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Folha de S. Paulo: Atas idênticas levantam suspeita de simulação de partidos na divisão de fundo eleitoral

PSL afirma ter feito reunião idêntica à do PL; Partido da Mulher entrega mesmo texto do Solidariedade

Ranier Bragon, Folha de S. Paulo

Se as eleições de 2018 foram marcadas por esquemas de candidatas laranjas nos partidos políticos, as de 2020 já começam sob suspeita de simulação de reuniões para definir os critérios de distribuição do bilionário fundo eleitoral, a maior fonte de recursos públicos para os candidatos a prefeito e vereador.

Folha identificou ao menos quatro partidos que entregaram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atas de reuniões partidárias com trechos idênticos entre si, um "Ctrl+C/Ctrl+V" que indica a suspeita de que siglas possam ter burlado exigências legais.

O PSL, por exemplo, saiu da condição de nanico em 2018 e terá neste ano direito à segunda maior fatia do bolo, quase R$ 200 milhões, por ter recebido uma expressiva votação na onda que elegeu Jair Bolsonaro presidente da República.

A ata da reunião em que o partido do deputado federal Luciano Bivar (PE) teria definido as diretrizes para distribuição dos seus recursos, datada de 3 de junho de 2020, traz a transcrição de uma situação que se assemelha nos mínimos detalhes, incluindo praticamente as mesmas palavras e os mesmos erros de português, a uma descrita na reunião do PL, com data de realização de quase um mês antes, 13 de maio.

Os dois partidos ocupam sedes vizinhas, no nono andar de um dos principais prédios de escritórios de Brasília.

A ata da reunião do PL descreve a seguinte cena, que teria se desenrolado às 15h do dia 13 de maio, uma quarta-feira, na sala 903 do Centro Empresarial Brasil 21, região central de Brasília:

"A senhora secretária-geral, Mariucia Tozatti, fez uso da palavra, para destacar a todos os presentes que entendia que o PL deveria, na distribuição de seus recursos, contemplar os mesmos critérios adotados pelo legislador, demonstrando o fortalecimento de suas bancadas no Congresso Nacional", diz o documento, que prossegue:

"O presidente [José Tadeu Candelária] franqueou a palavra aos demais presentes [não há vírgula] os quais se manifestaram favoráveis às manifestações feitas na presente Sessão. Diante de tais manifestações, o Senhor Presidente sugeriu a suspensão da presente Sessão para que se possa discutir e elaborar uma Resolução Administrativa desta Comissão Executiva Nacional, estabelecendo critérios da distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). A sugestão foi aprovada por unanimidade dos membros presentes, tendo a Sessão sido suspensa às 15h15".

A ata da reunião do PSL descreve uma cena incrivelmente similar, que teria se desenrolado às 9h do dia 3 de junho, também uma quarta-feira, em uma sala no corredor oposto ao do PL, a 906, sede nacional do partido.

"O senhor presidente opinou no sentido de que o PSL deveria, na distribuição dos seus recursos, contemplar os mesmos critérios adotados pelo legislador, demonstrando o fortalecimento de suas bancadas no Congresso Nacional", inicia o texto do PSL.

"O senhor presidente [Luciano Bivar] franqueou a palavra aos demais presentes [não há vírgula] os quais se manifestaram favoráveis às manifestações feitas na presente reunião. Diante de tais manifestações, o senhor presidente sugeriu a suspensão da presente reunião para que se possa discutir e elaborar uma resolução interna desta comissão executiva nacional, estabelecendo critérios de distribuição do FEFC. A sugestão foi aprovada por unanimidade dos membros presentes, tendo a reunião sendo [sic] suspensa às 10h."

Atas idênticas levantam suspeita de simulação de partidos ao dividir verba

O PMB registrou as mesmas 79 palavras usadas pelo Solidariedade para explicar os critérios de distribuição de seus recursos

Para que cada um dos 33 partidos políticos receba a sua fatia do fundo eleitoral —que na eleição de 2020 irá ratear R$ 2,035 bilhões—, é preciso que ele reúna seus dirigentes e aprove uma resolução estabelecendo os critérios que irá utilizar para repassar a verba pública aos candidatos. Após isso, a sigla deve encaminhar toda a documentação ao TSE, além de fazer ampla divulgação em seus canais de comunicação.

O objetivo é aprimorar a gestão do dinheiro público, forçando a transparência e o estabelecimento de regras mais claras, além de tentar combater a tendência histórica de os caciques partidários decidirem, sem qualquer tipo de satisfação pública ou interna, qual candidato terá direito ao dinheiro e qual não terá.

Na prática, porém, algumas siglas optam por critérios vagos e subjetivos —uma muito usada é a da submissão da decisão à "conveniência partidária", sem detalhes sobre o que isso signifca na prática—, mantendo, assim, o controle sobre o dinheiro nas mãos dos principais dirigentes.

O PSL esteve em 2018 no centro do esquema das candidaturas laranjas, o que resultou em denúncia do Ministério Público contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, então presidente da sigla em Minas Gerais, e em indiciamento de Bivar pela Polícia Federal.

Uma das suspeitas foi o repasse de R$ 400 mil de dinheiro público do PSL para uma secretária de Bivar, Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos. Os casos foram revelados pela 

O PSL foi uma sigla nanica até 2018. Naquele ano, saltou para uma das maiores do país após a filiação e eleição de Jair Bolsonaro.

No ano seguinte, Bolsonaro, já presidente da República, se desfiliou da legenda após afirmar que Bivar estava "queimado pra caramba", em uma disputa, entre outros pontos, pelo controle das verbas do partido.

Diante da dificuldade de montar sua própria legenda, a Aliança pelo Brasil, Bolsonaro agora negocia uma possível volta ao PSL.

Além do caso de PSL e PL, a Folha também identificou que o PMB (Partido da Mulher Brasileira) entregou ao TSE resolução em que estabelece como critérios de distribuição de seus recursos os mesmos apresentados à Justiça Eleitoral anteriormente pelo Solidariedade, com as mesmas 79 palavras, respectivas pontuações e uma vírgula colocada exatamente no mesmo local indevido.

"A distribuição de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será feita pela direção partidária nacional, [sic] levando-se em consideração os seguintes parâmetros, dentre outros fundamentais para o bom desempenho eleitoral do partido: I - histórico político e de militância partidária do candidato ou candidata; II -potencial de votos da candidatura; III –respeito, defesa e fidelidade aos princípios ideológicos, políticos e programáticos do partido; IV –importância do respectivo colégio eleitoral para o planejamento estratégico de fortalecimento do partido; V-estrutura e organização partidária local", diz a ata da reunião do Solidariedade, o que é repetido ipsis litteris na resolução do PMB.

O PMB foi criado em 2015 e chegou a ter mais de 20 parlamentares —a quase totalidade deles homens— atraídos pela promessa de controle dos diretórios regionais e das verbas públicas do partido. Assim como chegaram, todos saíram um tempo depois e hoje a sigla não tem mais nenhum deputado.

A sigla entregou ao TSE resolução datada de 30 de junho. O Solidariedade informa ter sacramentado suas regras em 8 de junho. Ela repete os termos definidos dois anos antes, em 2018.

OUTRO LADO

Folha pediu aos partidos acesso a eventuais gravações em áudio ou vídeo das reuniões, mas nenhum deles as forneceu.

O PSL disse não saber informar a razão da coincidência com a ata do PL, se limitando a dizer que a reunião ocorreu nos termos descritos no documento entregue à Justiça.

Em nota, a assessoria de imprensa do PL afirmou que o documento apresentado ao TSE reproduz fielmente a reunião e as decisões tomadas pela sigla. "A redação do texto que consta da ata citada obedece aos critérios exigidos pela legislação vigente e registra, criteriosamente, os termos da decisão liberal para a distribuição do fundo eleitoral, encaminhada à Justiça Eleitoral."

Folha encaminhou perguntas para o email da assessoria de imprensa do PMB informado no site do partido, mas não obteve resposta. O telefone informado no site oficial não completa chamadas.

O Solidariedade disse, também por meio de sua assessoria de imprensa, que a reunião de 2020 foi efetivamente realizada de forma virtual, através de aplicativo de videoconferência, em 8 de junho, "exatamente como consta em sua ata, a qual foi devidamente assinada eletronicamente pelos que se fizeram presentes".

"Não havia obrigatoriedade de que a reunião fosse gravada, sendo certo que a assinatura válida dos presentes supre qualquer questionamento quanto à sua realização e o que fora ali deliberado", diz a assessoria, ressaltando que o TSE já declarou o partido apto a receber os recursos.

"Imediatamente após a aprovação dos critérios de distribuição dos FEFC, estes foram amplamente divulgados pelo partido, inclusive em seu site. Ou seja, quando o Partido da Mulher Brasileira deliberou a respeito, em 30/06/2020, a resolução do Solidariedade já estava amplamente divulgada há vários dias, além do que a resolução do Solidariedade para as eleições de 2020 em muito se assemelha com aquela aprovada pelo partido para as eleições de 2018. O Solidariedade não pode responder por atos partidários praticados por outras agremiações, sem o seu conhecimento", finaliza a nota.


Vera Magalhães: Alô, alô, marciano

Marciano desavisado que olhasse as manchetes do Brasil nesta terça-feira acreditaria nos versos de Rita Lee, segundo os quais 'pra variar estamos em guerra'

O marciano desavisado que olhasse as manchetes do Brasil nesta terça-feira, uma semana antes do prazo final para o envio do Orçamento de 2021 ao Congresso, acreditaria nos versos de Rita Lee, segundo os quais “pra variar estamos em guerra”.

O senhor da guerra é Jair Bolsonaro, cuja última diatribe é esquadrinhar uma divisão de recursos que privilegia a Defesa em detrimento da Educação durante uma pandemia que vitimou centenas de milhares, continua comendo solta e deixou estudantes em casa por um ano, muitos dos quais ao Deus-dará.

Pelo último esboço da proposta que tem de ser enviada até o dia 31, a Defesa teria R$ 8,2 bilhões a mais de dinheiro que a Educação.

Em tempos de uma “briga danada” pelo Orçamento, como afirma o próprio presidente, a escolha de prioridades diz tudo sobre o governo de turno, mais preocupado em recompor o que considera “injustiças” com os militares cometidas desde a redemocratização, que na verdade são apenas um tremendo reforço a privilégios seculares.

Enquanto isso, num país em que uma menina de 10 anos tem de ser submetida a um aborto legal porque engravidou do tio que a estuprava seguidamente desde os 6, educar crianças e jovens não é uma urgência.

Bolsonaro pode estar se sentindo com a bola toda dada sua circunstancial subida nas pesquisas. Mas essa receita descompensada de dilmismo fiscal, populismo nacionalista à la Médici e delírios chavistas de militarização não têm como resultar em boa coisa na plena vigência de alguns estatutos legais.

São eles a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a já condenada lei do teto de gastos, pelos quais os demais Poderes precisam zelar. Paulo Guedes resolveu ficar e tapar de novo o nariz a tudo que está sendo feito pelo chefe, e que representa a negação cabal de sua doutrina liberal.

Agora também parece disposto a bater continência e abrir as burras da Viúva para um projeto de hipertrofia da Defesa que não esconde a velha crença de Bolsonaro de que se, lá na frente, precisar fechar o STF e o Congresso, vai precisar do cabo e o soldado satisfeitos e engajados no seu projeto.

PARTIDOS: Recuperação de Bolsonaro embaralha cenário para 2022
A momentânea reação de Jair Bolsonaro nas pesquisas acabou por embaralhar ainda mais o já embaraçado novelo partidário brasileiro. O maior nó é o verdadeiro “plot twist” que pode fazer com que os bolsonaristas depois de rodar e rodar voltem ao PSL velho de guerra.
Se acontecer, será um recasamento de conveniência, sem amor algum envolvido e com ainda mais desconfiança que da primeira união.

Pragmático às raias da tosquice, Bolsonaro admitiu na última live nas suas redes sociais que o tal Aliança pelo Brasil encalhou, depois de tanta pompa e circunstância em seu anúncio.

Depois de desovar filhos e aliados em legendas aleatórias, como o Republicano de Marcelo Crivella, e flertar com o PTB do condenado e ex-preso Roberto Jefferson, o capitão admite voltar à velha casa alugada.

Não são os belos olhos de Luciano Bivar ou a tendência do presidente à conciliação que inspiram esse movimento, mas o cofre do Fundo Partidário, algo que Bolsonaro nunca engoliu que, tendo sido conquistado às suas custas, ficasse para trás no divórcio.

O barata voa com a súbita ascensão da popularidade de Bolsonaro também acirrou os ânimos no Partido Novo. Assim como entre os “farialimers” (com licença, Raul Juste Lores), na sigla, há quem alimente a esperança de que o ministro Paulo Guedes dispute com João Amoêdo a candidatura novística em 2022.

O plano é incentivado pelo empresário Salim Mattar, que deixou o Ministério da Economia, mas segue próximo a Guedes, tem ascendência sobre uma ala da bancada federal da sigla e não esconde o desejo de jogá-la de vez na base aliada.

Isso enquanto o fundador do partido defende que candidatos a prefeito e atuais detentores de mandato do Novo se afastem o quanto antes do governo iliberal de Bolsonaro.

A disputa tende a esquentar à medida que a campanha municipal for para a rua e ficar evidente que muitos candidatos do Novo são, na verdade, bolsominions que trocaram o amarelo pelo laranja, que está mais na moda.


Ricardo Noblat: A sensatez do Major Olímpio e a anarquia dos policiais amotinados

O líder do PSL no Senado elogia governador do PT

Assustado, com o quadro de “quebra de hierarquia absoluta”, o senador Major Olímpio (PSL-SP) voltou do Ceará onde esteve em missão de paz batendo duro nos policiais travestidos de milicianos rebelados e elogiando o governador do PT Camilo Pena.

Tem dessas coisas. Até para certos aliados do presidente Jair Bolsonaro, mas não para ele, há limites para tudo. Quanto mais no caso de limites fixados pela Constituição. Forças de segurança armadas não podem fazer greves, diz a lei. Ponto final.

O major foi um dos muitos políticos federais das tendências mais variadas que desembarcaram em Fortaleza recentemente na tentativa de pôr fim à sedição. Conversou com o governador. Reuniu-se com os sublevados. Foi embora pessimista.

Os policiais mascarados que celebram Bolsonaro aos gritos de “Mito! Mito” sempre que o nome dele é citado em assembleias, não concordam em negociar a pacificação dos quartéis sem terem antes garantia de que serão depois anistiados. É o costume.

Há décadas que eles se rebelam em nome de melhores salários e condições de trabalho, deixam populações inteiramente desprotegidas, assistem ao aumento violento do número de roubos, assaltos e homicídios e, mais tarde, acabam perdoados.

No início dos anos 60 do século passado, policiais militares cercaram a sede do governo paulista exigindo um aumento de salário. O general que comandava a 2ª Divisão de Infantaria ameaçou dissolver o movimento à bala e fez 500 prisões.

Chamava-se Arthur da Costa e Silva, o general. Foi Ministro da Guerra do primeiro governo da ditadura militar de 64. Em seguida, foi o segundo presidente da República do golpe. Seu passatempo era fazer palavras cruzadas. Adoeceu e não completou o mandato.

Segundo o Major Olimpio, há interesses políticos não declarados por trás da greve no Ceará. E nomeia alguns dos políticos que se aproveitam disso: Eduardo Girão (PROS-CE) Capitão Wagner (PROS-CE), Sargento Ailton (Solidariedade-CE).

Com um orçamento de R$ 239 bilhões, o Estado de São Paulo paga R$ 3.180 a um soldado. O do Ceará, R$ 4.500. O governo cearense já reservou R$ 600 milhões para reajustar os salários. Os grevistas querem algo como R$ 2 bilhões.

Presidente da Associação Nacional dos Praças, o deputado estadual Soldado Prisco (PSC) estimula movimentos como o do Ceará em outros Estados. O Major Olímpio não vê a menor chance de o Congresso aprovar uma anistia para criminosos assumidos.

Anistia para encapuzados e armados que mais “pareciam o Hezbollah [partido e grupo paramilitar libanês”]? – se indaga Olímpio. Para policial que tocou fogo no carro de uma mulher que reclamou da greve? Para atos típicos de terroristas?

O que Bolsonaro pensa a respeito disso? Se por acaso pensa alguma coisa, não diz. Para não escandalizar o país. Ou por medo de perder os votos da caserna. Como deputado federal, ele defendeu rebeliões como essa que evita condenar como presidente.

E os militares que o cercam a tudo assistem bestificados, mas em silêncio. Alegam ocupar todos os gabinetes do Palácio do Planalto e milhares de cargos no governo só para impedir tresloucados atos do ex-sindicalista alçado pelo destino à condição de chefe deles.

Dá para acreditar nisso?


El País: Censura de livros expõe “laboratório do conservadorismo” em Rondônia

Governo do PSL apoiado pela tríade “bíblia, boi e bala” manda recolher livros “inadequados”. Medida, depois revertida, não é um fenômeno isolado na política local

Rubem Alves, Mário de Andrade, Machado de Assis, Franz Kafka, Euclides da Cunha. Esses autores clássicos voltaram aos holofotes ao figurarem em uma lista de 43 livros considerados “inadequados às crianças e adolescentes” a serem recolhidos das escolas, por orientação do Governo de Rondônia. A informação, em princípio chamada de fake news pelo secretário de Educação do Estado, Suamy Vivecananda Lacerda Abreu, acabou corroborada por um áudio atribuído à gerente de Educação Básica de Rondônia, Rosane Seitz Magalhães. Na mensagem do WhatsApp, ela diz que o recolhimento foi "um pedido do nosso secretário”.

A notícia de que Rondônia planejava estabelecer um índex de livros proibidos viralizou e não foram poucas as críticas ao Governo do ultradireitista Marcos Rocha, um ex-coronel da Polícia Militar que se filiou ao PSL, então partido de Jair Bolsonaro, e chegou ao poder na onda conservadora das eleições de 2018. Ao EL PAÍS, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli, classificou a iniciativa de “inacreditável”. “Se um caso desse chegar ao Supremo, cai na mesma hora. É absolutamente inacreditável que no século XXI alguém tente censurar livros como esses”, afirmou o magistrado nesta sexta-feira em Brasília. A Academia Brasileira de Letras (ABL), por sua vez, chamou a ação de “deplorável”, uma vez que desrespeita a Constituição de 1988. “É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos”, afirmou a ABL em nota.

Mas a tentativa de censura não surpreendeu quem acompanha as peculiaridades do Estado, que funciona como uma espécie de farol para tendências conservadoras. No Estado do Norte prospera um Governo regido pela tríade “bíblia, boi e bala”, influenciado pela forte concentração de militares na região fronteiriça e o maior percentual de evangélicos do país (cerca de 34%). “Rondônia é extremamente conservadora e funciona como um grande laboratório de experiências da modernidade, seja na sua visão particular de liberalismo, seja na imposição de um certo olhar sobre a nação e o nacionalismo, ou mesmo sobre questões de gênero”, explica Estevão Fernandes, professor do Departamento de Ciências Sociais da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Falta de transparência

O EL PAÍS tentou conversar com educadores locais a respeito do ensaio de veto a livros clássicos, mas muitos preferiram não se manifestar por medo de retaliação. “Este é um lugar em que se mata jornalista no meio da rua”, disse um professor, em referência ao assassinato do comunicador Ueliton Brizon, presidente do Partido Humanista da Solidariedade (PHS) em Cacoal, morto a tiros em janeiro de 2018.

Em nota, a Secretaria de Estado da Educação de Rondônia esclareceu que recebeu uma denúncia de bibliotecas das escolas estaduais sobre a suposta existência de livros paradidáticos com conteúdos inapropriados para alunos do ensino médio. A equipe técnica afirma que analisou as informações, mas não levou a adiante qualquer ação, por considerar a acusação inapropriada. “São obras de autores consagrados mundialmente e cumprem um papel importante para uma construção social”, afirma a nota.

O áudio vazado de Rosane Magalhães, porém, traz outra versão. “Se estiverem na CRE [Coordenação Regional de Educação] ainda esses livros, não mande para a escola (...) pegue os técnicos, pegue esses livros que estou mandando aqui na lista, coloque numa caixa, lacre e envie para mim aqui a gerência de Educação Básica (...) O núcleo do livro didático fica do lado, eu vou passar para eles porque a editora vai providenciar a troca”, afirmou a gerente na mensagem compartilhada no WhatsApp.

O EL PAÍS perguntou à assessoria de imprensa do Estado quais livros substituiriam o lote considerado inadequado, como mencionado no áudio, mas não obteve resposta. “O recolhimento de obras, de forma indistinta, sem prévio debate com a sociedade, já demonstra o desprezo pelo diálogo e a incapacidade de respeitar a diversidade”, afirma Vinicius Miguel, advogado e professor universitário da UNIR, que concorreu ao Governo do Estado pela Rede, em 2019.

Após a repercussão, o Estado decretou sigilo sobre os documentos da Secretaria de Educação. “A inserção de sigilo na documentação não pode ser interpretada como um mero erro. É um exemplo claro do ódio à transparência e de uma tentativa de ocultamento da prática de censura”, afirma Miguel.

Raízes do conservadorismo

Essa não é a primeira vez que o Estado ganha o noticiário nacional com controvérsias sobre a educação. Em 2017, um grupo de 150 pais do município de Ji-Paraná, o segundo mais populoso do Estado, acionou o Ministério Público para tentar proibir um livro de ciência da 8ª série, que tinha fotos de pênis no capítulo reservado ao corpo masculino. No mesmo ano, a Prefeitura de Ariquemes mandou “suprimir” dos livros didáticos páginas que falassem de diversidade sexual.

O impulso do conservadorismo na região, no entanto, não é um fenômeno que pode ser explicado apenas com a polarização das eleições presidenciais. “Porto Velho tem uma série de obras abandonadas da época do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Dilma Rousseff]. Muitos viadutos começaram a ser construídos em 2007 e estão sendo terminados agora. O bolsonarismo apenas agregou pessoas que queriam mudança e compartilhavam os mesmos valores”, explica Fernandes. “A floresta ainda é vista como um obstáculo ao desenvolvimento. Aqui o crescimento se dá apesar da floresta e dos indígenas”, critica Fernandes, citando como exemplo a audiência pública realizada na região em 2019 para discutir o projeto de lei para permitir garimpo em terra indígena, para a qual os indígenas não foram convidados.

Colaborou Luciana Oliveira.


Bruno Boghossian: Em recado ao governo, deputados querem barrar fim de seguro obrigatório

Insatisfação pode levar bloco majoritário da Câmara a apoiar Bivar contra Bolsonaro

Os partidos que encabeçam o bloco majoritário do Congresso querem derrubar a medida do governo que acaba com o seguro obrigatório de veículos. Num só movimento, os deputados pretendem dar ao Planalto um sinal claro de insatisfação e estabelecer uma barreira ao uso da caneta presidencial como instrumento de retaliação.

O mundo político impôs alguns limites a Jair Bolsonaro desde que ele assumiu o poder, mas a articulação para vetar o fim do DPVAT carrega um simbolismo particular no momento em que o presidente finaliza seu divórcio com o partido que o elegeu.

A medida provisória que extingue o seguro, editada na segunda (11), atinge em cheio uma empresa do deputado Luciano Bivar, grande rival de Bolsonaro na disputa interna do PSL. A canetada do governo pode tirar da Companhia Excelsior de Seguros uma receita estimada em cerca de R$ 5 milhões por ano.

Numa reunião no início da semana, líderes de partidos de centro decidiram trabalhar para derrubar o texto, com o argumento de que o Congresso não dará chancela a uma vingança particular do presidente contra adversários políticos.

A movimentação dos parlamentares é um mau prenúncio para Bolsonaro. Ao fim de um ano de relações turbulentas, o Congresso ameaça ficar ao lado de um desafeto do presidente diante de um cisma que fragiliza ainda mais sua base aliada.

O argumento oficial para o fim da cobrança é o alto custo de operação do DPVAT e o número de fraudes (que é de apenas 2% de todos os pedidos de indenização). Mesmo assim, os parlamentares querem anular a medida provisória ainda neste ano.

Bolsonaro gosta de usar o poder para perseguir críticos e adversários --e o Congresso mostra sua disposição para freá-lo. Na terça (12), senadores rejeitaram a decisão do governo de acabar com a publicação obrigatória de balanços de empresas em jornais. Quando publicou a medida, o presidente insinuou que o objetivo era prejudicar a imprensa. Foi derrotado por 13 votos a 5.


Fernando Exman: A erupção do PSL

Líderes se antecipam ao fim das coligações proporcionais

A erupção do PSL escancarou a disputa que ocorreu, no subterrâneo e sob elevadas pressões, entre as duas alas antagônicas existentes no partido do presidente da República. Aliados de Jair Bolsonaro esperam que a tomada de poder na liderança da sigla na Câmara resulte, à semelhança do que ocorre depois das erupções vulcânicas, na produção de material sólido como rocha e um solo fértil a ser explorado nas próximas eleições.

Liderados pelo deputado Luciano Bivar (PE), presidente nacional do PSL, os adversários de Bolsonaro na legenda apontam que o episódio revela a meta do presidente de controlar um partido para construir plataformas políticas de médio e longo prazos. Esse objetivo gestado dentro do Palácio do Planalto, alertam, é influenciar a agenda do Congresso no próximo ano, a sucessão do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e as articulações para as eleições gerais de 2022. Ninguém esquece que é o presidente da Câmara quem decide o destino de qualquer pedido de impeachment - a gaveta ou acolhimento - e todo presidente precisa de previsibilidade para governar.

Ainda sob a ótica de seus adversários, Bolsonaro e companhia querem a chave do cofre e um controle remoto capaz de ditar os rumos da legenda em todos os Estados a partir do sofá do Palácio da Alvorada. Não apenas por apetite pelo poder, mas por questões práticas, diante das perspectivas de redução do número de partidos num futuro próximo.

Nas eleições municipais do ano que vem, as coligações proporcionais estarão proibidas. Os partidos precisarão lançar o maior número possível de candidatos a prefeito, como forma de impulsionar os candidatos a vereador. Inevitavelmente, os partidos que não se saírem bem serão compelidos a se unir a outras siglas de baixo desempenho por meio de fusões ou incorporações.

Essa reconfiguração será vista novamente nas eleições de 2022, quando aí sim, na visão de dirigentes partidários, o ecossistema político brasileiro começará a ganhar novos contornos. Haverá menos partidos e, portanto, menos postos-chave nas instâncias partidárias à disposição para rateios e acertos políticos. Em outras palavras, menos postos de confiança, verbas e poder de influência. Todos querem estar bem posicionados para as tratativas que virão.

Essa é a visão de quem hoje ainda tem o controle da direção nacional do PSL e, também, dos interlocutores do presidente da República em outros partidos independentes.

Uma eventual aliança ou até uma fusão com o PSL bolsonarista são articulações hoje vistas como potencialmente tóxicas, aos olhos de parlamentares de centro. “O presidente sozinho arruma problemas dentro de qualquer legenda, Bolsonaro com seus filhos representam um problema maior, enquanto Bolsonaro seus filhos e meia bancada do PSL produzem um tsunami de problemas”, ironiza um influente congressista.

Do ponto de vista de Bolsonaro e seus aliados, contudo, o movimento deve ser lido de forma bem distinta. Afinal, o partido do presidente da República precisa servir de exemplo. Por essa mesma razão a transparência nas contas do PSL se tornou um ponto inegociável para Bolsonaro. Aliados do presidente ponderam que ele deve estar à frente de uma sigla capaz de responder aos anseios populares por novas práticas na política. Esse partido pode, inclusive, conter e respeitar várias alas ou tendências. Desde que a liderança de Bolsonaro e o compromisso de transparência sejam respeitados.
Dia após dia, a lava expelida pelo PSL continua a ser derramada e expõe a briga dentro do partido do presidente. É um aspecto aparente de um movimento mais amplo, este ainda silencioso, das placas tectônicas do sistema partidário.

Protestos e distúrbios
Muito antes de o general Eduardo Villas Bôas repetir nas redes sociais seu alerta sobre os riscos à paz social, militares e integrantes do sistema brasileiro de inteligência já vinham monitorando a ocorrência de diversos distúrbios no exterior. Eles não têm relação alguma, como pode-se supor, com as decisões do Supremo Tribunal Federal e o destino político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O primeiro sinal veio da Ásia. Mais precisamente de Hong Kong, onde manifestantes mascarados desafiaram seguidamente o governo chinês.

Rússia, Iraque, Líbano, Espanha, Haiti, Porto Rico, Venezuela e Chile entraram no radar logo na sequência. Entre as motivações, dependendo da localidade, estão a falta de liberdade política, a corrupção, o desemprego, o aumento de impostos, o fim de subsídios e a alta do preço de combustíveis ou a elevação de tarifas do transporte público.

No Brasil, as manifestações contra a atuação do governo na educação demonstraram força e capilaridade no começo do ano, mas depois rarearam.

Atos em defesa do governo foram organizados, mas não se tornaram frequentes e não acabaram em confusão.

Hoje, o STF retoma o julgamento sobre a prisão após condenação em segunda instância.

A perspectiva de o ex-presidente Lula retornar aos palanques dá calafrios aos adversários e anima seus aliados de diversos partidos e Estados.

No entanto, há outras preocupações de curtíssimo prazo no horizonte de autoridades do Executivo e do Congresso, além de uma eventual reação violenta de setores mais radicais contra a possível mudança no entendimento do STF. Uma delas é a já esperada resposta de corporações do funcionalismo à reforma administrativa, outra é a rejeição das camadas mais pobres a medidas que adiem o crescimento do emprego e da renda. Outra questão latente é a falta de solução em relação à tabela do frete e à situação dos caminhoneiros, esta sim uma categoria capaz de parar o Brasil.


El País: Rumo às eleições de 2020, PSL corre o risco de perder um terço de sua bancada

Pressão contra CPI da Lava Toga e falta de comandos regionais influenciam ameaça de debandada. Eduardo Bolsonaro manobra em São Paulo contra Joice Hasselmann, que deseja disputar Prefeitura: "Outros partidos não perderão a chance de vencer comigo"

Na onda conservadora que elegeu Jair Bolsonaro presidente da República, o PSL conseguiu fazer a segunda maior bancada da Câmara, com 53 deputados, e passou a ter representatividade no Senado, com quatro senadores. Após quase nove meses de gestão, com desentendimentos e críticas públicas, já ocorreram duas baixas, a do deputado Alexandre Frota, que migrou ao PSDB, e agora a senadora Selma Arruda, que foi ao Podemos. E há outras a caminho. Entre 15 e 20 parlamentares podem deixar a legenda nos próximos meses —ou seja mais de um terço dos congressistas ameaçam deixar o partido. São várias as suas motivações. As principais delas: descontentamento com a tentativa do Governo de barrar a CPI da Lava Toga, que pretende investigar a cúpula do Judiciário na esteira do movimento anticorrupção, a não distribuição de cargos entre os correligionários e, por último e não menos importante, as eleições municipais de 2020.

As turbulências começaram cedo no PSL. Primeiro, o deputado federal Alexandre Frota forçou uma expulsão da legenda ao tecer seguidas críticas ao presidente. Agora, foi a vez da senadora Selma Arruda, que relatou à reportagem ter sido destratada pelo primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que não queria que ela assinasse a CPI da Lava Toga. Frota queria ser expulso para não incorrer na infidelidade partidária e acabou se tornando um tucano. No caso de Selma Arruda, não há esse impedimento, pois a lei que trata da infidelidade autoriza a troca de partido por quem ocupa cargos no Executivo ou no Senado. Agora, ela está no Podemos. Os próximos que podem deixar a legenda são o senador por São Paulo Major Olímpio Gomes, líder do PSL no Senado, e o deputado pelo Rio Grande do Sul Bibo Nunes.

Olímpio comprou briga com dois filhos congressistas do presidente. A queixa contra Flávio é a de que ele quer impedir a instalação da CPI que pode investigar o Judiciário como um favor ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli. O magistrado beneficiou Flávio, que é investigado por reter parte dos salários de seus antigos assessores, ao proibir que o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) compartilhe dados sem ordem judicial. Já contra Eduardo, o embate de Olímpio se dá na seara regional. O senador paulista presidia o diretório regional do partido em São Paulo. Após pressões, cedeu a vaga a Eduardo, que chegou no diretório reclamando de seu antecessor. A série de discussões tem ameaçado a organização para a eleição de 2020.

Nesta terça, o jornal O Globo publicou um novo capítulo das disputas em São Paulo, que  desagradaram Joice Hasselmann. A líder do Governo na Câmara, ostentando seu título de deputada federal mais votada da história, fala abertamente de seu desejo de disputar a Prefeitura da maior cidade do país no ano que vem. Segundo o jornal, o diretório estadual do PSL-SP, presidido por Eduardo, aprovou uma nominata para criar o diretório municipal, um nova instância que seria entregue a Edson Salomão, tido como oponente de Joice na sigla. A deputada reagiu falando da possibilidade de deixar a legenda: "Não acho que o PSL será injusto com quem tem mais de um milhão de votos, 700 mil na cidade de São Paulo. Mas, se for, outros partidos não perderão a chance de vencer a eleição comigo”, disse ao Globo.

Já Bibo Nunes se envolveu em uma discussão com Luciano Bivar, presidente do PSL. E, depois da desavença, perdeu postos no comando do diretório regional do partido em seu Estado. Nunes ameaçou deixar a legenda. Outros cinco deputados ouvidos pela reportagem disseram que avaliam convites de outras legendas.

O poder de atração do Podemos

A deputada Joice Hasselmann, do PSL.
A deputada Joice Hasselmann, do PSL. JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

Com a ameaça de debandada, quem tenta engrossar suas fileiras na Câmara é o Podemos, que hoje tem 10 deputados. Dois dos parlamentares questionados pela reportagem se sairiam do PSL, responderam, sorrindo, com um discurso idêntico: “Podemos ficar no PSL. Ou podemos sair”.

A estratégia para o Podemos crescer no Senado, com a adesão de Selma Arruda, foi a de ceder aos seus novos membros funções de direção em seus Estados, assim como o de poderem conduzir os processos eleitorais locais, manejando as verbas partidárias para onde acharem melhor. Na Câmara, o movimento é o mesmo, além da garantia de que, em caso de vitória nas urnas, os novos filiados terão à sua disposição cargos na máquina municipal, algo que o PSL não conseguiu entregar na esfera federal. A dificuldade de quem pretende sair do PSL hoje é o risco que correm de perder os seus mandatos por infidelidade partidária. “Eu só sairia se tivesse a garantia de que ninguém pediria a minha cassação”, afirmou um parlamentar.

Questionado o que estaria fazendo para impedir a debandada dos peesselistas, o líder da legenda na Câmara, Delegado Waldir, disse desconhecer o tema e que esse trabalho caberia, principalmente, à Executiva nacional da legenda. Admitiu, contudo, que seus colegas de bancada não estão em total sintonia. “Há alguns atritos, descontentamentos, divisões em alas. Isso acontece em vários partidos. Desconheço essa vontade desses parlamentares, mas não duvido que nos deixem”, afirmou. Procurado, o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar, não atendeu aos telefonemas da reportagem nem respondeu aos questionamentos feitos para a sua assessoria.

Os cálculos de Jair Bolsonaro

Conforme dois aliados do presidente ouvidos pela reportagem, até o próprio Jair Bolsonaro avalia a possibilidade de deixar o PSL. Neste caso, haveria duas alternativas. Encontrar um outro partido na qual possa ter influência ou fundar o seu próprio. Essa segunda hipótese foi ventilada no início do ano e tinha o apoio do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que queria recriar a UDN (partido que deu sustentação ao golpe militar de 1964). A ideia, no entanto, não prosperou.

Apesar de ser discutida internamente entre membros do Governo, a saída de Bolsonaro ainda é uma possibilidade remota. Seu objetivo inicial é fazer o que fez nas eleições de 2018, sacar Bivar do comando do partido e colocar alguém de sua confiança na direção do PSL para coordenar as eleições municipais de 2020. A maior dificuldade seria exatamente encontrar uma pessoa com experiência em gestão partidária que seja de extrema confiança do presidente. No ano passado, seu então assessor Gustavo Bebianno assumiu interinamente a presidência do PSL. Depois de eleito, Bolsonaro o transformou em ministro da Secretaria-Geral, mas 49 dias depois da posse o demitiu a pedido do seu filho Carlos Bolsonaro, o principal articulador de suas redes sociais.


Leandro Colon: PSL em chamas

Partido revelou-se uma balbúrdia ética e crise interna se agrava em hora importante para Bolsonaro

"Vou colocar fogo no puteiro." A frase de alto nível foi escrita em rede social neste domingo (9) pelo deputado Alexandre Frota, do PSL, partido de Jair Bolsonaro.

O ex-ator pornô está nu depois de a Folha revelar que um ex-motorista do parlamentar prestou depoimento ao Ministério Público acusando o ex-patrão de usá-lo como laranja.

Marcelo Ricardo Silva afirma que, a pedido de Frota, tornou-se sócio de empresas que eram do político. E que recebia dinheiro de terceiros a ser repassado para a mulher do ator que fez o Apolo de "Sassaricando".

Mais um do PSL ligado a um caso de laranja, Frota escancarou de vez o que todo mundo já sabe. Que o PSL é uma guerra conflagrada internamente, um amontoado de pessoas sem estofo político e desinteressadas em atuar unidas para ajudar o governo do seu principal filiado a sair o quanto antes do ponto morto.

"O que tenho comigo é muito forte", afirmou Frota, em tom de ameaça aos colegas de legenda após vazar na internet o conteúdo de uma conversa do grupo de WhatsApp da bancada. Espera-se agora que ele deixe a bravata de lado e conte o que sabe.

No sábado (8), Bolsonaro reuniu-se com aliados do PSL para discutir uma possível retirada de Luciano Bivar da presidência da sigla. Como mostrou a Folha, o deputado apresentou à Câmara e ao TSE notas fiscais de empresas que vendem esse tipo de documento, um indício de que os serviços pagos com dinheiro público jamais foram prestados.

A Polícia Federal já investiga desde fevereiro um esquema de candidatas laranjas do PSL em Pernambuco, reduto comandado por Bivar.

Bolsonaro foi eleito com discurso contra tudo o que tínhamos visto por aí no campo de falcatruas cometidas por partidos políticos. Em menos de seis meses de governo e de nova legislatura, a sigla do presidente revelou-se uma balbúrdia ética.

O PSL nunca foi levado a sério em Brasília. Cresceu na onda bolsonarista e chegou com força ao Congresso. Agora incendeia bem na hora em que o governo mais precisa dele.


O Globo: Do sucesso nas redes à briga com um dos filhos de Bolsonaro, Joice Hasselmann é a nova líder do governo

Jornalista com carreira no rádio e na TV foi a mulher mais votada e se diz biógrafa de Sergio Moro, embora não seja reconhecida como tal

Thiago Herdy, de O Globo

SÃO PAULO — Quando alguém lembra à nova líder do governo no Congresso, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), que muitos a comparam a um “trator” na hora de lutar por seus objetivos, ela completa:

— Sim, trator, mas um trator com cérebro. Eu penso. E sei fazer conta — diz a parlamentar, mencionando seu principal objetivo para o primeiro semestre deste ano: somar e multiplicar apoios no Legislativo em torno da reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro, que espera ver aprovada até junho.

De perfil conservador, a deputada federal mais votada do Brasil, com 1 milhão de eleitores, Joice chegou ao Congresso graças à projeção que obteve nas redes sociais (são 2,4 milhões de seguidores apenas no Facebook, onde faz transmissões diárias, ao vivo, em tom despojado).

Novata na política e disposta a ser braço estendido do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, no Parlamento, vê aflorar uma nova faceta, pouco conhecida do público geral: a de uma pessoa “jeitosa”. Afinal, “bastam 24 horas na Câmara para entender que aqui nada se faz na pancada, é tudo na conversa”.

— Hoje (quarta-feira) foi engraçado, conversei com dez líderes, de todos eles ouvi: ‘Mas você é jeitosa, hein menina?’. No final, não sou muito diferente dos outros. A única diferença é que estou de saias. E, claro, tenho o meu jeitinho.

Aos 41 anos, a deputada nasceu em Ponta Grossa (PR), mas elegeu-se por São Paulo. É jornalista e fez carreira no rádio, na internet e na TV. Apresenta-se como biógrafa do ex-juiz e ministro Sergio Moro, embora o mesmo nunca a tenha reconhecido como tal.

É autora de vídeos combativos contra a corrupção e foi voz frequente a denunciar as relações pouco republicanas que embasaram a construção de bases de apoio em governos anteriores.

Agora, demonstra estar à vontade no campo para um novo jogo. O GLOBO perguntou a ela o que fará no dia em que um deputado se aproximar dizendo que “olha, o projeto é muito bom, mas você sabe, Joice, preciso que vocês nomeiem meu aliado, aquele cargo, lá no meu estado...”

— Apresente a qualificação técnica. Os cargos existem, estão lá, e logicamente é natural que sejam ocupados por pessoas técnicas e aliadas. Não dá para botar inimigo para ocupar lugar estratégico — despistou a líder do governo.

E continuou:

— Os partidos estão mais confortáveis neste momento, entendendo que não há uma repulsa em conversa sobre indicação para cargo A, B ou C.

Joice está pronta para discutir emendas (“ninguém está inventando, elas já existem, só não serão objeto de chantagem”). E diz que a primeira derrota do governo no Congresso, o veto a mudanças na Lei de Acesso à Informação, é coisa do passado (“a articulação política não estava 100% pronta”). Também ficaram para trás as marcas da briga com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que a chamou de “louca” em um grupo de WhatsApp restrito, por causa da disputa pela vaga de líder do PSL na Câmara.

— Chamei ele num canto, conversamos, houve um acordo, já está tudo bem.

Com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o mais falante dos filhos do presidente, diz estar unida “no esforço pela reforma”. A sintonia se confirma no tom dos últimos posts de ambos, em meio à vontade de fazer prevalecer uma agenda positiva para o governo.

Com o outro filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), também diz ter se acertado horas antes do anúncio de sua indicação para a liderança. Convidado a dar algum conselho à colega, um antigo desafeto, o senador Major Olímpio (PSL-SP), declinou:

— Ela não me ouviria.

Joice não se constrange por ter que discutir os rumos do país com Rodrigo Maia (DEM-RJ), citado em investigações como beneficiário de pagamentos ilegais da Odebrecht e da OAS.

— É o presidente da Câmara, que eu saiba não tem outro. A gente precisa que ele paute a Previdência. O que houver de ilegal, tem que ser investigado. Valeria até para minha mãe, entendeu?


El País: Crise de candidatos laranja se agrava, fecha cerco a PSL e complica Bolsonaro

Novas denúncias aumentam suspeita de uso irregular de verba pública na campanha. Notícia de que funcionário de Flavio repassava dois terços do salário a Queiroz eleva pressão sobre senador

A crise gerada pelas denúncias de que aliados de Jair Bolsonaro teriam utilizado recursos públicos na campanha de candidatos de fachada, somada às suspeitas de cobrança de "pedágio" a funcionários no gabinete do filho do presidente, Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro ganharam mais força nos últimos dias com a divulgação de novos depoimentos e mensagens de envolvidos nos casos. Um assessor de Flávio admitiu em depoimento ao Ministério Público que transferia dois terços do salário a Queiroz todos os meses. Também foram divulgadas mensagens nas quais um assessor do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, cobrava a devolução de verbas a uma candidata que recebeu fundos partidários às vésperas da eleição. Além disso, duas candidatas do PSL teriam recebido expressivos repasses para produzir milhões de panfletos pouco antes do pleito. As novas descobertas, que começam a fechar o cerco ao PSL na crise das candidaturas laranjas, trazem mais complicações ao presidente, que nas últimas semanas vem tentando se descolar de uma série de escândalos envolvendo seus correligionários.

No centro da crise, estão as fortes suspeitas de um esquema de desvio de recursos públicos destinados ao PSL, partido de Bolsonaro. Parte dessa verba teria sido destinada a candidaturas de fachada por dirigentes da sigla. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), foi apontado no início deste mês pela Folha de São Paulo como patrocinador do esquema em Minas Gerais, onde foi reeleito deputado federal. Segundo o jornal, o agora ministro (que dirigia o diretório estadual do PSL) teria autorizado o repasse da verba partidária a quatro candidatas laranjas durante a campanha eleitoral, e a verba teria ido parar na conta de empresas ligadas aos seus assessores na Câmara.

O ministro nega as acusações, mas na última quarta-feira a ex-candidata a deputada estadual Cleuzenir Barbosa (PSL-MG) apresentou ao Ministério Público uma mensagem de Whatsapp na qual um assessor de Álvaro Antônio, Haissander de Paula, cobra a devolução de verba pública de campanha para destiná-la a uma empresa ligada a outro assessor do político. Em depoimento, Barbosa contou que foi pressionada a transferir a metade dos 60.000 reais que havia recebido do partido para a conta da gráfica de um irmão de Roberto Soares, também assessor do ministro.

Jair Bolsonaro não fez comentários públicos sobre as suspeitas envolvendo o titular do Turismo, mas o caso das candidaturas laranjas chegou a ser tema de conversa entre ele e o ex secretário-geral da presidência, Gustavo Bebianno. A pedido de Bolsonaro, Bebianno assumiu a presidência do PSL durante a campanha eleitoral do ano passado e foi peça fundamental para a eleição do presidente. Responsável por autorizar transferências feitas pelo diretório nacional a candidatos, ele nega que estivesse envolvido em qualquer esquema. Bolsonaro, porém, ofereceu tratamentos diferenciados aos dois ministros supostamente envolvidos nos escândalos. Na última segunda-feira, Bebianno foi demitido em meio à crise do Planalto, impulsionado por uma queda de braço travada publicamente pelo filho do presidente, Carlos Bolsonaro.

Verbas para milhões de panfletos a dois dias da eleição

O fato de duas candidatas do PSL haverem destinado recursos públicos para a confecção de mais de 10 milhões de panfletos a apenas dois dias antes da eleição inflamou ainda mais as suspeitas do desvio de verbas por meio de candidaturas laranjas. Nesta sexta-feira, O Globo publicou que o partido transferiu 268.000 reais nas vésperas do pleito para as campanhas das candidatas a deputada Gislani Maia (Ceará) e Mariana Nunes (Pernambuco), que gastaram praticamente todo o valor recebido da executiva nacional da sigla em gráficas entre os dias 5 e 6 de outubro.

Gislani foi a única a receber verba do partido no Ceará, embora houvesse outras 18 candidatas pelo partido no Estado. Ela disse ao O Globo que o material impresso continha imagens de outros candidatos, mas sempre a seu lado. A maior parte da despesa da candidata (103,2 mil reais) foi concentrada em uma única gráfica, a M C de Holanda Carvalho, cujo nome fantasia é EH 8 Comunicação Visual. Apesar do investimento, Gislani só conseguiu 3.501 votos. Em Pernambuco, o centro da polêmica envolve a candidatura de Mariana Nunes, que obteve apenas 1.741 votos mesmo tendo usado 127.800 reais na campanha, segundo a prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral. A maior parte dos recursos (118.000 reais) foi transferida pelo partido poucos dias antes da eleição e quase tudo (113.900 reais) foi gasto em uma única gráfica para a confecção de cinco milhões de santinhos e um milhão de adesivos.

Novas suspeitas sobre Flávio

Nos últimos dias, as suspeitas que pairam sobre o senador Flávio Bolsonarotambém ganharam novos capítulos. O filho mais velho do presidente já enfrentava há meses denúncias de cobrança de "pedágio" aos funcionários de seu gabinete no período em que foi deputado estadual no Rio de Janeiro. Agora, também surgiram indícios de que uma funcionária de sua campanha pode ter sido remunerada com os recursos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A revista Crusoé publicou nesta sexta-feira que teve acesso ao contrato de trabalho da promotora de eventos Valdenice Meliga como funcionária da liderança do PSL na Casa. O contrato teria sido firmado um dia depois de Meliga fechar acordo com o então líder do partido, Flávio, para gerir as contas eleitorais da sigla. Não há menção de remuneração por este trabalho na prestação de contas feita à Justiça Eleitoral. Os acordos, conforme a revista, determinam que Valdenice Meliga trabalharia de graça na campanha de Flávio ao Senado e acumularia um cargo na Alerj. O valor do salário dela na Casa, porém, coincide com os cerca de 5.000 reais que a própria funcionária teria estimado para os serviços prestados à campanha de Flávio.

Além disso, nesta semana o Estadão divulgou o primeiro depoimento colhido pelo Ministério Público do Rio sobre as movimentações bancárias atípicas entre funcionários do gabinete do senador, identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O ex-assessor Agostinho Moraes da Silva admitiu que depositava mensalmente cerca de dois terços do salário que recebia na Casa — o equivalente a 4.000 reais — na conta de Fabrício Queiroz, ex-motorista do agora senador. Segundo Silva, as transferências eram um investimento na compra e venda de veículos exercidas por Queiroz. No depoimento, ele também afirmou que Queiroz lhe devolvia de 4.500 reais a 4.700 reais em espécie todos os meses, como retorno do negócio, e que não tinha conhecimento da existência de funcionários fantasmas no gabinete. Silva, porém, não apresentou documentos que comprovassem suas declarações nem explicou porquê Queiroz lhe devolvia o dinheiro em espécie e não por transferência bancária, por exemplo.

A principal suspeita das autoridades que investigam o caso é que o valor movimentado pelo motorista seja uma espécie de pedágio cobrado por parlamentares de seus funcionários: os depósitos na conta de Queiroz eram feitos por pelo menos 20 integrantes do gabinete de Flávio, e coincidiam com as datas de pagamento da Assembleia Legislativa do Rio. O confisco de salários é ilegal, mas bastante difundido em assembleias, câmaras e prefeituras do país. Na TV, Queiroz negou ser "laranja" dos Bolsonaro e afirmou que o dinheiro na sua conta, que o Coaf considerou incompatível com seus rendimentos, é proveniente de negócios realizados por ele com carros usados.

Flávio Bolsonaro também é investigado no caso, além de responder por evolução patrimonial irregular com a venda de imóveis tanto na esfera criminal quanto na eleitoral, em razão da declaração de patrimônio que concedeu à Justiça Eleitoral no ano passado. Na última quinta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, definiu que as investigações criminais devem correr em primeira instância, sem foro privilegiado. Em entrevistas que concedeu à televisão nos últimos meses, o filho do presidente tem negado seu envolvimento nas irregularidades. Queiroz e Flávio faltaram os depoimentos ao Ministério Público.


O Estado de S. Paulo: Clã Bolsonaro negocia migrar para nova UDN

Filhos do presidente articulam deixar PSL e ingressar em sigla em formação que pretende reeditar antiga União Democrática Nacional, símbolo da centro-direita no País

Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo

Com o PSL em crise e sob suspeita de desviar verba pública por meio de candidaturas “laranjas” nas eleições de 2018, os filhos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) negociam migrar para um novo partido, que está em fase final de criação. Trata-se da reedição da antiga UDN (União Democrática Nacional).

Segundo três fontes ouvidas pela reportagem em caráter reservado, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se reuniu na semana passada em Brasília com dirigentes da sigla para tratar do assunto. Ele tem urgência em levar adiante o projeto. Eleito com 1,8 milhão de votos, Eduardo teria o apoio de seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Com esse movimento, a família Bolsonaro buscaria preservar seu capital eleitoral diante do desgaste do partido.

Enquanto ainda estava internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, Jair Bolsonaro acionou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, para que determinasse investigações sobre o caso.

As suspeitas atingiram o presidente da legenda, deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), e foram pano de fundo da crise envolvendo o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, que foi chamado de mentiroso por Carlos Bolsonaro depois de afirmar que tratara com o pai sobre o tema. Após cinco dias de crise, Bebianno deve ser exonerado do cargo nesta segunda-feira, 18, por Bolsonaro.

Além de afastar a família dos problemas do PSL, a nova sigla realizaria o projeto político de aglutinar lideranças da direita nacional identificadas com o liberalismo econômico e com a pauta nacionalista e conservadora, defendida pelo clã Bolsonaro.

No começo do mês, Eduardo foi ungido por Steve Bannon, ex-assessor do presidente americano Donald Trump, como o representante na América do Sul do The Movement, grupo que reúne lideranças nacionalistas antiglobalização.

O projeto do novo partido é tratado com discrição no entorno do presidente. Em 2018, a UDN foi um dos partidos – embora ainda em formação e sem registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – sondados por interlocutores do presidente para que ele disputasse a eleição, mas a articulação não avançou. Depois de anunciar a adesão ao Patriota, Jair Bolsonaro acabou escolhendo o PSL.

Assinaturas. A nova UDN é um dos 75 partidos em fase de criação, conforme o TSE. Segundo seu dirigente, o capixaba Marcus Alves de Souza, apoiadores já reuniram 380 mil assinaturas – são necessárias 497 mil para a homologação da legenda. O partido já tem CNPJ e diretórios em nove Estados, como exige a legislação eleitoral para a homologação. Ela tem em Brasília um de seus principais articuladores, o advogado Marco Vicenzo, que lidera o Movimento Direita Unida e coordena contatos com parlamentares interessados em aderir ao novo partido. A articulação envolveria ainda o senador Major Olímpio (PSL-SP), que nega.

Souza prefere não comentar as tratativas do partido que estão em curso. Ele, porém, admitiu que a intenção é criar o maior partido de direita do País. Como se trata de uma sigla nova, a legislação permite a migração de políticos sem que eles corram o risco de perder seus mandatos. “O único partido que tem o DNA da direita é a UDN. A gente não pode ter medo de crescer, mas com responsabilidade”, afirmou.

Souza deixou o Espírito Santo, onde atuou na Secretaria da Casa Civil do ex-governador Paulo Hartung, e mudou-se para São Paulo para concluir a criação da nova UDN, que adotou o mesmo mote de sua versão antiga: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. “Nosso sonho é que a UDN renasça grande e se torne o maior partido do Congresso”, afirmou seu presidente. Ele disse ainda que a legenda pretende apoiar o governo Bolsonaro e está aberta “para receber pessoas sérias do PSL e de qualquer partido”.

Palácio. Procurada pelo Estado, a assessoria do Palácio do Planalto informou que não ia se manifestar sobre o assunto. A reportagem procurou ainda as assessorias do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), do deputado Eduardo Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, mas nenhuma delas se manifestou.

Bivar, presidente da legenda, também foi procurado, mas não respondeu ao Estado.

‘Sigla tem forte apelo popular’, diz historiador

Em processo de homologação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a UDN, sigla que pode abrigar o clã Bolsonaro, foi inspirada no partido que nasceu em 1945 para aglutinar as forças que se opunham à ditadura de Getúlio Vargas.

Com o discurso de moralização da política e contra corrupção, a frente unia originalmente desde a Esquerda Democrática – que romperia um ano depois com a sigla e fundaria o Partido Socialista Brasileiro – a antigos aliados de Vargas, como o general Juarez Távora e o ex-governador gaúcho Flores da Cunha, rompidos com o ditador.

Em 1960, o partido apoiou a eleição de Jânio Quadros, eleito presidente, e, em 1964 , a deposição do governo de João Goulart. “O PSL é um partido de aluguel, já a UDN tem um apelo histórico e popular. Os Bolsonaros podem usar isso”, disse o historiado Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Líderes. Ele lembra que a antiga UDN, embora “muito ideologizada”, tinha um perfil heterogêneo. O mesmo pode acontecer com a nova versão do partido. Enquanto a versão original da UDN tinha líderes como o brigadeiro Eduardo Gomes, o jurista Afonso Arinos e os ex-governadores Carlos Lacerda (Guanabara), Juracy Magalhães (Bahia) e Magalhães Pinto (Minas), a nova legenda tem potencial para atrair lideranças do DEM ao PSDB, passando pelo MBL.

Entre os políticos que são vistos como “sonho de consumo” da UDN em 2019 está o governador de São Paulo, João Doria, que descarta a ideia de deixar o PSDB.


Leandro Colon: Laranjal machista ajudou a turbinar PSL na eleição

Esquema de candidatas laranjas revela como partido operou para crescer nas eleições

O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, usou candidatas laranjaspara driblar a legislação eleitoral em esquema de desvio de verba pública. Na cara dura, o presidente da sigla afirmou que a culpa é da lei, afinal, segundo ele, as mulheres não têm a vocação política.

Segundo as regras, 30% dos candidatos de cada partido devem ser mulheres, mesma proporção a ser respeitada no repasse do fundo partidário, formado por dinheiro público.

O que fez o PSL? Burlou a lei, conforme revelaram reportagens da Folha. O atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, por exemplo, é o mandachuva da legenda em Minas. Seu grupo escalou quatro mulheres para preencher a cota.

Na prática, elas fingiram ser candidatas. Eram laranjas. Juntas, não tiveram mais de 2.000 votos. Essas mulheres nunca pensaram em se eleger. Atuaram como figurantes. Foram usadas pelo PSL para repassar dinheiro do fundo a empresas ligadas a Álvaro Antonio, o deputado federal mais votado pelos mineiros.

Quem preside o PSL é Luciano Bivar, com passado nada idôneo na cartolagem do futebol pernambucano. Não se sabe direito o que ele ofereceu para levar Bolsonaro e sua trupe. A aposta deu certo, e o PSL saltou de nanico para a segunda maior bancada eleita, que tem Bivar como um dos vice-presidentes da Casa.

O que se descobre agora é como a sigla operou para atingir tamanha façanha. Em Pernambuco, uma funcionária do partido, indicada como candidata também para garantir a cota feminina, levou R$ 400 mil do fundo partidário, o terceiro maior repasse da legenda em todo o país.

O dinheiro saiu na véspera da eleição para imprimir 9 milhões de santinhos em uma gráfica fantasma. A candidata teve somente 294 votos.

Em entrevista à repórter Camila Mattoso, Bivar atacou a cota dizendo que a política “não é muito da mulher”. Bolsonaro nega as acusações de que é machista. Ele silenciou sobre o laranjal do PSL, mas deveria repudiar publicamente o discurso misógino do chefe do seu partido.