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Pedro Doria: O deputado, o Centrão e o algoritmo

Há uma lógica diretamente ligada à estrutura das redes sociais no vídeo que custou a prisão ao deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). Silveira é, dentre os bolsonaristas, um tipo ainda mais agressivo do que o padrão do grupo, já uns tantos tons acima do normal. Mas, neste vídeo em que deseja uma surra aos ministros do Supremo embalado por atos institucionais da ditadura, sua agressividade não é apenas um ato político antidemocrático. É, também, uma técnica conhecida de fazer com que a audiência potencial do filmete seja maior. A intenção lá atrás, quando se tornou conhecido pelo gesto de quebrar a placa da vereadora assassinada Marielle Franco durante a campanha, também era a mesma.

O algoritmo, o código de computador que seleciona quem será exposto a que foto, texto, vídeo, compreende muito da natureza humana. É uma inteligência artificial que compreende nossas fraquezas. E uma delas é que, quando a pressão sobe, e a adrenalina corre, ligamos o alerta. Ficamos mais atentos quando as emoções são fortes. Quem nos deixa mais indignados, nas redes sociais, ganha mais pontos para aparecer mais.

Silveira sabe disso, como sabe Carlos Bolsonaro quando opera as contas de seu pai, o presidente da República. Como, aliás, sabem quaisquer influenciadores.

A esperança que a internet trazia quando surgiu é que o debate político seria democratizado. Não seria mais necessário ter uma verba imensa para contratar as melhores pesquisas, as mais capazes equipes de vídeo e, assim, costurar publicidade eleitoral de primeira. O mercado de ideias enfim se realizaria, utopicamente, permitindo que, nos diálogos constantes da praça digital, as melhores emergissem pela criação de consensos. A democracia é tão bonita nos livros e tão difícil na prática. Pois a entrada da inteligência artificial no jogo confirmou as previsões só pela metade. Não é preciso mais dinheiro para se sobressair. Mas as regras do jogo fazem com que, no mercado real das ideias, sejam os mais radicais que chamem a atenção.

Para prender Silveira, o ministro Alexandre de Moraes fez uma leitura perigosa do princípio de flagrante. Se o vídeo está no YouTube, e pessoas estão constantemente expostas a ele, então o crime é continuado. Como já disse alguém, se isso for verdade, quem tem Twitter, tem medo. Tudo o que já se escreveu na rede e ficou pode ser usado para criar o flagrante.

Mas, interpretação à parte, Moraes — e os outros dez ministros do Supremo que unanimemente concordaram com a decisão de prender o deputado — estão certos em se preocupar. Nada é mais radical politicamente do que um ataque à democracia. É defender o rompimento do regime, o fim da liberdade, da igualdade de direitos.

A violência, afinal, pode começar retórica, pode ser um truque para deslumbrar o algoritmo e, assim, conquistar mais curtires e visitas. Mas ela não fica só aí. A violência retórica, o discurso contra a democracia, ilude eleitores e constrói eleitorado. Nós, os brasileiros, entendemos de ditadura — só na República tivemos três. A de Deodoro e Floriano, a de Vargas e a dos generais. Podemos dizer com tranquilidade que não entregam países melhores. A última nos deixou um legado de analfabetos e hiperinflação que custou à democracia uma década para resolver. Ainda assim, mesmo porque, no tempo das fake news, até a história é falsificada, tem gente convencida de que ditadura é bom jogo.

A lição que os EUA de Donald Trump nos deixaram é que a violência iniciada no algoritmo tampouco para na conquista de um nicho de eleitorado. Ela vai além, se torna real e invade Parlamentos. O Centrão que abra o olho — é com eles também.


Bernardo Mello Franco: Bolsonarismo tenta usar armas da democracia para matá-la

Na denúncia apresentada ao Supremo, a Procuradoria-Geral da República descreve Daniel Silveira como “um ex-soldado da Polícia Militar do Rio, instituição na qual se notabilizou pelo mau comportamento”. O deputado fez da indisciplina um trampolim para trocar o quartel pelo palanque. Não é sua única semelhança com Jair Bolsonaro.

A exemplo do capitão, o ex-soldado usa a misoginia para se promover. Bolsonaro atraiu holofotes quando chamou uma colega de “vagabunda” e disse que ela “não merecia” ser estuprada. Silveira se projetou ao vandalizar uma homenagem a Marielle Franco, vereadora executada pela milícia.

Os dois descobriram que a truculência pode render votos. O mau militar enfileirou sete mandatos até chegar ao Planalto. O mau policial foi premiado com uma cadeira na Câmara.

O caso do deputado marombado impõe um teste à democracia brasileira. Desde que subiu a rampa com Bolsonaro, a extrema direita mantém as instituições sob ataque permanente. Agora surgiu uma oportunidade de frear a escalada autoritária.

Na Quarta-feira de Cinzas, o Supremo esqueceu as divisões internas e manteve a prisão de Silveira por 11 a 0. Hoje será a vez de a Câmara decidir o futuro do extremista.

O bolsonarismo não disfarça. Seu projeto envolve o aliciamento das polícias, a cooptação do Legislativo e a submissão do Judiciário. O deputado Eduardo Bolsonaro já havia sugerido fechar o Supremo com “um soldado e um cabo”. Silveira propôs uma solução mais violenta: espancar, cassar e prender os ministros da Corte.

Os golpistas tentam usar as armas da democracia para matá-la. O ex-PM evoca a imunidade parlamentar para defender a ditadura. Exalta o AI-5, mas quer liberdade de expressão para conspirar. Por ironia, ele foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, um entulho autoritário do regime dos generais.

A Câmara tem sido conivente com a pregação fascista desde 1999, quando um deputado exaltou a ditadura e defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, os parlamentares optaram por deixar o extremista falando sozinho. A experiência mostra que a omissão foi um erro grave. Agora o Congresso pode começar a repará-lo.


Eliane Cantanhêde: ‘Nova política’, vade retro!

Bolsonarista Daniel Silveira empurra os três poderes para um acordão e enterra a ‘nova política’

O presidente Jair Bolsonaro e o Exército fecharam a boca, os três poderes se articularam e prevaleceu o bom senso para evitar uma crise institucional e superar o episódio “Daniel, como é mesmo o nome dele?”. O Supremo cumpriu sua função, o Congresso reagiu com maturidade, o Planalto não atrapalhou e o resultado é que o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) passa uns dias em cana e está isolado na Câmara

O ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão em flagrante de Silveira, que faz apologia do AI-5 e agride violentamente os ministros do Supremo; o plenário da Corte ratificou a prisão por unanimidade e em tempo recorde; o presidente da Câmara, Arthur Lira, ouviu Planalto, Senado e líderes partidários e articulou o acordão com o próprio Supremo. Duas coisas podem atrapalhar tudo: as ligações do deputado com a milícia e os dois celulares encontrados com ele

Pelo acordo, a Câmara mantém a prisão, Moraes dá um tempo e depois usa a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para relaxar a prisão e trocá-la por tornozeleira eletrônica. Resta saber o que de fato acontecerá com o bolsonarista Silveira, que é uma ameaça à democracia e à sociedade. Ele será investigado pelo Supremo e pelo Conselho de Ética da Câmara. Pode ser suspenso, cassado ou... nada. 

Por isso o STF não aceitou a primeira proposta do Congresso: a Câmara derrubaria a prisão, mas com o compromisso de abrir processo contra Silveira no Conselho de Ética. Como confiar, se o conselho lava as mãos até para a deputada e pastora Flordelis, condenada pelo assassinato do marido? 

Enquanto os poderes têm de perder tempo e energia com gente assim, vale refletir em que contexto Daniel Silveira foi eleito deputado federal, depois de expelido da Polícia Militar do Rio por 26 dias de prisão, 54 de detenção, 14 repreensões e duas advertências. Com esse currículo, ele só pôde ser eleito na onda Jair Bolsonaro, ele próprio um militar que saiu cedo do Exército por insubordinação. 

Essa onda da “nova política” tirou do Congresso (e de legislativos e governos estaduais) políticos experientes e de bons serviços prestados em comissões, lideranças e relatorias de temas essenciais. E pôs no lugar policiais, bombeiros, militares, procuradores – entre eles, toda uma gente que sempre passou ao largo da política. Pior: com horror à política e à negociação, diálogo, contraditório. Para não dizer democracia e instituições. Ao destruir a placa para a vereadora assassinada Marielle Franco, Daniel Silveira atacou o que ela representava: a política (entrou nela para destruí-la por dentro), mulheres, negros, gays, inclusão social, justiça e humanidade. 

Agora, ele está preso e foi abandonado, mas não fala sozinho. O deputado Eduardo Bolsonaro já defendeu a volta do AI-5, o mais feroz instrumento da ditadura militar, e que “basta um cabo e um soldado para fechar o STF”. E o presidente da República, além de ouvir em silêncio o então ministro da Educação propor a prisão dos membros do Supremo, atiçou e participou de atos contra as instituições. 

A “nova política”, porém, envelheceu rapidamente, com Wilson Witzel afastado do governo Rio por desvios, governadores do PSL e do PSC em apuros, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) rejeitada por multidões para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um bando deles respondendo no Supremo por fake news e movimentos golpistas. 

O próprio Bolsonaro está saindo de fininho, abraçado à “velha política” e ao Centrão e empenhado na aproximação com o Supremo. Os filhos que votem como bem entenderem sobre a prisão de Silveira, um bolsonarista raiz, porque papai Jair está mais preocupado em se dar bem no Congresso e no Supremo. Para os Silveiras e o resto, migalhas. Ou armas e munições à vontade.


Igor Gielow: Prisão de deputado mostra os custos do bolsonarismo para os Poderes

STF confirma decisão de Moraes em momento de tensão da corte com militares

A decisão do Supremo Tribunal Federal de manter preso deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) demonstra a extensão dos danos do bolsonarismo à relação entre Poderes no Brasil.

Num preâmbulo, a decretação da prisão pelo ministro Alexandre de Moraes deu oxigênio a uma fogueira cujas brasas foram animadas pelo general Eduardo Villas Bôas, jogando no mesmo escaninho de confusão institucional temas que são imiscíveis —embora guardem raízes genéticas, por assim dizer.

A tensão na praça dos Três Poderes havia sido reduzida consideravelmente no país após a prisão do faz-tudo do clã Bolsonaro Fabrício Queiroz, que levou o presidente a recolher-se e estabelecer uma dança com o centrão que acabou no baile dado por Arthur Lira (PP-AL) ao conquistar a Câmara dos Deputados.

Claro, impropérios seguiram sendo ditos e descaminhos trilhados, em especial na condução da pandemia da Covid-19, mas as palavras Planalto, golpe, Supremo e militares pararam de frequentar conversas como ocorria de forma quase ligeira até junho do ano passado.

Agora, o flagrante contra Silveira após um vídeo de baixo calão que só não é inacreditável porque trata-se de um bolsonarista de quatro costados na tela, evidencia o custo da associação institucional com o movimento ideológico que tem no presidente o líder.

Aliados de Bolsonaro correm para dizer que ele não é Silveira, mas parecem não ter visto o tuíte do filho presidencial Carlos lamentando a prisão do amigo.

Com a previsível confirmação da prisão pelo plenário do Supremo, sobraram a Lira duas opções para a análise do cargo.

A do fígado, usar o corporativismo e relaxar a prisão de Silveira, que alguns especialistas apontam como de difícil justificativa no modo flagrante, embora o crime seja evidente.

Para quem tem a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de assassinato, solta nos corredores da Câmara, não é um preço moral alto.

A outra saída, cerebral, seria compor um acordo que talvez poupe Silveira da cadeia, mas que o coloque no patíbulo do Conselho de Ética imediatamente.

Seria uma forma de dar alguma satisfação extra corporis. Como lembrou o decano Marco Aurélio Mello, agora Lira terá de analisar não uma decisão monocrática, e sim do plenário por unanimidade.

Seja como for, o presidente da Câmara não tem nem três semanas no cargo e já paga o preço institucional de associação com o bolsonarismo extremado. Silveira inclusive envolveu o Senado em suas críticas.

"Lá no Senado tem muito senador na mãozinha de vocês. E vocês estão nas mãos de muitos senadores", esbraveja o deputado seu monólogo direcionado ao Supremo.

Como não se vê de Bolsonaro disposição de promover uma versão política da Noite das Longas Facas, quando em 1934 Adolf Hitler eliminou a cabeça das SA (Tropas de Assalto) que lhe pavimentaram a chegada ao poder para então consolidar sua aliança condicional com o establishment alemão, a questão que fica é outra.

Lira irá apenas colocar mais um item na fatura apresentada ao Planalto por seu apoio ou começará a ponderar o custo de sua adesão?

Até aqui, pautas bolsonaristas mais explícitas já sofrem bombardeio no Congresso, disposto a tocar agendas econômicas simpáticas ao Planalto. Mas ele também viu temas caros ao centrão, como o enterro da Lava Jato, sendo levados em frente.

Mas há dimensões adicionais à crise em plena data que já foi conhecida como Quarta-Feira de Cinzas.

É indissociável do contexto da decisão confirmada pelos ministos do STF o braseiro mexido pelo general Villas Bôas ao revisitar a confecção do tuíte em que tentava emparedar a corte a não impedir a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2018.

O ex-comandante do Exército, em livro-depoimento lançado pela Fundação Getúlio Vargas, traça claramente o cenário em que discutiu a nota com o Alto-Comando da Força em um ambiente de crescente antipetismo e adesão à candidatura Bolsonaro.

Afinal, como a Folha mostrou no domingo (14), o texto de admoestação era ainda mais duro e segundo Villas Bôas foi lido por três generais que são ministros de Bolsonaro —ao menos um, Luiz Eduardo Ramos, nega ter participado.

Essas revelações precipitaram a reação do ministro Edson Fachin, que levou Silveira a produzir o chorume virtual contra o Supremo, que por sua vez horrorizou outros membros da corte.

Na quarta (16), pelo menos três deles conversaram, inclusive dois críticos de Fachin, levando ao pedido de reação por parte de Moraes —que adota linha dura contra os radicais do bolsonarismo desde o ano passado. O presidente do Supremo, Luiz Fux, não participou da articulação.

Para os militares, a saída até aqui foi o silêncio. Repercutiu mal, mesmo entre oficiais-generais que apoiam a posição de Villas Bôas, ele ter tripudiado de Fachin ao questionar no Twitter por que ele demorou três anos para ver na postagem de 2018 uma ameaça.

Os militares, o comandante do Exército Edson Leal Pujol à frente, riscaram uma linha no chão e tentaram de alguma forma dissociar-se do dia-a-dia de um governo que tem 9 fardados entre seus 23 ministros, inclusive o contestado general da ativa Eduardo Pazuello (Saúde).

Inexequível como fato, deu mais ou menos certo como imagem. Agora, tudo isso é colocado em xeque, com o bônus de verem Silveira, que simboliza um radicalismo ao qual os generais dizem ter asco, no mesmo lado do ringue que eles.

O problema adicional é que a narrativa de Villas Bôas no livro explicita que, no berço, muito da espuma produzida pela hidrofobia bolsonarista tem DNA verde-oliva: o ódio ao PT, ao politicamente correto, ao que percebiam como revanchismo de esquerda.

Agora caberá à surradas instituições, testadas o tempo todo sob Bolsonaro, acharem uma acomodação para mais esse espasmo. A bola está com Lira.


Metropóles: MPF denuncia deputado Daniel Silveira ao Supremo por agressões à Corte

Denúncia foi resposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) a ataques contra integrantes do Supremo feitos pelo deputado federal

Flávia Said, Metropóles

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou nesta quarta-feira (17/2) o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) ao Supremo Tribunal Federal (STF). A denúncia acusa o deputado de três crimes: 1) praticar agressões verbais e graves ameaças contra ministros da Corte para favorecer interesse próprio, 2) incitar o emprego de violência para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e 3) incentivar a animosidade entre as Forças Armadas e o STF.

A denúncia, assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, foi apresentada minutos após o Plenário do Supremo manter, por unanimidade, a prisão em flagrante do parlamentar por crime inafiançável.

A prisão foi determinada após o parlamentar divulgar vídeo em que dispara ataques aos integrantes da Corte, com especial destaque a Edson Fachin, que subiu o tom contra declaração de 2018 feita pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas.

No vídeo, Silveira afirma que os 11 ministros do Supremo “não servem pra porra nenhuma pra esse país”, “não têm caráter, nem escrúpulo, nem moral” e deveriam ser destituídos para a nomeação de “11 novos ministros”. Ele também fez apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), mais duro instrumento de repressão da ditadura militar (1964-1985).

Mais sobre o assunto

“Neste último vídeo, não só há uma escalada em relação ao número de insultos, ameaças e impropérios dirigidos aos ministros do Supremo, mas também uma incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Tribunal, quando o denunciado, fazendo alusão às nefastas consequências que advieram do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, entre as quais cita expressamente a cassação de ministros do Supremo, instiga os membros da Corte a prenderem o general Eduardo Villas Bôas, de modo a provocar uma ruptura institucional”, descreve a denúncia.

Resposta da PGR às declarações do deputado federal, a denúncia é uma acusação formal feita na Justiça que, se recebida, torna réu o investigado e dá início a uma ação penal. Como o deputado tem foro privilegiado, cabe ao Supremo analisar o caso.

Prisão em flagrante

Silveira foi preso em sua casa, em Petrópolis (RJ), pela Polícia Federal (PF) no fim da noite de terça, dia em que compartilhou nas redes sociais o vídeo com os ataques ao Supremo. Ele está detido na Superintendência da PF no Rio.

O parlamentar já é investigado pelo STF em dois inquéritos: o que investiga a propagação de fake news e o que mira o financiamento e organização de atos antidemocráticos em Brasília.

Em junho, ele foi alvo de buscas e apreensões pela Polícia Federal e teve o sigilo fiscal quebrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, que é o relator dos inquéritos.


O Globo: Por unanimidade, STF mantém prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira

Decisão foi expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news

Carolina Brígido, O Globo

BRASÍLIA — Por unanimidade, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmaram nesta quarta-feira a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada ontem pelo ministro Alexandre de Moraes. No início da sessão, antes de iniciada a votação, o presidente da Corte, Luiz Fux, fez um breve discurso em prol da harmonia entre os Poderes e em defesa do STF.

— Compete ao Supremo Tribunal Federal zelar pela higidez do funcionamento das instituições brasileiras, promovendo a estabilidade democrática, estimulando a construção de uma visão republicana de país e buscando incansavelmente a harmonia entre os Poderes. Por esses motivos, esta Corte mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. Ofender autoridades além dos limites permitidos pela liberdade de expressão que nós tanto consagramos no STF exige necessariamente uma pronta atuação da Corte — disse Fux.

Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, Silveira é investigado no inquérito dos atos antidemocráticos, que apura a organização e realização de manifestações com ataques ao Legislativo e ao Judiciário, e também no inquérito das fake news, que apura ataques aos ministros da corte. A prisão ocorreu por flagrante delito por crime inafiançável e foi determinada de ofício pelo ministro dentro do inquérito das fake news, sem pedido da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Antes de determinar a prisão, Moraes consultou alguns ministros, de quem obteve apoio para colocar a medida em prática. O presidente da Corte, Luiz Fux, foi um dos que concordaram com a ideia de Moraes. Portanto, a expectativa já era de que o plenário mantivesse válida a ordem de prisão. A medida foi determinada porque o parlamentar publicou um vídeo com ataques aos ministros do Supremo. Em um dos trechos mais agressivos, ele diz que gostaria de ver ministros da Corte “na rua levando uma surra”.

— Por várias e várias vezes, já te imaginei (Fachin) levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime — afirmou Silveira.

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Ao votar em plenário, Moraes defendeu a manutenção da prisão em flagrante ordenada contra Silveira. O ministro considerou “gravíssima” a conduta do parlamentar.

Veja: A íntegra da decisão do STF que mandou prender em flagrante o deputado Daniel Silveira

— As suas declarações (do deputado), a sua incitação à violência não se dirigiu apenas a diversos ministros da Corte, ofendidos pelas mais abjetas declarações, mas muito mais do que isso: suas manifestações dirigiam-se a corroer a estrutura do regime democrático e do Estado de Direito, fazendo apologia à ditadura, ao AI-5, pleiteando o fechamento do STF, incitando a violência física, nos limites inclusive da morte de ministros, porque não concorda com posicionamentos — disse, acrescentando:PUBLICIDADE

— Muito mais do que crimes contra a honra praticados contra ministros do STF e a instituição, muito mais do que ofensas pesadas, aqui as manifestações tinham o mesmo intuito de corroer o sistema democrático brasileiro, de abalar o regime jurídico do Estado Democrático de Direito brasileiro.

O ministro lembrou a vida pregressa recente de Silveira. Citou que, em 2019, o parlamentar quebrou a placa feita pela prefeitura do Rio de Janeiro em homenagem à vereadora Marielle Franco, que havia sido assassinada meses antes. Ele também entrou à força do colégio carioca Pedro II para denunciar o suposto uso de material de conotação política em ambiente escolar. O deputado só deixou o local quando a escola chamou a Polícia Federal.

Em outra ocasião, se recusou a usar máscara de proteção individual em um avião durante a pandemia do coronavírus. A PF foi acionada e o a aeronave precisou pousar para o parlamentar ser retirado. Moraes ressaltou também que, quando foi preso na terça-feira, Silveira voltou a se recusar a utilizar máscara no Instituto Médico Legal (IML) e desacatou a policial que pediu que ele realizasse o procedimento.

Na decisão de ontem, Moraes escreveu que “as condutas criminosas do parlamentar configuram flagrante delito, pois verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos”.

Pouco antes de ser preso, Silveira gravou um novo vídeo com provocações a Moraes. O parlamentar relatou na gravação que a Polícia Federal estava naquele momento em sua residência com um mandado de prisão, mas os policiais não aparecem nas imagens. Silveira afirmou que a decisão descumpria sua “prerrogativa constitucional” de deputado federal.

— Ministro, eu quero que você saiba que você está entrando numa queda de braço que você não pode vencer. Não adianta você tentar me calar. Eu já fui preso mais de 90 vezes na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro — disse, em recado a Moraes.


O Estado de S. Paulo: Aliados de Lira avaliam rejeitar prisão de Silveira e enviar caso ao Conselho de Ética

Deputado bolsonarista foi detido após divulgar um vídeo com apologia ao AI-5, além de discurso de ódio e xingamentos contra os integrantes da Corte

Daniel Weterman, Vinícius Valfré e Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), se articulam para rejeitar a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-SP), mas de uma forma que evite passar a imagem de afronta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia avaliada nos bastidores, principalmente por partidos do Centrão, éderrubar a ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes, referendada, por unanimidade, pelo plenário da Corte. Na tentativa de contornar o desgaste, porém, o grupo tenta construir um acordo para enviar o caso ao Conselho de Ética da Casa, que está parado desde o ano passado por causa da pandemia do novo coronavírus.

Silveira, um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, foi preso no fim da noite desta terça-feira, 16, por ordem de Moraes. A decisão ocorreu após o deputado divulgar um vídeo com apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), além de discurso de ódio e xingamentos contra os integrantes da Corte.

Moraes considerou que a postagem feita por Silveira configurou desrespeito à Lei de Segurança Nacional ao atentar contra a independência dos Poderes e contra a democracia. Pela Constituição, um deputado só pode ser preso por “flagrante de crime inafiançável”, devendo a Câmara ser comunicada em um prazo de 24 horas para confirmar ou rejeitar a decisão.

Em público, líderes partidários mais envolvidos na construção do acordo têm evitado fazer considerações sobre o episódio, mas, a portas fechadas, há articulações para salvar Silveira. A proposta de enviar o caso ao Conselho de Ética, que, em tese, passaria a analisar um processo de cassação contra o deputado por quebra de decoro parlamentar, seria apenas para ganhar tempo e dar uma resposta à opinião pública e ao próprio Supremo.

Na prática, este será o primeiro teste de fogo de Lira no comando da Câmara. O desfecho do processo liderado por ele poderá representar um enfrentamento ao STF ou um aceno a seus pares, que também têm demandas judiciais na Corte e se incomodam com a pressão de ministros sobre eles.

Levantamento feito pelo Estadão sobre a ficha corrida dos congressistas eleitos em 2018 mostrou que um terço deles é alvo de investigações. O próprio Lira responde a inquéritos em tramitação no Supremo: um relacionado a desvios na Companhia Brasileira de Trens Urbanos e outro na Lava Jato, do chamado “quadrilhão do PP”. Agora, ele tenta construir um acordo para que a crise não se torne uma afronta ao mesmo STF que o tornou réu.

Para barrar a prisão de Silveira, parlamentares devem argumentar que, embora considerem graves as declarações do deputado, Moraes exagerou ao determinar a prisão “em flagrante” após a postagem do vídeo. Nos bastidores, há um temor de que a confirmação da decisão do ministro abra um precedente.

O primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), afirmou que Silveira cometeu crimes, mas que é preciso avaliar tecnicamente a necessidade de prisão. “A despeito dos ânimos exaltados, o julgamento não deve ser sobre quem falou e o que falou, mas sobre a existência ou não do flagrante. Lembremos que essa decisão gerará precedente”, disse Ramos.

Na mesma linha, o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), também aliado do Palácio do Planalto, alertou para uma brecha no futuro. “Não concordo com o perfil do deputado, mas o STF não é o dono do Brasil. Hoje foi Daniel, amanhã pode ser qualquer um de nós”, escreveu o parlamentar.

Para o líder da bancada do Novo, Vinícius Poit (SP), houve abuso na decisão de Moraes porque Silveira deveria ser processado antes pelos ataques, como qualquer outro cidadão. Embora não concorde com o teor das declarações do colega, Poit disse que a tendência é a bancada da sigla rejeitar a prisão.

“Estamos tendendo a votar pela rejeição da prisão. A gente tem que pontuar que não concordamos com o que ele falou, mas estamos estudando se cabe alguma coisa no Conselho de Ética ou não. Liberdade é liberdade. Não podemos aplicar a lei só quando nos convém”, afirmou o líder do Novo.

A estratégia para trocar a prisão de Silveira por providências internas enfrenta, porém, resistência mesmo entre integrantes do grupo mais próximo ao governo e a Lira. O receio desses parlamentares é de que uma eventual abertura de processo no Conselho de Ética seja interpretada como tentativa de ludibriar a opinião pública e o STF. O colegiado está desativado por causa da pandemia e ainda nem começou a analisar o caso da deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido.

Um dos principais aliados de Lira, o deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) disse que sua posição ainda não está definida. “Que a decisão do ministro Alexandre vai além do artigo 53 da Constituição Federal (sobre a prisão em flagrante), ela vai. Mas a forma como o colega deputado abordou é humilhante para os ministros da Suprema Corte”, admitiu ele.

Já na avaliação do deputado Fábio Trad (PSD-MS), a decisão de Moraes não ofende direitos dos parlamentares e está correta sobre a prisão em flagrante. Para o parlamentar, um “meio-termo”, com envio do caso ao Conselho de Ética, seria uma mensagem negativa da Câmara à sociedade.

“São 19 minutos de ofensas que estão sendo reportadas e chegando ao conhecimento do público pela postagem. As consumações se perpetuam no tempo. Não vejo violação de prerrogativas do Parlamento”, destacou Trad. “Até ele ter o direito, a tramitação, a ampla defesa, o contraditório (no Conselho de Ética), qual a mensagem que o Parlamento transmite à sociedade? Isso não pode. Não há liberdade para a prática de crimes. E ele praticou”.

Oposição defende cassação de Daniel Silveira

Enquanto os partidos aliados a Lira se movimentam para rejeitar a prisão de Silveira, a oposição quer marcar posição e cassar o mandato dele, sob o argumento de quebra de decoro.

O líder do PT na Casa, Ênio Verri (PR), disse que o partido vai se posicionar a favor da cassação do mandato de Silveira. “Vou me posicionar a favor da instalação do Conselho de Ética, que é quem deve decidir. Mas sou a favor da cassação do mandato dele, pelo histórico, não apenas pelo fato. Ele é reincidente, e uma pessoa que não honra o que jurou sob a Constituição tem de responder por isso”, afirmou.

A primeira vice-líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), disse que Silveira “confunde imunidade parlamentar com impunidade” e abusa da liberdade de expressão para cometer crimes. “O deputado atenta contra a Constituição e os pilares da Democracia, diminuindo a autoridade do STF e a independência dos Poderes”, observou ela. “O Parlamento não pode assistir a tudo isso e não puni-lo. Precisamos manter a prisão, levá-lo ao Conselho de Ética e cassar o mandato dele.”

O PSOL entrou com representação para cassar o mandato do deputado no Conselho de Ética da Câmara. Aliados de Lira, no entanto, dizem ser preciso reativar o colegiado para avaliar eventuais punições mais leves a Silveira, entre elas a suspensão.

O líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), não antecipou qual será a orientação à bancada na votação sobre manter ou não a prisão, mas reprovou os ataques feitos por Silveira aos ministros do Supremo.

“As declarações são estarrecedoras. Trata-se de um dos ataques mais ultrajantes que a Suprema Corte já sofreu”, observou Castro. “No âmbito da Câmara, o foro para apurar as infrações cometidas pelo deputado é o Conselho de Ética, mas, ainda assim, todas as penas que possam ser aplicadas contra ele são insuficientes frente ao que a sociedade espera”.

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Vinicius Sassine: Os comandantes e o bolsonarismo

Próximos anos podem servir para novas reações à relação entre um comandante e o ex-capitão

No comando do Exército, o general Eduardo Villas Bôas agiu para pressionar o STF e para favorecer seu candidato à Presidência: Jair Bolsonaro. Um tuíte com verniz conspiratório, agora dissecado pelo próprio Villas Bôas, foi feito para interferir no julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula, em 2018. A prisão do petista mudou a eleição.

As reações ao que ocorreu naquele momento-chave chegam com um atraso já habitual na democracia brasileira. Além de tardias, não passam de ruídos. E o mesmo deve ocorrer em relação à postura de um outro comandante, sucessor de Villas Bôas e atual líder do Exército brasileiro: o general Edson Leal Pujol.

Pujol não é Villas Bôas. Seu estilo é quase o oposto. Não há verborragia, redes sociais, pontes sólidas no mundo político ou ausência de sutilezas. Mas o comandante serve ao ideário bolsonarista, e sua conduta (ou a ausência dela) ajuda a compor as ofensivas mais danosas de Bolsonaro nesta primeira metade de mandato.

A permanência do general Eduardo Pazuello no cargo de ministro da Saúde e na ativa do Exército contou com aval de Pujol. Pazuello, hoje, é investigado por crimes e improbidade, suspeito de omissão diante de iminentes mortes por asfixia.

O laboratório do Exército produziu 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina, droga sem efeito para Covid-19, porque não houve objeção do comandante. Pelo contrário: o Exército distribuiu o medicamento de Bolsonaro a estados e municípios.

E o armamento da população, com flexibilização de regras, passa diretamente pelo esvaziamento de atribuições do Exército. Mais uma vez, Pujol é condescendente.

O comandante justifica a postura com explicações genéricas. "O laboratório do Exército é executor, não decide sobre medicamentos." Ou: "A passagem do militar à inatividade não é decisão discricionária do comandante". Os próximos anos podem servir para novas reações à relação entre um comandante e o ex-capitão.


Hélio Schwartsman: O golpe dos militares

Esforço para convencer de que a ditadura era coisa do passado não passou de propaganda enganosa

Por algum tempo eu acreditei que as Forças Armadas brasileiras haviam se profissionalizado, abandonando de vez a ingerência política e buscando o aprimoramento técnico. Eu estava errado.

Especialmente nos anos 1990 e na primeira década deste século, os militares brasileiros empreenderam um grande esforço de relações públicas para nos convencer de que a ditadura era coisa do passado e que as Forças Armadas estavam comprometidas com a democracia e preocupadas com a eficiência.

É claro que os militares ainda torciam o nariz para iniciativas como a Comissão da Verdade e, de vez em quando, algum deles, em geral um general de pijama, vinha com um discurso com ares de recaída autoritária. Nada que preocupasse muito. Bastaram, porém, alguns anos com a perspectiva de exercer mais poder, para constatarmos que tudo não passava de propaganda enganosa.

É complicado julgar uma instituição por alguns de seus membros, mas, se a performance dos militares no governo é representativa das Forças Armadas, a competência passa longe dos quarteis. O caso mais gritante é o do general Eduardo Pazuello, perdido no Ministério da Saúde, mas não é o único. Nunca um governo teve tantos militares em seus quadros e nunca vimos uma administração tão ineficaz quanto esta.

O compromisso com a democracia também não era firme. O famoso tuíte de 2018 em que o general Eduardo Villas Bôas fez ameaça velada ao STF até poderia, com boa vontade, ser classificado como estupidez individual. Agora que ficamos sabemos que a mensagem resultou de uma trama envolvendo toda a cúpula do Exército, o caso ganha outra dimensão.

Num país mais decente, os generais que participaram da reunião e ainda estão na ativa seriam postos na reserva e se abriria uma investigação para apurar sedição. Mas estamos no Brasil. Não precisam se preocupar com isso. Tolo sou eu que acreditei no golpe de marketing castrense.


Bernardo Mello Franco: Gilmar e Fachin no baile de máscaras do Supremo

O carnaval foi cancelado, mas o Supremo manteve viva a tradição do baile de máscaras. Na terça-feira gorda, o ministro Gilmar Mendes voltou a se exibir em nova fantasia. Ex-integrante do Bloco da Lava-Jato, ele agora desfila na ala dos críticos da operação.

Em entrevista à BBC News Brasil, Gilmar disse que a força-tarefa de Curitiba virou “movimento político” e “tinha candidato” na última eleição presidencial. Faz sentido, mas parece que ele demorou a notar.

Por muito tempo, o ministro elogiou os métodos de Moro, Dallagnol & cia. Em setembro de 2015, ele disse que a operação salvou o Brasil de virar uma “cleptocracia”. “A Lava-Jato estragou tudo”, comemorou.

Seis meses depois, Gilmar barrou a nomeação de Lula para a Casa Civil com base num grampo divulgado ilegalmente por Moro. A liminar invadiu atribuição do Executivo e deu o empurrão final para o impeachment.

Consumada a queda de Dilma Rousseff, o ministro passou a enxergar abusos na Lava-Jato. Em entrevista recente, ele apontou um “jogo de promiscuidade” entre juiz e procuradores. Curiosamente, não viu problema em seus 43 telefonemas com Aécio Neves quando o tucano era investigado por corrupção.

Com a fantasia de garantista, Gilmar reciclou a imagem e virou herói de setores da esquerda. A amnésia faz parte da folia, mas a Lava-Jato é a mesma de outros carnavais. Quem mudou foi o supremo ministro.

Na segunda-feira, Edson Fachin brilhou como destaque no baile de máscaras. Em nota, ele afirmou que a pressão de militares sobre o Supremo é “intolerável e inaceitável”. O ministro tem razão, mas está atrasado.

Quando o general Villas Bôas emparedou o tribunal com uma ameaça de golpe, às vésperas da eleição de 2018, Fachin silenciou. Quase três anos depois, desperta para a interferência “gravíssima” dos quartéis.

A esta altura, o protesto não tem qualquer efeito prático. Só serve como tentativa de retocar a biografia do ministro. Ainda assim, ele virou alvo de novo deboche do general


El País: Supremo manda prender deputado Daniel Silveira, e Lira tem primeiro teste institucional na Câmara

Deputado divulgou vídeo com ataques à Corte e foi detido em flagrante no inquérito das ‘fake news’, após ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes. Câmara decide se o manterá preso e presidente da Casa diz que irá se guiar pela Constituição

Rodolfo Borges, El País

A batalha entre os Poderes em Brasília ganhou um novo front nesta quarta-feira. Quase no início da madrugada, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) recebeu uma visita da Polícia Federal em sua casa, por instrução do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. “Polícia Federal na minha casa neste momento cumprindo ordem de prisão, ilegal, do ministro Alexandre de Moraes”, publicou em suas redes sociais o deputado, dando início a uma série de vídeos em que divulgaria os passos de sua detenção. Horas antes, o parlamentar havia publicado outro vídeo com duras críticas e ataques aos ministros do Supremo que foram consideradas por Moraes como parte das “condutas criminosas” de Silveira. O vídeo, de acordo com o ministro, configurou ”flagrante delito”, o que justificou a ordem de prisão inafiançável do deputado no âmbito do polêmico inquérito das fake news, aberto pelo próprio STF, sem pedido da Procuradoria Geral da República, para investigar ameaças à Corte Suprema. Silvera é um dos investigados. Caberá à Câmara, contudo, a última palavra sobre a prisão. Os deputados podem decidir soltar o colega após uma votação com maioria absoluta ―257 dos 513 votos da Casa.

O recém-empossado presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou convocação de reunião extraordinária da Mesa para as 13h desta quarta-feira. Na sequência, ocorre encontro do Colégio de Líderes. “Vamos, em conjunto, avaliar e discutir a prisão do deputado Daniel Silveira.” Na madrugada, ele já havia comentado via redes sociais que “a Câmara não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário”. “Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia”, escreveu Lira, que chegou ao comando da Casa legislativa com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. “Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da Democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que represento”, finalizou.

No vídeo que desencadeou a reação de Alexandre de Moraes, Silveira, que ficou mais conhecido no país após quebrar uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco, diz que por várias vezes já imaginou o ministro Luiz Edson Fachin “levando uma surra”. “Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu  fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime”, diz o deputado em um trecho da gravação, que Moraes mandou o Facebook tirar do ar. “Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”, completa Silveira, ainda em referência a Fachin.

O fio desse novelo de fim desconhecido começou a ser puxado em 2018, quando o então comandante do Exército Eduardo Villas-Bôas comentou nas redes sociais o julgamento de um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Villas-Bôas escreveu em seu perfil no Twitter que o Exército brasileiro compartilhava do “anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, numa mensagem que foi interpretada como manifestação indevida de um chefe militar, ainda que não mencionasse diretamente o caso de Lula, que seria julgado pelo STF naquele mesmo dia. Villas-Bôas comenta esse episódio em livro recém-lançado, no qual detalha que aquela manifestação foi discutida previamente com o Alto Comando do Exército.

O ministro Fachin divulgou nota nesta terça-feira para dizer, à luz do que o general detalhou em seu livro, que a manifestação de Villas-Bôas foi uma “intolerável e inaceitável” pressão das Forças Armadas no Judiciário. Foi contra esse comentário de Fachin que o deputado Daniel Silveira se insurgiu. “Vá lá, prende Villas-Bôas”, provocou o deputado no vídeo, sempre se dirigindo a Fachin. “Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas-Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas-Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas-Bôas. Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças”, acusa o deputado na gravação, incluindo outros ministros do STF em seus ataques.

“Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas-Bôas rapidão, só pra gente ver um negocinho”, provoca Silveira em outra passagem do vídeo, quando também inclui provocações ao ministro Luís Roberto Barroso.. “Se tu não tem coragem, porque tu não tem culhão pra isso, principalmente o Barroso que não tem mesmo. Na verdade ele gosta do culhão roxo. Gilmar Mendes... Barroso, o que é que ele gosta: culhão roxo. Mas não tem culhão roxo. Fachin, covarde. Gilmar Mendes... [esfrega os dedos no sinal de dinheiro] é isso que tu gosta né Gilmarzão? A gente sabe.” Em outro trecho, o ataque fica mais generalizado: “Eu sei que vocês vão querer armar uma pra mim pra poder falar ‘o que é que esse cara falou no vídeo sobre mim, desrespeitou a Supremo Corte’. Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de onze novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereceram. Vocês são intragáveis”.

A prisão de Silveira pôde ser acompanhada por seus seguidores por meio do Facebook. No último vídeo que divulgou, o deputado aparece no Instituto Médico Legal (IML) batendo boca com uma agente sobre a obrigação de usar máscara para evitar a disseminação do novo coronavírus. Após resistir, Silveira acaba colocando uma máscara. Seus perfis nas redes sociais seguem sendo abastecidos após a detenção. “Aos esquerdistas que estão comemorando, relaxem, tenho imunidade material. Só vou dormir fora de casa e provar para o Brasil quem são os ministros dessa suprema Corte. Ser preso sob estas circunstâncias, é motivo de orgulho”, diz uma das mensagens.

O PSL, partido do parlamentar, afirmou em nota que o parlamentar deve ser afastado do partido, e informou que “repudia com veemência os ataques proferidos pelo deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) a ministros do Supremo Tribunal Federal”. A direção nacional da legenda pela qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito ―mas do qual ele saiu em novembro de 2019 para fundar um partido próprio, ainda não consolidado― também defendeu o STF, que classificou como “guardião da Constituição Federal e, como tal, um dos pilares do Estado Democrático de Direito”. A nota de repúdio do PSL é uma explícita tentativa de afastar o partido do viés golpista das mensagens divulgadas pelo parlamentar. “A Executiva Nacional do partido está tomando todas as medidas jurídicas cabíveis para a afastamento em definitivo do deputado dos quadros partidários.”

Resta saber como a Câmara, enquanto instituição, irá se manifestar. “Foi uma fala gravíssima contra a ordem democrática e contra a autonomia dos Poderes, e [o deputado] deve ser duramente reprimido. Mas para ser preso não basta que ele tenha cometido um crime”, comentou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), 1º vice-presidente da Câmara, em entrevista ao programa Sua Excelência, o Fato, dos jornalistas Luis Costa Pinto e Eumano Silva. “Se a Câmara tivesse dado exemplo desde o primeiro caso [de ataques ao STF], não estaríamos passando por este momento. Se não tivesse sido leniente com outras declarações, não estaríamos nisto”, comentou.


Pedro Dória: Prisão de deputado bolsonarista põe Arthur Lira em xeque

Com a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), já no fim da noite de terça-feira, o Supremo colocou o presidente da Câmara, Arthur Lira, em xeque. E, simultaneamente, enviou um forte aviso ao Exército Brasileiro e ao Palácio do Planalto. A situação toda é muito delicada.

Para Lira, o problema é simples: Silveira foi preso por ameaçar o Supremo. Por ele ser deputado, o plenário da Câmara precisa confirmar a prisão — ou negá-la. Se nega, o Legislativo manda ao Judiciário uma mensagem. Considera normal que parlamentares ameacem outro Poder. Aquilo que o presidente Jair Bolsonaro passou o primeiro semestre de 2020 fazendo — ameaçar o Supremo — passa a ser prerrogativa também dos deputados. Se, porém, permite a prisão, Lira entra em conflito com o próprio Planalto e a base ideológica do presidente.

O centrão, do qual Lira é líder, tem duas características. Uma é de que troca favores no Parlamento por espaço no Executivo e verbas para os deputados. Outra é que é ideologicamente amorfo e evita se definir. O gesto de Silveira — em seu vídeo o deputado essencialmente desafiou o Supremo a prendê-lo — obriga o centrão a se posicionar para defender um discurso bolsonarista radical. Ou, então, se afastar.

Ocorre que o Planalto ainda não liberou as verbas e mal distribuiu cargos no ministério. O acerto de contas para ser feito pela eleição de Lira ao comando da Câmara não ocorreu. É cedo para ter este desgaste na relação — mas o centrão vai ter de se posicionar. E não é simples. Muitos deputados precisam estar nas graças do STF. Como precisam estar nas graças do Planalto.

De sua parte, o STF agiu claramente dentro da lei para efetuar a prisão. O ataque foi a Edson Fachin, o relator da Lava-Jato, num momento em que a operação está sob fogo cerrado. E, indiretamente, mostra uma resposta da Corte à pressão que sofreu em 2018, só agora se sabe, não apenas do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Mas de todo o Alto Comando da Arma. Afinal, quando atacou o Tribunal no vídeo que motivou sua prisão, Silveira desafiava os ministros a prenderem Villas Bôas — ou se abaixar perante a pressão. Com seu gesto, ofereceu à Corte uma terceira saída. Prendê-lo e assim mostrar um gesto forte.