prejuízo para o Brasil

Atraso de duas décadas do programa espacial foi o preço da atitude ideológica do partido

O resultado mais importante da visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington, na semana passada, foi a assinatura do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST), que torna possível o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Com isso se tornam viáveis significativas perspectivas comerciais para o Brasil entrar num mercado anual de mais de US$ 12 bilhões, em especial no de satélites de pequeno porte.

O AST entre o Brasil e os Estados Unidos, proposto inicialmente por Brasília, foi assinado em abril de 2000 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas foi inviabilizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), como oposição no Congresso Nacional e, depois, como governo.

A principal reclamação do PT era a de que não havia transferência de tecnologia para o Brasil e nossa soberania ficaria afetada porque equipamentos entrariam em território nacional sem interferência das autoridades alfandegárias brasileiras. Além da questão da soberania, criticada ainda recentemente pelo ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim, as principais objeções do PT ao acordo referiam-se à proibição do uso da receita dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores; ao impedimento de o Brasil cooperar com países que não fossem membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês); à possibilidade de veto político unilateral de lançamentos e à obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países. Como foi sempre esclarecido às lideranças do PT, o acordo não é de transferência de tecnologia, mas de proteção de informações confidenciais na prestação de serviços. Todos esses aspectos criticados pelo PT foram agora satisfatoriamente negociados e superados.

Por minha iniciativa quando chefiei a Embaixada do Brasil em Washington, no segundo semestre de 2003, foi reaberta a negociação com o Departamento de Estado sobre os pontos que contavam com a forte e vocal oposição do PT. O processo avançou, para surpresa de muitos, e as cláusulas de divergência foram eliminadas. Em abril de 2004, as maiores objeções políticas para a ratificação do acordo estavam superadas. O governo brasileiro teria de propor formalmente algumas mudanças menores que seriam aceitas pelo governo norte-americano. Com esses avanços o acordo poderia ser ratificado pelo Congresso brasileiro, mas os governos do PT não deram seguimento ao assunto.

Vale lembrar, ainda no primeiro governo do presidente Lula da Silva, a assinatura de um acordo de salvaguardas com a Ucrânia. Bastante similar ao firmado com os Estados Unidos, o acordo foi submetido ao Congresso e rapidamente aprovado. Apesar de estar em vigor, o entendimento com a Ucrânia não teve nenhuma consequência comercial para o Brasil, em vista das dificuldades econômicas por que passa esse país. Esse foi um dos exemplos de descoordenação do governo petista, pois, sem o AST, o acordo com a Ucrânia não poderia ser levado adiante porque o veículo lançador daquele país precisava de autorização do governo de Washington.

No governo Dilma Rousseff, em 2013, ao final da visita do presidente Barack Obama ao Brasil, e em 2015, durante a visita do então ministro da Defesa, Jaques Wagner, a Washington, houve referências ao interesse de ambos os lados em retomar as discussões sobre o AST, sem nenhuma ação do governo brasileiro nesse sentido. Somente no governo de Michel Temer os entendimentos avançaram concretamente e puderam agora ser completados pelo governo Bolsonaro, atendidas as preocupações de ambos os governos.

O preço dessa atitude ideológica do PT foi o atraso do programa espacial brasileiro por duas décadas. Vitória do partido e prejuízo para os interesses brasileiros.

Apesar do interesse das empresas norte-americanas, as conversações com os Estados Unidos não foram fáceis, pelas preocupações com a não proliferação de veículos lançadores de satélites prevista no programa espacial brasileiro.

O interesse brasileiro é de tornar possível um centro de lançamento competitivo, o que permitirá a entrada do Brasil no nicho de mercado de satélites de telecomunicações e de meteorologia. Não haverá dificuldades internacionais para o estabelecimento da base pelo fato de o Brasil ser membro do MTCR. O tratamento que o Brasil receberá será idêntico ao dispensado a outros países, como a Rússia e a China, que assinaram acordos de salvaguardas com os Estados Unidos.

A viabilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara e sua atualização tecnológica dependerão de recursos financeiros que virão de empresas que alugarem espaços dentro dele para efetuarem os lançamentos de seus satélites.

A estratégica localização geográfica da base de Alcântara, situada a apenas dois graus de latitude sul, quase na Linha do Equador, permitirá o lançamento de foguetes com 13% de economia de combustível em relação ao consumido em Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, e 31% se comparado com Baikonur, no Casaquistão. Mais de 80% dos satélites comerciais são de propriedade de empresas americanas e sem o acordo nenhum satélite poderia ser lançado de Alcântara. A base só poderá tornar-se viável comercialmente quando o acordo de salvaguardas tiver sido ratificado.

Espera-se que o Congresso Nacional ratifique esse acordo no mais breve prazo possível. E que as discussões sejam feitas sem a carga ideológica que tem prevalecido nos últimos 20 anos.

Igualmente importante é que a partir de agora o governo federal acelere e complete as mudanças na governança do setor e defina uma estratégia de longo prazo, que dê previsibilidade às eventuais empresas interessas, não só dos Estados Unidos, mas de outros países, com França, Israel e Japão.

*PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)


Bernardo Mello Franco: Ciro ataca PT e chama Lula de adversário

‘Para a cúpula do PT, o inimigo não é o Bolsonaro. Sou eu’, diz Ciro. ‘O Lula é um político preso. Preso político é o Mujica, que nunca foi acusado de corrupção’, provoca

Ciro Gomes vai à guerra. Terceiro colocado na corrida presidencial, ele pretende liderar a oposição ao governo Bolsonaro. Não está disposto a dividir espaço com o PT, que agora descreve como adversário direto.

Na quinta-feira, o pedetista reapareceu em Salvador, onde bateu boca com militantes que defendiam o ex-presidente Lula. Foi um aviso. Daqui para a frente, ele quer distância dos ex-aliados, mesmo que isso signifique manter a esquerda fragmentada.

“Para a cúpula do PT, o inimigo não é o Bolsonaro. Sou eu”, justifica. “A disputa agora não é de projeto, é de hegemonia. Eles envelheceram. A tática do PT é me empurrar para a direita, como fizeram com o Brizola e com o Arraes. Só que eu não vou”, desafia.

Ciro se considera rompido com o ex-presidente, que foi condenado pela segunda vez nesta semana. “O Lula continua conspirando de dentro da cadeia, na politicagem mais rasteira. Nós temos que tratá-lo como ele é: como um adversário”, afirma.

Ele diz que “não comemora” a situação do petista, mas se recusa a endossar sua defesa incondicional. “Lula não é um preso político. É um político preso. Preso político é o Mujica, que nunca foi acusado de corrupção”, provoca. “Vamos olhar a realidade ou ficar navegando na maionese?”.

Para o ex-ministro, o PT se deixou aprisionar com seu líder em Curitiba. “A tese do ‘Lula Livre’ foi derrotada. Se continuarem insistindo nisso, vão ser derrotados de novo”, avisa.

Ciro diz que a estratégia dos petistas está errada. “Conhecendo o Judiciário, acho uma aberração pensar que vão ajudar o Lula com campanha de rua. Isso funciona pelo oposto”.

Ele não se arrepende de ter virado as costas para Fernando Haddad no segundo turno. O petista ficou esperando seu apoio, mas o ex-ministro escolheu viajar de férias para a Europa.

“O que é que eu devo para eles? O Haddad teve 71% dos votos no Ceará. Em São Paulo, o estado dele, teve 32%”, afirma. “Não sou obrigado a votar nessa gente de novo. Nunca mais”.

Ciro promete uma oposição “propositiva” a Bolsonaro. No próximo dia 20, vai apresentar um projeto alternativo de reforma da Previdência. Ele quer centrar fogo na agenda econômica e no que vê como um desmonte das políticas sociais. Prefere ignorar as pautas de comportamento, que têm dominado o debate nas redes.

“Não vou ficar comentando declaração de maluquete sobre cor de roupa de menino”, diz, referindo-se à ministra Damares Alves e sua polêmica do rosa e do azul. “Isso é irrelevante. A agenda identitária não pode substituir a luta da esquerda”, afirma.

Na disputa pelo comando da Câmara e do Senado, Ciro travou o primeiro embate do ano com o PT. Ele apoiou Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, enquanto os petistas ficaram com Marcelo Freixo e Renan Calheiros. Os candidatos do DEM venceram, e agora prometem facilitar a vida de Bolsonaro.

“Aquilo não era um terceiro turno da eleição”, diz Ciro, rejeitando a crítica por ter se juntado aos governistas. “Nós sofremos uma derrota fragorosa no ano passado. O lutador tem que entender sua posição no tablado, e o PT ainda não entendeu”, rebate.


Ruy Fabiano: O apagão da esquerda

A extrema esquerda – PT, PSol, PcdoB – vive um momento autofágico, agravado pela segunda condenação de Lula.

O primeiro conflito foi em decorrência da eleição à presidência da Câmara. PT e Psol decidiram ser pragmáticos e apoiaram Rodrigo Maia, do DEM, provocando forte reação do PcdoB. Manuela Dávila e amigos consideraram o gesto uma traição – e uma capitulação.

Na quarta-feira, Ciro Gomes, do PDT, foi vaiado num encontro com a UNE, em Salvador, ao ponderar a inutilidade de a esquerda reduzir sua atuação a slogans inúteis do tipo “Lula livre!”. E, ao reagir às vaias, e após lembrar que é um velho colaborador do PT, repetiu o mantra de seu irmão, Cid Gomes: “Lula está preso, babaca!”.

Ciro – e isso é um fato raríssimo – tem razão. A esquerda, conforme seu raciocínio, precisa descer do palanque e se conformar com o fato concreto de que perdeu as eleições – “e perdeu feio”.

Nesse sentido, está de acordo com José Dirceu, que reconheceu que Bolsonaro tem, sim, lastro social e que não será derrotado tão facilmente, muito menos a partir de meras ofensas e ameaças.

Ao insistir, por exemplo, que a Venezuela é uma democracia e que suas dificuldades são obra dos EUA, investe no irracional.

É preciso exercer a oposição com critério e conteúdo. Neste momento, não há nem uma coisa, nem outra. A rigor, nunca houve.

Fazer oposição ao tempo em que o PSDB era governo era bem diferente, a começar pelo fato de que os tucanos não eram exatamente adversários. Fernando Henrique disse mais de uma vez que PT e PSDB não brigavam por ideias, mas por cargos.

A luta hoje está em outro patamar. Os conflitos têm fundo doutrinário, que colocam em confronto valores e princípios – e sobretudo a conduta moral da esquerda, exposta pela Lava Jato.

Ao tempo dos tucanos, o PT ostentava a mística de instância moral da nação, uma espécie de sucursal do juízo final, investindo pesado em denunciar adversários e propor CPIs a cada 15 minutos.

“Quanto mais CPIs, melhor”, dizia Lula. E assim, por cima dos cadáveres dos adversários difamados (uns com razão, outros não – e isso era um detalhe), o partido construía sua reputação de vestal da República. Com a leniência de FHC, que dizia que “a vez agora é de Lula”, o partido chegou ao poder, com ânimo de jamais deixá-lo.

Não se preparou para este momento – e muito menos para a circunstância (que ele mesmo construiu) de ter sua reputação virada do avesso. Não preparou lideranças para a eventualidade de perder Lula. E não foi a única perda: o que havia de respeitabilidade intelectual no partido já saiu de cena faz tempo.

Além de Lula, as lideranças que lhe restaram estão às voltas com a Justiça: José Dirceu, condenado em segunda instância a 40 anos de prisão, deve retornar ao xadrez a qualquer momento; Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Dilma Roussef são réus em múltiplos processos. Lindbergh Faria acaba de ser condenado em segunda instância por improbidade administrativa. E assim por diante.

O partido está sem rumo e sem credibilidade para propor o que quer que seja. Resta-lhe atirar pedras, sem a necessária autoridade moral para fazê-lo, como nos tempos que precederam sua chegada ao poder. É preciso zerar tudo e recomeçar, dizem alguns petistas.

Sim, mas de onde? Da cadeia? Antes de encontrar um meio de reconectar-se com a sociedade, será preciso fazê-lo internamente. E pelo que se viu da tentativa de Ciro Gomes, vai levar algum tempo.

*Ruy Fabiano é jornalista


Bernardo Mello Franco: Lula condenado, PT mais isolado

Depois da derrota para Bolsonaro, o PT se distanciou de aliados e perdeu influência no Congresso. Agora fica ainda mais longe de ver seu líder fora da cadeia

A segunda condenação de Lula tende a agravar o isolamento do PT. O partido não conseguiu unir a oposição e perdeu influência no Congresso. Agora fica ainda mais longe de ver seu líder fora da cadeia.

Em 2018, o PT foi varrido pelo furacão Bolsonaro. Só elegeu quatro governadores, todos no Nordeste. Em 2019, as perspectivas não parecem melhores. O ano mal começou e a sigla já sofreu derrotas significativas na Câmara e no Senado. Pela primeira vez em 17 anos, foi excluído das duas mesas diretoras.

Na Câmara, os petistas foram esnobados por Rodrigo Maia, que preferiu se aliar ao PSL. Fecharam um acordo de última hora com Marcelo Freixo, mas não conseguiram entregar nem 40 dos 54 votos da bancada. Agora correm o risco de não comandar nenhuma comissão importante.

No Senado, o PT escolheu abraçar Renan Calheiros. Foi uma decisão desastrada. O emedebista retirou a candidatura e deixou os parceiros ao relento. O governista Davi Alcolumbre virou presidente e deixou claro que não dará vida fácil a quem apoiou o rival.

Um ex-ministro petista afirma que o partido está sem rumo e “caminhando para o gueto”. Ele diz que a legenda adotou um discurso sectário e ficou imobilizada com a campanha “Lula Livre”. Na sua avaliação, o ex-presidente não sairá da cadeia tão cedo. Aos 73 anos, terá que esperar um habeas corpus humanitário.

Outro ex-ministro descreve a situação do PT como um “profundo isolamento”. Ele defende um esforço de reaproximação de aliados históricos como PDT e PCdoB. O problema é que as duas siglas ainda reclamam do tratamento que receberam na eleição. Preferiram apoiar Maia e sabotaram a formação de um bloco de esquerda na Câmara.

O PT recebeu 47 milhões de votos na corrida presidencial, mas não sabe o que fazer com eles. Fernando Haddad voltou às salas de aula e resiste a assumir o comando do partido. Só tem sido visto no Twitter, onde faz críticas pontuais a Bolsonaro.

A presidência da sigla continua nas mãos de Gleisi Hoffmann, rebaixada de senadora a deputada. Ela é cada vez mais contestada pelos colegas. Tem dado motivos para isso. Sua última trapalhada foi baixar na Venezuela para a posse de Nicolás Maduro.