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João Domingos: A ‘CPI da Lava Toga’

Os contrários à votação da pauta econômica e de segurança vão fazer a festa

Fundamentais para o impeachment de Fernando Collor, em 1992, para a descoberta do desvio de verbas do Orçamento da União pelos chamados “anões do Orçamento”, entre 1993 e 1994, e para se chegar ao escândalo do mensalão, em 2005, as CPIs perderam força ou tiveram suas funções invertidas nos últimos anos. De instrumento poderoso de investigação, pois com o auxílio do Ministério Público e Polícia Federal, além de contarem com o poder da publicidade da comunicação parlamentar totalmente despida de censura, muitas CPIs se tornaram instrumento de chantagem, de promoção pessoal e até mesmo de obtenção de vantagens indevidas, conforme investigações internas feitas no Senado e na Câmara e que levaram até à abertura de processos de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar.

Como as CPIs se banalizaram demais, não foi à toa que oito parlamentares da base do governo de Jair Bolsonaro, seis deles do PSL do presidente, madrugaram na última segunda-feira, 4, para esperar a abertura da porta da Secretaria-Geral da Mesa com um pedido de instalação de uma CPI, todas elas chapa-branca ou para investigar coisas ocorridas nos governos petistas: programa Mais Médicos, Comissão da Verdade, entre outros.

Com a iniciativa, a bancada governista preencheria logo as cinco vagas de funcionamento simultâneo de CPIs, conforme determina o regimento interno da Câmara. Com isso, impediria o PT ou qualquer outro partido de oposição de aparecer com um pedido de investigação indesejável contra o governo de Bolsonaro. Do ponto da luta política, é uma estratégia. Do ponto de vista da investigação parlamentar, a perda de um instrumento que já foi poderoso e que agora tem se prestado a outras coisas, menos à investigação séria.

Se na Câmara o PSL e outros partidos do governo foram mais espertos do que o PT e a oposição, em geral, e entupiram a Mesa da Casa de pedidos de abertura de investigações sobre os petistas, no Senado está se armando uma CPI que tem tudo para nascer torta e se tornar o pior exemplo daquilo em que a investigação parlamentar foi transformada.

Trata-se da CPI que visa a investigar o ativismo judicial dos tribunais superiores. Por trás, desconfia-se que há nela uma vingança de senadores contra o presidente do STF, Dias Toffoli, que há uma semana derrubou manobra do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e determinou que a eleição para a Mesa da Casa tivesse voto secreto e não aberto. Tal CPI ganhou dos senadores o apelido de “Lava Toga”.

Nas circunstâncias em que está sendo criada, e dado o momento político delicado, essa CPI vai servir apenas para causar tumulto e jogar um Poder contra o outro. À sua sombra, os contrários à votação da pauta econômica e de segurança pública do governo vão fazer a festa. Quanto mais confusão nesse momento, melhor para atrapalhar o governo, a votação da reforma da Previdência e o pacote contra os crimes violentos e o crime organizado e o caixa 2 nas campanhas eleitorais.

Se a CPI que visa a investigar o ativismo judicial for levada à frente e concluir que há mesmo um ativismo, o que ela fará? Nada. Vai determinar aos ministros que revejam suas decisões? Na vai. CPIs não têm poder para isso. Ajudará a desmoralizar ainda mais o instrumento de investigação parlamentar. Essa CPI não tem um fato determinado. É carregada de subjetivismo. Diz o pedido de abertura dela que “a atuação dos tribunais superiores tem sido pontuada, na história recente, pelo exacerbado ativismo judicial e por decisões desarrazoadas, desproporcionais e desconexas dos anseios da sociedade”.

Se as CPIs ainda fossem sérias, essa CPI da “Lava Toga” mereceria uma CPI para apurar as circunstâncias em que foi requerida. Até porque o artigo 146 do Regimento do Senado proíbe CPIs sobre o Poder Judiciário. Deixa pra lá.


El País: “Promoção de filho de Mourão é legal, mas causou desgaste”, diz Major Olímpio

Candidato à presidência do Senado pelo PSL, Olímpio diz que apoio a Rodrigo Maia é pragmático e que é aliado do presidente, mas não é um alienado

Por Afonso Benites, do El País

Senador em seu primeiro mandato, Sergio Olímpio Gomes, major da reserva da Polícia Militar de São Paulo, tenta dar um passo longo na carreira. Quer ser presidente do Senado. Filiado ao PSL, mesmo partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, o parlamentar diz representar uma tentativa de mudança no país. Admite que seu partido está encontrando sua “essência”, afirma que a aliança com Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a presidência da Câmara foi pragmática e avalia que a reforma da Previdência tem de ser votada “o quanto antes”.

A entrevista foi concedida ao EL PAÍS em dois momentos. O primeiro ocorreu na quarta-feira, no hall do hotel onde mora, em Brasília, ladeado por policiais que fazem sua segurança. O segundo, por telefone. A escolta de Olímpio ocorre desde o fim do ano passado, quando ele passou a denunciar que a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) planejava resgatar um de seus líderes que está preso no interior paulista. Sua cabeça foi colocada à prêmio. Sobre esse assunto, não se delongou e confirmou que passou a ser acompanhado frequentemente por policiais.

Pergunta. Quando, em tom de brincadeira, eu disse a você que queria tratar da política em Brasília, e não do PCC, você disse que só estaríamos mudando de quadrilha. Com o novo Governo, quadrilhas persistem no poder?
Resposta. Não tenho dúvida. A escolha do novo presidente, a mudança de mais da metade da Câmara, a eleição de 46 novos senadores, demonstram que a população também tem essa sensação. O sumiço das quadrilhas ocorrerá aos poucos. Não podemos ser simplistas e dizer que o Brasil mudou já no dia 1º de janeiro. Enquanto conversamos aqui, em uma cidade pequena há prefeitos articulando com vereadores o pagamento de propinas com valores desviados de merendas escolares. Não podemos ser ingênuos em acreditar que a corrupção acabou de uma hora para a outra. As quadrilhas no poder público vêm sendo desbaratadas. Enquanto o mensalão era descoberto, o petrolão ocorria na sala ao lado. É inocência imaginar que, com um passe de mágica, acabaram as práticas criminosas. O Brasil ainda é o país da impunidade. Nós legislamos pouco para acabar com isso. E uma das coisas mais positivas que legislamos nos últimos anos é alvo de boa parte da classe política hoje, que é a lei da delação premiada. Há um esforço total para revogá-la.

P. Como membro do PSL, você acha que está explicada a situação do Fabrício Queiroz, o ex-assessor do Flávio Bolsonaro (PSL) que movimentou a suspeita quantia de 1,2 milhão de reais?
R. O Queiroz, a família Bolsonaro e a investigação vão esclarecer o que passou. Confio totalmente no presidente Bolsonaro, de que nada de errado chegou a ele. Não tenha dúvida que falta uma explicação do próprio Queiroz. Esse caso se arrasta há uns 40 dias porque faltou um esclarecimento por parte dele.

P. Bolsonaro assumiu com o discurso de que extinguiria a prática de indicações políticas ou apadrinhamentos para os cargos comissionados. A nomeação do filho do vice-presidente Hamilton Mourão para uma assessoria especial no Banco do Brasil não confronta esse discurso?
R. A direção do banco explicou que ele era um funcionário de carreira e capaz. Estava dentro do plano do direito. Se era adequada essa promoção salarial dessa natureza, não pegou bem. Desde os tempos de policial, eu aprendi: “Nunca se explique. Porque, para os amigos, não precisa. E os inimigos não acreditam”. O que interessa é que está dentro do parâmetro de legalidade. Neste momento, ele está sendo prejudicado por ser filho do vice-presidente. Duvido que, pelo perfil do general Mourão, ele fosse interceder pela promoção do filho. Logicamente, essa promoção causou um desgaste.

P. O PSL teve uma crise interna antes mesmo da posse dos deputados federais com brigas por postos-chave na Câmara. Como está essa questão?
R. Está superada. O PSL está se tornando um partido em sua essência agora. Em São Paulo, a primeira reunião que fiz com deputados estaduais e federais eleitos, fiz igual a um curso em que você não conhece ninguém. Pedi para cada um se levantar e dizer o seu nome e de onde era. Eu conhecia todos, mas as outras pessoas não se conheciam. De repente, o partido cresceu e agora que está construindo a sua identidade partidária. Entre os eleitos, muita gente nem abriu o regimento do partido para ler. Uma coisa é você ser um ativista, outra é querer falar em nome de um partido. Respeitamos a inocência e a falta de conhecimento de muita gente. Entendo que estamos em um momento de adequação.

P. Como tem sido essa adequação?
R. O Luciano Bivar [presidente do partido], com uma paciência inigualável, está sabendo lidar com os arroubos midiáticos de alguns e conduzindo o processo adequadamente. Já passamos a fase do pós-eleição, da nomeação de ministros e passaremos por outra até a posse do Legislativo. Aí, tudo se acomoda. Um ou outro tema mais palpitante pode ver o “pau quebrar”. Ainda mais em um partido em que as pessoas mal se conhecem. Tudo vai se ajeitar. Se nós estivermos muito unidos, já vai ser difícil ajudarmos o Bolsonaro a mudar o país. Se estivermos desagregados, fica impossível. Todos os componentes do partido têm esse juízo de valor. Temos de saber que as nossas diferenças não podem ser maiores que nossas obrigações.

P. Por que o PSL apoiou Rodrigo Maia? Esse apoio não vai na contramão do discurso de renovação na política e de confrontar as práticas de conchavos, que a legenda prega?
R. O PSL percebeu que ia ficar completamente isolado, sem participação nos blocos. Quando você olha para os cenários, que opção teria o PSL? Uma seria a candidatura própria, com o Bivar. Ele não quis participar desse processo. Foi simplesmente uma questão de pragmatismo: ou fica completamente isolado, comprometendo a governabilidade, ou fará uma composição para garantir espaço e um assento à Mesa. Em caso de vitória, ficaremos com as comissões de Constituição e Justiça e com a de Finanças e Tributação, além da segunda vice-presidência.

"Votaremos a reforma da Previdência possível"

P. Por que aceitou ser candidato à presidência do Senado?
R. Eu levei um susto quando o Bivar veio até mim no dia da posse do presidente Bolsonaro e me disse que tinha essa missão. Era uma missão de partido porque, diante da isenção, muito oportuna, do presidente e do Governo de não apoiar nenhuma candidatura, o jogo estava aberto. Seria importante o PSL ter um representante. E ele achou que eu teria condição de vencer essa disputa. No momento eu disse para ele: “Você está brincando?”

P. Você não aceitou essa convocação de imediato?
R. Eu pedi um tempo para o Bivar para amadurecer e pensar bem. Eu não tinha a menor expectativa. Mas ele acabou fazendo uma proposta irrecusável, que não me deixou responder. No dia seguinte [2 de janeiro], ele lançou a minha candidatura e eu aquiesci.

P. Como você lida com o fato de ir contra a tradição do Senado de escolher um representante da maior bancada de [no caso o MDB] e de pessoas com mais experiência na Casa?
R. Eu concordei porque, muito embora eu seja um recruta no Senado e que a tradição na Casa seja de ter senadores mais experientes, o meu partido resolveu ousar diante dessa nova dinâmica que vem sendo colocada na política. Senti na obrigação de me colocar à disposição do PSL, do país e do Senado. Eu não sou uma criança. Tenho 12 anos de experiência parlamentar, na Assembleia de São Paulo e na Câmara dos Deputados, e fui eleito para ser um dos 81 senadores. Portanto, tenho de me colocar em condições de exercer qualquer atividade dentro do Senado.

P. Com o voto fechado para a Mesa Diretora, como foi decidido pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal, quem tem mais chances é o senador Renan Calheiros
R. Logicamente, com o voto aberto o maior beneficiário seria eu. Voltou-se à regra original, não significa que eu não tenha chances. Com a votação fechada, reconheço que o Renan volta a ter muita força nesse processo.

P. Sua candidatura é apenas anti-Renan?
R. Não. A definição da Executiva do partido é de que o PSL tem de ocupar seu espaço.

P. Ainda que seja para perder?
R. Ganhar ou perder faz parte da disputa. Houve uma questão de ordem feita à mesa que o presidente Eunício Oliveira definiu que para ser eleito no primeiro turno é necessário ter a maioria absoluta (41 dos 81 votos), e não a maioria dos presentes. Assim aumenta as chances de segundo turno. Eu estando entre o dois, seria uma opção forte.

P. Há um diálogo com outras candidaturas?
R. Sim. Tenho buscado conversar principalmente com os senadores Álvaro Dias (PODE-PR), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Espiridião Amim (PP-SC) e Tasso Jereissati (PSDB-CE). Até então meu papel era de interlocutor dizendo: “Respeitamos todas as candidaturas, mas a chance de termos vitória e se estivermos todos juntos”. E, agora, que sou candidato, não mudou isso. Sou mais um nome colocado nesse rol. Agora é uma corrida de obstáculos, mas muito ética e respeitosa em que há 81 participantes, que permite dialogar bem com todos.

P. Quantas candidaturas você trabalha de fato?
R. Seis ou sete, se a Simone Tebet (MDB-MS) se apresentar como candidatura avulsa ou como o nome do MDB. Se a candidatura do MDB fosse a Simone, não o Renan, eu acredito que ela passa a ser uma das candidaturas debatidas de forma mais madura entre esses pré-candidatos eventualmente para uma candidatura única. Tudo pode acontecer.

P. Seria um jogo de todos contra o Renan? Você abriria mão de concorrer em nome de Simone Tebet?
R. Sim. Todos debateriam. Inclusive eu poderia retirar a candidatura. Nesse cenário ninguém é candidato por si só. Eu atendo a determinação de meu partido. Hoje, não tem jogo ganho.

Entre os eleitos pelo PSL, muita gente nem abriu o regimento do partido para ler

P. Em sua carreira você se destacou por ser oposição que costumava falar alto. Como será no papel de governista? Será moderador, caso se eleja presidente do Senado?
R. Em todos momentos você tem de ter o senso do que representa e da responsabilidade. O falar alto e grosso é da minha natureza e também por perda auditiva por ser por tantos anos instrutor de tiro. Minhas convicções eu sempre as manifestei em todos os cenários. Tenho certeza de que nem o Bolsonaro, nem ninguém do Governo vai exigir que eu mude as minhas convicções. Logicamente que, se eu for o presidente do Senado, que é uma casa de equilíbrio da política, a responsabilidade impõem que seja uma figura de mais moderação. Teria mais dificuldade no uso da palavra e da manifestação. O presidente acaba sendo mais o voto de desempate, o que equilibra as sessões, aquele que abaixa a bola de todo mundo. Eu aprendi a fazer isso no serviço policial. Enfrentando criminosos, eu precisava ter uma conduta, dentro da lei, até para o uso da força. Em outro momento, como comandante da região central de São Paulo, eu precisava ser mais moderado quando ia acompanhar manifestações de rua. São momentos em que temos de ter extrema ponderação e ser algodão entre os cristais. A moderação no Senado seria a mesma.

P. Como seria a sua relação com o Governo Bolsonaro?
R. Costumo dizer que não sou tão bom político porque é muito fácil saber como eu vou me posicionar. Posso ser aliado e não ser alienado. Tem circunstâncias que estarei alinhado com o Governo, mas seu eu tiver de tomar uma posição em algo que eu entenda que esteja equivocado ou distorcido, o faço com a maior tranquilidade, de público, de maneira transparente.

P. Você já se manifestou contrário à reforma da Previdência apresentada pelo Governo Michel Temer. Como será agora, com a do Bolsonaro, que parece mais rígida ainda?
R. Ela ainda está em elaboração. Precisamos do conteúdo. Naquele momento da proposta pelo Temer, a base de dados que sustentou a reforma estava equivocada. E o Governo não demonstrou ânimo em corrigir as informações. Aí, ficou fácil a desconstrução do processo como um todo. Eu nunca neguei a necessidade de se fazer uma reforma dessa natureza. No Governo Temer estávamos quase no processo final de votação de um texto para a reforma. O estopim foi pouca coisa, por exemplo, a inclusão dos agentes penitenciários como categoria de risco semelhante ao que foi feito com os policiais. O Governo e o relator [Arthur Maia] prometeram que iria incluí-los, mas não os incluiu. Esgarçaram um processo final de um texto que chegou ruim, e acabou se adequando. Aí, a reforma desandou.

P. Houve algum outro erro?
R. Ao invés de se fazer a sensibilização adequada, o Governo optou por fazer uma publicidade burra. Satanizou o serviço público. Disse que todas as áreas do serviço público era uma casta de privilegiados, sem ter uma fundamentação razoável de dados. Não trouxe a opinião pública e provocou um afastamento da classe política. Se colocasse o texto para votar em plenário, teria sido derrotado. Por fim, o Governo criou a intervenção federal no Rio para não admitir a derrota. Foi o pano de fundo para não se votar uma proposta de emenda constitucional (PEC).

P. Qual a diferença da reforma do Temer para a de Bolsonaro?
R. Por mais que haja a ansiedade da sociedade, do mercado financeiro, da imprensa e de todos os atores do processo, o Governo está fazendo todos os cotejamentos. Vem o projeto perfeito? Eu não sei, espero que seja o mais adequado possível. Mas eu não conheço nenhum projeto de emenda constitucional que tenha saído do Governo e votado ipsis litteris o texto inicial. O texto pode ser o ideal, mas você vai passar em um funil chamado Congresso onde o ótimo é inimigo do bom. Votaremos a reforma da Previdência possível. Por mais que seja a legitimidade do Governo e a capacidade de garantir os votos necessários na Câmara e no Senado, haverá a legítima pressão da sociedade. Entendo que hoje o que o Governo está fazendo é mensurando os riscos e potencialidades. Se eu diminuo as regras de transição [de 21 para 12 anos], eu conquisto um equilíbrio financeiro e previdenciário mais rápido, mas me arrisco mais no sucesso da votação. O mesmo serve para as mudanças na idade mínima, no regime geral da Previdência, inclusão ou não dos militares. Tem uma série de variantes que pode ser analisada. Você não vai conseguir produzir um texto de consenso de todos os segmentos. Mesmo se tivesse, haveria oposição.

P. Você acha que entra os militares? É a favor que eles sejam incluídos nessa reforma?
R. A vida dos militares é não ter. Não tem direito a greve. Não tem fundo de garantia. Não tem adicional noturno. Não pode ser sindicalizado. Posso falar que os militares estaduais, policiais e bombeiros, que os represento. Sou um deles há 41 anos. Esses militares estão no limite das exigências. Não aguentam mais. Tenho visto manifestações de oficiais generais das três forças que entendem que as Forças Armadas podem dar um pouco mais pelo Brasil. Não vou me debruçar a respeito disso. Não sei se eles suportam essa carga maior. De maior tempo de serviço, de diminuir as garantias. Pelo conceito de Previdência, os militares das forças não têm Previdência. Eles estão sob uma malha de proteção social que faz com que tenham uma contribuição só para a pensão. São 300.000 militares que recolhem 6,5%, enquanto os demais trabalhadores recolhem 11%. Aí, a conta não fecha.

"A vida dos militares é não ter. Não tem direito a greve. Não tem fundo de garantia. Não tem adicional noturno."

P. Pelo que está dizendo, acha que eles devem entrar na reforma, então?
R. Em algum momento você tem que discutir como custear essas diferenças. Você tem a excepcionalidade da atividade, a rigidez da exigência e o país precisa descobrir como se paga essa conta.

P. Qual é o prazo para o início da votação da reforma?
R. Se perguntar para o Paulo Guedes [ministro da Economia] e para a área técnica, eles vão te dizer, ontem. Não há um prazo definido. O que ele discute agora é um sistema de capitalização, que parece ser mais justo. Hoje, quem está trabalhando banca a aposentadoria de quem está aposentado.

P. Mas você defende qual prazo?
R. Entendo que o mais rápido possível. Se pudesse aproveitar o relatório que já foi elaborado e apresentarmos emendas de plenário, seria melhor. Ele está pronto para ordem do dia. E poderíamos superar tempos regimentais, estruturas de audiências públicas, sessões obrigatórias. Se não for assim, o cumprimento do rito do legislativo fará com que se estenda por um tempo maior todo esse debate.

P. Sobre esse decreto que Bolsonaro pretende publicar trazendo novas regras para a posse de armas. Qual é prova de que aumentar o número de cidadãos armados ajudará a reduzir a criminalidade? Especialistas dizem o contrário, que pode aumentar o número de mortes.
R. Nós já temos a prova de que o estatuto do desarmamento só contribuiu para empoderar os criminosos. Quando ele foi aprovado tínhamos 30.000 homicídios no país e agora temos mais de 65.000. Só demos a certeza para o marginal que se a sua vítima não for uma das categorias especiais da polícia, da Justiça e do Ministério Público, ele pode barbarizar à vontade de que nunca terá um revés, de ter alguém se defendendo. A legítima defesa para o cidadão de bem, para quem está nos parâmetros da lei, tem de ser válida. O decreto de Bolsonaro quer corrigir as falhas da regulamentação feita pelo Governo Lula. Ou seja, cumpridos os requisitos formais, você estará habilitado. Será igual a tirar uma carteira de habilitação de motorista. Também por decreto poderia ser incluída a liberação da importação de armas e munições.

P. Como seria isso?
R. Acredito que seria para os órgãos da segurança pública e eventualmente para colecionadores e atiradores. E talvez para os cidadãos em geral. Para nós da segurança pública é um sonho. É importante termos a opção da qualidade e preço quando se tem uma concorrência. No Brasil, quando o Collor abriu o mercado de automóveis, os carros melhoraram. Desde então, abriu-se o mercado da telefonia, da informática, e só sobrou o monopólio das armas.


Marco Aurélio Nogueira: Os próximos dias do resto da nossa vida

O Brasil não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos

Seja qual for o resultado das urnas de amanhã, uma constatação está dada: protagonizamos a mais tensa e desqualificada disputa presidencial da História nacional. Poderemos gastar um bom tempo de pesquisa para interpretar o uso que se fez das redes e das fake news, os erros e acertos das campanhas, mas nada será mais desafiador do que compreender o terremoto que abalou as estruturas políticas da sociedade e alterou de forma substantiva a cabeça dos brasileiros.

Como foi possível que, na segunda década do século 21, a disputa presidencial transcorresse como se o País ainda estivesse no século 20? Suas elites políticas e intelectuais ignoraram os sinais de que algo estava a fermentar nos subterrâneos da vida social. Nada se discutiu de substantivo, nenhum mapa cognitivo saiu dos debates, nenhuma luz iluminou o eleitorado, que chegou às urnas enfeitiçado por pregações mágicas e regressistas, alheias ao razoável, mudas diante dos desafios que se abrem para o futuro.

O resultado foi a ampliação dramática das divisões políticas e do desentendimento social.

Tornamos inviável o centro político, a inteligência e a moderação, em benefício da estridência reacionária, da agitação irresponsável, do apelo a um passado mitificado. O oportunismo, a demagogia e a prevalência de interesses mesquinhos tomaram o palco de assalto, marginalizando as demais candidaturas. Sobraram os antípodas, que se escolheram reciprocamente, impelidos por uma ordem social despedaçada e sequiosa de “segurança”, um o espelho invertido do outro.

Nenhuma vitória terá força suficiente para desprezar esse quadro social. O vencedor e sua oposição terão de negociar, dialogar, contemporizar. Um pacto terá de ser costurado.

Se Haddad vencer, será uma vitória da resiliência democrática e do poder das redes. Na semana derradeira, as mensagens pró-Haddad e uma militância determinada deram-lhe o gás que faltava. Não será uma vitória do PT. O partido, porém, cuidou de armar uma nova narrativa para si: sai o Lula perseguido pelo golpe, entra o “fascismo fraudulento” de Bolsonaro, impulsionado pelo pânico que impregnou a alma de muita gente.

Se o vitorioso for Bolsonaro, pode-se esperar qualquer coisa, um enigma. A nova narrativa petista encontrará ressonância numa sociedade machucada por tantas divisões políticas e partidárias. Será como acender um fósforo diante de um baú de dinamite. O governo Bolsonaro não terá sossego. Mas a esquerda que a ele se opuser desse modo também não conseguirá reorganizar-se para cumprir uma função democrática e reformadora. Permanecerá amarrada numa cultura negativa, de “resistência”, vocacionada para dividir e diferenciar mais do que agregar e unificar.

Não dá para cravar que o eventual governo Bolsonaro levará o Brasil para uma ditadura fascista. Os componentes fascistoides exibidos durante a campanha terão de passar pela prova dos fatos. Uma escolha terá de ser feita: ou jogar o País num regime de força e na histeria social desagregadora, ou buscar a reconciliação. Neste segundo caso, Bolsonaro terá de arquivar a retórica belicista e reacionária. Sem isso seu governo submergirá. Precisará dissolver sua própria folha de serviços hostil aos direitos e às liberdades civis. Terá de ser o estadista que não apareceu durante a campanha.

Uma Presidência mais democrática, como a que promete Haddad, deixará o País parecido com o que se conhece, mas não necessariamente trabalhará para qualificar a democracia. Primeiro, porque trará consigo outro “mito” igualmente nefasto – o do Lula perseguido e santificado –, que fará a balança pender mais para o Estado do que para a sociedade. Depois, porque o PT poderá voltar ao poder com sangue nos olhos e desejo de vingança, o que ensejará uma reação social ruim para a governança democrática. Também aqui o presidente terá de ser muito mais do que um homem de partido.

O Brasil do próximo ciclo não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos, para a qual o papel do presidente será estratégico.

O novo chefe do Executivo começará a trabalhar com uma democracia de má qualidade, que funciona e tem suas instituições, mas produz poucos resultados naquilo que deveria ser seu alvo principal: educar a cidadania e satisfazer sua expectativa de que as escolhas governamentais sejam justas e eficazes.

O País está despedaçado, os nichos políticos estão “empoderados” de modo insano, cegos para o outro, sem disposição para o diálogo, as divisões ameaçam se prolongar no tempo. Nada disso ajuda a preservar e fortalecer a democracia. Os problemas econômicos, infraestruturais, educacionais, relacionados à saúde e à proteção social são desafiadores. A próxima legislatura parlamentar é uma incógnita: os partidos estão enfraquecidos e a composição do Congresso Nacional combina a manutenção de algumas famílias tradicionais com uma chusma de novas figuras de quem não se conhecem o perfil e a densidade democrática.

O País continuará surpreendendo, com sua força, sua população, suas conquistas. Foi assim durante todo o século 20. De algum modo, ainda que por vias tortas, haverá política. E nela os democratas haverão de depositar suas fichas. A “pequena política” – concentrada no jogo miúdo do poder, na destruição dos adversários, na chantagem – terá de se encontrar com a “grande política”, voltada para a recomposição da comunidade política.

O futuro será comprometido se perdermos essa perspectiva e continuarmos a alimentar as divisões perfunctórias, a competição pelas migalhas do poder, a lógica partidária que mal consegue permanecer de pé, a retórica de “guerra”.

O importante é que nossa emoção sobreviva, amanhã há de ser outro dia, dizem os poetas. Somente a perspectiva da política democrática resolverá o problema de saber quem somos, por que estamos juntos e o que queremos alcançar.


José de Souza Martins: Macunaíma vai às urnas

Nestes dias, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, se prepara para a escolha do cacique que governará a taba chamada Brasil. Passa cuspe no pente para ajeitar o cabelo com que fingirá a boniteza de que carecem os que vão cortejar a urna donzela. Espera encontrar ali a muiraquitã mítica e sagrada para enfeitar-se ainda mais e iludir-se quanto ao que é e pode.

Na incerteza, talvez não encontre nem a si mesmo, perdido na extensão do território e na identidade fragmentada, moqueada desde o seu estranho nascimento para não degradar-se. Não nasceu, foi desovado, de repente, no meio da tiguera de uma roça antiga. Despencou, preto, de dentro do ventre de uma mãe sacrificial e se tornou branco à luz do dia tropical.

Seres de metamorfoses, continuamos sendo assim, macunaímicos, à procura da muiraquitã de nós mesmos. Serão dois os candidatos: Macunaíma e Macunaíma, espelho um do outro, que se fizeram reciprocamente, negando-se na intolerância que é a mesma em nome de causas opostas. Coisa da dialética da mesmice, do mudar sem sair do lugar, do caminhar cada vez mais para ficar cada vez mais longe do destino, como descobriu a macunaímica Alice do País das Maravilhas, inventada por Lewis Carroll, clérigo e matemático. É que Macunaíma não é apenas o herói local de nosso patriotismo difuso. Ele é universal. Ele ou ela? Sabe lá, Deus.

Macunaíma é criativo. Muito religioso, não tem religião. Foi batizado três vezes: numa pia batismal da Igreja Católica, nas águas do rio Jordão, lá na Terra Santa, por um pastor neopentecostal, e no tanque batismal por outro pastor neopentecostal, aqui na terra não tão santa. Qual batismo vale? Sacramento também macunaímico? Muda de água, muda de cor.

Ou que, em outra igreja, comunga para ser visto, pois é mais importante parecer do que ser. Coisa do duplo e contraditório que Macunaíma é. Já para não falar que um desses Macunaímas foi visitar um cardeal e assinar uma declaração de amor a valores conservadores e pré-modernos de família e de escola. Tem firmeza a promessa de quem não tem firmeza no batismo? Não faltou nem mesmo, diante de uma imagem de Cristo, o gesto no dedo no gatilho por parte de funcionárias da Cúria. Que Deus é esse, santo Deus?

Uma coisa é certa, apesar do Macunaíma que somos, Deus é mais ou menos brasileiro. Mostrou isso no primeiro turno das eleições, nos muitos banimentos do castigo eleitoral. Foi injusto em alguns casos, mas não em todos. De propósito, escolheu o Estado que leva o nome de uma das pessoas da Santíssima Trindade, o Espírito Santo. Um senador da província, pastor neopentecostal, apóstolo do endireitamento do Brasil, quase candidato a vice-presidente, preferiu tentar a reeleição. Esqueceu-se de que Deus atua também no varejo, não só no atacado do poder. Gosta mais de simples eleitores do que de ambiciosos candidatos.

O senador foi derrotado por um opositor gay, da Rede, de Marina Silva, partido de esquerda, tudo oposto ao que o derrotado é e quer que os outros sejam. Deus castiga. Desinverte o mundo invertido. Põe ordem no que a intolerância e o autoritarismo, adversos à democracia, viraram de cabeça para baixo. Na suposição falsa de que o mundo subvertido pelo uso em vão do nome sagrado é o verdadeiro mundo de Deus. Nesse processo, o magno saiu mínimo.

O trono republicano já está quase vago, à espera do traseiro que o ocupará. O que Macunaíma nele fará? Não se governa um país cheio de surpresas, como este, com o traseiro. Nem com grunhidos. A incerteza macunaímica nos sugere que é melhor rezar. Reler a Constituição também ajuda. Ficar de olho nos transgressores, cuidar para que as instituições sejam mantidas e respeitadas, doa a quem doer. O poder depende do cérebro. Já tivemos governantes de cérebro pequeno, em que cabia pouca coisa mais do que frases feitas, truques publicitários, lugares-comuns, inquietações prosaicas, expressões de uma pobre ideia de pátria, impatriótica. Nada muito diferente de conversa de botequim em fim de dia.

Macunaíma é, culturalmente, expressão do Brasil, mas não tenho certeza de que em sua incerteza constitutiva possa de fato personificar a pátria. A terra da muiraquitã dos nossos desejos, mas não necessariamente de nossas esperanças. São coisas diferentes.

O desejo é humano, a esperança é sobre-humana, pede humildade e renúncia, competência e coerência, respeito, sobretudo para compreender as enormes contradições de Macunaíma e nelas introduzir a gratuidade da luz do conhecimento e do discernimento. Esse é o mundo do espírito, avesso à coisificação e à precificação que o desfigura e trai. O espírito não é a mercadoria nem o dinheiro que escravizam. Antes é sua negação, a negação que liberta.

* José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Sociologia como Aventura” (Contexto).


Luiz Carlos Azedo: Como melar uma eleição

“O PT subiu o tom dos ataques a Bolsonaro, que enfrenta o pedido de cassação de sua candidatura feito pela campanha de Haddad, por suposto abuso de poder econômico nas redes sociais”

O pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) por abuso de poder econômico e uso de caixa dois no primeiro turno, tendo por base o seu suposto envolvimento com empresas privadas que financiaram o impulsionamento de fake news contra o candidato do PT, Fernando Haddad, tem o objetivo de melar a eleição. Bolsonaro tem 18 pontos de vantagem em relação ao petista e somente um fato novo, como o que está sendo criado pelo PT, poderia produzir condições para reversão dessa dianteira.

O PT fez uma jogada muito comum no movimento sindical, onde as eleições costumam ser “judicializadas” quando uma chapa se vê em grande desvantagem às vésperas do pleito. Aproveitou-se de uma denúncia do jornal Folha de S. Paulo para deslegitimar os 49,2 milhões de votos obtidos por Bolsonaro no primeiro turno, com argumento de que houve fraude na utilização do WhatsApp como ferramenta de campanha. Com isso, submeteu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma tremenda saia justa, pois cabia à Justiça fiscalizar o pleito e detectar as supostas irregularidades, o que não aconteceu.

O ministro Jorge Mussi, corregedor do TSE, não teve outra alternativa a não ser dar prosseguimento à ação apresentada pela campanha do petista, mas rejeitou todos os pedidos de investigação e quebra de sigilo feitos pelo PT. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também é a procuradora eleitoral, foi igualmente instada a tomar providências, no caso, solicitou uma investigação da Polícia Federal.

O pleito principal do PT é a cassação dos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos e a anulação dos seus votos, o que traria para a disputa de segundo turno o terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT), que obteve 13,3 milhões de votos. O pedetista entraria na disputa uma semana antes da votação, prazo exíguo para tirar a diferença 18 milhões de votos que o separa de Haddad, que foi votado por 31,3 milhões de pessoas. Esses números são relevantes porque revelam as intenções dos respectivos eleitores, que não podem ser desconsideradas pela Justiça Eleitoral.

Se a denúncia tivesse sido feita antes do primeiro turno, quando os fatos supostamente ocorreram, seria mais factível a impugnação da candidatura ou a anulação do pleito. Depois da contagem dos votos, é muito difícil reverter uma situação como a descrita na denúncia. Nenhum eleitor admitirá que votou manipulado num pleito em que ninguém sofreu coerção nas seções eleitorais e o voto foi secreto.

O melhor exemplo é o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, acusada de abuso de poder por Aécio Neves (PSDB), o tucano derrotado pela ex-presidente nas eleições de 2014. Mesmo com “abundância de provas”, segundo o relator, a maioria do TSE, então presidido pelo ministro Gilmar Mendes, rejeitou o relatório que pedia a cassação da chapa. Como Dilma já havia sido afastada do poder pelo impeachment; nesse caso, quem poderia ser cassado era o presidente Michel Temer.

Liminares
Não foi à toa, portanto, que o ministro Jorge Mussi rejeitou o pedido de liminares antes de se ouvir a outra parte, anunciando que agirá com cautela para não influenciar os rumos da eleição. Baseado em reportagens jornalísticas, segundo o ministro, os fatos apontados não permitem neste momento demonstrar a veracidade das suspeitas. Em tese, os impulsionamentos pagos por empresas podem ser considerados doações ilegais. Mussi pretende examinar a questão em “momento próprio” e deu um prazo de cinco dias para que Bolsonaro preste esclarecimentos.

Com a denúncia, o PT ganhou novo ânimo e subiu ainda mais o tom dos ataques a Bolsonaro, elevando a temperatura. A rigor, a denúncia passou a ser um novo divisor de águas da campanha, que possibilita a “vitimização” de Haddad e a retomada da narrativa de que o país está em risco de assistir à derrocada da democracia e a ascensão, pelo voto, do fascismo. Nas redes sociais, essa ofensiva é fundamental para neutralizar Bolsonaro: primeiro, porque inibe sua campanha nas redes; segundo, por dar mais moral à militância petista.

O problema dessa estratégia é que ela exacerba os setores mais radicalizados da campanha de Bolsonaro, que revidam os ataques do PT com igual ou maior truculência. Esse clima de radicalização não é nada bom para a democracia, porque abre espaço para a contestação futura da legitimidade do presidente que vier a ser eleito. É obvio que essa avaliação parte do pressuposto de que a denúncia morrerá na praia; se isso não ocorrer, e Bolsonaro for cassado, o que é muito improvável, o país corre risco de convulsão, porque os eleitores de Bolsonaro não são fake e se indignarão.

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Luiz Carlos Azedo: Quando as coisas dão errado

“Haddad está em busca de nomes para compor seu governo, mas não vem obtendo muito sucesso nos convites devido à baixa expectativa de poder que desfruta no momento”

As declarações do ex-governador Cid Gomes (PDT), senador eleito pelo Ceará, no ato de apoio a Fernando Haddad (PT), nas quais criticou duramente o PT e exigiu uma autocrítica da legenda pelos erros cometidos nos governos Lula e Dilma, não foi uma ruptura entre seu irmão, Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado no primeiro turno, e o candidato petista, mas expressou com muita fidelidade as razões do apoio crítico anunciado pelo PDT: os dois irmãos são potes cheios de mágoas. As manobras de bastidor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para deslocar o apoio do PSB a Ciro e enfraquecer sua candidatura, com objetivo de levar Haddad ao segundo turno, deixaram sequelas graves.

Políticos profissionais são mestres em engolir sapos. Caso Haddad estivesse liderando a disputa presidencial, pode ser que os irmãos Gomes fizessem isso, mas não é o que acontece. Ciro venceu as eleições no Ceará e teve uma boa votação no Nordeste. Por essa razão, Bolsonaro não ganhou a eleição no primeiro turno. Era para Ciro ter sido tratado a pão de ló por Haddad, mas não foi o que aconteceu. Prevaleceu a lógica da campanha petista no primeiro turno: contra Bolsonaro, Ciro teria que apoiar o candidato do PT por gravidade. Deu errado.

Agora, a conta ficou mais alta: Cid Gomes tem pretensões à Mesa do Senado. A reaproximação entre os Gomes e Haddad no segundo turno faz parte desse jogo. Ontem, Cid mandou recado pelas redes sociais de que não está rompido com o candidato do PT: “Comparei os dois nomes que estão no 2º turno. O Haddad é infinitamente melhor que o Bolsonaro. Eu não quero me vingar de ninguém. Para o Brasil o menos ruim é o Haddad. Por isso penso que seria melhor que ele ganhasse”, escreveu.

O barraco que armou na segunda-feira à noite em Fortaleza virou “meme” contra os petistas nas redes sociais, mas Cid havia dito que apoiaria o petista apesar das críticas ao PT: “Eu conheço o Haddad, é uma boa pessoa, tenho zero problemas de votar no Haddad, é uma boa pessoa, mas fica algum companheiro do PT que me suceda aqui na fala, se quiser dar um exemplo para o país, tem que fazer um mea-culpa, tem que pedir desculpas, tem que ter humildade de reconhecer que fizeram muita besteira”.

Entretanto, o estrago já está feito. Uma campanha de segundo turno é ganha no dia a dia. Sem que Haddad nada fizesse de errado, na segunda-feira, jogando parado, Bolsonaro ganhou uma batalha sem o menor esforço. Haddad tenta minimizar o prejuízo porque não pode romper com os Gomes. “Essa coisa é meio acalorada, mas eu não vou ficar comentando isso até porque eu tenho uma amizade pessoal com o Cid, ele fez elogios à minha pessoa, prefiro sempre olhar pelo lado positivo”, explicou.

O episódio também serviu para embaçar as tentativas de ampliar as alianças ao centro. Haddad contabiliza o apoio de apenas cinco partidos. À reunião que fez na sede do PSB, em Brasília, compareceram apenas os partidos de esquerda: PSOL, PCdoB, PROS, PCB e PCO. Para quem pretende articular uma frente democrática, é um atestado de impotência. Apesar das sondagens, o novo coordenador político da campanha de Haddad, o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, negou que tivesse agendado uma reunião com ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para articular uma “frente democrática” com o PSDB e outros partidos que apoiaram o tucano Geraldo Alckmin no primeiro turno: “Nós já mandamos o recado para todo mundo. Fica na consciência de cada partido, de cada pessoa”, disse.

Fora Temer
Aparentemente, Haddad já se conformou com a deriva dos partidos de centro para Bolsonaro. Também sinalizou que não vai flexibilizar o discurso econômico para atrair setores liberais. Depois de anunciar que pretende manter a proposta de taxação das grandes fortunas, disse que não manterá nenhum integrante da equipe econômica do presidente Michel Temer se for eleito. “Ao contrário do Bolsonaro, nós decidimos não manter ninguém da equipe econômica do Temer no nosso governo. Então, a partir de 1º de janeiro, a equipe do Temer sai e entra uma nova equipe.”

Haddad está em busca de nomes para compor seu governo, mas não vem obtendo muito sucesso nos convites devido à baixa expectativa de poder que desfruta no momento. Por essa razão, também minimiza esse problema: “Estou fazendo sondagens. Estou conversando com pessoas de alta respeitabilidade, quero fazer um governo mais amplo possível, o Brasil precisa disso, mas eu não fiz nenhum convite. Mas, sondagens, sigo fazendo”, disse.

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El País: De ator pornô a herdeiro da monarquia, a eclética bancada de Bolsonaro na Câmara

PSL elegeu 52 deputados e espera chegar aos 90, por conta da cláusula de barreira Militares, líderes pró-impeachment de Dilma e outsiders se colaram na figura do presidenciável

Por Afonso Benites, do El País

Militares, policiais, outsiders, ator que já gravou filme pornô, descendente da família real brasileira, ex-nadador olímpico, líderes de movimentos pró- impeachment de Dilma Rousseff (PT), jornalista processada por plágio, candidatos à reeleição ou apenas concorrentes fracassados em outras disputas que colaram sua imagem à de Jair Bolsonaro. Assim é formada a eclética bancada que o partido do presidenciável, o PSL, fez na Câmara dos Deputados neste ano. Entre seus 52 eleitos, a segunda com maior representatividade no Legislativo atrás apenas da do PT, há três que se declararam negros, 14 pardos e 35 brancos. Nove são mulheres. A frente da bala é expressiva: ao menos 22 já trabalharam ou atuam em órgãos de segurança privada ou pública, como as Forças Armadas, empresas particulares, polícias Civil, Federal, Militar e Rodoviária Federal. A média de idade é jovem, 45 anos. E quase a metade, 24, nunca havia disputado um mandato eletivo.

A quantidade de eleitos surpreendeu até mesmo os bolsonaristas mais otimistas. “Não esperávamos chegar a esse número. A grande verdade é que a indignação social, felizmente, não estava só na cabeça do Bolsonaro e na minha cabeça, mas na de toda a sociedade. O Bolsonaro apenas acendeu a faísca e todos viram que ali tem luz”, disse Luciano Bivar, o presidente licenciado do PSL. Ele estima que a bancada pode ainda chegar a 90 parlamentares. O motivo é a cláusula de barreira que passou a valer neste ano para o Congresso Nacional. As legendas que não atingiram ao menos nove deputados eleitos em nove Estados distintos ou não chegaram a 1,5% do total de votos válidos passarão a ter restrições no acesso a fundos públicos. Assim, uma migração em massa não está descartada. Há 14 partidos nessa situação.

Bivar alugou o partido que preside desde a fundação, na década de 1990, para Bolsonaro concorrer. Cedeu temporariamente a presidência da legenda ao advogado Gustavo Bebianno, um dos assessores mais próximos do presidenciável. Dessa maneira, Bebianno cercou-se de pessoas de confiança dele e de seu chefe nos diretórios estaduais. Daí pra frente, foi só delimitar quem seriam os potenciais puxadores de votos que poderiam ajudar a eleger uma bancada maior. Esses receberam alguns recursos financeiros do partido para ajudar em suas campanhas. Valores que variavam 39 reais a 1,8 milhão de reais.

Foi na região Sudeste, a mais populosa do país e com maior número de assentos na Câmara, que o PSL elegeu o maior número de seus parlamentares: 29. Foram 12 no Rio de Janeiro, dez em São Paulo, seis em Minas Gerais e um no Espírito Santo. No Sul, obteve êxito nos três Estados. Foram dez deputados, assim distribuídos: quatro em Santa Catarina, três no Paraná e três no Rio Grande do Sul. No Centro Oeste, mais cinco. Foram dois em Goiás, dois no Mato Grosso do Sul e no Mato Grosso. No Nordeste, região que serviu de muro anti-Bolsonaro no primeiro turno, foram cinco: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia —um representante em cada. Na região Norte, mais três ao total, em Amazonas, Rondônia e Roraima. Na sequência, alguns dos parlamentares que se destacaram por suas atuações na campanha ou antes dela mesmo começar.

Os campeões de votos

Em 2014, o policial federal Eduardo já havia notado o peso que o sobrenome de seu pai traria à sua pretensão política. Quando concorreu pelo Estado de São Paulo, mesmo pouco conhecido, obteve 82.224 votos e se elegeu pela média. Neste ano, contudo, diante da superexposição de Jair Bolsonaro, a onda para ele foi maior. Chegou a 1,8 milhão de votos e bateu o recorde de deputado federal mais votado da história brasileira. Na atual campanha ficou marcado por, entre outras razões, ter dito durante um ato de apoio ao seu pai que “mulheres de direita são mais bonitas do que as de esquerda”. “Não mostram o peito na rua e não defecam para protestar”, afirmou. “Ou seja, as mulheres de direita são muito mais higiênicas que as da esquerda”.

Outra puxadora e recordista de votos foi a jornalista Joice Hasselman, que teve mais 1 milhão de votos também pelo Estado de São Paulo. Entre a direita brasileira, ela já foi apontada como “a musa da operação Lava Jato”. Ex-repórter da revista Veja, já foi acusada de plagiar 65 reportagens. Ela nega a irregularidade e, quando da acusação, falou que o sindicato de jornalistas do Paraná, que constatou a fraude, representava a escória do jornalismo. De qualquer maneira, na atual campanha eleitoral, ela foi responsável por disseminar alguns dos boatos que inundaram as redes sociais e os grupos de WhatsApp de Bolsonaro, uma das principais ferramentas de divulgação do candidato. Entre eles o de que um meio de comunicação teria recebido 600 milhões de reais para “detonar” a candidatura de Bolsonaro e outro de que o criminoso Adélio Bispo de Oliveira, que esfaqueou o presidenciável, concederia uma entrevista para atribuir o crime à campanha dele. Seus principais financiadores foram a direção do PSL e o empresário Sebastião Bonfim Filho, da rede de materiais esportivos Centauro.

No Rio de Janeiro, o campeão de votos foi o militar Hélio Fernando Barbosa Lopes, o Hélio Negão. Ele teve 345.234 votos. Seu crescimento exponencial, em comparação com outras eleições, deu-se por conta da proximidade com Bolsonaro, que lhe emprestou o sobrenome para amenizar a pecha de “racista” que seus opositores tentam colar nele. Além disso, o comitê do presidenciável bancou os 45.000 reais da campanha do candidato a deputado. Há dois anos, Hélio concorreu para vereador de Nova Iguaçu e teve míseros 480 votos.

Os radicais

Alguns dos destaques entre os que pregam discursos extremistas são:

Tio Trusti (MS), dono de um estabelecimento em Campo Grande que diz ser um bar de opressores. Um de seus jingles pregava que, com ele, “vagabundo não vai ter vez”. “Chegou tio Trusti, osso duro de roer. Malandro e maconheiro ele vai mandar prender”.

Nelson Barbudo (MT). Produtor rural e ex-vereador, Barbudo foi o mais votado em seu Estado com discurso radical contra criminosos e comunistas. Conhecido por ostentar uma barba longa e sempre usar chapéu, em um dos vídeos de sua campanha ele dizia: “Vou meter o chapéu na cara daqueles comunistas, lá [na Câmara]”.

Delegado Waldir (GO) foi pela segunda eleição consecutiva o mais votado de Goiás. Em seu primeiro mandato, não aprovou nenhum dos 52 projetos protocolados e se destacou porque disse que estava sendo comprado na Comissão de Constituição e Justiça para votar a favor de um relatório que pedia o arquivamento de uma denúncia criminal contra o presidente Michel Temer (MDB). Na campanha de 2018, sempre ostentava o sinal de armas e dizia que seu número nas urnas era o 17 do calibre e o 00 que representa a algema.

Carlos Jordy (RJ), apelidado de filhote de Bolsonaro frequentemente faz discursos contra feministas. É vereador em Niterói e já teve vários embates contra representantes da esquerda.

General Girão (RN) já defendeu que militares voltassem a usar as espadas, “para colocar o Brasil no rumo certo”. É a primeira eleição que ele disputou.

Daniel Silveira (RJ) o policial militar que se notabilizou por destruir uma placa de rua que levava o nome da vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL).

Lideranças pró-impeachment

Nesse grupo estão: a gerente Carla Zambelli (SP) e a advogada Alê Silva (MG), ambas do movimento Nas Ruas; o ex-ator pornô Alexandre Frota (SP) que participou de vários grupos antipetistas; Heitor Freire (CE), do Movimento Direita Ceará, e Caroline de Toni (SC), que era do Movimento Brasil Livre e protocolou um dos pedidos de impeachment da então presidente Dilma Rousseff e do ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli.

Algo comum entre esse grupo é o apoio junto ao empresariado. Com exceção de Heitor Freire, cuja maior parte dos recursos de sua campanha provieram do partido, os demais foram financiados por empresários, ruralistas ou advogados. Zambelli, por exemplo, recebeu recursos de Flávio Rocha, o ex-presidenciável que é dono das lojas Riachuelo, e de Sebastião Bonfim Filho, da rede de materiais esportivos Centauro.

O príncipe e o atleta

Entre os que já eram famosos antes de aderirem ao bolsonarismo, estão o ex-nadador olímpico e campeão pan-americano Luiz Lima e o cientista político e herdeiro da monarquia brasileira Luiz Philippe de Orleans Bragança.

Para se eleger pelo Rio de Janeiro, Lima participou do movimento Renova BR, organizado pelo empresário Eduardo Mufarrej e que tinha como objetivo trazer novas caras para a política brasileira. O ex-nadador recebeu quase 230.000 reais principalmente de investidores e mega empresários, como Abílio Diniz (que preside o Conselho de Administração da BRF), Paulo de Senna Nogueira Batista e Roberto Lombardi de Barros.

Já o “príncipe” Luiz Philippe investiu ele próprio em sua campanha juntamente com Terence Michael Pih, que possui empreiteira e empresas aduaneiras. Cotado para ser o vice de Bolsonaro, o membro da família real foi preterido pelo General Hamilton Mourão. A razão, foi a falta de proximidade entre ele e o presidenciável. Uma fonte confidenciou o EL PAÍS que Bolsonaro temia ser traído por Luiz Philippe. “Entre o príncipe e o general, ele optou pelo militar pela lealdade. O príncipe é mais preparado, mas talvez ele não fosse tão fiel quanto o Mourão. Por isso, a escolha”, disse um graduado assessor de Bolsonaro. Ainda assim, se eleito, o capitão reformado diz que conta com os serviços do herdeiro real no parlamento.

Herdeiros

Ainda na seara “herdeiros” (sem contar Eduardo Bolsonaro) outros dois eleitos se aproveitaram de seus familiares para se elegerem. Filho do deputado federal Delegado Fernando Francischini, um dos mais próximos de Bolsonaro, o deputado estadual Felipe Francischini (PR) se valeu da fama e da estrutura de campanha de seu pai. O delegado concorreria a senador nessa eleição, mas como não teria tempo de TV por estar num partido até então nanico e por querer ter mobilidade para acompanhar as agendas de Bolsonaro, ele desistiu de disputar o Congresso. Acabou “trocando” de lugar com seu filho e se elegeu estadual com votação recorde.

A outra herdeira foi a médica Soraya Manato (ES). Em sua primeira eleição ela obteve os votos que costumavam eleger seu marido, Carlos Manato, por quatro mandatos consecutivos. Ele concorreu, sem sucesso para o Governo capixaba.

Neolideranças

Outros dois parlamentares se destacaram como aliados de primeira hora de Bolsonaro em seus Estados para garantirem suas vagas na Câmara o paraibano Julian Lemos e o mineiro Marcelo Álvaro Antônio. Alçado a vice-presidente nacional do PSL, o dono de uma empresa de segurança Julian conheceu o presidenciável há quase quatro anos, quando foi trabalhar em um evento que tinha o militar como palestrante. Julian conseguiu evitar que manifestantes impedissem a palestra de Bolsonaro e se aproximou rapidamente deles. Tornou-se, então, o elo do presidenciável com o Nordeste e indicou a agência que faz suas peças publicitárias. Todos os 286.000 reais recebidos por sua campanha até o momento foram entregues pelo PSL.

Antes de chegar ao PSL, Marcelo já havia passado por três legendas distintas PRP, PMB e PR. Os discursos radicais o levaram ao PSL, que abriu uma trincheira para Bolsonaro desvendar em Minas Gerais. Em 2014, se elegeu para o primeiro mandato com pouco mais de 60.000 votos. Agora, com quase quatro vezes mais votos foi o deputado mais votado de seu Estado. O impulsionamento de seu nome se deu, principalmente, pelo fenômeno Bolsonaro. No dia em que o presidenciável foi esfaqueado em Juiz de Fora, Marcelo estava ao seu lado e é visto, em vários vídeos, carregando o candidato pelos braços.

No Congresso, a tendência é que essa bancada – que hoje representa 10,1% dos parlamentares – caminhe unida e ainda mais reforçada por simpatizantes de Bolsonaro que se elegeram por outras legendas, como Onyx Lorenzoni (DEM-RS), Kim Kataguiri (DEM-SP), Sargento Fahur (PSD-PR), Delegado Éder Mauro (PSD-PA) e Capitão Augusto (PR-SP).

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Mauricio Huertas: Uma oposição responsável contra Haddad e Bolsonaro

Não é à toa que o PT de Lula e Haddad e o PSL de Jair Bolsonaro são os campeões de votos nesse polarizado 2018, tanto ao levar seus candidatos majoritários ao 2º turno das eleições presidenciais quanto ao fazer de suas bancadas as maiores da Câmara dos Deputados e, por exemplo, da Assembleia Legislativa de São Paulo, para citar pelo simbolismo.

Venceu com larga vantagem o discurso do "nós" x "eles", o radicalismo, o ódio, o preconceito e o revanchismo. Perdemos todos os outros - e, que fique claro se ainda não caiu a ficha nessa ressaca eleitoral, somos minoritários.

Mais de 80 milhões de brasileiros, ou 75% dos votos válidos, optaram nas urnas por Bolsonaro ou por Haddad neste emblemático 7 de outubro. Ao acentuar, aparentemente, as diferenças entre esses dois campos opostos da política, fica subjacente no resultado dessas eleições uma contradição essencial: a irmandade siamesa do lulismo e do bolsonarismo, variantes à esquerda e à direita de um populismo rançoso e do descrédito da maioria do eleitorado na política tradicional.

Em cenário de terra arrasada, vencem os mais adorados e consequentemente os mais rejeitados por um lado e pelo outro. O chamado "centro democrático", ou como queiram denominar as lideranças e os partidos que tentaram se afastar destes dois polos extremados, foram aniquilados neste 1º turno. O eleitor simplesmente não desejava razão, moderação, equilíbrio. Ao contrário, o espírito é de guerra!

A polarização vai se acentuar perigosamente neste 2º turno e no futuro governo, ganhe quem ganhar. A divisão partidária, ideológica e até geográfica, marcadamente do Nordeste como resistência do petismo contra o resto do Brasil "endireitado", vai fazer proliferar atos de preconceito, racismo e intolerância. Imagine-se então o comportamento do futuro Congresso Nacional, amplamente dominado por uma base conservadora (vide o crescimento das bancadas evangélica, da bala e ruralista) e notadamente fisiológica, com raras e honrosas exceções, diante de um governo Haddad ou Bolsonaro.

Certamente o resultado das urnas será questionado pelo lado derrotado. Se não houver autoridade, responsabilidade e competência para acalmar os ânimos e convencer a sociedade da tranquilidade republicana e da normalidade democrática, seja quem for o eleito, o clima de ódio e insatisfação pode crescer nos meses seguintes até a posse do futuro presidente e gerar alguma turbulência institucional.

Os primeiros atos do novo governo também serão importantes para sinalizar que Brasil podemos esperar pelos próximos anos. Diante do nosso histórico recente, é difícil acreditar num quadro pacificado e civilizado na relação entre os poderes. Daí a nossa importância, os derrotados neste 1º turno das eleições, para ajudar a garantir o pleno funcionamento do Estado democrático de direito, fundamentalmente o respeito das liberdades civis e das garantias fundamentais da cidadania.

Não é que exista alguma ameaça concreta e objetiva à nossa ainda jovem estabilidade democrática e constitucional, mas para que nenhum lunático ou mal intencionado ouse pensar algo do tipo, e para afastarmos definitivamente qualquer fantasma autoritário, é que precisa ser formado um bloco oposicionista responsável, suprapartidário e qualificado com lideranças da sociedade reunidas em torno de conceitos e princípios inabaláveis, que tenha força e resistência suficientes para ser um ponto de equilíbrio sustentável e que não vergue com o vento que sopra à direita ou à esquerda.

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente